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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarñ)
APRESENTTAQÁO
DA EDI9ÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaiega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confisca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO IU
ÍNDICE

I. CIENCIA. E RELIGIAO
Pft?.

1) "O trabalko da máquina em varios casos parece muito


■superior ao do homem. Dizem que o género humano corre o risco
de ser vitima de um golpe dos autómatos eletrónicos (robos).
Nao significa isto que a inteligencia humana nao é sendo
urna expresado da materia, express&o que na máquina pode estar
mais evoluida do que no próprio homem ?" 243
f

n. filosofía e keligiao

2) "Oliuro 'O Advogado do Diabo' de Morris West tem des


pertado grande interésse no público, pois parece apontar, com
profundo realismo, falhas da burocracia da Igreja.
Crítica construtiva ou nao ?" ■ W

III. DOGMÁTICA

3) "Tém-se difundido folhetos intitulados 'Certiddo de nasci-


mento de algumas invengóes ou inovaeóes da Igreja Católica Ro
mana' e outroa congéneres.
Insinuam que a Igreja tem deturpado o Evangelho recebido
de Cristb e dos Apostólos.
Como julgar o caso ?" 256

4) "Como se justifica a oracáo pelos morios ?


Era praticada na Igreja antiga ?" SOS

IV. MORAL

5) "Nao seráo verdadeiros mártires os monges budistas que


no Vietnam se incendiaran para defender a sua religiáo ?
Haveria muitos cristáos dispostos a fazer o mesmo em prol v
da fé crista t" 272

6) "Qual o sentido da frase de Jestis : 'Todos os que toma-


rem da espada, perecerSo pela espada' (Mt 20,52)?
A experiencia ensina, de um lado, que nem todos os que re-
correm a violencia sao violentamente punidos, e, de outro lado,
que muitoa inocentes sofrem violencia" 280

CORRESPONDENCIA MIODA 281

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano Vil — N* 78 — Jonho de 1964

I. CIENCIA B RELIGIAO

FÍSICO (Rio de Janeiro):

1) «O trabalho da máquina em varios casos parece muito


superior ao do homem. Dizem que o género humano corre o risco
de ser vitima de nm golpe dos autómatas eletrónicos (robos).
Nao significa isto que a inteligencia humana nao é senáo
urna expressáo da materia, expressáo qne na máquina pode estar
mais evoluída do que no próprio homem?»

A eletrónica e a automagáo (produgáo de máquinas auto


máticas) tomaram grande impulso a partir de 1943, quando se
descobriu o radar.
Esta palavra é a abreviagáo da expressáo inglesa «Radio Detection
And Ranging». Designa o processo de descobrir a presenga de carpos
distantes mediante ondas eletromagnéticas.

Hojeem dia urna ciencia especial explora o automatismo,


visando produzár máquinas capazes de governar a si mesmas ou
de executar determinado programa para obter um fim preciso.
Tal ciencia toma o nome de Cibernética (do grego kybernan,
governar). Prosperou surpreendentemente de 1948 a 1953, sus
citando no público expectativas grandiosas; julgava-se poder
obter da máquina tudo que o homem faz, e muito mais ainda...
Depois de 1953, porém, o entusiasmo arrefeceu por cérea de dez
anos. Nos últimos tempos, os estudiosos tém voltado a conside
rar com grande interésse as realizagóes da Cibernética; é, porém,
com mais equilibrio e menos ilusóes que o fazem.
Por que se terá dado tal recuo?
Verificou-se estranho fenómeno : a máquina ultrapassa o
homem em velocidade e acertó quando se trata de executar um
programa já tragado e encomendado. Contudo ela decepciona,
mostrando-se inepta ou incapaz, desde que se trate de conceber
um plano de agáo.
E qual o motivo dessa inepcia da máquina?
Todo gesto humano quedecorra da apreciagáo de circuns
tancias, .-,. que implique a verificagáo de proporgóes ou relagóes,
todo gesto enfim que vise utilizar meios para conseguir determi
nado objetivo, por mais simples que seja, supóe certa «elastici
dades no agente; éste deve possuir a capacidade de se adaptar a
situagóes variáveis, modificando o seu programa de acordó com
as possiveis exigencias de cada momento. Ora a máquina carece

— 243 —
«PERGUNTE E RESPONPEREMOSx> 78/1964, qu. 1

disto; executa cegamente o itinerario que o operador humano


lhe incute, por muito complicado que seja; caso o roteiro tenha
sido beni planejado pelo homem e nao sofra contra-tempo por
parte de circunstancias imprevistas, a tarefa da máquina, uma
vez desencadeada, se reveía muito mais rápida e segura do que
a do homem, pois a agáo das ondas eletromagnéticas se desen-
volye á razáo de 300.000 km por segundo, ao passo que a do sis
tema nervoso chega apenas á velocidade máxima de algumas
dezenas de metros por segundo. Isto explica os efeitos maravi-
lhosos que a máquina eletrónica produz, principalmente quantlo
se trata de fazer operagóes matemáticas. Se, porém, o itinerario
foi mal concebido pelo trabalhador humano, ou caso venha a
sofrer imprevisto, a máquina nao o corrige nem se adapta; ela
cai certeiramente no erro.

Tais principios já foram proposfos em «P. R.» 15/1959, ,qu. 1. Aqui


acrescentaremos a descricáo de alguns fenómenos que demonstram
claramente quanto o trabalho ou o procedimento da máquina é inferior
ao do homem.

a) Tenha-se em vista o andar humano. Supóe a execugáo


de numerosos movimentos parciais, bem equilibrados entre si a
cada instante, de acordó com os acidentes da marcha (subida ou
descida de ladeira, de escada...; corrida acelerada, retardada;
salto de muros...; escalada de uma árvore...). O caminhar,
portanto, mostra que no homem há um principio que torna
«elásticas» as suas reagóes, fazendo que os seus movimentos
sejam proporcionados as variadas circunstancias da via.
Ora a máquina é incapaz de realizar tal tarefa. Dizia Apoli-
nário : «Quando o homem quis construir um aparelho que imi-
tasse as suas pernas, inventou a roda». Contado a roda só se
desloca sobre níveis pouco acidentados e sobre pistas já prepa
radas para ela; nao se lhe pega que venga os obstáculos resul
tantes de uma escada a ser galgada ou de um muro a ser pu-
lado... Tais operagóes exigiriam percepgáo de proporgóes e
capacidade de se adaptar com certa amplitude, coisas que ultra-
passam o alcance da máquina.
Diga-se de passagem: a percepgao de propo.rg5es e a capacidade
de se adaptar ultrapassam também o alcance do animal iníra-humano,
como já notamos em «P. R.» 33/1960, qu. 2. O animal nao-humano se
rege pelo instinto. Ora o instinto, por mais • aperfeicoado que seja, é,
em grau maior ou menor, cegó, pois ele se exerce com propósito' e
também sem propósito...

b) De modo geral, os movimentos do homem sao incompa-


rávelmente superiores aos de um motor. Com efeito, no ser hu
mano há uma gama de gestos muito rica para cada um dos mem-
bros do organismo (para cada brago, por exemplo), e há uma

— 244 --
MAQUINA ELETR6NICA E INTELIGENCIA HUMANA

surpreenderite capacidade de comandar tais gestos, de modo que


se cóncatenam entre si", cada qual no momento oportuno. Ora
isto falta por completo na máquina.
Sem dúvida, urna roda posta em movimento pode fazer que
outras rodas e muitas alavancas entrem em atividadé, desde que
se use um sistema de engrenagem bem concebido. Assim produz-
--se urna rede complexa de movimentos ou de pegas que se des-
locam. Contudo note-se que todos ésses movimentos estáo asso-
dados entre si a ponto de depender uns dos outros; em última
análise, reduzem-se a um só movimento, isto é, á rotagáo da
roda de base; supressa esta, tudo mais para. Por conseguinte,
a aparente riqueza de movimentos é, no caso, muito pobre.
¿*

Faca^se agora um confronto com a máo do homem. Verifica-se que


cada um dos dedos pode ser movido e comandado independentemente
dos outros. Da mesma forma, o punho, o cotovélo, o ombro sao postos
em acSo sem interferencia mutua. Os estudiosos calculam que cada
braco humano goza de sessenta graus de liberdade ou de sessenta pos-
sibilidades de movimentos independentes uns dos outros.
Isto quer dizer que, se alguém quisesse fabricar um brago artificial,
deveria dotá-lo de sessenta motores diferentes; deveria prover ao rea-
bastecimento próprio de cada um désses motores e fazer que cada
movimento se pudesse desencadear no instante oportuno, ou seja, em
concatenacüo exata com as demais deslocagóes do braco artificial. Con-
ceber urna máquina dessas e pó-la em acáo, eis urna tarefa extrema
mente dificil.
Por isto ñas usinas os técnicos nao procuran» fazer máquinas que
reproduzam os gestos do braco humano com a riqueza de movimentos
que éste possui; o trabalho seria por demais complicado. Ao contrario,
tendem a simplificar o mais possivel os «bracos», isto é, os sistemas
de engrenagens e concatenacSes de movimentos; os estudiosos julgam
obter grande sucesso, quando conseguem que movimentos simples pos-
sam ser executados em sucessáó bem concatenada. Isto mostra como o
braco humano é vilipendiado quando o querem comparar com um
autómato moderno.

Para ilustrar a diferenga entre o trabalho humano e o da


máquina, pode-se citar o caso seguinte :

Um homem quer fincar pregos em urna superficie de madeira...


Para que penetren», deverá aplicá-los. é claro, com a ponta voltada para
o lenho e a cabeca pata o alto. O trabalhador poderá apanhar os pre
gos como se acham dentro de urna caixa; com um simples movimento
dos aedos colocá-los-á na posicáo devida a fim de que furem a madeira.
— Admita-se agora que o homem decida recorrer a urna máquina para
executar tal trabalho com exatidáo, por mais simples que seja. É pre
ciso que o* operador lhe dé os pregos convenientemente orientados; se
.nao estiverem orientados, a máquina nao corrigirá a posicáo dos pre
gos, mas tentará fincá-los com a ponta para cima e a cabeca para baixo;
ela aceitará os pregos como estes lhe fórem comunicados; é ao traba
lhador humano que compete avaliar a exatidáo das posicoes.
A Incapacidade da máquina, no caso, nao se deve á complexidade
do gesto (mudar a posicSo de um prego nao é coisa complexa), mas
devc-se ao fato de que a máquina nao percebe o «porque» da sua ati-

— 245 —
cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 78/1964, qu. 1

vidade; nao percebe as proporcOes vigentes entre os seus <gestos> e


a meta a atingir. A sua acao está limitada cegamente ao setor que o
trabalhador humano lhe assinalou.
Nao há dúvida, porém, de que o trabalho da máquina, urna vez
planejado e encomendado pelo homem, se desencadeia multo.mals
velozmente do que a atlvidade de um operario correspondente.

c) Leve-se em conta outrossim a diferenga entregó homem


e a máquina no que diz respeito a «colhér krformacóes».
O homem vé o mundo que o cerca, reconstituindo-o em seu
cerebro gragas a um trabalho muito sutil e complexo. De fato,
a retina humana consta de mais de cem milhóes de células; cada
urna dessas células capta algo do objeto que se lhe apresenta
fora, e envia essa mensagem, através de filamentos nervosos, a
urna regiáo do cerebro dita «área visual»; as múltiplas mensa-
gens assim captadas e transmitidas isoladamente sao, dez vézes
por segundo, associadas entre si dé modo a dar finalmente urna
imagem única ou a imagem cerebral correspondente ao objeto
situado fora da pessoa. Destarte o homem constituí em seu cere
bro urna especie de mapa do mundo que o cerca. Em vista désse
mapa, ele agirá com conhecimento de causa, adaptando adequa-
damente seu comportamento as sucessivas situagóes em que se
ache.

A máquina é totalmente incapaz de efetuar semelhante.


síntese.

A muito custo, os técnicos conseguem que os autómatos


«leiam» certas letras ou números datilografados; o quequer
dizer :... se comportem diversamente segundo diversas letras
ou números (sinais, em geral) que Ihes sejam apresentados.
Para tanto, porém, é necessário que letras e números ocorram
aos autómatos em condigóes bem precisas. — De resto, sabe-se
que as máquinas nao «reconhecem» objetos como os reconhece
o ólho humano, isto é, independentemente de determinado modo
de apresentagáo; só «véem» os objetos para os quais o homem
as construiu, e os véem de acordó com o programa que o opera
dor Ihes impóe. O homem fica sendo o indispensável inspirador
e intérprete das máquinas. É ele o intermediario entre a má
quina e o mundo que a cerca. Donde se vé como carece de fun
damento á hipótese ou a fábula segundo a qual o homem teria
que recear um golpe ou urna revolugáo por parte dos «robos» ou
autómatos. No que concerne o conhecimento do mundo exterior,
o trabalho da máquina é muito inferior ao trabalho humano.
Nao se poderia, por exemplo, pretender fabricar um aparellio
capaz de colhér morangos ou frutas espalhadas em um pomar,
ou capaz de talhar urna pele de animal.

. — 246 ^-
«O ADVOGADO DO DIABO»

O homem conserva a sua transcendencia frente aos mais


aperfeigoados autómatos eletrónicos pelo fato de ter urna inte
ligencia ou urna faculdade de conhecimento quejiáo é material,
mas, sim, espiritual.
«O homem nao é so materia, mas é materia e espirito»., Eis
urna proposigáq da antiga filosofía que as modernas ciencias,
com todo o seu aparató, só fazem comprovar.

II. FILOSOFÍA E RELIGIAO

BÉLAS LETRAS (Sao Paulo) :

2) «O livro' 'O Advogado do Diabo' de Morris West tem


despertado grande interesse no público, pois parece apontar,
com profundo realismo, fainas da burocracia da Igreja.
Critica construtiva ou nao ?»

Antes do máis, referiremos brevemente o conteúdq do livro.


A seguir, procuraremos aquilatar o seu valor.

1. O enredo

I O autor, Morris West, já nos é ¿orinecido pela obra «As


Sandalias do Pescador», analisada em «P. R.» 77/1964. Nó ro
mance «O Advogado do Diabo» Morris West propóe ao leitor a.
figura de um sacerdote inglés, Monsenhor Blaise Meredith, que
exerce cargó jurídico na Curia Romana (Congregagáo dos Ri
tos); é, nos processos de canonizacáo dos Santos, Promotor de
Justiga, também dito «Advogado do Diabo-o, encarregado de exa
minar rigorosamente os escritos e a conduta dos justos falecidos
em fama de santidade.
Mei'gulharido-se, porém, em questóes de Direito eclesiástico,
dentro de um regime' profesional muito calmo, Blaise perderá,
por assim dizer, o senso da'realidade da vida; ignorava quase
por completo o amor, com seus impetos e suas emógóes (nao
exercia nem o amor conjugal nem o amor de pastor de almas).
Levava, em conseqüéncia, urna vida depauperada de sentimentos
humanos. ■
UnTbelo dia, seu médico lhe anunciou que grave molestia
lhe minava o organismo, de modo que apenas poucos meses de
vida aínda lhe restavam.
Ao ouvir isto, Blaise reconsiderou o seu passado, e espan-
tou-se por encontrá-lo táo vazio:

— 247 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964. qu. 2

«Jamáis gerara um filho, plantara urna árvore ou colocara pedra


sobre, pedra na construcáo de urna casa ou monumento. Nao tlvera
odios, mas também nao dispensara caridade. Seu trabalho se desfaria
em p'ó nos arquivos do Vaticano. Qualquer virtude que acaso tivesse
ílorescido em seu ministerio, era sacramental, e nao individual. Os
pobres nao o abencoariam pelo seu pao, nem os enfermos pelo-con
soló de suas palavras, nem os "pecadores pela salvacáo de suas almas.
Fizera tudo o que d&le haviam exigido; nao obstante, morreria vazio
e, dentro de um mes, seu nome seria um pouco de pó soprado sobre o
deserto dos sáculos» (pág. 5s).

Ao mesmo tempo, porém, o Cardeal Prefeito da S. Congre-


gacáo dos Ritos resolveu enviar Mons. Meredith a urna locali-
dade da Calabria (Sul da Italia) chamada «Gemelli dei Monti»,
a fim de examinar os indicios de santidade de um homem bom
— Giacomo Nerone —, o qual fóra condenado á morte pelos
patriotas guerrilheiros no após-guerra : Giacomo muito se dedi
cara ao bem de sua gente, procurando aliviar a dura sorte de
todos, de modo que a populagáo locar o apregoava como santo.
A tal propósito, Morris West mostra minuciosamente o que pode
haver de belo e inocente, mas também o que há de fantasista e
aberrante na piedade do povo simples, principalmente quando é
dada a exuberancia no culto dos santos e na procura de milagres.
Justamente o contrario se dava com Blaise Meredith, cujas ati-
tudes eram secas e artificiáis.
Con tudo Giacomo Nerone, antes de se tornar o grande
amigo dos indigentes, vivera na localidade mesma de Gemelli
um drama de amor com urna mulher — Nina —, a qual, em con-
seqüéncia, dera á luz um filho natural: Paolo. Tanto Nina
quanto Paolo residiam em Gemelli; Paolo era cobicado apaixo-
nadamente por pessoas de certa posicáo social (urna condessa,
um pintor...); um médico judeu e um sacerdote estavam en
volvidos ñas artimanhas mesquinhas que se tramavam na aldeia
por causa de tais amores ilícitos. — Ora Mons. Meredith ia jus
tamente a Gemelli com a missáo de averiguar a realidade dos
fatos concernentes a Giacomo Nerone : seria impossível impedir
que, por ocasiáo dó exame, descobrisse as situacóes lascivas que
se haviam criado na localidade... Daí novos artificios e atitu-,
des ambiguas por parte das pessoas apaixonadas, a fim de dissi
mular os seus vicios.
Nao obstante, o «Advogado do Diabo» conseguiu desvendar
a complexa rede dos acontecimentos passados e presentes em
Gemelli dei Monti. O inquérito se encerrou portante com resul
tados desfavoráveis á causa examinada, pois trazia á tona gra
ves faltas moráis. Todavía a análise da situagáo fóra altamente
benéfica para o frió e seco Promotor de Justiga. Éste, tomando
conhecimentó da realidade da vida, dramática e emocionante

— 248 —
«O -ADVOGADO DO DIABO»

como se apresentava no caso, havia-se «.humanizado», reconhe-


cendo o vazio da burocracia em que vivia; deveria deixar de ser
mero funcionario jurista, quigá profissional de carreira, para
tornar-se mais pastor, identificado com a massa dos horneáis
que ele tinhaa missáo de beneficiar e santificar. Finalmente
Meredith veio a falécer...

Com a morte do «Advogado do Diabo», convertido do for


malismo para o realismo humano ao tomar contato com o pecado
alheio, encerra-se o livró de Morris West. O que o escritor inglés
quer insinuar mediante tal obra, é a canclusáo a que finalmente
chegam Blaise Meredith assim como o bispo de Valehta (diocese
á qual pertenciá Gemelli) e o Cardeal Marotta (Prefeito da
S. Congregagáo dos Ritos): a burocracia, irrepreensível em apa-
réncia, mas privada de contato com o drama humano, acarreta
lamentáveis deformagoes para a personalidade humana, contra
as quais se deveráo precaver os pastores de almas!

Procuremos agora averiguar de mais perto o que a obra de


Morris West possa ter de útil e- de menos útil.

2. Aspectos positivos

Lnegávelmente, ao livro de Morris West cabe o grande mé


rito de ajudar a refletir sobre dois males que ameagam a Reli-
giáo em geral e que se tém feito sentir" no próprio Catolicismo.

1) Formalismo vazio, contente consigo mesmo, mas desti


tuido de dinamismo, de aspiragóes. Em outras palavras, poder-
-se-ia dizer: o culto da Lei e do direito, com negligencia total
ou parcial do amor.
É o que também se chama «farisaísmo». Éste dá aoff meios o valor
de fins quase absolutos; a pessoa devota per de entáo de vista o sen
tido das suas práticas religiosas, que seria chegar a Deus mediante o
crescimento na caridade. Em tais casos, a observancia da Lei pode
realmente tornar o individuo monstruoso; sufoca o amor a Deus e
ao próximo, e excita o amor próprio, a vaidade, o egoísmo. Faz que
o fiel observante se alheie totalmente á realidade; esta nao é dura
nem «quadrada» como a lei, mas é elástica, dinámica e plástica como
a vida.

Na verdade, o homem foi feito para amar, e amar o Bem


segundo" a hierarquia em que Ele ocorre : Deus, ácima de tudo;
a seguir, o próximo e o próprio «eu» na medida em que estes sáó
reflexos bons do Deus Bom.
Morris West denuncia veementemente o perigo do formalismo,
descrevendo-o na conduta e na mentalidade do «Advogado do Diabo».
r.V.o representa o tipo do hómem religioso que, em virtude da sua

— 249 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964,- qu. 2

vocacao sacerdotal, mais deveria amar, mas na verdade perdeu o


senso do amor, pols reduziu sua atividade ao estudo e a aplicacaode
leis. Tornou-se assim hediondo.
Para completar éste quadro, no extremo oposto, West prop5e o
tipo do devoto popular, que absolutamente nada entende de .leis, de
juridismo ou de academia, mas é muito espontáneo e extremamente
sensivel ás emocSes. Nesta outra posicáo religiosa há também um
grande perigo que Morris TVest dá a ver, descrevendo as atitudes pie-
dosas da populacáo de Gemelli, e que1 assim se pode enunciar:

2) Religiosidades férvida, mas pouco esclarecida, a qual


tende á se deixar obcecar, fanatizar. Esta propensáo pode tam
bém tornar o homem monstruoso, nao porque transfira o amor
de Deus e do próximo ao próprio «eu» (como no caso anterior),
mas porque, em vez de cultivar o verdadeiro Deus, cultua «ído
los», fiecóes da fantasía, aos quais o devoto atribuí efeitos má
gicos. Tal é a religiosidade das crendices, das superstigóes, dos
milagres imaginarios e até mesmo da histeria. — Em grande'
parte, resulta da ignorancia, e constituí urna caricatura da Reli-
giáo própriamente dita.
O escritor mostra, através das cenas comezinhas que ele descreve
em Gemelli dei Monti, o que essa atitude tem de deformado. Aproveita
o ensejo para criticar o exagerado culto dos santos, tal como o pra-
ticava a gente simples do lugar: andava á espreita de milagres, numa
atitude simplória ou infantil.

Também parecem oportunas tais outras observagóes apre-


sentadas por Morris West.
Nao há dúvida, á veneracáo dos santos é plenamente justificada,
como já foi exposto em «P. R.» 3/1958, qu. 5: nada tem que ver
com adoragáo (embora, na pág. 65, o autor use equivalentemente
«veneracáo» e «adoracáo»). A adoracao é o reconhecimento de sobe
ranía absoluta que compete a Deus só; os católicos estimam os santos
por serení heroicos amigos de Deus, e os invocam porque, como mem-
bros de urna grande familia, os santos estSo cheios de zeta para com
sens irmaos peregrinos na térra e muito lhes podem valer pela sua
intercessao caridosa junto do Pai do Céu. Acontece, porém, que nao
poucas pessoas, mal orientadas, yoltam toda a sua atencáo para os
santos, negligenciando Deus Pai e' o Redentor Jesús Cristo; a piedade
assemelha-se entáo a macumba e feitigaria. No Concilio do Vati
cano II, os bispos tém feito ouvir a sua voz de repulsa a tal desvio)
desejando mesmo que se dé menor realce ao culto dos santos no Cato
licismo. Por certo, nao é a Igreja como tal que ensina o fanatismo,
do qual Morris West dá um espécimen no ambiente de Gemelli dei
Monti. É, pois, com razao que o esertior denuncia tal degenerescencia
da piedade.

O genuino significado do culto dos santos (em particular, dos


mártires) é ilustrado por S. Agostinho na seguinte passagem: ._
«O povo cristáo celebra com religiosa solenidade a memoria dos
Mártires para excitar os fiéis a imitá-los, para se associar aos seus
■mereciméntos e conseguir o auxilio da sua intercessao... Os altares

— 250 —
«O ADVOGADO DO DI ABO»

que ele levanta em memoria de um mártir, nao os dedica ao mártir,


mas ao Deus dos mártires. Qual d, com efeito, o Pontífice que, cele
brando o Sacrificio ao altar, no lugar em que repousam os corpos
dos santos, ousou jamáis dizer: Oferecemos éste sacrificio- a ti, Pedro, .
Paulo,. Cipriano?" Nao! O que é oferecido, é oferecido ao Deus que
coroou os mártires, junto dos altares daqueles que Ele córoou, para
que-estes mesmosjugares inflamem a piedade e excitem a amar ñáo
só aqueles que podemos imitar, mas também Aquéle qué nos ajuda
a pod&Jo. Honramos, pois, os mártires com um culto de amor e de
fraternidade, semelhante aos sentimentos que experimentamos nesta
vida para com os homens de DeuSi (Contra Faustum XX 21).

Éis, porém, que, ao lado dos aspectos positivos do livro


«Advogado do Diabo», se devem salientar

3. Aspectos negativos

1) A obra de Morris West, criticando exageras e desvíos


entre os filhos da Igreja, nao consegue escapar, por sua vez, a
exageras e desvíos. De fato, qüem lé o livro colhe a impressáo
de que mais ou menos tudo (instituigdes e pessoas) na Igreja
está, em grau maior ou menor, deturpado. Sob um verniz de pie
dade ou honestidade hipócrita, mover-se-iam interésses pessóais,
vaidade e ambigáo dos prelados, oportunismo, exploracáo de
pessoas e situagóes; haveria forte contraste entre a má fé ou a "
indiferensa (o embotamentó) dos membros do clero e a boa fé
ou a simplicidade candida dos fiéis assim ludibriádos. Ora suge
rir tais concepgóes é evidentemente desfigurar a realidade; é
fazer obra partidaria.
Com efeito; ao lado de prelados e fiéis pouco dignos (só Deus,
sondando as consciéncias, sabe se sao numerosos ou nao), a S. Igreja
possui, em seu seió, íilho heroicos e instituic6es sustentadas pelo sa--
crificio e o amor. A fraqueza entre os homens da Igreja a ninguém
deve surpreender; é inórente á condicáo dos filhos de Adáo. O que
merece atencáo é, sim, o zélo ardente com que a própria Igreja pro
cura tirar dos seus recursos mais auténticos o remedio para tais
males; Ela nao pactua com vicios, por mais incómoda ou desvanta-
josa que a resistencia se possa tornar no plano da política ou das
conveniencias humanas (o Papa Clemente VII, por exemplo, preferiu
perder para a Igreja o poderoso reino da Inglaterra a consentir no
divorcio e no matrimonio ilicito que Henrique VIII pleiteava).

2) A obra de Morris West está, de principio a fim, pene


trada por um pessimismo mórbido, ou melhor, por ceticismo e
zombaria... Isto se exprime no fato de que nenhum dos-perso-
nagens do romance é moralmente íntegro. Pode-se percorrer a
lista dos mesmos; verifica-se que todos sao ambiguos, nenhum
vale 100%... t . • -
Haja vista o próprio «Santo» Giacomo Nerone : o escritor o apre-
senta como herói de dedicagáo ao próximo e renuncia a si mesmo; ao

— 251 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 2 v

mesmo tempo, porém, envolve-o em urna trama de escándalos, dos


quais o próprio Giacomo Nerone é o primeiro responsável.

Chama .a ateneáo, por exemplo, o seguinte episodio, em que o mé


dico judeu Dr. Meyer se dirige a Nina, referindo-se ao «Santo» : «Santo
Deus, mulher!... Ele dormiu em sua cama. Deu-lhe um filho bastardo
e jamáis casou com vocé. E vocé íica ai e me diz que ele era um
santo que fazia milagres?...
Que responderá vocé. Nina, quando éles apontarem o seu filho e
disserem: 'Eis ai um filho do santo, e ele serve de feminella para o
inglés1?» (pág. 52s).
Esta cena, pelos seus traeos crus e pelo seu tom. de deboche, ;é
típica do livro; nao pode deixar de provocar no leitor justa revolta
contra o modo tendencioso como o autor trata seu assunto: os valores
mais auténticos e os ideáis mais elevados sao assim solapados, como
se nao íóssem praticáveis ou como se fóssem mera e elegante cober
tura para o vicio!

O «Advógado do Dlabo» termina bem o seu papel, nao há dúvida;


mas é explorado como o tipo da personalidade deformada.

O mesmo se diga do bispo e do Cardeal que acompanham o


«Advogado'do Diabo> no seu trabalho.

O povo bom e inocente da aldeia é censurável por seu fanatismo


e suas aberracóes religiosas... ■

3) O espirito tendencioso de Morris West se mánifesta


também no fato de que o autor ,náo hesitou em inserir no seu ro
mance cenas evidentemente lascivas (cf. pág. 54s; 82s; 91s;
177s). Estas constituem diyagagoes fora de propósito no con
junto da obra; sao tanto mais lamentáveis quanto menos seriam
de esperar num livro de crítica puritana como o de Morris West.

Esta verificagáo nos habilita mais umá vez a perguntar: Será


que Morris West desejou apenas reprimir o mal e suscitar o bem
mediante o seu romance? Nao terá sido também ele vitima de paixáo
ou obcecacáo? — Caso o tenha sido (o que parece muito provável),
o leitor prudente concluirá que as críticas generalizadas empreendidas
por Morris West nao possuem a autoridade e o valor que á primeira
vista parecem ter. %

4) O autor insinúa outrossim a idéia de que a Religiáo


Católica, principalmente como foi apresentada pelo clero nos
últimos tempos, é verdadeíro «opio do povo», ou seja, paliativo
que serve para «consolar» a gente pobre explorada e manté-la
na escravidáo, enquanto os «espertos» se váo beneficiando. De-
preende-se do romance que o auténtico papel do clero seria o
de promover a acáo social (é esta que o «Santo» exerce, redii.
mindo-se assim dos seus males moráis).. Quanto ao que se refere
á missáo própriamente religiosa ou sobrenatural da Igreja, é em
perspectiva de menosprézo ou discrédito que o autor o apresenta.

— 252 — '
«O ADVOGADO DO DIABO»

Nao há dúvida, pode ter havido negligencia e omissáo por


parte dos eclesiásticos no tocante á questáo social. Também se
pode admitir que nao poucos pregadores e catequistas se con-
tentam com urna apresentagáo demasiado infantil da doutrina
causa da promessa de urna vida postuma; a mensagem do Evan-
"géllío genülnámente entendida implique em fugir da realidade
ou em tornar os cristáos alheios aos problemas temporais, por
crista. Contudo isto nao quer dizer que a mensagem do Eyán-
gelho também está longe de significar infantilizagáo ou diminui-
gáo da personalidade.

Tenham-Se em vista, por exemplo, as encíclicas sociais dos Papas


desde a «Rerum Novarum» de Leáo XIII (1891) até os famosos do
cumentos «Mater et Magistra» e «Pacem in terris» de Joao XXIII;
exigem do cristao o máximo de desprendimento em íavor do próximo.

Contudo a mensagem social da Igreja, em confronto com


qualquer outra mensagem social, tem de próprio e característico
os dois seguintes tópicos :

a) «Se o Senhor nao construir a casa e guardar a cidade, em vao


trabalharáo os que tentam construir é guardar» (cf. SI 126). A Igreja
sabe que é de Deus que, em última análise, provém o éxito da ativi-
dade humana; por isto Ela julga que nao pode deixar de dar o pri- "
mado á oracáo e ao culto sagrado;

b) a Igreja sabe outrossim que o cristao é e será sempre um


peregrino neste mundo; por isto Ela nao se ilude nem ilude os homens
prometendo, em nome de -Deus, um paraíso terrestre em recompensa
da fidelidade religiosa. O que o Senhar certamente quer dar aos seus
fiéis como premio, é a felicidade da verdadeira' vida, vida eterna, nao-
a da vida temporal. Esta,' o Senhor a concede na medida em que é
' oportuna para fazer chegar os homens mais seguramente á pleni-
tude da vida, que só se obtém após a morte, e nao neste mundo. Em
conseqüéncia, a Igreja tem e terá sempre por missao primaria pro
curar assegurar a salvacáo religiosa dos homens, ajudando-os a> caml-
nhar para Deus e para a verdadeira patria, que é a celeste; sómente
em subordinacáo a esta tarefa é que a Igreja trata das questoes tem
porais. Tal escala de valores jamáis poderá ser invertida, aos olhps
do cristao. —

Eis as grandes linhas que inspiram o «Sim» e o «Nao» da


Igreja frente as realidades terrestres.
Daí se vé quáo infundada é a crítica que Morris West insi-,
nua: «Cair de joelhos e pedir favores, ao invés de enrolar as
mangas e trabalhar por éles — ou lutar para obté-los. É.como
a Igreja costuma agir. . . agúcar para adogar vinho azédo»
(pág.52).
«Orar» e «trabalhar» ou «lutar» nao se excluem mutua
mente. Ao contrario, se nao houver, antes do mais, oracáo, esté
ril será o trabalho.

— 253 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 2

5) Ainda um pormenor: á pág. 42, Morris West parece supor


que a Igreja ensina o íixismo, rejeitando o evolucionismo, para expli
car a origem dos seres. Se de íato o romancista julga que criacáo e
evolucáo das especies se excluem reciprocamente, engana-se; á Igreja
está longe de propor tal dilema; Ela, ao contrario, compreende multo
bem a conciliacáo dos dois termos (cf. «P. R.» 26/1960, qu. 4; 29/1960,
qu. 1).

Digamos agora, á guisa de complemento, algo sobre as relagSes


entre . ■-....•-—■

4. Lei e Amor na Igreja


/
•1. Deus é Amor e, como tal, quis revelar-Se.aos homens,
estabelecendo com éles relacóes de Pai a filhos. É esta a grande
mensagem do Cristianismo, o qual, por conseguinte, se destina a
desenvolver nos homens o amor. O Cristianismo quer ser prati-
cado numa atmosfera de amor. Daí dizer-se que a Igreja de
Cristo é essencialmente a Igreja da Caridade.
Contudo o amor, para ser conservado íntegro e puro nos
homens, exige diretivas que impecam desvios, pois a natureza
humana, desregrada como é, está sempre ameacada de aplicar
o seu amor a objetos que nao c merecem. Daí a necessidade da
lei mesmo entre os cristáos ou dentro da Igreja. A Igreja da
Caridade é também a Igreja da Lei. Nao foi em váo que Jesús
confiou aos seus Apostólos o poder de «ligar» ou «desligar»,
isto é, de proibir ou permitir, absolver e nao absolver (cf. Mt
18,18).

O S. Padre o Papa Pió XII dizia a propósito :


«Lamentamos e reprovamos o erro funesto dos que sonham urna
Igreja fantástica, urna sociedade formada e alimentada pela caridade,
a qual, com certo desprézo, op5em outra, que chamam jurídica. Enga-
nam-se grandemente os que introduzem tal distingáo, pois nSo véem
que o Divino Redentor, pela mesma razáo por que ordenou que a
sociedade humana por file fundada fósse perfeita no seu género e
dotada de todos os elementos jurídicos e sociais, para perpetuar na
térra a obra salutífera da Redeneáo, por essa mesma razSo e para
conseguir o mesmo íim, quis que f6sse enriquecida de dons e graeas
celestes pelo Espirito Paráclito... \
Portante nenhuma oposicao ou contradicho pode haver entre a
missáo invisível do Espirito Santo e o oficio jurídico dos pastores e
doutores recebido de Cristo,-pois que as duas coisas, como em nos o
corpo e a alma, mutuamente se completam e aperfeicoam e provém
igualmente do único Salvador nosso» (ene. «Mystici Corporis ChristJ»).

É preciso, porém, que nao se perca a consciéncia da .escala


de valores : a lei, na Igreja, é mera muralha que visa defender
o amor e favorecer o desenvolvimento déste; o direito, portento,
está a servico da caridade na Igreja. Se as observancias jurídi
cas sufocam o amor em algum discípulo de Cristo, a lei perde

— 254 —
«O ADVOGADÓ DO DIABQ»

sua razáo de ser para ésse discípulo; é formalismo vazio, he


diondo; é máscara ou mesmo caricatura.

2. Algo de semelhante se deve dizer de maneira particular


com relagáo áo celibato dos sacerdotes. Está observancia nao é
destinada a esterilizar a personalidade humana, extinguindo "a
'capaddádé dé sentir com b próximo é dé amar, ou fazendd que
o sujeito se torne um egoísta, concentrado em si mesmo. Ao
contrario, o celibato, auténticamente entendido e praticado, deve
tornar-se motivo de amor mais puro, mais livre de concupiscen
cia, mais certeiramente encaminhado para Deus e para o pró
ximo. O celibato supóe, em sua raiz, generosidade, e só pode ser
genuinamente conservado, se se reabastece continuamente dessa
sua raiz ou se é nutrido pela generosidade, pela renuncia ao
próprio «eu»-. Nao há dúvida, a condigáo de «solteiráo» pode as
vézes fomentar o egoísmo (cf. pág. 41 do romance); será preciso
entáo que o clérigo se acautele e se examine fielmente a éste pro
pósito; mas nem por isto repudiará o celibato. A culpa dos des
víos nao está na instituicáo (no celibato) * que em si mesma é
muito louvável (cf. 1 Cor 7), mas naqueles que praticam rpti-
neiramente essa instituicáo (tal terá sido o caso do «Advogado
do Diabo» no romance de Morris West).

O Papa Pío XII generalizava esta observagáo, ao escrever :

«Se ás vézes na igreja se vé algo em que se maniíesta a fraqueza


humana, isso nao se deve atribuir á sua constituigao jurídica, mas
áquela iamentável inclinagáo do homem para o mal, que seu Divino
Fundador por vézes permite até nos membros mais altos do seu
Corpo Místico para provar a virtude das ovelhas e dos pastores e para
que em todos cresgam os méritos da fé crista. Cristo... nao quis
excluir da sua Igreja os pecadores; portanto, se alguns de seus mem
bros estáo espiritualmente enfermos, nao é isso razáo para diminuir-
mos nosso amor para com Ela, mas antes para aumentarmos a nossa
compaixáo para com os seus membros...
Nao é culpa da Igreja se alguns de seus membros soírem de cha-
gas ou doengas; por éles ora a Deus todos os dias : 'Perdoai-nos as
nossas dividas', e incessantemente com fortaleza e ternura materna
trabalha pela sua cura espiritual» (ene. «Mystici Corporis Christi»).

3. Por último, ainda ressaltaremos que a doutrina católica


censura severamente todo género de vida acomodada, «abur
guesada», ... todo espirito de «carreira» destituido de ideal. Em
outros termos, ela ensina que o cristáo nao pode nem deve dis
tinguir entre «salvar a alma» e «ser santo* ou entre «mera sal-
vagáo» e «santidade». É preciso que o discípulo de Cristo consi
dere a santidade como a sua vocagáo normal e aspire ardente-
mente a ela. Separar o ideal da salvacáo do ideal da santidade
é arriscar-se a nao conseguir neni um nem outro.

— 255 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 3 .

O escritor francés Charles Péguy exprimiu com certa


énfase o horror que o cristáo deve ter á mediocridade :
«II y a quelque chose de pire que d'avoir une mauvaise pensée:
c'est d'avoir une pensée toute faite.
II y a quelque chose de pire que d'avoir une mauvaise ame: c'est
d'ávoir une ame toute faite.
n y a quelque chose de pire que d'avoir une ame perverse: c'est
d'avoir une ame habituée».

«Há algo pior do que ter um mau pensamento: é ter um pensa-


mento irredutivel (fechado em si mesmo, satisfeito consigo).
Há algo pior do que ter um ánimo mau: é ter um ánimo irredu
tivel (fechado em si mesmo, satisfeito consigo próprio). /
Há algo pior do que ter urna alma perversa: é ter urna alma
habituada (rotineira)».

Eis algumas observagóes que se impunham a propósito do


citado livro. Em resumo, o balango é negativo : predomina, nessa
obra, um tom de crítica tendenciosa; o autor aponta fainas que
se verificam entre filhos da Igreja, e aproveita-se délas para
suscitar «elegantemente» o discrédito em relagáo á S. Igreja
como tal. Ora isto, em última análise, é pouco criterioso; vem
a ser injusto...

111. DOGMÁTICA

F. K. D. (Teresina,) :

3) «Tém-se difundido folhetos intitulados 'Certidao de


Basamento de algumas invencoes on inovacoes da Igreja Ca
tólica Romana' e outros congéneres. -
Insinuam que a Igreja tem detnrpado o Evangelho recebido
de Cristo e dos Apostólos.
Como julgar o caso ?»

Quem lé os mencionados folhetos, pode fácilmente ser im-


pressionado pela aparente exatidáo de dados que fornecem e pela -
firmeza com que se pronunciam... Ésse aparato de erudigáo
parece tornar certa e necessária a conclusáo de que realmente
a S. Igreja se tem desviado do Evangelho mediante múltiplas
inovacóes adotadas no decorrer dos sáculos.^
Contudo, examinando de mais perto os itens catalogados,
o leitor verifica que todo ésse aparato é capcioso ou engañador.
De fato,
a) as datas indicadas nao corresponden! sempre aos acon-
tecimentos referidos; sao, muitas vézes, imprecisas ou falsas;
b) os próprios acontedmentos recenseados sao expressos
de maneira vaga ou mesmo errónea; quem pesquisa a documen-

— 256 —
IN0VAC6ES ABERRANTES NA IGREJA?

tacáo e os fatos históricos, nao encontra o que possa correspon


der aos tópicos apontados.

Tenha-se em vista, por exemplo, a fórmula «O culto em lingua


estranha» (cf., no quadro sinótico, pág. 258, lista n* 13).

«Lingua estranha» é, na verdade, expressSo muito relativa; lin


gua estranha ou lingua morta para um cidadao do séc. XX podia ser
muito familiar e viva para um homem do ano 600. Ademáis nao se vé
o que é que a historia assinala no ano 600 para se dizer que entilo
se inventou «o culto em lingua estranha»; nem os autores de tais
catálogos se dáo ao trabalho de o explicar... As aflrmacSes das listas
infelizmente aparecem destituidas de qualquer prova (ou tentativa
de prova) — o que possibilita o equivoco ou mesmo a propagacSo da
inverdade.

Mais ainda : quem lé os folhetos mencionados, colhe a im-


pressáo de que a S. Igreja «inventa», isto é, move os seus fiéis
como que a toques de decretos, determinando que, de certa data
em diante, será preciso crer ou praticar isto ou aquilo... Ora
tal impressáo nao corresponde á realidade : o que a Igreja de
clara e manda, através do seu magisterio oficial, nao é senáo a
expressáo da consciéncia que os fiéis, em seu senso comum,
possuem a respeito déste ou daquele ponto de doutrina, ou a res
peito desta ou daquela prática. Antes de ser proferidas de ma-
neira solene e definitiva pela autoridade da Igreja, tais verdades
ou práticas já fazem parte da vida dos cristáos. O magisterio
apenas as explícita; assim dissipa os perigos de mistura com o
erro. É isto, alias, o que se dá em todo organismo vivo : a vida
real, vivida, é anterior as fórmulas ou definigóes. É a vida que
inspira as formulagóes teóricas; nao sao as fórmulas teóricas
que determinam a vida do organismo.
- Com afeito, primeiramente respiramos, caminhamos..., depois
definimos o que é respirar, caminhar... Assim o povo de Deus, mo
vido pelo Espirito Santo, no decorrer dos sáculos professou tais e
tais proposic¿es, seguiu tais e tais costumes... Em conseqüéncia, o
magisterio da Igreja, assistido pelo mesmo Espirito, quis oportuna
mente apoiar com sua autoridade dirimente essas expressóes auténti
cas da vida.
Supor impulso a toques de decretos seria supor que a S. Igreja
é múmia, em vez de ser o Corpo vivo de Cristo através dos tempos.

Feitas estas observacóes, procuremos avaliar máis meticulo


samente as referidas listas de «invengóes».

~ 1. Um juízo de conjunto

A mais simples e persuasiva demonstracSo da falta de autoridade


de tais listas consiste em confrontá-las entre si. Por isto vao aquí
transcritos quatro catálogos de pretensas inovacdes corruptoras oriun
das na S. Igreja através dos tempos:

— 257 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964. qu. 3

LISTA N' I ....-■ ■ '-

CERTIDAO DE NASCIMENTO DE ALGUMAS


INVENC6ES OU INOVACOES DA IGREJA CATÓLICA ROMANA

1) A oracáo pelos morios íoi inventada no ana 300


2) O sinal da cruz -300
3) O culto na lingua estranha 600
4) O culto a María e aos Santos 788
5) A adoracáo (!) da cruz, de imagens e reliquias... 788
6) O Batismo de Sinos 965
7) O jejum ás sextas-feiras e na Páscoa , 998
8) A fabricacáo de agua benta 1000
9) A proibicáo do casamento aos Padres 1079
10) O rosario 1090
11) O Sacrificio da Missa no séc. XI
12) A venda de indulgencias 1190
13) A transubstanciacáo 1215
14) A adoracáo da hostia 1220
15) A coníissáo auricular 1215
16) A proibicáo do vinho ao povo, na S. Comunhüo ... 1414
17) O purgatorio 1438
18) A adicao dos livros apócrifos á Sta. Biblia 1546
19) A Imaculada Conceigáo de María 1864
20) A infalibilidade do Papa 1870

(Do livreto «A Rcligiáo do Papa e as Sagradas Escrituras»)

LISTA N« II

1) Maria é proclamada a Mae de Deus e primeiro culto a ela. 431


2) A doutrina do purgatorio é introduzida 593
3) A límgua latina é introduzida no culto 600
4) Inicio do culto das imagens e das reliquias 787
5) Culto a Maria * 788
6) A íesta da Assuncáo é observada pela primeira vez 819
7) Proibe-se o casamento dos sacerdotes 1074
8) Os sacerdotes casados devem divorciar-se compulsoriamen
te de suas respectivas esposas 1075
9) Introduz-se na Igreja o pagamento das Missas 1100
10) A confissáo é transformada em artigo de fé 1115
11) Venda de indulgencias 1190
12) A transubstanciacáo é transformada em artigo de íé 1215
13) Introduzse a elevacáo da hostia 1226
14) Proibe-se aos leigos a leitura da Biblia 1229
15) Os Sete Sacramentos e a Doutrina do Purgatorio sao trans
formados em artigos de fé 1439
16) Dá-se á tradicáo autoridade igual á das Santas Escrituras. 154U
17) Promulga-se a doutrna da Imaculada Conceicáo 1854
18) Declaracáo da autoridade temporal do Papa 1864
19) Declaracáo da infalibilidade papal 1870
20) A Assuncáo de Maria é transformada em artigo de fé .. 1950

(Do livro «A Biblia e o Catolicismo Romano» de Dreyer e Weller)

— 258 —
INOVAC6ES ABERRANTES NA IGREJA ?

LISTA N* III

COISAS QUE CRISTO E OS APOSTÓLOS NAO CON1IECERAM

^ 1) Introducto da agua benta 120,


~'2)~ Introducaó dé" penas espiriluais 159
3) Instituigáo do monaquisino 348
A) Missa em latim 494
5) Ungáo dos Enfermos 340
6) Ó Culto de Maria e dos Santos '.". 540
7) O purgatorio 596
. 8) O beija-pés ao Papa 809
9) A canonizado dos Santos 998
10) Os sinos 1000
11) A proibicjio de casamento aos clérigos 1015
12) As indulgencias 1119
13) A libertacáo das indulgencias 1200
14) Elevacáo da hostia 1200
15) A Santa Imquisicáo 1204
16) A cóíiíissáo auricular 1215
17) O dogma da Imaculada Conceicáo 1854
18) A infalibilidade do Papa 1870

(Do opúsculo «Hat die Kirche sich verándert ?» de F. A. Walter)

LISTA N» IV

ROSARIO DE INOVAgOES

1) A Missa, pelo Papa Gregorio I ! em 600


2) A invocacao da Virgem Maria e dos Santos, no
Concilio de Constantinopla em 754
3)' O culto das imagéns, pelo 2° Concilio de Nicéia em 787
4) O uso do rosario, por Pedro Eremita em 1090
5) Celibato dos Padres, pelo Papa Gregorio VII em 1074
6) A ccmfissáo auricular, pelo 4' Concilio de Latráo em 1215
7) Proibicáo da leitura da Biblia, pelo Concilio de Tolosa. em 1229
8) Oragáo da Ave Maria, por Joáo XXII em 1317
9) Procissáo do SS. Sacrairtesnto
10) Os sete sacramentos, pelo Concilio de Trento em 1547
11) Purgatorio, pelo Concilio de Trento em 1563
12) Infalibilidade do Papa, pelo Concilio do Vaticano em 1870

(Do livro «Horas de Combate á heresia romanista»


de Abdt-nago Lisboa)

_ 259 —
«PERPUNTE E RESPONDEREMOS> 78/1964, qu. 3 ;

O exáme atento das quatro listas dá a ver divergencias ou


mesmo contradicóes ai ocorrentes. Assim

1) o culto a María e aos Santos foi introduzido em 788,


conforme os catálogos I 4 e n 5; em 540, conforme o catálogo
m 6; em 754, conforme IV 2.

Na verdade, a veneracáo (nao adoracáo) aos Santos é praxe multo


antlga na Igreja, como se pode ler em «P. R.> 3/1958, qu. 5.

- 2) «O culto em lingua estranha» ou «era lingua latina»


foi inventado em 600, conforme I 3 e n 3; mas, conforme m 4,
em 494.

A Igreja nunca teve a intencSo de adotar urna lingua própria, dis


tanciada da vida cotidiana, para o culto sagrado; adotou o sirio, o
armenio, o etiope, o grego... conforme os ambientes em que Ela se
íoi difundindo. Adotou finalmente também o latim quando este se tor-
nou lingua comura dos povos ocidentais, e conservou-o até hoje na
Liturgia do Ocidente por motivos práticos. Visto, porém, que tais mo
tivos já nao existem em nossos dias, a Igreja está para assumir os
idiomas modernos no seu culto sagrado. Cf. «P. R.» 5/1957, qu. 3.

3) A doutrina do purgatorio deve sua origem ao ano de


593, conforme n 2; ou ao ano de 596, conforme m 7; ou ao ano
de 1438, conforme I 17; ou ainda ao ano de 1563, conforme
IV 11.

Note-se, porém, que a oracáo pelos mortos, «inventada» no ano


300 conforme I 1, supóe a crenca no purgatorio; tal oracáo visa jus
tamente sufragar as almas do purgatorio; donde se vé que a doutrina
do purgatorio nao pode ser inovagáo nem de 593 nem de 1438 nem
de 1563. Por conseguinte, o tópico assinalado em I 1 destrói por si
mesmo os ítens recenseados em II 2, III 7, I 17 e IV 11.

Mas nem sequer é licito dizer que a oracáo pelos mortos foi
introduzida no ano 300, como se perceberá na resposta n* 4 déste fas
cículo. ,

Os fundamentos bíblicos da doutrina do purgatorio foram aria-


Usados em «P. R.» 8/1957, qu. 3.

4) A confissáo auricular tornou-se artigo de fé em 1115,


conforme II10; foi, porém, introduzida em 1215, conforme 115,
m 16 e IV 6.

Em «P. R.» 4 e 8 de 1957 foram estudados os textos bíblicos que


dSo fundamento á confissáo auricular. Em«P.R.> 69/1963; qu. 2,-é
analisada a prátlca da Confissáo na Igreja antlga. O Concilio IV do
Latráo -em 1215 apenas quis exigir que tal sacramento seja recebldo
pelos fiéis ao menos urna vez por ano.

— 260 —
INOVACOES ABERRANTES NA IGREJA ?

5) O casamento foi proibido aos padres em 1015, conforme


m 11; ou, conforme n 7 e IV 5, em 1074; ou ainda em 1079,
conforme 19.

Sobre o histórico do celibato clerical, veja «P. R.» 7/1957, qu. 7.

6) Os sinos'foram introduzidos no ano 1000, conforme III


10; mas, conforme I 6, o «batismo de sinos» se deve ao ano
de 965.
«Batismo de sinos» é expressao obscura, nSo usual na' linguagem
da Igreja; deve corresponder & bengáo dos sinos, que ainda hoje e
praticada Mas a béncáo («batismo») dos sinos íaz-se por aspersao
com agua benta.. Sendo assim, como é que a «fabricacáo deágua
benta» íoi inventada no ano 1000, conforme I 8? O tópico 6 destrói
o tópico 8 na lista I.

7) A agua benta mesma, cuja fabricacáo é atribuida ao


ano 1000, conforme I 8, foi introduzida em 120, conforme m 1;
8) As indulgencias datam de 1119, conforme HE 12;...
de 1190, conforme 112 e H 11.
De resto náb se vé bem o que séja a libertacáo de indulgencias .
assinalada para o ano de 1200 em m 13. «Indulgencias» já equivalem
a urna libertacáo; signiíicam o perdao de penas expiatorias devidas
a pecados já absolvidos. Que seria entáo a «libertacao» da «liberta-
cao»? As indulgencias continuam a ser concedidas aos liéis até o dia
de hoje (sem que nisso haja comercio ou simonía); cf. «P. R.» 2/1958,
qu. 2; 8/1958, qu. 4.

9) Introduziu-se a elevacáo da hostia em 1200, conforme


m 14; mas, conforme n 13, em 1226. A adoracao da hostia
data de 1220, conforme 114. ^

Veja-se a propósito- o 5 3 déste artigo.

10) O sacrificio da Missa foi inventado no séc. XI, con


forme I 11. Mas a Missa já era celebrada em 494, conforme
IH 4; ou em 600, conforme IV1.

Sobre a Missa como perpetuagáo do sacrificio da Cruz, cí. «P. R.»


6/1958, qu. 2 e 3.

11)- O dogma da Imaculada Conceifiao foi definido em


1854, conforme HI17 e H 17; ... em 1864, conforme 119.
Evidentemente, esta segunda indicacáo é que está faina. Trata-se
provávelmente de erro de imprensa, o qual nao deixa de ser impor
tante ou grave no caso, porque se destina a formar a opiniao do pu
blico em materia religiosa.

— 261 — '
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 3

12) Os sete Sacramentos foram introduzidos em 1547,


conforme IV 10: Mas, conforme II15, já em 1439 os sete sacra
mentos haviam sido declarados artigos de fé.
Afinal de contas, depreende-se que nem urna riem oulíra das
duas datas merece crédito, conforme essas mesmas listas de ino
vagóes, pois elas mencionam os sacramentos da Confissáo, da
Ungáo dos doentes, da Eucaristía (Missa) nos sáculos anterio
res a 1439. •

Sobre a origem do sacramento da Uncáo dos doentes, veja-se


«P. R.» 17/1959, qu. 3. . /

13) Por fim, em III 2 vem mencionada a introdugáo de


«penas espirituais» no ano de 159. — Que seriam essas penas?
É de crer que signifiquem «excomunháo» ou «privacáo dos sa
cramentos e do culto sagrado». Neste caso, deve-se dizer que as •
«penas espirituais» datam do próprio Jesús e dos Apostólos, pois
o Senhor reconheceu a legitimidade da excomunháo para o
irmáo obstinado no mal, e S. Paulo aplicou tal pena ao inces
tuoso de Corinto (cf. Mt 18, 17 e 1 Cor 5, 3-5).

Numa conclusáo serena, parece que se pode reforgar o que


já dissemos : os autores dos catálogos de «invencóes» procedem
de maneira pouco escrupulosa; afirmam sem provar, e, as vézes,
dáo a impressáo de que nem sabem precisamente o que estáó
afirmando, mas afirmam únicamente por ouvir dizer. Assim se
disseminam o mal-entendido e o erro, em vez de se atingir a fina-
lidade que os próprios protestantes certamente tém em vista :
esclarecer os leitqres.

De resto, óbserve-se o seguinte :


Algumas das pretensas inovagóes nao sao de modo nenhum
inovagóes : assim a celebragáo da S. Missa ou da ceia do.Senhor
como sacrificio da Nova e definitiva Alianga, o culto dos Santos,
a lángáo dos enfermos...
ftnOutras sao realmente inovagóes, mas de caráter acidentaí.
Estáo longe de afetar o dogma ou a estrutura da Igreja. Tais
sáp o toque de sinos, a celebragáo do culto em latim, a eleyagáo
da hostia na S. Missa, o uso do' rosario, da agua benta, do. sinal
da cruz, etc. Essas inovagóes acidéntais nao sóménte sao aceitá-
veis, mas constituem valores positivos, pois manifestam a vita-
lidade da Igreja. Com efeito; Cristo comparou"a sua Igreja com
um grao de mostarda que se vai desenvolvendo através dos tem-
pos, de modo a dar urna árvore com novas e novas'expressóés
de seu vigor (cf. 13, 31s); tal planta tem necessáriamente
aspectos diferentes de acordó com a sua idade; nunca, porém,

— 262 -^
INOVAC6ES ABERRANTES NA IGREJA ?

deixa de ser mostarda para se transformar em cerejeira ou ma-


cieira... Algo de análogo se dá com a S. Igreja : já que Ela nao
é cadáver, mas o Corpo ae Cristo vivo e prolongado através dos
séculos, Ela vai tirando do seu ámago novas e novas expressóes
de sua vitalidade, de modo a poder adequadamente transmitir o
.Cristo a cada época e incorporar no Reino de Cristo tudo que
os homérís váo próduzirido de bom em cada fase da historia.
A fim de que Ela realizasse tal tarefa sem perverter o Evange-
lho, o Senhor prometeu a sua assisténcia e a do Espirito Santo
aos Apostólos e aos seus sucessores até o fim dos séculos (cf.
Mt 28, 20).

Compreende-se outrossim que as inovagóes reais na Igreja,


sendo expressóes da vida, nao se tenhám originado de um dia
para outro, ou repentinamente por obra de um individuo ou de
um grupo; elas tiveram seu processo lento de formagáo e cris-
talizagáo.
Destas consideragóes se deriva grande tranqüilidade para os
fiéis que vivem na S. Igreja e ouvem falar de inovagóes no Cris
tianismo. Estas, acidentais como sao, vém a ser justamente a
pedra de toque da autencidade da Esposa de Cristo.

Finalmente, é de lamentar que crentes protestantes espalhem


folhetos e catálogos tais como os que acabamos de analisar. Sao pan
fletos que nao sómente nao resistem a um exame serio e objetivo,
mas.ainda tém a grave inconveniente de dificultar a aproximagao
mutua que o Espirito Santo vai suscitando hoje em dia entre os
cristáos.

O momento histórico em que vivemos — e, com ele, a S. Igreja


Católica Apostólica Romana — levam os fiéis católicos a procurar
compreender os irmáos e a mostrar-lhes como as aspira coes á verdade
e ao bem que ésses irmáos exprimem erradamente, poderiam ser cor-
retamente expressas. Entre os protestantes da Europa, tem-se verifi
cado a tendencia a focalizar o que une os cristáos, e nao o que os se
para. A época das polémicas parece estar ultrapassada; íicando incó
lume a verdade, desejam-se ardentemente encontró e uniáo...
Para que entáo difundir material que alimenta animosidade e pre-
conceitos?

Resta ainda acrescentar

2. Esclarecimentos complementares

A grande maioria dos tópicos apontados como inovagóes já


foi considerada em números anteriores de «P. R.», onde o leitor
encontrará a apresetntagáo do que é certo e do que é incerto em,
cada caso.

— 263 —
«PERGUrTOB E RESPONDEREMOS» 78/1964. qu. 3

Sendo assim, a fim de evitar repetigóes, aquí limitar-nos-


-emos a indicar os respectivos fascículos :

A respeito de

livros canónicos e apócrifos na historia do texto bíblico, cf.


«P. R.» 6/1957, qu. 7;
proibigáo da leitura da Biblia, el. 11/1958, qu. 4;
Inquisicáo, cf. 8/1957, qu. 9;
infalibilidade papal, cf. 14/1959, qu. 3; '
camonizacáo dos Santos, cf. 13/1959, qu. 5; 3/1958, qu. 5;
culto de reliquias, cf. 29/1960, qu. 3:
Assuncáo de María SS-, cf. 35/1960, qu. 2;
distribuic&o da S. Comunháo sob a forma de pSo apenas, cf.
9/1958, qu. 6;
éspórtulas de S. Missa, cf. 2/1958, qu. 10;
Rosario, cf. 35/1960, qu. 6;
jejum, cf. 12/1958", qu. 4;
abstinencia de carne, cf. 7/1958, qu. 9;
imagens sagradas, cf. 4/1957,qu. 4;
transubstanciacSó (termo que significa «conversao de urna subs
tancia em outra», ou seja, da substancia do pao em substancia do
corpo de Cristo), cf. 9/1958, qu. 5. O Concilio IV do Latráo (1215)
usou éste vocábulo, pela primeira vez na linguagem oficial da Igreja,
para exprimir o que até entáo sempre fóra professado eni termos
equivalentes : a real presenta do Senhor na Eucaristia.

A elevacáo da hostia após a Consagragáo na Missa — ceri-


mónia que, como logo se deprende, é muito secundaria — teve
sua origem em fíns do séc. XII. Deve-se principalmente ao desejo
de contemplar a hostia santa, penhor da Misericordia Divina;
explica-se também pela intengáo de acentuar a real presenga do
Senhor no pao eucarístico, real presenga que a heresia de Be-
rengário no séc. XI controvertera. A. elevacáo da hostia, por-
tanto, nao é senáo urna forma, nova no séc. XII, de afirmar á\
verdade antiga ou bíblica : «Isto é meu corpo» (Mt-26,26) ou
«O pao que eu der, é a minha carne para a vida do mundo» (Jo
6,52). Cf. «P. R.» 9/1958, qu. 3.

Pode-se falar de «adora$ao da hostia», visto que o culto


atribuido ao pao consagrado se dirige, em última análise, ao
próprio Deus ai presente. Nenhum fiel católico pensa em adorar
elementos materiais; a figura do pao é apenas estímulo para
que a mente do orante se aplique a Deus e reconhega a sua Ma-
jestade Infinita.

— 264 —'
A ORACAO PELOS MORTOS NA ANTIGÜIDADE

EVANGÉLICO (Salvador) :

4) «Como se justifica a oracáo pelos mortos?


Eira praticada na Igreja antiga?»

Em prímeiro lugar,. proporemos sumariamente o significado teo


lógico da oracáo em favor dos mortos. .A seguir, examinaremos os
testemunhos que a historia da Igreja oferece a propósito..

1. Como se justifica?

1. A oracáo em favor de um defunto supóe que a alma'


dessa pessoa esteja no purgatorio.
. Morreu na amizade do Senhor, mas aínda contaminada de
aderéncias ao pecado, isto é, de más inclinagóes que as faltas
antigás, mesmo depois de perdoadas, deixaram nessa alma. Tal
pessoa nao empregou, durante a vida terrestre, a energía ne-
cessária para, extirpar as suas tendencias desregradas.
Por estar na amizade de Deus, a pessoa que assim morre,
é chamada á visáo beatífica. Contudo nao pode sustentar a pre-
senga de Deus face a face quém traga em si a mínima nódoa de
impureza. Por isto a Justiga Divina lhe concede um estágio de
purificagáo preliminar ao céu, que é o purgatorio.

Já propusemos em «P.,R.» 8/1957, qu. 3 os fundamentos bíblicos


da doutrina do purgatorio.

■ 2. Como se realiza a purificagáo nesse estágio postumo?


Ao deixar o mundo sensivel na Hora da morte, a alma é de
sembarazada de qualquer ilusáo a respeito dos bens criados.
Movida por generosidade nova, ela passa a amar, mais intensa
mente do que na térra, a ordem reta, e a quer restaurar em si;
em conseqüéncia, concebe urna aversáo radical ao egoísmo e aos
vicios cóm os quais aínda levemente condescendía neste mundo;
separa-se de si, adere a Deus, sofrendo a dilaceragáo daí decor-
rente, com urna coragem que nunca teria concebido quando
unida ao corr)o. Ora esta adesáo total a vontade de Deus vai
consumindo na alma tudo que há de desregrado; liberta-a de
todo o egoísmo que o pecado e as inclinagóes pecaminosas impli-
cam; vai «raspando» até a mais profunda carnada toda a «fer-
rugem»-que adere as faculdades da alma. Está claro que a en
trega á vontade de Deus será tanto mais dolorosa para a alma
quanto mais variadas e arraigadas fórem as suas concupiscen
cias desordenadas; deixará, porém, de ser dolorosa desde que
estejam consumidos os últimos vestigios do egoísmo e do pecado
na alma.

— 265 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu.,4

Além de padecer tal dilaceracáo interior, as almas do purgatorio


sao afetadas também por um agente físico ou urna pena extrínseca
(pena dita «dos sentidos»). A éste propósito íala-se do «fogo» do pur
gatorio. Tal fogo, porém, inao é como o da térra;, por isto nao pode ser
descrito com militas pormenores; apenas se deve dizer que, no pro-
cesso de purificacáo da alma, representa os elementos déste mundo,.
que todo e qualquer pecado violenta e desordena. É, pois, um agente
real e corporal que, segundo Sao Tomaz, «liga» a alma, ou seja,
impede o uso de suas íaculdades (inteligencia e vontade) tal como ela
o quisera... '

3. E qual o papel da oragáo dos cristáos na térra em favor


dessas almas ?
jQuem está .no purgatorio, de modo nenhum pode merecer
(sómente antes da morte podemos adquirir méritos); nao pode,
por conseguinte, aliviar ou abreviar as suas penas. É, porém,
crenga tradicional da Igreja, como mostraremos abaixo, que os
fiéis vivos neste mundo muito podem valer as almas do purgato
rio mediante a sua intercessáo e as suas boas obras. Sim; caso
oferecam a Deus preces e atos meritorios em favor dessas almas,
julga-se que o Senhor aceita tais ofertas. Aceitando-as, faz que
as almas no purgatorio sejam mais profundamente penetradas
pelo amor de Deus, o qual nelas deve consumir mais rápida
mente as impurezas do pecado. O Pai do céu atenúa também a
intensidade das penas extrínsecas (dos sentidos) determinadas
a tais almas.
É preciso, porém, renunciar a afirmagóes muito minuciosas
neste setor. A Igreja na térra nao tem poder de jurisdigáo
(absolvigáo) sobre as almas dos defuntos; apenas pode rogar
por elas e apresentar ao Senhor méritos (sufragios) que redun-
dariam em proveito dos vivos, pedindo se tornem proficuos para
os defuntos. A eficacia désses sufragios escapa á nossa aprecia-
gáo; Deus distribuí os frutos dos mesmos de maneira que nos
fica oculta; «é preciso reconhecer que a substituicáo da nossa
satisfaoáo á satispaixáo das almas padecentes é, da parte de
Deus, muito mais questáo de bondade e misericordia do que de
justiga» (Michel, Feu du purgatoire, em «Dictionnaire de Théo-
logie Catholique» V 2. 1939, 1306).

Está claro que os sufragios assim feitos nao derrogam á obra de


Cristo, pois os merecimentos apresentados nao sao mais do que os
frutos dos méritos do Salvador; é a imagem de Cristo vivendo no
cristáo que dá valor de salvacao aos sofrimentos déste e lhes possi-
bilita acesso ao Pai.

Eis, em poucas palavras, a justificativa e o significado dos


sufragios oferecidos em favor das almas do purgatorio.
Examinemos agora o que a respeito nos dizem

— 266 —-
, _.;A ORÁCAO. PELOS MORTOS-NA. ANTIGUIDADE -■ -

&- Os-testemunnos dos primeiros séculos cristaos

■ Analisaremos sucessivamente os testeinunhos da literatura crista,


da Liturgia e da .arqueología. ■

A. Antiga literatura crista

Sao Joáo Crisóstomo (t 407) refere que «os Apostólos ins-


tituiram a oragáo pelos mortos e que esta lhes presta grande
auxilio e real utilidade» (cf. In Philipp. m 4, ed. Migne gr.
62, 204).
Em outra passagem o S. Doutor corroborava a afirmagáo,
dizendo :

«Fagamos nossos sufragios pelos defuntos e celebremos a sua


memoria. Se os íilhos de Jó foram purificados pelo sacrificio oferecido
por seu pai, como duvidaremos de Que mossas oferendas pelos mortos
Ihes proporcionam alivio? Sem hesitacfio, portante, demos nossos su
fragios aqueles que já se foram, e por éles oferecamos as nossas
preces» (In-1 Cor 41,5 ed. Migne gr. 61, 361).

A instituicáo de sufragios fúnebres por parte dos Apostólos


nao poderia ser rigorosamente demonstrada; escassos sao os
documentos que nos restam do primeiro século. Apenas se pode
citar a seguirite passagem de Sao Paulo, a qual nao deixa de ser
imprecisa no caso :

«Que o Senhor conceda a Onesiforo encontrar misericordia da


parle do Senhor naquele día!» (2 Tim 1, 18).

O contexto dá a crer que Onesiforo, dedicado amigo do


Apostólo, já falecera. O Senhor mencionado pela primeira vez
(com artigo) é Deus Pai; na segunda mengáo (sem artigo), o
Senhor é o Cristo Jesús, Juiz do mundo. Conforme certos comen
tadores, Sao Paulo estaría fazéndo urna prece em favor do de-
funto : estaría, sim, pedindo a Deus Pai que seu discípulo One
siforo óbtivesse misericordia no juizo final. Esta interpretagáo,
porém, nao é unánime.

Do século II também sao sobrios os documentos literarios : os


escritores cristaos se dedicavam mais á Apologética (frente ao Impe
rio Romano perseguidor e aos herejes) do que á descrigáo dos costu-
mes das comunidades cristas.

Logo, porém, no inicio do séc. III encontram-se as. Atas do


Martirio de S. Perpetua de Cartago (África), muito significati
vas para a nossa pesquisa. A mártir ai aparece orando por seu
irrriáo Dinócrate, o qual morrera jovem : pedia, fósse ele trans
ferido do lugar de padecimento em que se achava, para «um

— 267 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 4

lugar de refrigerio, de saciedade e de alegría». Finalmente, viu


Dinócrate, de coracáo puro, revestido de bela túnica, a gozar
de refrigerio, saciedade e alegría, como urna crianciriha qué sai
da agua e se dispóe a brincar (cf. Passio S. Perpetuae VIIs).

Nao se atribua demasiada importancia aos símbolos que esta


narrativa apresenta. Considere-se apenas o testemunho que ela dá,
de oracáo em favor de um defunto.

Na mesma época, Tertuliano atesta o uso de sufragios na


Liturgia oficial de Cartago: referindo-se, por exemplo, a um
defunto, diz que, no intervalo ocorrente entre a morte e o sepúl-
tamento do mesmo, fóra beneficiado pela «oragáo do sacerdote»
(De anima 51). O mesmo escritor, avésso a segundas nupcias,
argumentava contra estas, sugerindo o embarago em que se de-
veria encontrar um viúvo casado de novo, todas as vézes que
tivesse de fazer as habituáis preces e oblagóes em favor de sua
primeira esposa (cf. De exhortatione castitatis 51). O mesmo
embarago havia de atingir também a viúva que houvesse can-
traído novas nupcias e quisesse orar por seu primeiro marido
nos dias de aniversario da sua morte (cf. De monogamia 10).
Pouco depois, o bispo de Cartago, S. Cipriano, refere-se á
oferta do sacrificio eucarístico em sufragio dos defuntos como
sendo praxe recebida de heranga dos bispos seus antecessores
(cf. epist. 1,2). Ñas epístolas do santo nao é rara a expressáo
<offerre sacrificium por aliquo, sacrificium pro dormitione eius»
(oferecer o sacrificio por alguém ou por ocasiáo dos finierais
de alguém).

Baseando-se nestes e em outros depoimentos da mesma época,


escreve Vacandart:

«Podemos de certo modo conceber o que terá sido a vida religiosa


de Cartago em meados do séc. III. Ai vemos o clero e os fiéis a cercar
o altar ... ouvimos os nomes dos deíuntos lidos pelo diácono e o pe
dido de que o bispo ore por ésses fiéis falecidos; vemos os cristaos...
■ voltar para casa reconfortados pela mensagem de que o irmáo íále-
cido repousa na unidade da Igreja e na paz do Cristo» (Revue du
clergé francais 1907 t. LII 151).

Prosseguindo o curso da historia, por volta do ano de 300,


encontramos o eloqüente testemunho .de Arnóbio, apologista
cristáo, que assim protestava contra a destruido de igrejas por
parte dos perseguidores pagaos :

«Porque táo cruelmente sao destruidos os templos? Templos nos


quais se.implora o Sumo Deus, se pedem a paz e o perdao para todos
os homens, magistrados, militares, governantes, familiares, inimigos,
vivos e defuntos» (Adv. Nationes IV 26).

— 268 —
A ORACAO PELOS MORTOS NA ANTIGÜIDADE

Poúco mais tarde, Eusébio do Cesaréia narra que o corpo


do Imperador Constantino Magno, mofto em 337, foi colocado
diante do altar, onde sacerdotes e fiéis ofereceram a Deus ora-
cóes pelo defurito (cf. De vita Constantini IV 71).

Em 348, S. Cirilo, bispo de Jerusalém, refere que nessa


-cidade, «após a comemoracáo dos santos, os fiéis oferecem o
sacrificio pelos antepassados, pelos bispos e por todos aqueles
que repousam entre nos, persuadidos de que isto há de ser de
grande utilidade as almas daqueles por quem é feita tal oracáo»
(Catequese mistagógica V 9).

O mesmo santo tinha consciéncia de urna objecao entáo propa


lada : «Conheco varios, dizia ele, que perguntam como a alma que
deixou éste mundo, com ou sem pecados, pode tirar proveito das ora-
c6es feitas na comemoracáo dos mortos». Ao que respondía: «Olere-
cendo essas preces da Liturgia, oíerecemos o Cristo que íoi sacrifi
cado por nossos pecados; assim tornamos Deus propicio tanto aos
mortos quanto a nos mesmos» (Cat. Mist. V 10).

As hesitacóes se foram assim dissipando. A Igreja tinha a


convicgáo de que o Serihor Deus, que estabeleceu solidariedade
e uniáo caridosa entre os homens na térra, nao permite sejam
as relagóes de caridade interrompidas pela morte; mas, ao con
trario, entretém-nas, fazendo que as oragóes dos vivos possam
ser úteis aos irmáos falecidos e necessitados; a morte do corpo,
segundo o plano do Senhor, nao há de destruir os liames de
comunháo que unem os membros do povo de Deus entre si.

Em fins do séc. IV, acerca de 387, S. Ambrosio escrevia a ura


amigo que pranteava a morte da sua irmá: «É preciso que lhe assis-
tas com as tuas oracñes, em vez de a prantear;... recomenda a sua
alma a Deus mediante oblacfles» (epist. I 59; cí. De obitu Valen-
tiniani 78).

Os testemunhos até aqui transcritos já bastam para eviden


ciar como a oragáo pelos mortos é praxe tradicional na Igreja,
praxe portante bem anterior ao ano de 300. — Nem se poderia
dizer por que o catálogo protestante assinala esta data (300)
para a pretensa invengáo.

Passemos agora aos textos da

B. "liturgia antiga

Já as mais antigás coletáneas de preces litúrgicas que pos-


suimos, referem o costume de sufragar os defuntos no culto
público.

— 269 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 4-

Assim a «Didascalia» («Doutrina» atribuida áos doze


Apostólos), redigida nos primeiros decenios do séc. III para o
uso dos cristáos da Siria, ordena :

«Ao fazerdes as vossas comemoracóes, reuni-vos, léde as Sagradas


Escrituras e oíerecet preces a Deus; oferecei também a regia ^Euca
ristía tanto em vossas assembléias quanto nos cemitérios. O pao
puro que o fogo tiver purificado e que a invocacáo houver santificado,
oferecei-o orando pelos mortos» (cf. t. I 2a. parte, fragmento de
Verona).

Os chamados «Cañones de Hipólito», que referem em subs


tancia a Liturgia do séc. III, contém urna rubrica concernente ao
caso de se fazer a «anamnese» (memorial, sufragios) em favor
dos defuntos : «Si fit anamnesis pro iis qui defuncti sunt..,»
(Cañones Hippolyti, em «Monumenta Ecclesiae Litúrgica» por
Cabrol e Leclercq, t. I, parte 2a.).

Na primeira metade do séc. IV, obispo Sérapiao de Thmuis,


no Egito, féz-se autor de urna coletánea litúrgica, em que se le
a seguinte fórmula de Lntercessáo pelos irmáos falecidos :
«Por todos os defuntos dos quais fazemos comemoragáo, assim
oramos : 'Santifica essas almas, pois Tu as conheces todas; santifica
todas aquelas que dormem no Senhor; coloca-as em meio as santas
Potestades (anjos) ; dá-llies lugar e permanencia em teu reino»
(Journal of theological Studies t. I pág. 106).

O mesmo Serapiao consignou urna prece a ser dita por ocasiáo


da inumagáo do defunto :

«Nos Te suplicamos pelo repouso da alma de teu servo (ou de


tua serva) N.; dá paz ao seu espirito em lugar verdejante e aprazível,
e ressuscita o seu corpo no día que determinaste» (ib. t. I 268).

As «Constituisoes Apostólicas» foram compiladas no fim


do séc. IV por um autor que recolheu documentos bem mais an-
tigos.

No livro VIII da colecao se lé: «Oremos pelo repouso de N., a


fim de que o Deus bom, recebendo a sua alma, lhe perdoe todas as
faltas voluntarias e, por sua misericordia, lhe dé o consorcio das almas
santas».

A fim de nao alongar desnecessáriamente a lista, voltamo-nos


agora para os testemunhos da

C. Arqueología
A epigrafía, isto é, as inscrigóes funerarias dos antigos cemi
térios cristáos atestam, de modo muito vivo, a praxe de sufragar
os mortos.

— 270 —
A ORACAO PELOS MORTOS NA ANTIGÜIDADE
t

Um dos testemunhos mais remotos é o chamado «Epitafio de


Abércio», oriundo em fins do séc. II. — Abércio era blspo de Hiero-
polis na Frigia (Asia Menor); mandou insculpir ñuma lapide os dize-
res que haveriam de recobrir o seu túmulo: trata-se de alguns traeos
biográficos que terminam com a seguinte advertencia:
— -"■■ " «Mandei escrever estas coisas
Eu, Abércio, na idade de 72 anos.
O irmao que as compreender,
Queira orar por Abércio!»

Por volta de 268/289 foi gravada no cemitéri*


Roma- a seguinte inscricao :

«Posuit Iperechius
Cóniugi Albinule
Benemerenti sic
Ut Spirituam tuum De
Us refrigérete.

■ .Em traducáo: «Éste túmulo, Iperéquio preparou-o para sua be


nemérita esposa Albínula. Deus alivie o teu espirito!»

No mesmo cemitério, lé-se em outro túmulo a seguinte prece


atribuida á defunta ai sepultada :

«Vos precor, o fratres, orare huc quando venitis


Et precibus totls Patrem Natumque rogatis,
Sit vestrae mentís Ágapes carae meminisse,
Ut Deus omnipotens Agapen in saecüla servet».

' Em traducáo : «Rogo-vos, irmaos, todas a& vézes que aquí vindes
a orar e a rogar instantemente ao Pai e ao Filho, lembrai-vos da cara
Ágape, a fim de que o Deus Todo-poderoso guarde Ágape pelos sé-
culos»! • " ■ ■
Em Alexandria (Egito), urna inscricao assim exclama:

«Que o Senhor se recordé da dormicáo (morte) e do repouso de


Makara, a muito meiga! Que o leitor ore por ela!»
Encontrou-se no Egito até mesmo um epitafio que pede as preces
da Santa Máe de Deus em fayor do defunto :

«Pela intercessáo... da M&e de Deus (Theotokou), dá (ó Deus)


o repouso á alma do bem-aventurado Marino, sacerdote e ministro da'
Igreja».

No séc. IV sao numerosas as inscricSes que manifestam o uso de


sufragios. A titulo de ilustracáo, aqui transcrevemos apenas as duas
seguintes (de origem copta, isto é, egipcia) :

«Eu, Joao, Diácono, deixei minha máe viúva. Vim para a ¿idade
de Cós; ai morri; levaram-me e puseram-me neste túmulo. Lembrai-
•vos de mim, bem-a'mados, a fim de que Deus me perdoe!»
«Jejuai todos por fim, a fim de que Deus seja misericordioso para
com a minha alma!»

— 271 —
«PERGUÑTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu.'5

Ampio catálogo de semélhaníes inscricOes pode ser consultado no


«Dictionnaire d'Archéologie chrétienne et .dé Liturgie» de Cahrol-
-Leclercq IV 1, pág. 445-451 (art. «Déíunts»).

Tais testemunhos demonstran* assaz claramente quanto a


praxe de orar pelos mortos está arraigada na piedade dos cris-
táos. É urna das expressóes máis concretas da crenga no purga
torio, crenca sugerida pela Sagrada Escritura e pela Tradicáo
crista.

IV. MORAL

ORIENTALISTA (Sao Paulo) :

5) «Nao serao verdadeiros mártires os monges budistas


que no Vietnam se incendiaram para defender a suá religiüo?
Haveria muitos cristáos dispostos a fazer o mesmq em prol
da fé crista?» , ' '

A estas questoes responderemos tecendo considéragóes


sobre tres aspectos da morte dos mencionados monges budistas:
1) martirio ou suicidio? 2) religiáo ou política? 3) ver'dade reli
giosa ou outro ideal?

1. Martirio ou suicidio?

Nao interessa julgar se há ou nao há muitos cristáos dis


postos a imitar os monges budistas que se mataram-no Vietnam.
É mesmo para desejar nao haja um só que o faga, pois se trata
de suicidio, e o suicidio como tal é ilícito, por mais nobres que
paregam os motivos do suicida.
De fato, a vida é dom que Deus consigna ao homem para
que o administre no decorrer desta peregrinagáo. Nao é lícito,
portante, ao individuo dispor soberanamente da vida terrestre,
extinguLndo-a a seu bel-prazer, nem mesmo quando julgue ser
inspirado por heroica intengáo.
Verdade é que certas correntes da filosofía moderna tendem a
valorizar o suicidio como sendo a suprema aíirmagáo da liberdade do
homem. Contudo nótese que tais escolas filosóficas professam justa
mente a irreligiáo ou o ateísmo: o homem moderno que se.suicida,
faz questáo de afirmar sua autonomía absoluta, negando desta forma
a existencia de Deus. O suicida seria o herói por excelencia, o homem
que se emancipa-de tdda sujeigáo.

Assim, por exemplo, na peca «Os possessos» de Dostoievsky apa


rece certo personagem, Kirillov, que afirma : «Todo homem que quer a
liberdade, deve ousar matar-se... Aquéle que ousa matar-se, é Deus.
Quem tiver vencido adoreo médo, será Deus mesmo... Entáo... o
homem se transformará físicamente e se tornará Deus...»

— 272 — \
_. MONGES BUDISTAS QUE SE INCENDIARAM... '

Tais afirmagOes sao evidentemente insensatas, pois pretenden!


ignorar algo que a todo instante se paténtela, isto é, a insuficiencia, a
precariedade e a múltipla dependencia que caracterizan! a existencia do
ser humano sobre a térra. O homem que pretende ser autónomo e toma
atitudes de liberdade absoluta, em vez de se engrandecer, se desfigura
e rebaixa. Donde se vé que nao é o genuino espirito religioso, nem o
autentico zélo de' Deus que inspira o suicidio, por mais que éste pareca
ser um ato de fervor religioso. v

De resto, é importante observar que nao só a lei natural


e a consciénciá crista condenam qualquer tipo de suicidio:..
Também as autoridades budistas, frente aos acontecimentos do
Vietnam, desaprovaram unánimemente o gesto dos seus súditos
que se mataram. alegando motivo religioso ou fidelidade ao
budismo. '
Deve-se portanto concluir: os bonzos que se incendiaram
em praca pública foram movidos por zélo, sim, mas por zélo mal
iluminado; nao se poderia asseverar que tenham, com isto, obser
vado os preceitos de sua religiáo; muito menos seguiram os da
lei natural.
Ao verificar isto, o cristáo nao pretende julgar a consciénciá
de tais irmáos. Embora tenham desempenhado papel nao reco-
mendável, pode-se admitir que em seu íntimo estivessem convic
tos de que assim deviam proceder e de que seu gesto seria o
mais nobre servico prestado a Deus e a humanidade. Nada se
opóe, por conseguinte, a que se reconhega a grande coragem
dos banzos que se sacrificaram; tal fórca de ánimo constituí
exortacáo e estímulo para os cristáos, a fim de que nao sejam
menos ardorosos na profissáo de sua fé, embora de modo ne-
nhum lhes seja lícito suicidar-se por pretenso zélo religioso.
Jesús nao raro ñas suas parábolas exortava os discípulos ao
ardoroso servico de Deus, lembrando o esmero e o afinco que
nao poucos homens empregam no culto do egoísmo e do amor
próprio (cf. a parábola do administrador iniquo, em Le 16, 1-9;
a do juiz tónico, em Le 18, 1-8; a do amigo egoísta, em Le
11,5-10...).

A titulo de ilustragáo, pode-se outrossim ressaltar que a doutrina


católica nao recomenda nem mesmo que, em tempo de perseguigao, os
fiéis se.entreguem voluntariamente aos algozes a íim de padecer e mor-
rer em nome da fé. Nao é licito, portanto, a um católico procurar por
própria" iniciativa a morte, denunciando-se como discípulo de Cristo a
um perseguidor, numa especie de provocacao.

Assim, por exemplo, rezam as Atas do Martirio de S. Policarpo


(t 156) :

«Nao louvamos aqueles que se oferecem aos algozes por iniciativa


própria. O Evangelho nao ensina tal conduta» (Martyrlum Polycarpi 4).

— 273 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 5

S. Cipriano, (t 258), bispo de Cartago, escrevia :

«Cada um deve estar pronto a coníessar a íé, mas a aiingúém é


lícito ir por si ao encontró do martirio».

Nessa procura espontánea da morte violenta, poderia haver pre-


suncáo e temeridade da parte do cristáo, pois nlnguém por suas pró-
prlas foreas resistirla á tentacáo e ao perigo de apostasia; é a graca de
Deus, benévolamente outorgada, quem sustenta o confessor da íé. A
ninguém será permitido presumir que Deus a dará necéssariamente.
A doutrina católica chega mesmo a negar o titulo de mártires aos
fiéis que provoquem os seus perseguidores, insultando os Ídolos ou a
religiáo que estes proíessem. Eis o que determinava o concilio de
Elvira (Espanha) em 306 aproximadamente : «Dado que alguna- cristao
venha a soírer a morte por haver destruido estatuas de ídolos, nao será
cpntado entre os mártires» (casi. 60). y

Leve-se agora em consideragáo outro aspecto^do drama do Vietnam.

2. Religiáo ou política?

1. O confuto registrado entre o govérno do Vietnam e os


budistas parece ter sido, em grande parte, motivado por razñes
nao religosas, mas, sim, políticas. Ora o martirio própriamente
dito é um fato esencialmente religioso (como se dirá explícita
mente no § 3 déste artigo).

A índole do confuto pode-se depreender, com certa evidencia, de


um exame dos acontecimentos efetuado a alguns meses de distancia
(a celeuma durou de maio a novembro de 1963). Durante o desenrolar
mesmo dos dolorosos episodios, as informacOes das agencias de noticias
eram assaz complexas e desencontradas, de modo que o público mal
podía avaliar quais os fatóres responsáveis pela situacáo vietnamense.
Nao poneos acontecimentos importantes eram silenciados; outros, mal
transmitidos ou falsamente interpretados pela imprensa.
Atualmente numa visáo serena dos fatos podemse assim recons
tituir as causas da triste controversia :

O Vietnam do Sul separou-se do Vietnam-Norté justamente


por nao aceitar o regime comunista que neste territorio seten-
trional subiu'ao poder logo após a proclamagáo da independen
cia nacional.
No Vietnam-Sul o Sr. Ngo Dinh Diem (que era católico,
mas de modo nenhum pode ser identificado com a Igreja Cató
lica) comeeou a governar, primeiramente um ano como Pri-
meiro Ministro sob o Imperador Bao Dai; a seguir, oito anos (a
partir de 1954) como Presidente da República legítimamente
eleito.
Como se compreende, urna das grandes solicitudes de tal
Govérno foi a de impedir a penetracáo do comunismo no
Vietnam Meridional. Sem dúvida, os líderes marxistas do

— 274 —
MONGES BUDISTAS QUE SE INCENDIARAM... ^

Vietnam-Norte nao pouparam esforgos para se apoderar do


resto do territorio.
Ora, ñas tentativas de executar essa tarefa, acónteceu que
os comunistas do Norte foram auxiliados por budistas do Norte
e do Sul do Vietnam. . - '

2. Como se explica isto? .


Dois sao os motivos que se podem assinalar:
a) O budismo em si nao favorece positivamente o comu
nismo. A filosofía do genuino e tradicional budismo é a filosofía
do esquecimento; ensina, sim, que, para conseguir felicidade e
perfeigáo, o homem tem que extinguir em si todo desejo é, por
cunseguinte, toda reminiscencia das coisas temporais; em con-
seqüéncia, o budista procura tornar-se indiferente as solicita-
cóes e aos afazeres déste mundo; pouco se entrega as tarefas
da vida social e da política. Lógicamente.verifica-se que, nos
países onde o comunismo tem tomado o Govémo, a populagáo
budista nao sómente nao lhe opóe resistencia ativa, mas tende
mesmo a se acomodar ao estado de coisas vigente.
Nos últimos anos, porém, certa evolugáo se registrou em tal
comportamento: tem tomado vulto urna corrente néo-budista
que, ao contrario da sua tradigáo religiosa, é muito dada á agáo •
social e politica; até mesmo entre os monges ou bonzos essa
nova mentalidade tem encontrado numerosos representantes.
Muitos dos adeptos dessa nova corrente estudaram no es-
trangeiro (em Ceiláo, na Tailandia, nos Estados Unidos da Amé
rica) ; voltaram entusiasmados pela técnica moderna e desejosos
de remediar seriamente ao subdesenvolvimento de muitos países
budistas. Nao poucos désses jovens simpatizam mesmo com o
comunismo se se entregam á influencia que éste continuamente
tenta exercer sobre éles. Segundo bons cronistas, o budismo,
mesmo nos seus recantos mais sagrados, vai sendo assim vítima
de infiltragáo comunista. Certos fatos parecem confirmar tal
suposicáo : assim, por exemplo, no Vietnam Meridional em pa-
godes ou templos budistas encontraram-se documentos quev
comprometían! com o comunismo os seus portadores ; foram
descobertos e denunciados falsos monges ; comprovou-se tam
bém que determinados bonzos estavam em contato coni o
«Viet Cong» ou o Partido Comunista do Norte. Há, por con-
seguinter-budistas e «budistas» no Vietnam : existem, sim, os
tradiconais sequazes de Buda, dados únicamente á ascese e
•á oragáo, assim como existem os ¡novadores, que se manifes-
tam na vida pública favorecendo teses marxistas. Varios dés-
tes inovadores emigraram do Vietnam-Norte para o Vietnam
Meridional como refugiados (ou quigá também como emissários

— 275 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 5

do Govémo setentrional ?), e se. mostraram bons conhecedores


dos métodos de propaganda e influenciacao das massas apli
cadas pelos comunistas.

Além disto, deve-se notar que

b) sob o regime de Ngo Dinh Diem, «ser budista» equiva


lía em muitos casos a «ser nacionalista» e «ser contrario ao Go
vérno». Com efeito, o Presidente Diem, sendo católico, paréela
constituir um Govérno demasiado ocidental, que muitos vietna-
menses, por ésse motivo, nao queriam aceitar. Feridos em súa
consciéncia nacional, tais cidadáos resolveram opor-se ao Go
vérno, apelando para as tradigóes religiosas dos antepassados,
entre as quais sobressaiam as observancias budistas. Assim
«profissáo de budismo» veio a ser «profissáo de nacionalismo» e
de «oposigáo ao Govérno de Diem».
Note-se, alias que, para dar fundamento ao nacionalismo antigo-
vernamental no Vietnam bastava professar qualquer forma de religiáo
da Asia Oriental. Na realidade, observam os historiadores que há, entre
os náocristáos do Vietnam-Sul, acentuado ecleticismo religioso (grande
número de adeptos do ccmfucionismo encontram-se ao lado de mem-
bros de seitas como o Caodaismo, o Taoísmo, o Hao-Hao...); por con--
seguinte o budismo lá nao é sempre professado em suas formas puras.
Sdmente assim se explica, tenha o Catolicismo conseguido tantos adep
tos naquela regiáo (em geral, o budismo opóe forte resistencia ás mis-
soes cristas); sómente assim se explica, haja sido eleito, por grande
maioria de votos, um Presidente cristao logo que o povo comegou a
gozar de independencia política; também nao se explicarla de outro
modo o fato de que o Govérno de Diem tenha podido superar aínda nos
últimos tempos urna revolta de budistas mobilizando, para isto, tropas
de policía e seguranga pública recrutadas principalmente entre nao-
-cristáos.

3. Estas observagóes parecem importantes para mostrar


que os dolorosos acontecimentos do Vietnam nao se devem pró-
priamente a um choque entre Catolicismo e Budismo, mas, sim,
a um confuto entre duas facgóes movidas por aspiragóes políticas
e nacionalistas, apenas acidentalmente ligadas á Religiáo.

É o que o jornal do Vaticano «Osservatore Romano» obser-


vava em sua edigáo de 23 de agosto de 1963, num artigo que foi
tido como declaragáo oficial da Santa Sé :

«(No Vietnam) nao se trata de luta religiosa, muito menos de luta


entre católicos e budistas ou entre Igreja e Budismo. Faz-se mister acen
tuar isto com énfase, de mais a mais que é verdade reconheoida e de
clarada pelos próprios budistas... A Uniáo Geral dos Budistas do
Vietnam, nos primeiros dias de agosto de 1963, baixou um comunicado
no qual asseverava que ela .nunca acusara a Igreja e os católicos como
tais, mas apenas o Govérno do país. Por conseguinte. estaría fora de
propósito falar de confuto entre católicos e budistas*.

— 276 —
MONGES BUDISTAS QUE SE INCENDIARAM...

Ainda para comprovar que nao houve perseguigáo religiosa


própriamente dita no Vietnam, os cronistas lembram qu§ sob o
regime de Diem o budismo chegou mesmo a ser favorecido e fez
notorios progressos em meio á populagáo' É o que deduzem dos
seguintes fatos :
_ o Govérno deu. ao budismo tradicional (distinto da corrente ¡nova
dora budista) dinhéiro, material e terreno para a construg&o e a reno-
vagáo de pagodes (ou templos budistas). De 1956 a 1962, foram, á custa
do regime, edificados 1275 novos pagodes, enquanto 1295 foram .res
taurados;
•o número de escolas para a formagáo de bonzos (monges) subiu
de 4 ,a 10; as demais escolas budistas continuaran! a. funcionar livre-
ment'e;
as Associac3es de crentes budistas elevaran» de 32% o número de
seus membros; . '
- diariamente, por ésses arios a fio, ¿ontinuov a ser irradiada a «Hora
da Oracáo», feita de acordó com as normas de Buda;
6 próprio Presidente Diem assim se pronunciou em urna alocugáo
radiofónica aos 10 de junho de 1963: «Declaro solenemente que o bu
dismo, neste pais, goza do apoio da Constituigao; o que quér dizer tam-
bém:... goza do meu próprio apoio». Em carta dirigida a U Thant,
Secretario Geral da ONU, na data de 31 de agosto de 1963, assegurava
Diem que nao havia perseguigáo ao budismo no Vietnam Meridional e
acrescentava que qualquer rumor em sentido contrario deveria ser «om-
provado. . ' .

4. Inegávelmente, porém, criou-se aos poucos urna situa-


gáo tesa entre o Govérno Diem e os setores de budistas ditos do
«Pequeño Veículo» (Hinayana). Era esta corrente que agrupava
os jovens ardorosos amigos das conquistas da técnica moderna,
compartilhando o lema do bonzo Deu Nghiep : «Em sua cami-
nhada para o mundo vindouro, um sacerdote budista tem suas
responsabilidades no mundo presente» (cf. «New York Times*
ll/K/63). Tal orientagáo tomava naturalmente um carátér na
cionalista e passou a olhar para o Govérno com pouca simpatía,
pois Diem, sendo católico, parecia pouco fiel as tradicóes da sua
patria (a familia do Presidente Diem, convertida ao Catoli
cismo desde varias geragóes, era oriunda de antiga familia de
mandarinos confucianos). O regime de Diem, por sua parte, con-
cebeu desconfianga para com os budistas imbuidos de novas
idéias, suspeitando quisessem fazer causa comum com o mar
xismo vigente no Vietnam do Norte.
Em conseqüéncia déste estado de ánimos registrararh-se
atós imprudentes e desatinados: soldados do Govérno invadi-
ram pagodes, massacrando monges e depredando os edificios;
propriedades de mosteiros budistas foram desrespeitadas; ma
jestosa estatua de Buda foi destruida por milicianos indiscipli
nados em Hue — o que contribuiu para ferir profundamente os
sentimentos dos budistas em geral.

— 277 —
«PÉRGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964,^qu._ 5

Além disto, o Presidente vietnamense estabeleceu certa dis-


criminagáo entre cidadáos católicos e cidadáos budistas. Istó
nao pode deixar de irritar nao somente os budistas; mas'tam-
bém a opiniáo pública internacional, pois dava a impressáo de
que o Govérno do Vietnam estava praticando odiosa perseguigáo
religiosa.

■ A éste respeito manifestou-se o próprio Presidente Diem


em meados de 1963. Reconheceu, sim, que aos católicos eram
dados os melhores postos na vida pública. Acrescentou, porém,
que isto se devia ¡nao ao fato de serem éles correligionarios do
Presidente, mas, sim, a dois motivos que lhe pareciam estar
ácima de qualquer contestacáo :
a) os católicos, em geral, eram cidadáos dotados de mais pre
paro civico e cultural, pois freqüentavam as escolas das missóes rélu
giosas, as quais reconhecidamente ministravam sólida formacáo aos
seus discípulos;

b) os cidadáos católicos eram, com muito mais firmeza do que os


budistas, intensos ao comunismo. Na populacho católica do Vietnam
Meridional contavam-se cérea de 750.000 refugiados do Vietnam do
Norte; eram cidadáos que haviam conhecido por experiencia as amar
guras do regime comunista.

Quem considera tais declaracóes, supondo-as sinceras, quem


também leva em conta o complexo da situacáo vietnamense
(muito mais intrincada do que á primeira vista parece), poderá
talvez reconhecer que os acontecimientos do Vietnam nao devem
ser tidos como canflitos entre Catolicismo e Budismo, mas tive-
ram sua origem própriamente no setor político, ou seja, em duas
diversas maneiras de conceber a vida pública do país após a
emancipacáo nacional.
Acrescente-se a estas consideragóes mais urna ponderagáo :

3. Martirio e verdade religiosa

O martirio própriamente dito é o testemunho, selado pelo


sangue, em favor da verdade religiosa.
Santo Agostinho, a éste propósito, formulou famoso ada
gio : «Quod martyres veros non faciat poena, sed causa. — Nao
é a pena, mas é a causa que faz os verdadeiros mártires»
(epist. 89). •

Com efeito. Havia nos tempos do S. Doutor (séc. V) urna seita de


Donatistas (herejes fanáticos) chamados «os Circunceliñes» («os' que
vagueavam em torno das habitacSes»). Em nome de um puritanismo
que visava excluir da Igreja os pecadores, afirmavam serem éles «os
combatentes de Deus contra o Diabo»: percorriam as regiSes rurais
assaltando as casas dos católicos e ateando-lhes fogo. Nao poucos assim

— 278 —
MÓNGES BUDISTAS QUE SE INCENDIARAM...

se expunham a morrer; outros, para demonstrar o vigor das suas con-


vicgóes davam espontáneamente a morte a si mesmos, atirando-se,
por exémplo, em precipicios e abismos. Multes observadores diziam
emtáo a S. Agostinhó í «EIs vérdadeiros mártires! Como sao corajosos!
Antes se entregani espontáneamente a morte do que abandonam suas
crengas».
A essas exclamacCes Agostinhó respondía serenamente :
"""" <Náo é o sofrlménto cómo tal, mas é a causa que íaz os vérdadei
ros mártires» (I. cit.).

De fato, o mártir, segundo a etimología da palavra grega,


é urna «testemunha». No vocabulario cristáo, é a testemunha
da verdade religiosa ou do Cristo que corrobora sua profissáo
de fé mediante a entrega da própria vida.
O título de «mártir», por conseguinte, nao se aplica, em
linguagem crista, a quem sofre a morte violenta ou mesmo se
suicida em favor de urna causa que nao seja a fé verdadeira
(faz-se mister acentuar, que também no setor religioso existem
verdade e erro, independentemente da boa fé ou da boa vontade
dos devotos; cf. «P. R.» 31/1960, qu. 2).
S. Tomaz de Aquino, por sua vez, ensinava no séc. XIH:
«Os mártires sao assim chamados... porque, mediante os seus so-
írimentos físicos suportados até a morte, dáo testemunho á verdade;...
oiáo a urna verdade qualquer. mas a verdade... que nos fól revelada
por Cristo» (S. TeoL H/n 124,5).

É, pois, num sentido improprio que se fala de «mártir da


patria, da ciencia, da astronáutica», para designar um soldado
morto em campo de batalha ou um dentista vítima de suas ex
periencias científicas ou um jovem que arrisca a vida em viagens
espaciáis. ,
O verdadeiro mártir é aquéle que dá testemunho a Cristo
Redentor do mundo, padecendo (nao infligindo a si mesmo)
a morte.
Houve, sem dúvida, no Imperio Romano filósofos heroicos
exilados ou mesmo condenados á pena capital por odio de gover-
nantes despóticos : foram vitimas da política ou da inyeja, viti-
mas geralmente muito dignas dé admiragáo. Contudo em lin
guagem crista nao se lhes dá o título de mártires... nem a
Séneca (t 65 d.C), que abriu as suas próprias veias por ordem
do Imperador Ñero, nem ao ilustre filósofo estoico Traséias,
punido de morte sob o mesmo soberano (t 66 d.C.).
Está claro que o heroísmo exerddo em favor de urna causa
nobre (embora nao seja a fé de Cristo) pode ser multo agradá-
vel a Deus, merecendo eventualmente para o padeñte as gracas
de urna santa morte (caso a vítima esteja procedendo de boa fé
ou de acordó com a sua consciénda). Estes dizeres se aplicam

— 279 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964, qu. 6

nao sómente ao soldado tombado em guerra pela patria ou ao


dentista morto pelo bem comum da humanidade,- mas^também
aos budistas que recéntemente se sacrificaram no Vietnam;
Deus terá levado em conta benévola a sua boa fé ou o seu ardor.
O cristáo, porém, se absterá de os designar como «mártires»:
nao só nao padeceram pela yerdade religiosa, mas nem sequer
por motivos puramente religiosos.

Eis as consideragóes que se impunham a guisa de esclare-


cimento para as questóes formuladas no cabegalho déste artigo.

Referencias e citacoes devem-se, em boa parte, ao íasclculo de «Her-


der-Korrespondenz» XVIII 3, Dezember 1963. pág. 115-122.

JOAO INTRIGADO (Guanabara) :

6) «Qual o sentido da frase de Jesús: 'Todos os que to-


marem da espada", pereceráo pela espada' (Mt 26, 52) ?
A experiencia ensina, de um lado, que nem todos os que
recorrem á violencia sao violentamente punidos, e, de outro
lado, que muitos inocentes sofrem violencia».

A frase de Mt 26, 52 está evidentemente redigida em estilo


proverbial. Disto se segué que nao há de ser tomada ao pé
da letra. De fato nem todos os homens violentos morrem pela
violencia. O Senhor Jesús deseja apenas incutir que o uso
indevido ou injusto da fórga é sempre punido pela Justiga Divina
(ou na vida presente ou na futura).
Note-se que pode haver, e na verdade há, casos em que
a aplicagáo de violencia é justa (suponha-se que nao exista
outro recurso para defender legítimos direitos injustamente
agredidos). A Moral crista nao é adepta da tese da «náo-vio-
léncia» indiscriminada, ou seja, da recusa de violencia em toda
e qualquer hipótese (cf. «P. R.» 40/1961, qu. 4). O que ela
tem em mira, é a defesa ou a promogáo da ordem justa na
sociedade. Tal objetivo deverá ser procurado primeiramente
por meios pacíficos; se estes, porém, nao surtirem efeito, o Evan-
gelho nao se opóe á aplicagáo de meios fortes, policiais, crite-
riosa e exclusivamente concebidos em vista da preservagáo ou
da implantagáo do bem devido. Dizia, sim, o Senhor Jesús,
tendo em vista tais casos : «Nao julgueis que vim trazer a paz
á térra; nao vim trazer a paz, mas a espada» (Mt 10, '34); ao
falar assim, o Senhor intencionava exigir posigóes claras e
coerentes, repelindo toda paz de compromissos e traigóes.

— 280 —-
CORRESPONDENCIA MIÚDA

No momento da Paixáo, quando Jesús proferiu a frase de


Mt 26, 52, nao era oportuno que S. Pedro se opusesse aos guar
das agressores de Jesús. A obra da Paixáo redentora devia ser
executada. — As palavras de Cristo revelam o seu pleno domi
nio sobre a própria natureza num momento em que poucos
homens sabem conter-se.
A respeito do sófrimento dos bons, veja >:P. R.» 41/1961,
qu. 2 e 3.

CORRESPONDENCIA MIÚDA

SACERDOS (Sao Paulo): Muito agradecemos a valiosa sugestáo.


V.R. indaga em que situacáo se encontra o problema moral da limi-
tac.áo da natalidade.

— Nao há mudanza nos principios que regem a solugáo dos casos


respectivos. F.ica sendo ilícita qualquer intervengáo no organismo (seja
por operagáo cirúrgica, seja por meios mecánicos, seja por produtos
farmacéuticos) praticada com o fim de evitar a concepcjío de prole que
poderia resultar do ato conjugal. Tal ¡ntervencáo equivale a desviar o
ato sexual da sua finalidade primaria (.incutida pela natureza e, por
canseguinte, pelo próprio Criador), finalidade primaria que é a pro-
cria$áo. Equivale, pois, a entrada do homem em setor que já nao é
da sua alfada.

Nem. mesmo as difíceis circunstancias da vida moderna justifican]


métodos diretamente anticoncepcionais. O que se deve entáo fazer, é
recorrer á continencia periódica, de acordó com a tábela de Ogino-Knaus
ou com o método térmico ou aínda com o método de Doyle. Cf. "P.R."
47/1961, qu. 5.

Na verdade,. Deus nao impoe á criatura humana leis inexeqüíveis.


Pode, sim, exigir esforcos e luta para a plática do bem (isto, alias, Ele
sempre o exigiu e exigirá em todos os estados de vida); dá, porém, a
graca de estado correspondente as necessidades de cada cristao que
queire. ser fiel á Leí do Senhor. É preciso, por conseguinte, excitar a
consciéncia dos fiéis para - que creiam mais vivamente na grasa de
estado e abracem o dever com generosidadé e confianza. Quanto aos
cónjuges, "recomenda-se cada vez mais que se apoiem mutuamente no
cumprimento dos deveres conjugáis, carregando em comum as respon
sabilidades de urna vida conjugal .irrepreensível; evitem, portante, fazer
um ao outro exigencias pouco oportunas ou pouco cariciosas.

A questáo da limitagáo da natalidade nos últimos tempos se tornou


mais agitada, vistos os progressos da Medicina no setor dos anovulatórios

— 281 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964

(produtos farmacéuticos que visam inibir temporariamente a ovulac.áo


y* assim tornar estéril o ato sexual)* Já se contará seis "remedios" (table
tee, pflulas) désse género : Enovid, Enovid-E, Ortho-Novum, Ortho-
Ñovum-2, Norlestrin, Norinyl, todos de fabrieacáo norte-americana. Os
médicos tém procurado diminuir os resultados desvantajosos que pode-
riam decorrer de tais drogas. Os sucessos obtidos tornam cada vez mais
eapciosa a perspectiva de. lanzar máo désses meios.

Os moralistas católicos vem efetuando estudos sobre o assuntó, pro


curando averiguar até que ponto o «so dos anoyulatórios fere as leis da
natnreza. Em geral, mostram-se contrarios a tais drogas, pois nao véem
como conciliar o seu emprégo com o respeito as normas do Criador. E
possfvel que tais estudos, conjugados com os da Medicina, susciten? fi
nalmente um pronunciamento do magisterio oficial da Igreja sdbre os
anovulatórios. Cf. "P.R." 45/1961, qu. 3.

Entre os casos que estáo sendo considerados em particular, regis-


tram-se os seguintes :

a) Nao seria lícito o uso temporario de anovulatórios com o fim


de regrar o ciclo feminino ou de adiar urna menstrua$áo inoportuna,
contanto que fique excluida qualqu'er intencáo anticoncepcionista ?

A maioria dos moralistas responde afirmativamente a tal quesito,


pois entáo se trataría de restabelecer a natureza no seu funcionamento
normal, em vez de a desviar ou mutilar. Contudo nao é fácil distinguir
as intengóes na realidade prática; requer-se muita cautela na apücasáo
da norma. Faz-se mister que a finalidade construtiva seja a única visada
por quem recorre ao anovulatório; via de regra, sementé um médico
idóneo poderá dizer se tal recurso é absolutamente necessário para so
obter o efeito sadio.

b) Seria lícito usar anovulatórios durante alguns meses após o


parto, a título de corwgir um defeito da natureza ?

Alguns moralistas respondem positivamente, dando assim certa au-


toridade a sentenga benigna. Parece que na prática nao se pode con
denar o casal que adote o parecer afirmativo.

c) No caso de estar urna jovem sob ameaga real e inevitável de


ser violentada, nao lhe seria permitido defendor-se recorrendo a esteri-
lidade temporaria mediante anovulatórios ?

Poucos moralistas o concedem, ao passo que a maioria o combate


com veeméncia. A questáo continua a ser controvertida.

Para chegar a conclusóes precisas em tal setor, os teólogos aguardan)


novos progressos da Medicina, que permitam avaliar os efeitos exatos
dos anovulatórios, distinguindo, entre estes, os que de fato sao consen-
táneos com as lois da natureza e os que Inés contrafiam.
Por enquanto, nao se pode permitir o emprégo de anovulatórios fora
dos casos ácima recenseados. Para legitimar o uso respectivo, é de dese-
jar que um médico católico de consciéncia bem formada indique ser o
anovulatório estritamente necessário para corrigír um defeito da na-
lureza.

— 282 -r
CORRESPONDENCIA MIODA

No intuito de obter esclarecimentos ulteriores, escreva ao Kev. Pe.


Jaime Snoek C.SS.R., Seminario JRedentorista, Floresta, Juiz de Fora
(MG). Muito se tem especializado no assunto, acompanhando atenta
mente a respectiva bibliografía. . . . .

.-• NA RADIO -TUPI DO RIO DE JANEDIO, XODCÍS OS DOMIN


GOS, AS 6,30 H., PROGRAMA «PE3GUNTE E RESPONDEREMOS»

NA RADIO VERA-CRUZ DO RIO DE JANEIRO, AS 2as. E fías.


FEIRAS, AS 18,40 H, PROGRAMA «VERDADE E VTOA» POR

D. Estóvao Bcttencourt O.S.B.

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«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 78/1964 '

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Em vista da elevacáo de custo do papel, pedimos a nossos leitores,


queiram aceitar a nova lista de precos de «P. R.», que passará a
vigorar a partir de julho pf. .

Aos Srs. assinantes qué já pagaram a anuidade de 1964, mas


quiserem benévolamente contribuir para sustentar as nossas despesas
de «P. R.», muito gratos iicaxemos.

Pedimos o favor de nao mandarem vales postais. Os pagamentos


poderáo sef íeitos por via bancária ou por carta com valor declarado.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual de «P. R.» (porte comum) Cr$ 2.500,00


Asslnatura anual (porte aéreo) Cr$ 2.800,00
Número ayulso de qualquer mes e ano Cr$ 250,00
Colecáo encadernada de 1957 '. Cr$ 3.500,00
Colecáo encadernada de qualquer dos anos seguintes .. Cr$ 4.000,00

BEDACAO ADMINISTRACiAO
Caixa Postal 2666 «• Keal Grandeza, 108 —Botafogo
Klo ae Janeiro Tel. 26-1822 —Rio de Janeiro

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