Cenário: um cais, a margem de um rio – o rio do “outro mundo” -,
onde há dois batéis prestes a partir: um deles, conduzido por um Anjo, leva ao Paraíso; o outro, conduzido por um Diabo (que se faz acompanhar de um ajudante), leva ao Inferno. O Diabo dialoga com o seu companheiro, ordenando-lhe que apronte a barca para a partida. Esta é festivamente embandeirada, porque Satanás prevê o transporte de grande número de condenados.
O Auto da Barca do Inferno foi composto por Gil Vicente sem
qualquer divisão externa, como aliás era próprio do teatro medieval. Contudo, encontramos, aqui, o auto dividido em cenas, à maneira clássica, ou seja, mudando de cena quando entra ou sai uma personagem. O auto é composto, assim, por 11 cenas.
A nível interno, O Auto da Barco do Inferno não é composto por
uma acção única, mas por um conjunto de mini – acções paralelas, cada uma delas girando em torno de um ou mais protagonistas. Oito dessas mini – acções são formadas pelas três partes clássicas: a exposição, o conflito e o desenlace. A maior parte das vezes, a exposição e o conflito apresentam-se interligados: a primeira consta de uma breve apresentação da personagem e o segundo de um duplo interrogatório, feito pelo Diabo e pelo Anjo. O desenlace é constituído pela sentença proferida pelo Anjo ou pelo Diabo, condenando as almas recém – falecidas a entrarem na barca.
Cada mini – acção funciona semelhantemente a um tribunal. São
os capitães das duas barcas – a do Inferno e a da Glória – que vão desempenhar, simultaneamente, em todo auto, a função de advogados de acusação e de juízes. Cabe ao réu, e só a ele, defender a sua causa. Trata-se de um tribunal rigoroso em que os réus têm poucas ou nenhumas possibilidades de defesa. Tudo já está determinado pelas suas acções ou vida passada. Assim, uma série de personagens vai chegando à praia: são os mortos que acabam de deixar o mundo: cada um terá o seu próprio julgamento.
A primeira mini – acção é consagrada à apresentação e