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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razio da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
FfLOtOFIA

CICMCIA <

vil m< nc íc
Indiice

Pág.

A ORACAO DO POSTE 189

QUANDO É QUE ALGUÉM MORRE ?

Um difícil problema agujado pelos processos de transplante e

reanimacáo .• 133

PIETER VAN DER MEER DE WALCHEREN 203

POR QUE BIBLIA CATÓLICA TEM MAIS LIVROS DO QUE BIBLIA


PROTESTANTE ?

Deuterocandnicos e apócrifos 204

"O EVANGELHO DO CRISTO CÓSMICO" 216

PECADO MUDOU ? AÍNDA EXISTE PECADO ?

Uma questáo de múltiplas facetas 217

AMOR LIVRE: EXPRESSAO MÁXIMA DA PERSONALIDADE?


Eco da questSo anterior 229

RESENHA DE LIVROS 3? capa

COM APROVAQAO ECLESIÁSTICA


A ORA£ÁO DO POSTE

Eis urna bela composigáo literaria* que, em termos simples


e profundos, propóe algo da sabedoria da vida:

"camlnhando contra o vento,


sem lenco e sem documento..."

SENHOR,

ajuda-me a ficar firme no meu lugar.

Hoje pesou, mais do que nos outros dias, a


rotlna da vida. Sempre aqui, parado no mesmo lugar, carre-
gando lámpada e fios. Nao é sopa ser poste de cidade. Ver
passar tanta gente, caminhando, e eu nem poder dar um passo.
Todo o mundo pensa que sou insensível a tudo, como se nao
pesasse o meu dever, aínda mals quando vejo namorados pas-
sando ao meu lado, criangas saltitando na calcada. Há pouco,
por exemplo, invejei um rapaz que passou cantarolando: "ca
minhando contra o vento, sem lengo e sem documento". Eu
sempre aquí, parado ; dia e noite, no trio e no calor.

Senhor, que eu fique firme no meu lugar. Já fui árvore.


Os pássaros construiram ninhos nos meus galhos, agora estou
seco. Desrespeitado por tabuletas de propaganda barata, por
bébados e cachorros. Ajuda-me a ficar firme no meu lugar,
aínda ajudando quem espera pelo ónibus, ou alguém para
namorar.

Ajuda-me, Senhor, a cumprir meu dever de poste. Sou


ainda útil, apesar de que, de um momento para outro, posso
ser substituido por um cabo moderno, subterráneo. Ainda sou
útil; estou a servico. De mim, dos meus fios depende a luz

1 Transcrita, com a devida permlssSo, do jornal "Mundo lovem", ano 8,


n9 42, outubro 1970.

— 189 —
em milhares de quartos, varandas e salas. Se eu caio, motores
param, elevadores trancam, mu ¡tos ficam as escuras... Eu
sel de minha importancia e utilidade, mas ajuda-me a ficar
firme, porque nao é sopa ser poste. Ao menos tivesse um
joáo-de-barro a construir seu ninho aqui, mas eu sou poste
de cidade...

Se eu fósse aquéle jovem "a caminhar contra o vento,


mesmo sem lengo e sem documento"... Mas minha vida é
esta: vida de pau-de-lei, vida de poste. Rezo por mim, para
que eu consiga ficar firme no meu lugar. Rezo também pelo
jovem, para que ele viva sua vida de gente ; ele tem pernas
para andar, máos para dar, coracao para amar.

Senhor, que eu me compenetre de minha vida de poste,


e o jovem de sua vida de gente. Cada um compreenda a
esséncia da vida, isto é: ser útil, servir, amar ao próximo,
para que, clareando o caminho dos outros, glorifiquem ao Pai.
Amém.

P. Angelo Costa

Esta prece, por certo, evoca no leitor urna serie de refle-


xóes, que podemos tentar recapitular em dois incisos:

1) Para muitos homens, a vida talvez parega ser o que


é a existencia do poste: suscita a impressáo de insípida, fra-
cassada, e até inútil. Mas essa aparéncia nao diz tudo. A vida
aparentemente inútil pode ser altamente fecunda e servigal no
seu silencio e na sua modestia.

A murtas criaturas Deus chama para construir o mundo


mediante a palayra e a acáo. Tornam-se pessoas de projegáo,
cuja irradiagáo é sensivel. Seráo estes apenas os homens e as
mulheres de valor e importancia ?

— Nao. Nao, do ponto de vista humano e mais aínda do


ponto de vista cristáo.

Pois há também aqueles que Deus nao chama para falai;


mas para- calar ; nao chama para se locomover e projetar, ms
para quase imobilizar-se na pequenez e no ocultamento.

■Sao as pessoas de fungóes subalternas e humildes ñas em


presas, ñas fábricas,' ñas casas de familia. — Sao os doentes,
presos ao seu leito de dor. — Sao os velhinhos e as velhinhas

— 190 —
«SENHOR AJUDA-ME A FICAR FIRME NO MEU LUGAR I"
— 191 —
que outrora eram árvores frondosas, ñas quais os pássaros
faziam seus ninhos e depois se tornaram semelhantes ao
poste seco.

Ésses irmáos, sem o saberem, também estáo construindo a


sociedade. Dando um testemunho de fidelidade a Deus e aos
homens, dando sua presenga abnegada, criam um ambiente e
um clima, que interpelam os seus irmáos. Sem que elas o sai-
bam, é dessas pessoas que muitas vézes depende a luz (em sen
tido próprio e, principalmente, em sentido metafórico) em mi-
lhares de quartos, varandas e salas. Se essas pessoas baquea-
rem, desesperarem, motores pararáo, elevadores trancaráo, nao
sempre no plano material, mas muitas vézes no plano dos valo
res humanos e cristáos. — Quem nao acredita nisto, pense na
imagem do poste..."

2) Aos jovens, aos homens válidos e de grandes respon


sabilidades, á oragáo do poste lembra a alegría de ter máos e
pernas, de poder caminhar, trabalhar e dar entusiásticamente
em prol do reino de Deus e da felicidade dos homens. Poder
agir é grac.a de Deus, que a ninguém é lícito esbanjar.

E. B.

— 192
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XII — N« 137 — Maio de 1971

quando é que alguém morre?

Em sfnlese: Até pouco tempo atrás, declarava-se a morte clínica de


alguém desde que se verificasse a cessacSo da resplracfio e das pulsacdes
do coracfio. Hoje em dia, porém, tem-se consclencla nítida de que a morte
clínica nSo coincide com a morte real do individuo; esta se dá posterior
mente.

A morte real ó própriamente a morte do cerebro. Todavía nSo há unanl-


mldade entre os estudiosos sobre a manelra de averiguar esta última: o
cerebro é órgfio complexo, que apresenta tres reglóes, responsáveis res
pectivamente pelas funcoes Intelectivas, sensitivas e vegetativas do Indi
viduo. O criterio mais indicado para se declarar a morte do cerebro seria
o eletroencefalograma liso; mas nem éste é aceito sem reservas. Outros
criterios, além do eletroencefalograma, sao exigidos pelos estudiosos. A
ocorréncla de todos os síntomas exigidos pode finalmente dar certeza de
que o paciente está morto, mas aínda nao revela o momento preciso em
que morre. Ora a averiguacfio de tal momento é que interessa especial
mente a medicina moderna, que se aplica aos transplantes e á reanlmagáo.
Para se transplantar um coracáo, por exemplo, requer-se um doador que
já esteja irreverslvelmente entregue á morte e nao possa ser recuperado
pela reanimacfio.

A consclencla crista se Interessa por tais assuntos. Ela sabe que nfio
ó licito produzlr urna acfio que por si provoque a morte de alguém. Ela
também recorda que nfio há obrlgacfio de entreter a vida de alguém apll-
cando-lhe recursos extraordinarios, ou seja, raros e penosos.

— 193 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

Em resposta: O desejo de se determinar com precisáo o


momento em que se ida a morte, foi agugado nos últimos tem-
pos por dois tipos de conquista das ciencias médicas: os trans
plantes de carabao, que nao se devem efetuar senáo após a
morte real do doador ; e a reanimacáo, processo penoso e caro,
que ss pode aplicar oportunamente, mas nao há de ser pro-
traído inútilmente. A consciéntía crista está interessada em
cada um déstes casos.

Todavía o problema até hoje se acha envolvido em dúvidas


e incertezas, dada a sua complexidade. A fim de o expor, ten
taremos descrever o que seja a morte e quais os sinais mais
seguros de que tenha ocorrido.

1. Morte, que és?

Para quem, recorrendo á filosofía, admite no homem a exis-


ténda de algo de imaterial (para os cristáos, entre outros), a
morte consiste na separagáo de alma e oorpo.1

Quanto aos homens de ciencia despreocupados de filosofía,


dizem simplesmente que a morte consiste na cessagáo definitiva
dos fenómenos vitáis. Quando todos estes se extinguem e já nao
há esperanga de que possam recomegar, tem-se certeza de que
o individuo está morto. O cristáo aceita esta conceituagáo.

Todavía pergunta-se: para que se possa ter um individuo


como morto, é necessário esperar que todas as células do seu
organismo deixem de viver ou tal espera é desnecessária? Em
resposta, todos afirmam ser isto desnecessário: desde remotas
épocas, sabe-se que em auténticos cadáveres unhas e cábelos
continuam a crescer por dias sucessivos; estes elementos de
periferia do organismo continuam, pois, a ter vida própria e
independente do conjunto, até que se extingam por completo
na falta de alimentacáo e oxigénio. Donde se vé que nao é pre
ciso esperar a-morte de todas as células para se declarar a
morte do individuo.

1 Na teología recente, há autores que admltem a recomposfcSo Ime-


dlata do conjunto humano, pols na°o Ihes parece concebfvel a existencia de
alma separada do corpo. Trata-se, porém, de sentenga um tanto obscura,
que nSo interfere no tema aqui abordado.

— 194 —
QUANDO É QUE ALGUÉM MORRE ?

Mas fica aberta a questáo : quais os criterios para se de


finir exatamente o momento em que morre o individuo ? A
Religiáo e a Filosofía podem dizer em que consiste a morte,
mas é a Medicina que toca indicar quando precisamente ela se dá.
Passemos, pois, a ouvir os dentistas.

2. Morte clínica e morte real

Os médicos, na sua lide cotidiana, sao nao raro chamados


a declarar a morte clínica. Até pouco tempo atrás, faziam-no
desde que verificassem que o coragao já nao pulsava e a respi-
ragáo cesara. Mas nao se procedía ao sepultamento senáo 24
horas mais tarde. Com efeito, o bom senso sugería o seguinte:
é extremamente improvável que, com a última pulsagáo do
coragáo, o organismo se modifique de tal modo que já nao possa
ser vivificado pela alma humana; esta néle deve permanecer
latente, por mais algumas horas, até dar-se a morte real. Por
isto a Igreja recomendava (e recomenda) que se administrem
os últimos sacramentos até tres horas após a verificagáo da
morte clínica. Alias, a experiencia mesma ensinava que pessoas,
clínicamente mortas, haviam recuperado suas fungóes vitáis.
Ainda em 1970, na Inglaterra, registrou-se tal caso: urna
jovem iraniana em Brighton ingeriu dose macica de barbitúri-
cos. Depois de transportada para o hospital, o médico de ser-
vico nela averiguou todos os sinais de morte clínica. Todavía
na cámara mortuária, a jovem comegou a se agitar; estava
apenas em coma profundo; aplicaram-se-lhe os processos de
reanimagáo, mediante os quais a paciente se recuperou e, sadia,
deixou o hospital cinco semanas mais tarde. Cf. o jornal «Le
Monde» de 15/IV/1970, p. 11.

Donde se vé que a cessagáo das pulsagóes cardíacas e da


respiragáo nao indica a morte real do individuo. Em conseqüen-
cia, os médicos tém voltado a sua atengáo para o que se chama

3. Morte do cerebro

3.1. Cerebro, que és ? .

O cerebro, no qual se acham os pontos termináis de todo


o sistema nervoso do organismo, é o centro propulsor e coorde-

— 195 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

nador de todas as manifestagóes vitáis (intelectivas, sensitivas,


vegetativas). Por isto, a morte do cerebro pode ser identificada
com a morte real do individuo.

Mas pergunta-se: era que consiste própriamente a morfr»


do cerebro ?

O motivo ide tal dúvida é o seguinte : no cerebro existem


regióes diversas, responsáveis por fungóes vitáis diferentes:
— o telenoéfalo, regiáo superior, está associado as fungóes
da vida intelectiva e sensitiva. Perturbagóes no telencéfalo acar-
retam aberragóes no plano intelectivo e no sensitivo;
— o mesencéfalo e o diencéfalo, regiáo media do cerebro,
sao o centro da vida instintiva e afetiva ;

— o bulbo ou a medula alongada, regiáo inferior ou de


base, preside aos fenómenos da vida vegetativa (respiragáo,
circulagáo, nutrigáo),

A resistencia á falta ide oxigonio aumenta, no cerebro, da


parte superior para a inferior. O cerebro, porém, como tal é o
menos resistente de todos os órgáos. Segundo o dentista alemáo
D. Walther, os rins podem durar seis horas sem oxigénio ; os
pulmóes e o coragáo, mais de urna hora; o figado, trinta mi
nutosK Quanto ao cerebro, experiencias feitas em animáis irra-
cionais mostram que se pode obter a respectiva reanimagáo
oito ou dez minutos depois de cessar a oxigenagáo. Levando em
conta que a zona de base dura mais do que o córtice, julgam
bons autores que, para chegar <a extíngáo das fungóss de todas
as Células do cerebro, se requerem cerca de 90 minutos. Con-
tudo outros estudiosos indicam prazos diferentes.
Ph. Blondeau opina que, em temperatura normal, o cere
bro nao pode suportar a ausencia de oxigénio por um período
mais longo do que 3/6 minutos, segundo as variagóes da idade,
da raga e das condigóes individuáis. Cf. «La réanimation car-
diaque», em «Cahiers Laennec» 22 (1962).
Segundo Ch. J. Mc-Fadden, as células do cerebro comegam
a morrer cinco minutos depois da ausencia de oxigénio, e em
quinze minutos estáo todas mortas. Cf. «The time of Death:

iD. Walther, "Über die maximale Funktlons- u. Wlederlebungszelt von


Organen", em "Med. Mschr." 19 (1965), 91.

— 196 —
QUANDO É QUE ALGUÉM MORRE ?

a problem in Heart transplantation», em «The Homiletic and


Pastoral Review» 70 (novtembro 1969), p. 111.

P5e-se assim a questáo: por que essa diversidade de dados?

3.2. Criterios de morte do cerebro

As diferengas mencionadas se devem ao fato de que os


dentistas nao aplicam sempre os mesmos criterios para averi
guar a morte do cerebro. Com efeito,

1) Certas estudiosos, distinguindo as tres regióes do ce


rebro, afirmam que éste está morto quando nao se acha mais
em condigóes de exercer as fungóes psíquicas superiores (pen-
samento, consciéncia psicológica) e medias (sensitivas, afeti-
vas), mas ainda conserva e coordena as fungóes da vida vege
tativa (respirado, circulagáo, nutricáo). O individuo, em tais
circunstancias, é considerado por alguns dentistas «um cadáver
vivo», pois está destituido das fungóes específicamente humanas.
Todavía o conceito de «cadáver vivo» é, com razáo, rejei-
tado pela maioria dos estudiosos: se permanecem, embora irre
gularmente, as funcóes da vida vegetativa, o organismo aínda
está sendo vivificado por seu principio vital, ou seja, pela alma
humana. Esta é única em cada individuo e exerce, mediante os
órgáos. corpóreos, as fungóes vegetativas, sensitivas e intelecti
vas; se, pois, o organismo dá provas de vida vegetativa, ainda
está animado pela respectiva alma e pode ser recuperado (como
se deu em oertos casos, após coma profundo e prolongado).
Por conseguinte, é preciso aguardar que o cerebro inteiro
esteja morto para se declarar a morte do ser humano.
E quando é que o cerebro está morto por inteiro?
2) Alguns estudiosos consideram morías as células do
cerebro quando já nao transmitem aos aparelhos de precisáo
sinal algum de funcionamento.

Outros, porém, exigem que, além de nao funcionar, as cé


lulas do cerebro já nao cstejam em oondigóes de funcionar. Isto
se dá quando sofrem transformagóes e degenerescencias incom-
patíveis com as fungóes vitáis e irreversíveis. A irreversibili-
dade dessas deterioracSes ou lesóes seria o sinal certo da morte.
Adotemos éste segundo alvitre, que é o mais
mais exclusivo de erro. Póe-se entáo nova ques

— 197 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

3.3. E como se verifica a irreversibilidade das lesees do


cerebro ?

1. Em alguns casos, é possível averiguá-la simplesmente


com ólho clínico : urna queda, urna contusáo podem de tal modo
afetar o cerebro que se torna evidente a irrecuperabilidade de
tal órgáo.

2. Na maioria dos casos, porém, isto nao se dá. As lesñes


cerebrais nao se véem : do seu lado, o individuo nao dá sinais
de vida consciente ; tem o coragáo e a respiragáo parados e é
insensível a qualquer estímulo. Será que, em tais circunstancias,
se pode dizer que o cerebro está morto, afetado por lesóes irre-
versíveis ?

— Nao aínda ; pois em muitos casos a reanimagáo artifi


cial aplicada tempestivamente pode obter o restabelecimento
completo das fungóes cerebrais (aínda que o tratamento dure
dias ou meses). Deve-se, pois, dizer que a ausencia de reflexos
e a cessagáo temporaria de respiragáo e circulagáo nao bastam
para afirmar que o cerebro sofreu lesóes irreversíveis.

Fica, pois, aberta a pergunta : Como distinguir a cessagáo


irreparável e a cessagáo momentánea das lesóes do cerebro?
Há quem apele para o eletróencefalograma : quando éste
nao dá sínal de atividade ou se mostra completamente liso,
plano, denuncia a morte do cerebro. Em torno do assunto,
porém, calorosos debates se tém registrado, como se verá abaixo.

3.4. Eletróencefalograma plano

Nao poucos (estudiosos recusam tal criterio como se fósse


decisivo, inspirados pelos motivos seguintes :
1. Nao é fácil demonstrar que o eletróencefalograma está
totalmente liso, pois aparelhos de grande precisáo conseguiram
revelar oscilacóes módicas e rítmicas onde os aparelhos comuns
(mesmo ñas clínicas mais bem montadas) nao as tinham de
nunciando. Por conseguinte, o exame eletroencefalográficq do
tipo comum nao é criterio definitivo.
2. Admita-se, porém, que se obtenha um gráfico realmente
liso. Seguir-se-á daí que o cerebro em questáo está morto?
— Nao, respoñdem os estudiosos. Apenas se poderá dizer
que as fungóes cerebrais estáo parausadas, nao, porém, que há

— 198 —
QUANDO É QUE ALGUÉM MORRE ? 11

lesóes estruturais irreversíveis. Tal é a posigáo de nao poucos


especialistas, que falam por experienciax.
Spann e seus colaboradores, por exemplo, asseveram que
individuos, conservados em temperatura fria, sem respiragáo
espontánea e sem reflexos, podem voltar as fungues normáis
ainda que o eletroencefalograma tenha permanecido liso du
rante mais de quatro horas 2. Por isto, urna comissáo de peritos
(cardiologistas, neurologistas, cirurgióes...) reunida em Ge-
nebra aos 13/14 de junho de 1967 para estudar o transplante
de coragáo estipulou que, para declarar a morte de alguém, se
observassem os seguintes síntomas, além do eletroencefalogra
ma nulo: ausencia de reflexos e atonia muscular absoluta; pa-
ralisia total da respiragáo, queda da pressáo arterial (que só
seria mantida por vias artificiáis).
Eis, porém, que também tais condigóes carecem de valor
absoluto, pois nao se aplicam aos casos de enancas, individuos
colocados em hipotermia (congelamento) e pessoas intoxicadas
sob forma aguda.
Além do mais, também em circunstancias normáis se tém
registrado surprésas. Assim, por exemplo, Bushart e Rittmeyer
referem o caso de tim paciente que voltou á vida normal, em-
bora nao gozasse de respiragáo espontanea havia 24 horas e
tivese tido eletroencefalograma nulo durante dois dias8.
Por isto a Comissáo da Sociedade Alema de Cirurgia re-
solveu acrescentar as condigóes estabelecidas pelos peritos de
Genebra o requisito de que o eletroencefalograma permanega
nulo ao menos por doze horas e neste intervalo se efetuem
dois controles4. A Academia Francesa ide Medicina, por sua

1 Cf. A. E. Kormueller, "Was Ist das Elektroenzephalogramm 1", em


"Therap. Monat." 13 (1963) 150-155.
J. Hamburger et Ch. Dubost, "Réflexlons sur les greffes d'organes"
em "Le Monde" 17/1/1968.
J.-Paul Cachera, "Le procés des greffes", em "Études", dezemrbo 1969,
p. 708.
Werner Forsmann, Premio Nobel de Cardiología, em "Frankfurter Allge-
melne Zeltung" 3/1/1968.
*W. Spann u. Milarb., "Tod u. elektrlsch. Stllle im EEG", em "MOnchn.
med. Woch2.", 109 (1967), 2161.
oRelatórlo da 70? ReunISo da "Nordwestd. tsch. Gesellschaft f. Inn.
Med.". Cf. "Berlcht In Medical Trlbune" 6 (1968) p. 27.
♦ "Todeszelchen u. Todeszeltbestlmmung", em "Der Chlrurg" 39 (1968),

— 199 —
JÍ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

vez, pediu 44 horas de silencio cerebral. A «Harvard Medical


School», 24 horas. Na Italia, o Ministerio da Saúde, ao menos
24 horas.

Ao contrario, o dentista russo Vladimir Negovsky, pai da


moderna reanimagáo, se satisfaz com duas horas. Eneontra,
porém, poucos adeptos.

Como se vé, também no tocante ao uso e á interpretagáo


do eletroenosfalograma as opinióes oscilam. Isto, alias, bem se
compreende desde que se leve em conta o que a ciencia ensina
a respeito do estado comático (ou dis coma).

3.5. Coma

O coma é um estado caracterizado pela perda (total ou


parcial) da consciéncia e a cessagáo mais ou menos total das
fungóes de sensibilidade e motricidade. Subsistem, porém, as
fungóes vegetativas (respiragáo, circulagáo, nutrigáo).

Distinguem-se seis graus de coma, segundo a respectiva


profundidade e gravidade. Désses seis, quatro interessam espe
cialmente ao nosso estudo : o coma leve ou de vigia, o coma
de gravidade media, o profundo e o ultrapassado («dépassé»,
segundo Mollaret).

No coma levto, ou de vigia, a consciéncia permanece, em-


bora ohnubilada; também se registram reagóes aos estímulos,
embora nao sempre adequadas ; nao se notam perturbagóes ñas
fungóes vegetativas.

No coma de gravidade media, extinguem-se por completo


a consciéncia assim como as fungóes sensitivas e motrizes; as
da vida vegetativa apresentam-se um tanto irregulares.

No coma profundó, já ocorrem graves perturbagóes do sis


tema vegetativo. O fato, porém, de que se exercem espontánea
mente, significa que a regiáo de base do cerebro ainda funciona.
O cerebro, pois, conserva-ss vivo.

Quanto ao coma ultrapassado, já nao é própriamente coma,


pois néle a vida vegetativa central está extinta. O cerebro já
nao funciona. As pupilas se acham fortemente dilatadas e nao
reagem a luz. Nao 'há respiragáo espontánea nem deglutigáo. A
temperatura do individuo passa de 40' a 35' ou mesmo 34?. O
eletroencefalograma se conserva constantemente liso. O colapso

— 200 —
QUANDO É QUE ALGUÉM MORRE ? 13

é total. Em contraste com ésse quadro dramático, o coragáo


bate; tais puLsacóss, porém, nao sao coordenadas pelos centros
de base do cerebro; constituem um residuo local de vida vege
tativa. Tal é o caso típico do «cadáver vívente». — Nessas cir
cunstancias, os estudiosos já tentaram, de todos os modos, res-
tabelecer as fungóes cerebrais; mas em váo. O paciente, no
decorrer dos días, vai dando sinais de progressiva degeneres
cencia ; as extremidades do corpo assumem as características
próprias do cadáver. Em autopsia, tais individuos apresentam
lesóss cerebrais táo graves e extensas que se pode ter a cer
teza moral de que nao há recuperagáo.

Contudo os casos de coma ultrapassado sao raros e, antes


que possam ser reconhecidos claramente, requer-se certo espago
de tempo; o cerebro já deixou de funcionar antes que se produ-
zam os fenómenos atrás descritos.

Em conseqüéncia, pode-se dizer que, hoje como outrora,


é possível averiguar que determinada pessoa está morta, mas
aínda nao se consegue «individualizar» ou precisar o momento
em que morre.

4. Aínda outras tentativas

Na procura de solugáo para o problema, foram experimen


tadas outras vias :

1. Há quem tente a análise do sangue do cerebro. Nor


malmente há diferenga de oxigénio entre sangue das veías e
sangue das arterias. Caso tal diferenga nao se d§, o cerebro
está morto. — Tal método nao é de fácil aplicagáo ; além do
que, nao indica o momento da morte, mas, sim, a morte já
ocorrida.

2. Tem-se pensado em proceder a análise dos fermentos.


Com efeito, sabe-se que, diante de qualquer avaria celular, o
organismo elabora fermentos especiáis, que ele langa no sangue.
Dado que nao se encontrem tais fermentos, pode-se afirmar
que o organismo está morto. — Note-se, porém, que também
tal método denuncia a morte já ocorrida, e nao o momento
da morte.

Assim a questáo continua aberta.

— 201 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

5. E a consciéncia crista ?

As modernas operagdes de transplante (principalmente de


coragáo) tém suscitado questóes de consciéncia moral. Diante
da problemática que acaba de ser apresentada, a ética crista
lembra que, quando há dúvidas sobre a morte real de deter
minada pessoa, nao é lícita qualquer agáo que, por sua natu-
reza, produza a morte. A vida do ser humano é sagrada; nao
cabe a outro homem extingui-la.

Há questóes de Moral provocadas também pela prática da


reanimasáo. Esta consiste em tentar reativar as fungóes vitáis
parausadas, a fim de-se impedir que se instaure a morte real
ou definitiva no sujeito.
Até o presente momento, tal arte era altamente custosa
e difícil. Todavía, com o progresso da ciencia, ela vem sendo
posta ao alcance de maior número de pessoas. Teráo os médicos
e os parentes do enfermo a obrigagáo de aplicar os recursos da
animagáo a qusm se possa beneficiar déla? Em resposta, dir-
-se-á que nao se pode óbrigar alguém a conservar a própria
vida ou a vida alheia empregando meios extremamente dispen
diosos e penosos, ou seja, meios extraordinarios.

Aos 23 de outubro de 1970, o Cardeal Villot, Secretario de


Estado de Paulo VI, enviou a propósito urna carta ao Secretario
Geral da Federagáo Internacional das Associagoss Médicas Ca
tólicas reunidas em Washington para um Congresso sobre «A
protegáo da vida». Nessa carta, redigida em nome de S. S.
Paulo VI, lé-se o seguinte trecho :
"O caráter sagrado da vida exige do médico que nao mate, ao mesmo
tempo que Ihe ImpSe o dever de se aplicar com todos os recursos da sua
arte a lutar contra a morte. Isto nSo significa que o médico esteja obrlgado
a utilizar todas as técnicas que Ihe oferece urna ciencia Incansávelmente
criadora. Em tantos casos nao seria tortura inútil impor a reanimacao vege
tativa na última fase de urna doenca incurável? O dever do médico consiste
em apllcar-se a aliviar o sofrlmento, máls do que em querer prolongar o
mals possivel, a todo proco e com qualquer meló, urna vida que já nao seja
plenamente humana e que estela camlnhando naturalmente para o seu des
fecho, Isto ó, para a hora Inevltavel e sagrada do encontró da alma com
o seu Criador, através de urna passagem dolorosa que a torne participante
da pafxfio de Cristo" (cf. "L'Osservatore Romano" de 12/13 de outubro
de 1970).

A atituds assim preconizada para o médico nao equivale a


matar; é apenas combater a morte até os limites do razoável,
limites além dos quais o homem poderia quase faltar ao res-
peito que deve á vida.

— 202 —
QUANDO É QUE ALGUÉM MORRE ? 15

Em conclusáo: enquanto os progressos da ciencia e da


socializagáo tornam cada vez mais tenues os limites entre re
cursos médicos ordinarios e extraordinarios, permanece abertó
o desafio para a ciencia: qual o momento preciso em que
alguém morre ?

A confecgáo déste artigo multo deve a Vittorio Marcozzl S.J.: "Morte


clínica e Morte vera", em "La Civiltá Cattollca" de 7/XI/1970, quad. 2889,
pp. 240-249.

PIETER VAN DER MEER DE WALCHEREN

A 16 de dezembro de 1970, aos SO anos de idade, faleceu na Abadía de


St. Paúl, Oosterhout (Holanda), Dom Pleter van der Moer de Walcheren, cuja
vida foi um verdadeiro e bellsslmo "romance" de Deus.

Holandés de nasclmento, intelectual e artista, de familia protestante, aos


31 anos converteu-se ao catolicismo, juntamente com sua esposa Chrlstlne,
ambos Influenciados pelo escritor francés Léon Bloy, que os levou ao decisivo
encontró com Cristo. Encontró que marcará para sempre a vida do casal, co-
munlcando-lhe a riqueza de fé auténtica, manifestada na esplrltualidade pro
funda e ardonte, que jamáis esmoreceu, mesmo sob os duros golpes do
sofrlmento: perderam os dols fllhos Intensamente amados. O prlmelro — o
cabula, crianca encantadora — aínda na Infancia; o segundo ■— o primogé
nito, Pleterke — em plena mocidade, Já monge em Oosterhout, alma de escol
e brilhante promessa, tanto na vida religiosa quanto artística. A fllha única
— Anne-Marle — faz-se também monja benedltina e os país, tendo entregado
a Deus o tesouro de seus tres filhos, decldem agora entregar-se a si mesmos
ao Senhor, na total e heroica doacño de suas vidas: ambos entram para o
convento — ela, na Abadia de Solesmes na Franca; ele no mosteiro em que
vivera o filho, em Oosterhout. Essa generosldade foi, porém, ácima das for-
cas de Chrlstlne, que nfio suportou a separacao e adoeceu gravemente:
por ordem dos superiores, os dols esposos, após um ano de vida conven
tual, voltam, pols, a viver no mundo. Ele prossegue na sua carrelra de escri
tor ; ela, secundando-o em tudo, executa também admirávels trabalhos de
arte. Deus é realmente o Centro dessas duas almas, tao unidas, que formam
urna só, vinculadas no Amor. Em 1953, Christlne é chamada á Casa do Pal
e Pieter retorna entSo a Abadía de Oosterhout. Conta 73 anos de Idade e ai
vive aínda 17, na alegría e na paz benedltlnas: ordenado sacerdote, conhe-
ceu n felicidade de ser verdaderamente "outro Cristo", atlngindo a plenltude
da vida religiosa.
A historia désse casal privilegiado é narrada nos livros escritos pelo
próprlo Pleter van der Meer de Walcheren: "O Jornal de um Convertido",
"Deus e 03 Homens", "Magníficat" (editados pela Agir) e que sSo expressl-
vos testemunhos da admirável grandeza alcancada pela criatura humana,
quando se entrega fielmente á graca. Leltura de rara beleza e profunda
Interloridade. .

L.J.V.

— 203 —
por que biblia católica tem mals livros
do que biblia protestante?
(deuterooanónicos e apócrifos)

Em sintese: A Biblia protestante carece de sete livros do Antlgo Tes


tamento, ditos "deuterocanónlcos", que a edicSo dos católicos incluí: Tobías,
Judite, 1/2 Macabeus, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico. O motivo da diver
gencia é o segulnte: entre os judeus formaram-se dois catálogos dos livros
sagrados: um restrlto, na Palestina, Inspirado por principios nacionalistas dos
fariseus; e outro, ampio, em Alexandria, onde nao havla reacáo anti-estran-
gelra. Ora os Apostólos cltam geralmente a Biblia segundo o texto grego de
Alexandrla, mesmo quando dlfere do teor hebraico; éles assim reconheclam e
transmitirán! aos crlstáos o texto bíblico usado em Alexandria com o seu
respectivo catálogo.

Nos dols primeiros sáculos da Igreja, o reconhecimento dos deutero-


canonicos nSo fol posto em xeque, mas está documentado por cltacSes dos
escritores crlstáos e monumentos arqueológicos. Sómente nos sáculos Ill/V
se registraram dúvidas a respeito désses livros por causa do pulular de
apócrifos (livros espurios) e porque os judeus na Palestina nio aceitavam
argumentos tirados dos textos que éles havlam rejeltado.

A partir do séc. VI cessaram as hesltacdes quase por completo. Eis


por que os concilios, desde o de Hipona (393) até o do Vaticano II tém
definido o catálogo bíblico com InclusSo dos chamados "livros deuteroca
nónlcos". Contlnua-se assim a tradicio genufna dos Apostólos.
Verlfica-se, alias, que a próprla tradlgáo judaica no Talmud delxou
vestiglos de que estimava grandemente os deuterocanónlcos.

Respolsta: Antes do mais, impóem-se algumas observa-


Caes acerca de nomenclatura.

Palta, os católicas, livros canónicos sao livros catalogados,


que constituem a regra de fé (a palavra kanwtm, em grego,

— 204 —
DEUTEROCANONICOS E APÓCRIFOS 17

querdizer «catálogo» e «regra»). Os livros canónicos sao livros


inspirados por Deus; cf. o conceito de inspiragáo bíblica em
PR 135/1971, pp. 4-13 (96-105).

Livros apócrifos sao livros que tém semelhanga de estilo e


conteúdo com os canónicos, mas, na verdade, nao foram inspi
rados por Deus nem incluidos no catálogo das Escrituras Sa
gradas. A palavra apócrifo quer dizer «culto; no caso,... livro
nao lido no culto público oficial. Erttre os apócrifos, enume-
ram-se a «Ascensáo de Isaías», o «Evangelho de Pedro», os
«Atos de Tomé», etc.
A partir ido século XVI, a nomenclatura católica distingue
entre protocanónicos e deuterocanónicos. Aqueles sao livros
que nunca foram controvertidos e por isto foram «poruneira-
mente introduzidos no canon». Os deuterocanónicos só depois
de hesitagóes foram definitivamente recenseados no canon, ou
seja, «em segundo lugar recenseados» \ Esta distingáo nao sig
nifica menor autoridade nem menor grau de inspiragáo para
os deuterocanónicos.
Os ideuterocanónicos do Antigo Testamento sao: Tobías,
Judite, Sabedoria, 1/2 Macabeus, Baruque, Eclesiástico, Ester
10,4-16,24, Daniel 3,24-90 ; 13 e 14.

Os protestantes nao reconhecem os deuterocanónicos do


Antigo Testamento como inspirados por Deus ou como livros
canónicos. Por isto chamam-nos apócriíois, ao passo que aos
apócrifos dos católicos dáo o nome de «pseudo-epígrafos» (= li
vros falsamente intitulados ou falsamente atribuidos a Isaías,
Tomé, Nioodemos...).
Em suma, pode-se fazer a seguinte tabela de nomenclatura:

Católicos Protestantes
Livros protocanónicos canónicos
deuterocanónicos apócrifos
apócrifos pseudo-epígrafos ■
Pergunta-se agora: por que os católicos reconhecem como
inspirados os sete livros deuterocanónicos e os incluem em sua
Biblia, ao passo que os protestantes os recusam ?
A resposta se obtém através de rápido percurso do histó
rico da questáo.

1 Protón = prlmeiro; déuleron = segundo, em grego.

— 205 —
18 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

1. Catálogo bíblico entre os [udeus

Até o sáculo I da era crista, ou seja, até o tempo de Cristo,


os judeus tinham sua biblioteca sagrada, mas parece que nao
haviam estipulado oficialmente o catálogo desses livros ins
pirados.

Em Alexandria (Egito) estabeleceu-se desde o século IV


a. C. próspera colonia judaica que, adotando a língua grega,
teve necessidade de traduzir do hebraico para o grego os livros
sagrados de Israel. Tal tradugáo, confeccionada paulatinamente
entre 300 e 150 a. C.,. tomou o nome de «versáo dos LXX» ou
«Alexandrina». O conteúdo da edigáo alexandrina nos tempos
de Cristo era relativamente ampio.
No século I da era crista, julga-se que havia hesitagóes
entre os judeus a respeito do catálogo bíblico.

Na Palestina, os saduceus e os samaritanos só reconheciam


o Pentateuco ou a Lei (Torah) de Moisés; os fariseos aceitavam
outros livros, mas sómente livros antigos escritos em hebraico
(ficando excluido qualquer escrito em lingua grega). Em Ale-
xandria, porém, e talvez em Qomran (regiáo dos monges essé-
nios a NO do Mar Morto), admitia-se que o catálogo sagrado
ainda pudesse crescer, pois a mensagem inspirada por Deus aos
homens nao estaría concluida.

Já que essas incertezas eram prejudicial á teología do


judaismo, principalmente após a expansáo do Cristianismo (ju
deus e cristáos perscrutavam as Escrituras a respeito do Mes-
sias), os judeus da Palestina houveram por bem definir o seu
catalogo sagrado. Isto foi feito no Sínodo de Jámnia (no litoral
palestinense meridional, onde florescia urna escola rabinica),
em data que pode oscilar entre 80 e 100 d. C.

Os criterios adotados em Jámnia para definir a canonici-


dade ou a inclusSo de algum Hvro sagrado no canon eram os
seguintes :

1) fósse antigo, isto é, nao posterior a Esdras (séc. V


a. C.) ;

2) tivesse sido redigido e conservado em hebraico, nao


em aramaico (sirio) nem em grego ;

3) tivesse tido origem na Palestina, nao em térra estran-


geira ;

— 206 —
DEUTEROCAN6NICOS E APÓCRIFOS 19

4) estívesse em conformidade com a Lei de Moisés (en


tendida no sentido formalista dos fariseus).

Em consegUéncia, deixaram (definitivamente de ser reconhe-


cidos pelos fariseus sete livros que pertenciam á biblioteca
sagrada dos judeus de Alexandria ou da diáspora:

o Eclesiástico (ou Siracida), o V> e o 2* dos Macabeus, a


Sabedoria, por serem posteriores a Esdras ;

a Sabedoria, o 2» dos Macabeus e as mencionadas secgdes


de Ester, por terem sido escritos em grego e em térra estran-
geira;

Tobías e Judite, por terem sido redigidos em aramaico, pro-


vávelmente após Esdras ;

Baruque e os mencionados fragmentos de Daniel, por se


encontraren! apenas em recens5es nao hebraicas.

Em Alexandria, ao contrario, nao se verificou a reacáo dos


fariseus. Por conseguinte, a colonia israelita, de mentalidade
multo mais aberta, nao concebeu dificuldades para reconhecer
como inspirados os sete referidos livros que eram lidos com os
demais do Antigo Testamento e faziam parte da edicáo dos
LXX intérpretes.

A atirmac&o de que os fariseus realmente reconsideraran! e dellml-


taram rígidamente a sua biblioteca sagrada, é, de atgum modo, confirmada
pelo fato de que entre éles surglram dúvldas até mesmo a respelto de cinco
livros protocandnlcos, nos sáculos I e II da era crista. Com efelto, o llvro
de Ezequlel foi controvertido, porque, descreyendo a nova Cidade Santa
com seu novo Templo, parecía derrogar á Leí de Moisés; o Ecleslastes e
os Proverbios pareclam calr em contradlcSes Internas; o Cántico dos Can-
Hcob se assemelhava demais a urna compoalcSo de amor profano; quanto
ao livro de Ester, por seu conteúdo infenso aos estrangelros, podía entre
os pagflos provocar ódlo contra o povo Judaico. Finalmente prevaleceu o
parecer favorável a InspIracSo e canonlcldade dSsses livros.

Pode-se dizer que os criterios adotados pelos fariseus em


Jámnia para definir o catálogo sagrado eram inspirados por
mentalidade nacionalista e antl-asmonéia. Nacionalista... Sim:
após o exilio na Babilonia (586-538 a. C.) os judeus concebe-
ram aversáo aos estrangeiros em geral, já que sentiam o jugo
da dominacáo persa, grega, egipcia, siria, romana... Anti-as-
monéia: a partir de Simáo Macabeu (143-134 a. C), reinou
em Jerusalém a dinastía dita «dos asmoneus», que os fariseus
passaram a repudiar, porque a consideravam como usurpadora
do antigo trono de Davi; além do mais, os asmoneus eram

— 207 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

partidarios dos saduceus e aristócratas. Assim se explica que


os fariseus nao tenham aceito em Jámnia os livros dos Maca-
beus nem, de modo geral, os que eram atribuidos á época
posterior ao exilio ou que tívessem relacáo com língua ou térra
estrangeira.

Evidentemente, porém, os criterios assim estipulados nao


eram própriamente religiosos. ÍSfo caso, a atitude mais objetiva
e livre de preconceitos adotada pelos judeus de Alexandria é
a genuina posigáo do povo de Deus.

2. Ño limiar da era crista

1. Dado que havia, desde fins do séc. I d. C, dois catá


logos bíblicos entre os judeus, pergunta-se: como e por que
os cristáos adotaram um de preferencia a outro ?

— Eis a resposta : os cristáos, desde o inicio da sua his


toria, usaram a edigáo grega dos LXX. Os Apostólos mesmos,
escrevendo os Evangelhos e as suas cartas, referem o Antigo
Testamento nao segundo o texto hebraico, mas recorrendo á
versáo dos LXX. Das 350 citacóes do Antigo Testamento que
ocorrem no Novo, 300 sao tiradas do texto alejandrino (mesmo
quando éste diverge acideritalmente do hebraico; cf. Hebr 10,
5-7). Ora os Apostólos eram os guardas do depósito da fé. Por
conseguinte, se a edigáo bíblica dos LXX (que continha os
deuterocanónicos de permeio aos protocanónicos) fósss infiel
ou deturpada, os Apostólos nao a teriam utilizado. O procedi-
mento abalizado dos Apostólos foi adotado pelas seguintes ge-
racóes de cristáos; o catálogo dos LXX devia assim tornar-se
o catálogo dos cristáos; como foi dito atrás, ele representa a
linha auténtica da fé judaica.

Percorramos agora a historia do canon do Antigo Testa


mento entre os cristáos.

3. O Antigo Testamento entre os cristáos

A aceitagáo do catálogo dos LXX por parte dos cristáos


atravessou tres fases sucessivas :

— 208 —
DEUTEROCANÓNICOS E APÓCRIFOS 21

1) Séc. l/ll: período de unanimidade

. Nos dois primeiros sáculos os deuterocanónicos eram con


siderados como «Escritura» juntamente com os protocanónicos;
nao se encontra vestigio de dúvida a respeito de sua autoridade
nem ñas obras dos escritores cristáos nem nos monumentos da
arqueología.

Assim a Dldaqué (em 90/100 aproximadamente) 4,5 alude claramente a


Eclo 4,31 (36); Dldaqué 5,2 refere-se a Sab 12,7; Dldaqué 10,3, a Sab 1,4.

S. Clemente de Roma (t 101) cita o exemplo de Judite e a fé de Ester


(Cor 55,4-6). Também alude a Sab e Eclo.

A epístola de Barnabé (em 93/97) parece aludir em 6,7 a Sab 2,12, e


em 19,9 a Eclo 4,36.

S. Potlcarpo (t 156) cita, embora n§o explícitamente, em FIp 10,2 o


texto de Tob 4,11 ou Tob 12,9.

S. Inácfo de Anlioquia (t 109) alude a Jdt 16,14 em sua carta aos


Efésios 15,1.

Quando no Oriente comegaram as controversias entre cris


táos e judeus, os apologistas cristáos viram-se obligados a
servir-se únicamente dos livros protocanónicos, visto que os
judeus nao admitiam outros. É o que explícitamente nos refere
S. Justitío (t 165) em seu «Diálogo com Trifáo» § 120. Neste
escrito (§ 71) Justino acusa os judeus de retirar da tradugáo
grega dos LXX as passagens que davam testemunho em favor
de Cristo. O mesmo Justino, na sua «Apología» I, 46, alude aos
fragmentos deuterocanónicos de Dan 3.

Os monumentos cristáos confirmam o testemunho da lite


ratura. A arte das catacumbas representa personagens e cenas
inspirados tanto nos protocanónicos como nos deuterocanónicos,
ao passo que nenhuma figura reproduz algo dos apócrifos do
Antigo Testamento : notem-se especialmente o episodio de To-
bias guiado pelo anjo, o dos tres jovens na fornalha (17 pin
turas e 25 esculturas), o de Susana entre os dois andaos (6 pin
turas e 7 esculturas), o de Daniel a pronunciar a sentenga con
tra os dois juízes iniquos, e o de Daniel na cova dos Ieóes (39
pinturas e 30 esculturas).

A unanimidade da tradicáo crista concernente aos deute


rocanónicos nos dois primeiros sáculos é particularmente digna
de nota pelo fato de que a Igreja nao tomara decisáo oficial a
respeito do canon das Escrituras Sagradas.

— 209 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

2) Sáculos 111/V: período de incertezas

Já em fins do sáculo II fazem-se ouvir as primeiras dúvi-


das a respeito da inspiragáo dos livros deuterocanónicos. Essas
dúvidas sao esporádicas e teóricas, pois os escritores que as
proferem continuam a citar os deuterocanónicos ao lado dos
protocanónicos como sendo Escritura Sagrada.

Dois sao os principáis motivos de hesitacáo :

a) a disputa com ios jutleus. Os apologistas cristáos, em


tal caso, deviam abster-se de utilizar os deuterocanónicos. Esta
atitude influenciou osrtos escritores cristáos que se puseram a
duvidar da autoridade divina dos deuterocanónicos.
Orígenes, por exemplo, em meados do século III, escreve:

"Nos procuramos nao ignorar quals sfio as Escrituras dos Judeus, a


flm de que, ao disputamos com eles, nSo citemos as que nSo se encontram
nos exemplares déles, mas, slm, aquetas de que ¿les se servem" (eplst. a
Afric. 5).

b) io pulular dos apócrifos, ou seja, de escritos que tinham


estilo e aparéncia de textos bíblicos, mas eram evidentemente
espurios. A fim de nao correr o risco de aceitar essas obras,
alguns escritores da Igreja rejeitavam mesmo os deuteroca
nónicos.
A autoridade da Igreja proferiu definicóes oficiáis do ca
tálogo biblico em concilios regionais realizados na África seten-
trional; assim, no de Hipana em 393, nos de Cartago m e IV,
em 397 e 418. O Papa Inocencio I, em urna carta dirigida a
Exupério, bispo de Tolosa em 405, apresentou também o canon
biblico com seus livros deuterocanónicos todos.
Muito se invoca a autoridade de S. Jerónimo (t 420) no
caso. Até 390 éste mestre acatava como inspirados os livros
deuterocanónicos, pois adotava a traducáo dos LXX. Em 390,
porém, comecou a traduzir a Biblia diretamente do hebraico;
entáo, influenciado pelos rabinos, passou a só admitir os livros
contidos na Biblia dos judisus da Palestina. Nao obstante, S.
Jerónimo, instado por amigos, traduziu para o latim o livro
de Tobías, alegando que «era melhor desagradar ao juizo dos
fariseus e atender as ordens dos bispos» (pref. a Tobías).
Na prática, S. Jerónimo dá testemunho da antiga fé da Igreja
na inspiracáo dos deuterocanónicos, pois se encontram cérea
de 200 citacóes déstes escritos sagrados ñas obras do S. Doutor.

— 210 —
DEUTEROCANONICOS E APÓCRIFOS 23

De resto, pode-se dizer que a maioria dos escritores cris-


táos dos séculos III/V reconhecia a inspiragáo dos deuteroca-
nónicos. Tenham-se em vista S. Basilio (t 379), S. Gregorio
de Nissa (t 395), S. Ambrosio (t 396), S. Joáo Crisóstomo
(t 407), S. Agostinho (t 430), S. Cirilo de Alexandria (t 444),
Teodoreto de Ciro (f 458), S. Leáo Magno (t 461).
Os escritores que, em teoría, negavam a autoridade dos
deuterocanónicos, estavam influenciados pelos judeus da Pales
tina. Na prática, porém, citando ésses escritos, como os proto-
canónicos, atestavam a fé da Igreja.

3) Sáculo VI...: retdmo á uncmtmldade

A partir do sáculo VI, dissipam-se, de modo geral, as dú-


vidas sobre os deuterocanónicos. No Oriente, tornaram-se raras
as vozes discordantes. No Ocidente, o retorno á unanimidade
foi um pouco mais difícil, por causa da autoridade de S. Jeró
nimo; através da Idade Media um ou outro mestra latino ma-
nifestou hesitagáo (eram, porém, vozes singulares).

O,Concilio ecuménico de Florenca, em 1441, profiassou so-


lenemente o catálogo completo dos livros sagrados. O mesmo
se deu com o Concilio de Trento aos 8 de abril de 1546. O
Concilio do Vaticano I (1870) e o do Vaticano H (1965) rea-
firmaram a mesma definicáo, maniendo continuidade com os
Apostólos e os primeiros séculos do pensamento cristáo.
Através déstes dados históricos, verifíca-se com clareza:
nao foi o Concilio de Trento que introduziu na Biblia os livros
deuterocanánicos. Éles já estavam em uso comum na Igreja,
tanto que Lutero, quando traduziu a Biblia para o alemáo em
1534 (antes do Concilio de Trento), nao se furtou a verter
também aqueles escritos ; verdade é que os colocou em apén
dice & sua edigáo, com o título de «apócrifos», título que o
reformador assim explicava: «Apócrifos, isto é, livros que nao
devem ser estimados como a Escritura Sagrada, mas que sao
bons e se podem ler com utilidade».

A razáo por que Lutero, Calvino e os protestantes em


geral najeitaram os deuterocanónicos, é a tradigáo judaica. A
Escritura mesma nao traz em si a enumeracáo dos livros ins
piradas por Deus ; o catálogo da Biblia, por canseguinte, só
pode ser reconhecido por autoridade da tradigáo oral. Ora
Lutero preferiu a tradigáo dos judeus da Palestina, tradigáo

— 211 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

reacionária e nacionalista, á tradigáo idos judeus de Alexandria,


dos Apostólos e das antigás geracóes cristas. — Na verdade, é
impossível abordar a Biblia sem recorrer á tradigáo oral qué
a precede e a acompanha. Lutero terá seguido urna tradigáo
mais abalizada e fidedigna do que a que ele abandonou ?

Os cristáos orientáis definiram seu catálogo bíblico, in-


duindo os deuterocanónicos no Concilio de Trulo em 692. Toda
vía no sáculo XVII, por influencia de autores protestantes, sur-
giram entre éles dúvidas a respeito do canon; o Patriarca de
Constantinopla Cirilo Lucaris (t 1638), imbuido de calvinismo,
eliminou da S. Biblia os deuterocanónicos. Contudo um sínodo
celebrado em Constantinopla sob o sucessor de Cirilo Lucaris
— Cirilo Contari — em 1638, assim como os sínodos de Yassi
(1642) e de Jerusalém (1672), rejeitaram a atítude de Cirilo
Lucaris e reconheceram o canon completo das Escrituras.
Em meados do século XVm, sob a influencia da Igreja
russa (também inspirada pelo calvinismo), reapareceram dúvi
das em Constantinopla. Hoje em dia os cristáos orientáis sepa
rados de Roma nao tém sentenga definida sobre o caso; é
livre, entre éles, aceitar ou nao os deuterocanónicos.
Urna vez propostas as razóes pelas quais os deuterocanó
nicos constam da Biblia Sagrada, é necessário examinar algu-
mas objegóes que se levantam contra a autenticidade desses
escritos.

4. Mas, em contrario. . .

Podem-se enumerar seis principáis dificuldades apresenta-


das contra a inspiracáo dos deuterocanónicos.

1) Nao citados nos escritos do Novo Testamento

O fato de nao screm mencionados por Cristo ou pelos Apos


tólos nos escritos do Novo Testamento nao depóe contra a
autenticidade dos deuterocanónicos, pois o mesmo se dá tam
bém com livros protocanónicos : os profetas Abdias e Naum,
o Cántico dos Cánticos, o Eclesiastes, Ester, Esdras, Neemias e
Rute também nao sao citados por Jesús e pelos hagiógrafos
do Novo Testamento. Todavía ninguém p5e em dúvida que o

— 212 —
DEUTER0CAN6NIC0S E APÓCRIFOS 25

Senhor e os Apostólos hajam reconhecido toda a Biblia dos


judeus palestinenses.

Ademáis os exegetas tém apontado citagóes implícitas de


livros (deuterocanónicos no Novo Testamento. Tenham-se em
vista:

Rom 1, 19-32 Sab 12,24-15,19


Hebr 1,3 Sab 7,25
Mt 27, 43 Sab 2,13.18-20
Hebr 11, 35 2 Mac 6,18-7,42
Tg 1,19 Eclo 5, 13
Mt 11, 28s Eclo 24,25

De resto, o fato de que os Apostólos tenham citado ou nao


escritos alheios, nada significa para a inspiragáo divina e a
canonicidade désses escritos. Sabemos que Sao Paulo cita o
poeta grego Epiménides de Cnossos (séc. VI a. C.) em Ti lf12s
e At 17,28; refere-se também ao poeta Arato da Cilícia (séc. m
a. C.) em At 17,28. Sao Judas cita os apócrifos «Assungáo
de Moisés» e «Apocalipse de Henoque» em sua epístola (ver
sos 9 e 14).

2] A edisño dos LXX. ..

Alega-se que a edigáo alexandrina dita «dos LXX Intér


pretes» continha livros que a Igreja Católica tsm na conta de
apócrifos (3/4 Esdras, 3/4 Macabeus, Odes de Salomáo...).
Por que só assumiu os sete deuterocanónicos, e nao os demais
«apócrifos» contidos nos LXX ?

Deve-se responder que o catálogo dos livros inspirados só


pode ser reconhecido por inspiragáo do Espirito Santo comu
nicada a Igreja. A própria Biblia nao refere seu catálogo; nem
o estilo e o conteúdo teológico dos livros bíblicos sao criterios
suficientes para se dizer que ésses escritos, e sómente ésses,
devem ser tidos como inspirados por Deus. Foi, por conseguinte,
o Espirito Santo que inspirou á Santa Igreja, nos primordios da
sua historia, a aceitagáo dos sete deuterocanónicos, ficando ex
cluidos outros livros da tradigáo judaica. O cristáo ere que a
S. Igreja é guiada pelo Espirito.

«v y
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

3} «Os judeus nunca aceitaran os deuterocanónicos!»

Nao se pode dizer que os judeus de Alexandria nunca te-


nham aceito os deuterocanónicos, pois os tinham na sua edigáo
bíblica dos LXX. Quanto aos judeus da Palestina, sabe-se que
muito estimaram tais escritos.

Com efelto, o Eclesiástico íoi escrito em hebraico, elogiado pelo Talmud


(livro de comentarios bíblicos dos judeus) e multas vézes citado pelos ra
binos até o século X; ás vézes, é mencionado mesmo como "Escritura ca
nónica" (Talmud babil., Erubin 65 a; Ib. baba kama 92 b).

Baruque era I Ido públicamente pelos judeus, ainda no séc. IV, no día
da ExpfacSo, conforme as -"ConstltuIgCes Apostólicas" (escrito cristfio do
séc. III).

O 1? dos Macabeus, segundo o Talmud babilónico, era lido por intelro


na festa das "Encénlas" ou da Dedicacáo do Templo (Hanukah).

Tobias e Judlte eram também multo Ildos pelos judeus, como se de-
preende dos midraxes que os comentam.

Poder-se-iam citar outros testemunhos. Estes já evidendam


como os livros deuterocanónicos eram estimados pelos judeus,
mesmo pelos mais tradicionais.

4) E os antigos escritores da Igreja ?

Verdade é que os autores cristáos do* primsiros sáculos


fizeram uso nao so dos deuterocanónicos, mas também dos
apócrifos. Note-se, porém, que nos duzentos e cinqüenta anos
iniciáis da Igreja os escritos deuterocanónicos sao citados todos
e ds maneira copiosa pelos escritores da Igreja; ao contrario,
durante o mesmo período citam apenas cinco dos vinte apó
crifos do Antigo Testamento entáo existentes. Dir-se-ia, pois,
que no primeiro caso o uso freqüente significa a persuasao uni
versal da Igreja, ao passo que no segundo caso se manifestava
apenas a opiniáo pessoal e particular de alguns escritores
cristlos.

5) Era constantlntana

Objeta-se que, a primeira definigáo de Concilio em favor

— 214 —
DEUTEROCAN6NICOS E APÓCRIFOS 27

dos deuterocanónicos tendo ocorrido em 393, ela carece de au-


toridade, pois terá sido inspirada por concepgSes paganizantes
introduzidas por Constantino na Igreja a partir de 313.

Em resposta, pode-ss primeiramente observar que Cons


tantino nada alterou na doutrina do Cristianismo anterior/;
apenas, tendo dado liberdade á Igreja, ocasionou novas expres-
sóes da vitalidade e da mensagem do Evangelho ; isto ístá
longe de ser paganizado. Ademáis, nao foi em 393 que os cris-
táos manifestaram pela primeira vez a sua crenga na aútori-
dade dos deuterocanónicos, como se depreende de quanto foi
atrás exposto .

6) E o conteúdo dos deuterocandnicos ?

Os deuterocanónicos nao contém erros de historia e dou


trina?

— Hoje em dia, a critica, estudando os géneros literarios,


verifica que os livros de Tobías, Judite e Ester pertencem ao
genero literario edificante ou parenético; o que quer dizer: o
respectivo autor sagrado narrou episodios históricos, sim, acres-
centando-lhes, porém, pormenores ou tragos que meíhor poriam
em realce o seu valor moral ou ¡doutrinário; éste procedimento
nao era raro na antigüidade, mas, sim, convencional e aceito;
em conseqüénda, nao se deve pedir aos livros de Tobías, Judite
e Ester o que seus autores nao quissram dizer. De modo parti
cular, Nabucodonosor, no livro de Judite, é um nome típico:
designa simplesmente o nei perseguidor, qualquer que tenha sido
o ssu nome real, visto que Nabucodonosor se tornara o proto
tipo do soberano hostil a Israel e se transformara em anti-Deus.

Quanto á oragáo pelos mortos e á intercessáo dos justos


falecidos em favor dos vivos na térra, sao elementos que aos
poucos afloraram á consciéncia do povo judeu, como o próprio
conoeito de ressurreigáo dos mortos (cf. Dan 12,2s; 2 Mac 7,
9.11.14.29). Nao seria lícito dizer preconcebidamente que se
trata de doutrinas erróneas; a tradigáo crista, desde os seus
inicios, professa tais artigos de fé. Deus pode perfeitamente
proporcionar intercambio de caridade entre os diversos mem-
bros ide seu povo; a morte nao extingue a fraternidade e a
solidariedade que existe entre éles.

— 215 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

Vé-se, pois, através de minucioso exame da questáo, que


os livros deuterocanónicos podem e devem realmente ser tidos
como escritos sagrados pertencentes ao catálogo bíblico. Leve-se
em conta o forte testemunho da tradigái» oral judeo-cristá que,
para se definir o catálogo bíblico, constituí o único criterio
válido (o magisterio da Igreja nao é senáo o porta-voz dessa
tradigáo).

Bibliografía:

Perrella-Vagagglnl, "Introducfio & Biblia" I. Petrópolls 1968.


Robert-Feulllet, "Introducto á Biblia" I. SSo Paulo 1967.
Tuya-Salguero, "Introducción a la Biblia", BAC 262. Madrid 1967.
Q. Auzou, "A palavra de Deus". Sto Paulo 1967.

O Evangelho do Cristo cósmico, por Leonardo Boff. Centro de Investl-


gacéo e Divulgacáo, Teología/1. — Editora Vozes, Petrópolls 1971,
135x210 mm, 121 pp.

O autor ó um jovem teólogo franciscano que, possuidor de ampios co-


nheclmentos teológicos, filosóficos e literarios, tem procurado desenvolver a
reflexSo teológica.

O titulo do llvro pretende exprimir a concepgSo de que Cristo está em


relacSo com todo o universo, pols, como diz S. Paulo, "em Cristo forano
criadas todas as coisas" (Col 1,16b. 17); além do que, Cristo é o Redentor
da humanldade. O teólogo franciscano Joáo Duns Scoto (t 1308), do qual
Fr. Leonardo segué neste ponto as pegadas, afirmava que no plano eterno do
Pal ou da crlacflo, Jesús Cristo como homem fol Intencionado em prlmelro
lugar para ser a pessoa que mals ama a Deus; todos os demals homens e
as restantes criaturas foram concebidos em funcSo de Cristo; em conse-
qüéncla, todo o género humano e todo o mundo Infra-humano convergem
para Cristo, que, encabezando toda a realidade criada, é o Sumo Gloriflca-
dor do Pal.

Fr. Boff desenvolve tais Idéias segundo um processo estruturallsta:


tonta mostrar como varios pensadores as conceberam dando-lhes matizes
diferentes ou pessoals. O confronto asslm estabelecldo entre Sao Paulo,
Lelbnlz, Blondel, Zacharlas, Haas, Rahner, Tellhard de Chardln pode resultar
ambiguo e confuso para o grande público, embora Fr. Leonardo se mantenha
dentro da reta doütrlna católica. E digno de nota o que ele escreve sobre
a mais recente concepgSo de mito, concepcSo que reconhece haver alguma
filosofía ñas lendas da mitología (cf. pp. 57s). Em suma, trata-so de um
llvro para especialistas.

— 216 —
pecado mudou? ainda existe

Em síntese: Os estudos recentes de ciencias humanas tém permitido


sadlo aprofundamento do conceito de pecado. Tres s§o os pontos em que
se dá o enriquecimiento da doutrina:

1) Le! e amor. Acentua-se multo hoje em dfa o fato de que o pecado


é, antes do mals, um NSo dito ao amor divino. A observancia da Leí de
Deus há de ser sempre expressáo e, ao mesmo tempo, alimento do amor
a Deus.

2) Liberdada o condicionamentos. A psicología das profundidades


aponta certos traumas percebldos em idade infantil, capazes de motivar
comportamientos mais ou menos Irresponsávels em adultos.

3) Individuo e comunldade. Satienta-se hoje com muita énfase o aspecto


comunitario do pecado; é ofensa nfio sonriente a Cristo Redentor, mas tam-
bém ao Corpo Místico de Cristo, que ó a lgre|a. Dal a celebracSo comuni
taria do sacramento da Penitencia.

A renovacfio do conceito de pecado nfio Impede haja exageres doutrl-


nárlos, como serlam o de entender o amor como amor ao próximo apenas
ou o de reduzir o pecado a falhas doentias ou taras psicológicas, ou aínda
o de só reconhecer pecados coletivos (nSo se levando mals em conta o rela-
cionamento direto do cristao com Cristo).

Kesposta: O conceito de pecado tem sido reestudado com


afinco nos últimos tempos, pois as ciencias humanas (psicolo-
gia, antropología...) vém fornecendo aos moralistas ampio
material que permite avaliar mais claramente os comportamén-
tos do ser humano. Ñas novas proposicóes sobre o pecado há
certamente elementos positivos, que representam verdadeiro
progresso doutrinário, como também há desvíos e exageres.
Estes diversos aspectos da doutrina seráo ponderados ñas pá-
ginasse guintes em que viráo propostos tres pontos em torno
dos quais se renovou o conceito de «pecado» em nossos dias;
ao que se seguirá urna consideracáo final.

— 217 —
30 . i ■• «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971
• **

1. Leí e amor

1. Que é o pecado ?

— Fácilmente se responde: é urna transgressáo da Lei de


Deus. A resposta está certa. A Lei manda nao matar, nao rou-
bar...; por conseguinte, se eu matar, se roubar, estarei pecando.

Todavia hoje em día dá-se énfase a outro aspecto do pe


cado, aínda mais profundo ido que o anterior: o pecado, sem
deixar de ser transgressáo da Lei, é recusa de amor,... é falta
de amor a Deus e ao próximo. Esta conceituacjio nao excluí a
anterior, mas aprofunda-a.

De fato, a perfeicáo da vida crista é o amor; Deus é amor,


diz Sao Joáo, e quer que vivamos em atitude filial de amor.
Por isto, o cristáo deve observar os mandamentos do Senhor
por amor e para cfosgar a maior amor. Em conseqüéncia, quem
viola a Lei de Deus está-se furtando ao amor.

O mestre franciscano Joáo Duns Scoto (t 1308), ao formular a esséncla


da Moral crlstfi, dlzia: "Deus vult allos habere condlligentes. — Deus quer
ter os homens em comunhño de amor consigo" (Ord. III, d. 52, qu. única, fí> 6).

S. Agostinho dizia muito sabiamente : «Ama, e faze o que


quiseres» (Com. á 1 Jo, trat. 7, n« 8, PL 35, 20-33). Quem ama
realmente a Deus e ao próximo, esforgar-se-á tenazmente por
nao roubar, nao matar, nao faltar á Missa aos domingos...
Tudo que é feito por genuino amor a Deus e ao próximo, se
enquadra fielmente dentro da Lei do Senhor.

2. Com outras palavras, pode-se dizer que em nossos dias


se procura mais e mais dar á Moral crista urna fundamentagáo
bíblica ou evangélica. O espirito do Evangelho deve ser a alma
da fidelidade do cristáo á Lei de Deus ; ora éste espirito é expll-
citado em sua forma mais eloqüente no chamado «Sermáo sobre
a montanha» (Mt 5-7): Jesús ai énsina a generosidade, que
procura ir táo Ionge quanto possível no cultivo do amor; essa
generosidade aceita a lei, mas nao se deixa confinar pela lei
(nao cai em mero, juridismo ou formalismo moral).

Eís as oportunas ponderales que o Pe. Háring teoe a


respeito:

"A forma literaria do Sermflo leva-nos a Intuir que temos de tratar aqui
com urna especie de norma moral diversa da que era epresentada pelos
doutores da leí (e do decálogo). 'Ouvlste o que fol dito aos antlgos: NSo
matarás...'. Tratava-se al de prolblcCes, de normas que demarcavam os

— 218 —
PECADO MUDOÜ? 31

limites do que era licito e que miravam a garantir um mínimo de ordem e


de Justlca. Esta delimitado nSo é posta em discussSo pelo SermSo da Mon-
tanha. Os mandamentos do Decálogo contlnuam a ser perfeitamente válidos.
Mas o cristSo nSo pode de maneira alguma contentar-se em evitar essas
transgressCes. Deve aspirar continuamente ás alturas, que as normas do
Sermáo da Montanha Ihe apontam: 'Sede perfeilos como vosso Pal celeste
é perfelto' (Mt 5,48). O amor infinitamente misericordioso de Deus pelos
homens é o modelo ao qual a vida dos discípulos se deve conformar"
("O que quer Cristo de nos". Sao Paulo 1968, pp. 16s).

3. Por isto, na educagáo dos jovens c na formagáo da


consciéncia dos adultos, preconiza-se em nossos dias a importan
cia de se colocar o amor (a Deus e ao próximo) na dase de
toda a vida moral. É preciso que o cristáo observe os manda
mentos, sim ; mas que saiba que os observa para dizer um Sbn
de amor Áquele que primeiro nos amou; e é preciso que, me
diante a fidelidade á leí, ele cresga no amor. A lei existe para
que o amor nao se desvirtué, mas antes se desenvolva homo
géneamente.

O jovem que vé na Moral crista apenas um código de pre:


ceitos e proibigóes, arrisca-se a já nao poder, um belo dia, sus
tentar essa «bagagem», que Ihe parecerá sufocante. Poderá
entáo perder a própria fé, por se Ihe ter apresentado um Cris
tianismo gerador de médo e entraves. Outrora as exigencias
dos educandos eram menos explícitas do que em nossos dias ;
hoje o jovem requer motivagao grandiosa para aceitar os pe
queños sacrificios.

Observa a propósito o Pe. HSring:

"Quem em todas as coisas soubesse perfeitamente o que é o verdadeiro


amor, encontrar-se-la numa sltuacSo multo mals sublime e elevada do que
qualquer erudito ou dentista moderno. E aínda mals perfelto seria aquflle
que nSo só conhecesse, mas também possulsse o amor e dele estivesse
repleto. Quem conhece o amor, sabe quals sao as suas exigencias, está
dlsposto a acolher o seu apelo e pOe-nas em prátlca; ósse ó homem ma
duro, homem perfelto" ("O que Cristo quer de nos". Sfio Paulo 1968, pp. 81s).

4. Nao se poderia, porém, deixar de mencionar dois peri-


gos de desvio latentes na norma «Ama e faze o que quiseres».

a) Em nossos dias, há quem tenda (consciente ou incons


cientemente) a conceber ésse amor «raiz da vida moral» no
sentido de um amor ao próximo que nao senté necessidade de
afirmar também o amor a D»us. Por conseguinte, pecado seria
tudo que lese o próximo, principalmente no setor da justiga
social e da solidariedade. Fora disto, tende-se a menosprezar ou
mesmo ignorar o pecado. Em conseqüéncia, dois jovens que de-

— 219 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

terminassem viver urna aventura de amor sem- prejudicar a


terceiros, nao estariam fazendo algo de própriamente pscami-
noso. — Na verdade, porém, deve-se dizer que o amor ao pró
ximo so é íduradouro se fundamentado sobre o amor a Deus ;
é por causa día Deus que o cristáo se torna capaz de amar ver-
dadeiramente a seu semelhante ; caso se afaste de Deus, fácil
mente o homem sa torna fratricida, como lembra o episodio de
Caím e Abel (colocado no Génesis logo após o Nao dito pelos
primeiros pais ao Senhor Deus).

b) Há mesmo quem entenda o amor «Dínamo da moral»


em sentido erótico. Tal é o caso de Herbert Marcuse, que con
trapee lógos (a razáo e á civilizagáo de consumo que esta criou)
e éros (o amor-instinto que chega á liberdade sexual). Marcuse
julga que o lógos é a causa das guerras ,de interésses políticos e
económicos, e preconiza que os homens se deixem guiar pelo
éros. Os «hippies» adotam tal modo de pensar expresso no «slo
gan» : «Make love, not war ! — Fazei amor, nao guerra !» Em
conseqüéncia, exaltam certos personagens históricos que lhes
paiecem concretizar a mansidáo e o amor : Buda, Jesús Cristo,
S. Francisco de Assis...; julgam-se, porém, livres para praticar
o amor promiscuo, meramente sexual.

Evidentemente tal nao é o amor cristáo. Éste tende a dis


ciplinar os instintos carnais e a dar em tudo a primazia a inte
ligencia e á fé. O amor que leva ao sexo, é indiscutívelmente
santo, para aqueles que tém vocacáo matrimonial e a vivem
legítimamente. Mais: o amor cristáo manda amar os inimigos
— o que supóe elevado autodominio do individuo sobre si mesmo.

Passemos agora a outro trago em que se aprimoram os es


tados sobre o pecado.

2. Liberdade e condictonamentos

Outrora os homens, carecendo de exatos conhecimentos


psicológicos, avaliavam o pecado segundo a sua face externa
ou de modo meramente material. Em conseqüéncia aplicavam
tranquilamente a lei do taliáo : dente por dente, Slho por ólho,
boi por boi... Era esta a maneira mais simples e eficaz de ga
rantir a justica em sociedades rudes ou primitivas.

Hoje em dia, porém, os progressos da psicologia permitem


de algum modo penetrar no íntimo do pecador; verifica-se entáo

09,"
PECADO MUDOU? 33

que nem todo delinqüente é culpado como á primeira vista


parece: fatores profundos (traumas recibidos na infancia, com
plexos adquiridos, imaturidade ou subdesenvolvimento psicoló
gico) influem no seu comportamento, tirando-lhe (em parte ou
totalmente) a liberdadie e a responsabilidade.

Em conseqüéncia, nao se julgam com a mesma severidade


os atos de um doente e os de urna pessoa sadia, do ponto de
vista psíquico. Entrega-se a um psiquiatra ou a um médico
aquéle que age mal por ser vítima dé alguma tara.

Eis, mais pormenorizadamente, os dados de ciencias antro


pológicas modernas que a teología moral mais e mais leva
em conta :

2.1. O passado Inconsciente

A psicología das profundidades reconhece hoje como o com


portamento de um adulto depende de experiencias passadas, que
remontam á primeira infancia, ou mesmo a idade intra-uterina.
O que se dá ñas origens de um ser humano, é, de certo modo,
decisivo para o seu desenvolvimento ulterior.

Negligencia ou mimo exagerado da enanca por parte da


máe, protecionismo paternalista ou maternalista, trato rude ou
autoritario, desentendimiento entre pai e máe no setor da edu-
cacáo, projegáo, sobre a crianca, dos conflitos e tensóes matri
moniáis dos genitores — estas e outras experiencias lamentáveis
podem originar no coracáo da crianga angustias, inibicóes, re-
flexos de autodefesa, desviando ou mesmo estagnando o desa
brochar da vida psíquica do pequenino ou do adolescente. O
psiquismo delicado da crianca nao é capaz de assimilar viven
cias chocantes e violentas; caso Ihes seja submetido, poderá res-
sentir-se, por toda a vida, de infantilismos, imaturidade, com
plexos, que procedem do seu inconsciente. Ésses defeitos ou
«complexos neuróticos» diminuem, de certo modo, a liberdade
do individuo. Todavía nao podem ser desmascarados por con
trole racional; exercem sua influencia mediante atos que o su-
jeito considera normáis e livres, mas que na verdade nao o sao.

Verifica-se também que, ñas atuais condigóes da vida, a


juventude contemporánea alcanga com mais difículdade do que
outrora urna auténtica maturidade de caráter. Para isto con-
oorrem, em escala apreciável, os meios de comunicagáo social:

— 221 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS». 137/1971

a difusáo caótica de informacóes muitas vézes sacrifica a ver-


dade ao sensacionalismo e a interésses financeiros ; as técnicas
de propaganda (nao raro, deformantes) dirigem-se de preferen
cia ao público jovem, que é mais maleável e que fornecerá os
clientes de amanhá.

Os estudiosos chamam a atengáo também para

2.2. Fatóres biológicos

Hoje em dia mais do que nunca tem-se consciéncia de qué


o psíquico (vontade, afetos, paixóes, lucidez de mente...) de
pende, em alta escala, de elementos biológicos (funcionamento
de glándulas, secrecáo ide hormónios, consumo de drogas, tran
quilizantes. ..).

Com efeito, as descobertas da neuro-cirurgia (como, por


exemplo, a das modificacóes produzidas na personalidade pala
lobotomia), as da endocrinología (que apura os tratamentos
hormonais), as do uso de drogas (tanto as de cambio negro,
como as chamadas «drogas de policía, sóro da verdade...»)
tém evidenciado como os elementos biológicos e bioquímicos in-
fluem sobre a consciéncia e o ato Iivre do individuo ; os efeitos
averiguados ultrapassam longe quanto se sabia ou supunha
outrora.

Verifica-se também que o organismo do homem em geral


e o seu sistema nervoso em particular aínda nao se adaptaram
totalmente as mudangas bruscas que decorrem do ritmo de vida,
da tensáo do trabalho, das responsabilidades sociais na época
presente. O homem é profundamente sensível aos choques da
vida atual, e deixa-se fácilmente influenciar, tornando-se as
vézes incapaz de dominar suas réagóss instintivas. Tem-se fa-
lado mesmo de urna «robotizagáo» do homem contemporáneo1
— o que significa, entre outras coisas, diminuigáo da liberdade.
É em vista de tal .situagáo que hoje em dia se dá énfase aos
métodos de relaxe, á higiene mental, ao repouso, etc.

Por último, registra-se neste contexto a

1 RobA é o cerebro eletronlco, mecánico. RobotlzacSo é a reducáo do


homem á qualidade de autdmato.

— 222 —
PECADO MUDOU? 35

2.3. Pressáo social

O homem contemporáneo está muito sujeito á influencia


dos fatores sociais ou á pressáo da coletividade sobre os atos
livres do individuo. Registra-se um certo gregarismo: os homens
sentem, reagem e julgam coletivamente. Os «slogans» da pro
paganda comercial ou política, os meios de comunicacáo social
(imprensa escrita e falada), os padróes de pensamento e con-
duta adotados por determinada empresa ou familia, concorrem
poderosamente para sugestionar o público, se nao de maneira
consciente, ao menos de forma inconsciente. As descobertas nos
setores da psicología, da dinámica, da pedagogía e da terapia
de grupo sao surpreendentes sob tal ponto de vista.
Sejam citados alguns exemplos concretos.

Dada urna ordem de greve em certa fábrica, a liberdade de


trabalho é ameagada pela pressáo moral que o sentimento de
solidariedade exerce sobre cada trabalhador, mais do que pela
violencia que um piquete de greve possa desenvolver. — A cor
da pele, as diferencas raciais e os condicionamentos que éles
acarretam, podem influenciar profundamente o comportamento
de alguém. — A liberdade de religiáo, «legalments garantida»,
é vá ou nula, se aqueles que professam a religiáo vém a ser
relegados para um «ghetto» espiritual. — Certos processos judi-
ciários, nos últimos tempos, deram a ver como é dificil a um
júri resistir as exigencias da opiniáo pública. — Nao raro a
más de familia é pressionada pela mesma opiniáo pública em
favor da limitagáo da natalidade.

Os sociólogos observan* também como o cidadáo do Estado


moderno se torna mais e mais dependente de papéis, documen
tos e exigencias das máquinas administrativas: impostes e con
trole de impostes, taxas variadas, testes, fichas, regulamentos,
diplomas oficialmente reconhecidos... Isto tudo é necessário,
mas também esmagador... Mais aínda : nao sómente a socie-
dade municipal e a estadual pesam sobre o cidadáo; parece que
o mundo inteiro o condiciona, pois a existencia de cada um é
sempre mais sujeita á planetarizacjio ou aos condicionamentos
acarretados pela historia do planeta inteiro: urna crise em pe
queño pais longínquo, do qual muitos ignoram a exata situacáo
geográfica, é capaz de parausar o tráfego em outra nagáo (falta
gasolina !) ou de provocar vertiginosa procura de víveres!

Estes fenómenos da vida moderna provocam nao raro nos


individuos a impressáo de estarem subjugados a fórcas anóni-

— 223 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

mas. Fala-se, por isto, de despersonalizacáo e de «anonimiza-


gáo» do homem contemporáneo. Se esta pressáo económico-
-social é um fato no chamado «mundo livre», ela aínda é mais
sufocadora sob os regimes totalitarios; estes tendem a extinguir
qualquer tentativa de oposigáo, provocando a massificagáo dos
cidadáos e exercendo urna «lavagem de cerebro», que pode ser
ou drástica ou paulatina e camuflada.

Em conclusáo, deve-se reconhecer, com as ciencias huma


nas contemporáneas, que o homem, por seu próprio psiquismo
como também pelas circunstancias da vida moderna, é diversa
mente condicionado ou impelido a agir. Mesmo atos maus apa
rentemente livres e responsáveis nao podem sempre ser tidos
como plenamente culpados. É preciso que pais, mestres e mo
ralistas levem em conta caso por caso dentro do seu contexto
próprio antes de aplicar sanpáo. Se nao o fizerem, poderáo ser
injustos em nome da própria justiga: «Summum ius, summa
iniuria», o sumo direito vem a ser a suma injustiga.

Todavía o mesmo recoríhecimento dos fatóres psíquicos


pode levar hoje em dia a julgar mais severamente atos que an-
tigamente eram tidos como pouco importantes. Tais sao os atos
de incoeréncia, de hipocrisia ou de rotina formalista : há atos
aparentemente bons que nao traduzem, mas camuflam inten-
cionalmente o interior malicioso da pessoa; há também peque
ñas faltas que sao a expressáo de grande maldade. Tem-se cons-
ciéncia hoje em dia de que nao se pode julgar alguém através
de um ato isolado apenas; éste, as vézes, traduz mal a per-
sonalidadis, denigrando-a ou embelezando-a falsamente. Para
se proferir sentenga sobre alguém, é preciso levar em conta,
além do ato trazido á presenga do juíz, todo o ritmo de vida
dessa pessoa ; os pequeños atos de alguém háo de ser vistos á
luz de seu estado habitual de alma.

2.4. Um desvio

Freqüentemente acontece que a descoberta de novos dados


de urna problemática leve a conclusóes exageradas. É o que se
daría se alguém dissesse que nao há mais pecado, mas apenas
males psíquicos ; todo «pecado» nao seria senáo erro mórbido,
complexo daentio, a ser julgado nao segundo as categorías do
bem e do mal moral, mas á luz da psicanálise; nao se íalaria
mais de pecadores, mas de vitimas da educacáo que receberam

— 224 —
PECADO MUDOU? 37

ou da sociedade em que vivem. A vontade livre do homem es


taría sempre orientada para o bem, de modo que sómente a
sua náo-liberdade seria a causa do que se chama «pecado».
— Ora estas proposigóes sao evidentemente contrarias ao pen-
samento cristáo. Nao se deve exagerar a influencia dos condi-
cionamentos a ponto de negar sistemáticamente a responsabili-
dade do homem contemporáneo e sua capacidad© de agir livre-
mente. Embora haja poucos individuos que sejam 100 % nor
máis 1, nao se pode dizer que sejam todos anormais, todos doen-
tes e irresponsáveis. A grande maioria dos homens, ainda qué
tenha sofrido defeitos de educagáo e traumas psicológicos, podé
ser tída como responsável ou como capaz de receber elogio ou
censura. Naturalmente, poder-se-áo comprovar numerosos ca
sos de liberdade e responsabilidade atenuadas: há os que poderri
responder 100 % por seus atos, como também há os que só tém
90%, 80%, 70%,... 40% de responsabilidade. Quem esteja
totalmente alienado á normalidade psíquica, está, como se com-
preende, isento de culpa.

Eis agora o terceiro ponto em que se renova a nogáo de


pecado:

3. Individuo e comunidade

É comum (e muito acertado) dizer-se que o pecado é um


Nao dito a Deus; é a recusa a um convite divino, um menos-
prézo do amor redentor de Cristo.

Em nossos dias, acentua-se ainda outro aspecto do pecado


(o qual, alias, nao é inovagáo na historia da espiritualidade
católica) : o pecado atinge o Cristo também em seu Corpo Mis-
tico ou.em sua Igreja; ele tem urna dimensáo comunitaria ou
eclesial; deturpa a harmonía da familia de Deus, desfigurando
a face humana da Igreja. A Igreja inteira sofre com os pecados
de seus membros, sobretudo com os coragóes endurecidos. «Ss
um membro sofre, todos os membros sofrem com ele. Se um
membro é honrado, todos os outros membros se alegram com

1 Aínda bem! Se todos fflssem 100 % normáis, o mundo nBo terla


encantos. Para que haja beleza na vida, é preciso que naja tonalidades
diversas, tendencias mals acentuadas para um lado do que para outro, ñas
diferentes personalidades.

— 225 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

ele» (1 Cor 12, 26). Assim como um cristáo que se eleva, eleva
o mundo inteiro, assim alguém que se degrada rebaixa o seu
ambiente ou a sua comunidade, por mais oculto ou individual
que seja o pecado. Na verdade, Deus fez os homens solidarios
entre si, principalmente no plano da salvagáo; uns devem san
tificar os outros pelos seus méritos e as suas virtudes ; quando
nao o fazem ou pecam, lesam seus irmáos.

Por isto também hoje se pratica a reparagáo comunitaria


do pecado ; a comunidade eclesial, lesada pelo pecado, participa
na recondliacáo do penitente com Deus; tal é o sentido das
confissóes comunitarias. Nestas a comunidade se excita á con-
trigáo mediante leiturasf- oragóes e cantos ; pode também fazer
um exame de oonsciéncia dirigido; após o que, para que haja
o sacramento da Penitencia, requer-se a confissáo auricular dos
pecados (cada penitente se dirige a um sacerdote presente na
assembléia); por fim, a comunidade volta a se reunir para as
oragóes fináis do rito ; a absolvicáo sacramental pode ser dada
aos fiéis que se confessaram, ou logo após cada confissáo auri
cular ou coletivamente, terminadas todas as confissóes.

Todavía também aqui a ameaca de grave perigo merece


atencáo: pode haver excessiva «socializagáo» religiosa. Com
efeito, pode-se dar tanta énfase a comunidade que se esquecam
os valores da pessoa humana como tal e seu relacionamento
direto com Deus. Além de participar da oragáo comunitaria,
eu devo saber entreter-me a sos com o Senhor; paralelamente,
existem nao sonriente pecados coletivos (cometidos pela coletivi-
dade), mas também pecados que o individuo pode cometer em
seu foro particular1. Ha, por conseguinte, faltas meramente
internas (pensamentos e desejos desordenados) que sao genuí-
nos pecados, porque nao conformes á lei de Deus. Jamáis o
cristáo poderá deixar de cultivar uma vida de uniáo com Deus
que penetre o fundo do.seu ser e o transforme; caso o negli-
genciasse, já nao viveria o Cristianismo própriamente dito ; o
Evangelho chama cada individuo a dar sua nota própria á
comunidade.

Resta aínda propor uma observagáo atinente a

i Alias, a expressfio "pecado pessoal" é uma tautología. Só pode haver


pecado na medida em que eu, consciente e livremente, violo a Leí de Deus.

— 226 —
PECADO MUDOU ? 39

4. Pecado venial e pecado mortal

Clasicamente a teología distingue entre pecado mortal e


pecado venial. O primeiro é o que se comete em torno de ma
teria grave, com pleno conhscimento de causa e vontade deli
berada;, acarreta a perda da vida da grac.a, sendo por isto cha
mado mortal. '

Quanto ao pecado venial, é o que se comete sem o concurso


de um, ao menos, dos prerrequisitos ácima ; é dito «venial» ou
«perdoável» porque mais fácilmente obtém venia ou perdáo
(nao se requer necesariamente o sacramento da Confíssáo para
apagá-lo).

Na prática, pode haver casos em que se torna difícil dizer


se há pecado venial ou pecado mortal; o próprio pecador nao
está em condicóes de avaliar até que ponto agiu consciente e
deliberadamente. Em tais circunstancias, acuse-se o penitente
«tal como está culpado diante de Deus». Quando se trata de
hábitos pecaminosos inveterados, pode-se presumir que tal ou
tal ato cometido em virtude do hábito mau seja pecado leve
apenas ou talvez nao chegue a ser pecado (por carecer de vo-
luntariedade).

Há teólogos contemporáneos que propóem uma revisáp da


terminología clássica. Preferem reservar a expressáo «pecado
mortal» para significar o endurecimento final ou o derraiieiro
e decisivo pecado ; éste acarreta realmente a morte eterna.
Quanto as faltas graves e deliberadas cometidas no decorrer
desta peregrinagáo terrestre, sao sempre revogáveis; nada tém
de definitivo; por isto, segundo tais autores, nao deveriam ser
chamadas «pecados moríais», mas «pecados graves».

O Padre Schoonenberg nao recusa chamar «pecados mor-


tais» os pecados graves; designa, porém, o endurecimento final
ou a obstinagáo do pecador na hora da morte como «pecado
para a morte» (cf. 1 Jo 5,16) ou «pecado contra o Espirito
Santo» (cf. Me 3,28).

Estas observagóes de nomenclatura sao aceitáveis, contanto


que se guarde a.distingáo entre «pecado leve» e «pecado grave»,
ou seja, uma diferenciagáo muito matizada na gravidade dos
pecados; esta foi mais de uma vez afirmada pelo magisterio

— 227 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

da Igreja; cf. Concilio de Cartago XV, can. 6-8 (Denzinger-


— Schonmetzer, Enquiridio n* 228-230 [106-108]); Concilio de
Trento, ib. n' 1536 [804] . 1573 [833] . 1575 [835].

Eis, em sintese, algo do que de mais importante se tem dito


sobre pecado em nossos dias. — Em artigo próprio deverá ser
abordado o tema «Ética da situagáo».

Bibliografía:

L Monden, "Consciéncia renovada". SSo Paulo 1968.


B. Háring, "O que Cristo quer de nos". Sio Paulo 1968.

Id., "Shalom. Paz. O sacramento da reconciliacSo". Sao Paulo 1970.


A. Berge, "As doengas da vlrtude". Rio de Janeiro 1969.
J. Fuchs, "Teología moral segundo o Concilio". Sao Paulo 1968.
P. Schoonenberg, "Sünde und Schuld", em "Sacramentum Mundi" IV.
Freiburg 1969, cois. 766-779.
R. Vancourt, "La crise du chrlstianisme contemporain". París 1965.
PR 89/1968, pp. 127-136; 103/1968, pp. 269-281.

«ELE ESTÁ PRESENTE,


QUANDO A SOLIDÁO NOS PESA.

ELE NOS OUVE,


QUANDO SÓ O SILENCIO NOS RESPONDE.

ELE NOS AMA,


QUANDO TODOS NOS ABANDONAM»

(S. Agostinho)

— 228 —
amor livre:
expressao máxima da personalidade?

Em slnlese: O amor é urna das mals altas expressfies da dlgnldade


humana. Os animáis inferiores nao tém amor, mas apenas Instinto e sexo.
Enquanto o instinto dos animáis é cegó, o amor do homem escolhe. O ser
humano que se dá a alguóm no amor, sabe por que o faz: tende a cons
truir um lar, educar a prole, dar dignos filhos a Oeus e á sociedade.

Donde se vé que amor livre é aberracáo; é mera concessáo á sensua-


Ildade, sem compromlsso nem Ideal; bestializa e degrada. Longe de ser ex
pressao dé mente evoluida, é renuncia ao que o homem tem de mals nobre
e digno, ou seja, á vida segundo a razSo e um ideal.

Amor llvre nao pode ser solucfio para conflltos psicológicos, porque
gera, em quem tenha um pouco de personalidade, os conflitos do "Quem
sou eu ? Como me defino ? Como me aprésente a mim mesmo e aos
homens ?"

Sabe-se também que a llvre prátlca do amor fácilmente acarreta doen-


gas graves, molestias venéreas, descaldflcacSo, desregramento do meta*
bolismo. Além disto, é fonte de profundos males sociais: unioes Infellzes,
filhos sem pai, depauperamento da raga, rebalxamento do nivel social, dls-
solucfio do individuo e da familia. O Evangelho é extremamente exigente
no tocante á disciplina dos afetos (cf. Mt 5, 8. 27-30; 18,6-10). Aponta mesmo
para o ideal da vida una, ou seja, da vlrgindade que, consagrada a Deus,
se consagra indiretamente a todos os homens.

Re&posta: A expressao «amor livre» parece cada vez mais


sedutora, suscitando na sociedade de hoje opinióes e atitudes de
todo inéditas. Pergunta-se : nao será realmente a manifestagáo
mais pujante do espirito moderno, emancipado de tabus e pre-
conceitos ? Nao é o homem o senhor de seus próprios afetos e
instintos, de modo a dispensar normas extrínsecas inspiradas
por filosofías, que nao Ihe interessem ?

— 229 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

Movidos por tais interrogagóes, sao cada vez mais nume


rosos os adeptos do amor livre. É o que nos leva a dedicar ao
assunto as reflexóes seguintes.

1. Amor livre : que é ?

Na expressáo em foco, amor significa simplemente o ape


tite sexual ou o instinto afetivo. O adjetivo livre designa o de-
sejo de satisfazer a ésse instinto sem reeonhecimento de freio
ou únicamente de acordó com o bel-prazer.

Podem-6e concebér duas formas de amor livre: urna, ampia


e absoluta; outra, que aceita algumas reservas. Examinaremos
urna te outra sucessivamente.

1.1. Amor livre prápriamente difo

Assim entendido, o amor livre implica cinco notas caracte


rísticas, que podem ser recenseadas do seguinte modo:

1) Emandpasao frente a qnalquer Ici de moral pessoal.


Nao se entende (dizem) que a pessoa imponha a si mesma res-
trigóes em sua vida afetiva. O amor surge por ímpeto da natu-
reza e se nos impóe, sem pedir o consentímento do sujsito ou
de outra pessoa. O amor nao conhece deveres senáo em seu
favor — o que quer dizer que ele só tem direitos.

Disto se segué que toda pessoa humana tem a liberdade de


exercer o amor (entenda-se : o apetite sexual) como e quando
isto lhe agrade. *

2) Isengáo frente a toda lei Social. Nenhuma autoridade


— nem a civil, nem a familiar, nem a religiosa — tem o direito
de se imiscuir no comportamento afetivo dos individuos, im-
pondo-lhes restrigóes ou limites. O que cabe á autoridade, é,
sim, garantir a cada cidadáo o livre exercicio do amor (= ins
tinto sexual).

3) Rejeigáo de qualquer norma emanada do senso de


pudor, da conveniencia ou de principios sociais e religiosos. Tais
normas nao seriam dignas do amor; originaram-se do médo e
dos preconceitos. Em vez de construir a personalidade, fomen-

— 230 —
AMOR LIVRE 43

tem (por reagáo) e exacerbam as tendencias eróticas; impe-


dem o sereno equilibrio da personalidade, equilibrio necessário
para que esta se forme e desenvolva. As concessóes ao instinto
sexual sao comparáveis as da alimentagáo : como o nutrimento
revigora o organismo, restituindo-lhe o equilibrio desfeito pelas
preocupagóes e as labutas cotidianas, assim o livre erotismo
constrói a personalidade. — A propósito pode-se lembrar o livro
«Iiberdade sem médo» de Alexandre Neill, da escola de Sum-
marhill: o autor apregoa a plena Iiberdade para os jovens edu
candos, mesmo no setor sexual, como se a natureza humana
fósse sempre e por si mesma pendente a proceder retamente.
Esta filosofía naturalista inspirada por Jean-Jacques Rousseau
nao se coaduna nem com as concepgóes cristas nem com a
experiencia da vida. Cf. PR 97/1968, pp. 35-46.

4) O amor livre oferece o ídesafiogo <ou a expansáo neces-


sária a numerosas pessoas que, por um motivo ou por outro,
nao se podem casar. Assim escreve a Doutóra Adam Lehmann:

"Sem vida sexual, o ser humano é Incompleto ou mutilado. Felizmente


Isto ]á é do conheclmento das mulheres. Val crescendo constantemente b
número de mulheres cultas, honestas e trabalhadoras, que nSo se casaram
nem se podem casar por um motivo qualquer, a, nao obstante, tem relacOes
sexuáls. SSo mulheres cora|osas, conscientes do seu valor próprlo, as
quals preparam tem pos melhores para as suas Irmas" (texto citado por F. V.
Forster, "Etica e pedagogía dalla vita sessuale". Torlno 1911).

Desenvolvendo tais idéias, E. B. Russell, um dos autores


mais sistemáticos ueste campo, escreve:

"Do ponto de vista da moral pura, o amor Ilvre significa imenso pro-
gresso em comparacSo com o antigo sistema. Os moralistas tradiclonals o
deploram, porque néle véem urna falencia que éles nao podem dissimular.
Todavía esta nova Iiberdade do amor nos jovens deve ser fonte de alegría
para nos, porque há de criar urna nova geracSo de homens e mulheres,
livres de todo retardamento sofistico" ("Le marlage et la morale", trad.
francesa, París 1930 a, p. 144).

5) Por último, o amor livre é urna pnepaiacáo indisp?n-


a felicidade matrimonial, a qual já nao estará sujeita a
desilusóes. Nao sómente os rapazes, mas também as mocas
seráo assim beneficiados. Com efeito, a experiencia adquirida
através de varias aventuras, de um lado, amainará os primeiros
e mais ousados impulsos e, de outro lado, favorecerá no mo
mento oportuno a escolha feliz do companheiro ou da compa-
nheira do resto da vida. Inspira-se de tais idéias o adagio : «É
preciso que a juventude se divirta»; tais dizeres justificariam
irrestritamente as «aventuras» da juventude.

— 231 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

Acontece, porém, que nem todos os arautos de liberdade


em materia sexual professam integralmente as conseqüencias
da tese atrás exposta. Propóem antes, o que se pode chamar

1.2. Uníóo livre

Segundo esta, os cónjuges tém o direito de separar-se a


seu arbitrio a fim de contrair outras unióes,... e isto repetidas
vézes. Caso julguem que o seu matrimonio nao Ihes satisfaz
plenamente, cabe-lhes procurar fora do matrimonio aquilo que
nao encontram no lar. — Na verdade, é o amor que livremente
cria a uniáo conjugal, livremente a sustenta, e livremente a
dissolve desde que se defronte com objeto mais desejável do
que o que tem. É, de resto, o escritor e teatrólogo francés
Moliere (t 1673) quem comenta:

"Serla multo tolo querermos gloriar-nos da falsa honra de sermos fiéis,


sepultarmo-nos para sempre numa palxáo, estantíos desde a juventude
morios para todas as belezas que nos possam impressionar a vista" ("Don
Juan", ato I, cena 2*).

Diante da múltipla argumentagáo proposta em favor do


amor livre, pergunta-se:

2. Vale ou nao vale ?

Enfocaremos a questáo sucessivamente a partir de dois


pontos de vista: o natural ou filosófico e o ponto de vista
teológico cristáo.

2.1. Com a palavra a razáo

1. O amor ou a capacidade de amar é um dos maiores


tesouros que o horriem possui. É mesmo urna das características
do ssr humano, pois se sabe que os animáis inferiores nao tém
amor, mas apenas.instinto. O instinto dos animáis é cegó, ao
passo que o amor dos homens escolhe ; tende a realizar o ideal
que a inteligencia concebe. O ser humano que se dá a alguém
no amor, sabe por que o faz ; tem em vista urna meta digna
da natureza racional: construir um lar, educar a prole, dar

_ 232 —
AMOR LIVRE 45

dignos filhos a sociedade. Quem «ama» sem saber por qué, faz
algo de meramente instintivo como fazem os animáis inferiores.

Por isto nao se pode justificar o chamado «amor livre».


Amor livre é amor sem finalidade; é mera concessáo, de mo
mento, á sensisalidade, sem compromisso nem ideal. Mais pró-
priamente deveria ser dito «sexo» ou «uso do sexo», e nao
«amor». Ora o sexo devidamente entendido, no homem, é ele
vado ao plano superior da inteligencia; participa da intelectua-
lidade e ideve servir para que o homem se realize cada vez mais
como ser humano ou inteligente. O sexo desabrido ou livre-
mente usado concorre para rebaixar e desfigurar a criatura
humana (pode bestializá-la), tornando-a joguéte de instintos
eróticos.
2. Com outras palavras : é verdade que o amor, mesmo
compreendido como apetite sexual, pode favorecer o pleno de-
senvolvimento da personalidade. Por isto, os homens tém o di-
reito de procurar no amor humano a sua felicidade; o que
quer dizer : tem o direito de casar-se e de escolher a pessoa do
cónjuge respectivo. Também se sabe que, sem satisfagáo do
instinto sexual, a humanidade nao se propagaría; por isto aten
der ao apetite sexual nao é, por si mesmo, algo de mau. — Mas
o que importa neste particular, é frisar bem que a criatura
humana nao é totalmente e apenas instinto erótico; rala exis-
tem outros sentimentos, outras aspiragóes, pois ela é, antes do
mais, um ser racional e social; o ser humano, portento, só se
realiza plenamente caso se entregue a um ideal racional e faga
que seus instintos cegos sirvam a ésse ideal, construindo urna
personalidade harmoniosa e urna sociedade forte ou corajosa.
O sexo no homem nao é qualidade nem imperativo incoercível,
mas é meio de realizaeáo e parte integrante de um conjunto
ou de urna personalidade. Quem isolasse o erotismo no homem
e o considerasse como valor autónomo, se degradaría ou bes
tializaría.
É necessário que se diga isto com clareza e coragem em
nossos dias. Os meios de comunicacáo social sugestionam o
público, fazendo-lhe crer que, na criatura humana, tudo é ins
tinto sexual e que o sexo é um imperativo ao qual nao se pode
nem se deve resistir. Éste sugestionamento provoca a necessi-
dade do sexo ; daí a obsessáo que afeta tantos jovens e tantos
adultos em nossos dias; o afá de atender ou servir ao sexo é
suscitado, alimentado e intensificado pelo clima ou o ambiente
em que vive a sociedade. Se os «mass-media» e os mentores da

— 233 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

opiniáo pública dissessem o contrario, isto é, se proclamassem


que o sexo é apenas uma fungáo subordinada do homem, have-
ria sugestionamento no bom sentido e a preocupagáo sexual nao
dominaría tanta gente.

3. Os grandes mentores do marxismo (Engels, Guesde,


Bebel...) apregoaram o amor lívre. Eis palavras de Engels:

"A emancipacio da mulher tem como primeira condicáo a entrada de


todo o sexo teminlno na industria pública. Essa condigio exige a supressáo
da familia individual como unidaae económica da sociedade" ("A orlgem
da familia", p. 79).

Engels julgava que. a familia monogámica era instituigáo


da economía burguesa e, por isto, devia ser combatida em favor
do amor livre. — Todavía Lenine se opós as teses do amor
livre «ñas circunstancias ida sociedade atual», porque dizia que
era preciso criar primeiramente nos 'homens a disciplina do
costumes, libertando-os do egoísmo; uma vez obtida esta meta,
poder-se-ia introduzir o amor livre. O fato, porém, é que até
hoje nem na Rússia o amor livre foi oficializado.

Alias, a experiencia bem mostrá quáo funestas sao as con-


seqüéncias do amor livre : unióes infelizes, filhos sem pai, dese
quilibrio psíquico, assassínios e suicidios provocados por paixóes
dissencadeadas, depauperamento da raga, desciida de nivel da
auténtica civilizagáo. Nao é por tais vias que se constrói urna
nagáo próspera. Dando-se o nome de amor a qualquer ato ins
tintivo do homem, em vez de se suscitar liberdade, induz-se es-
cravidáo, ou seja, a escravidáo do homem ao pior e mais degra
dante de todos os senhores que é a animalidade cega.

4. Quanto aos casos de pessoas que nao se podem casar


ou nao se julgam felizes no matrimonio, também é certo que
nao se realizaráo em concessóes sexuais desregradas: estas por
si só podem contribuir para despertar ou avivar um confuto
ainda mais serio, concretizado ñas questóes : «Quem sou eu ?
Qual a minha definigáo? Como me aprésente a mim mesmo e
á sociedade ?»

Em tais casos, a coeréncia, a lisura e a integridade de vida


sao as únicas fontes de felicidad© auténtica e duradoura, áo
passo que o desbussolamento e a libertacáo dos instintos vém
cedo ou tarde a ser motivo de nova e profunda inseguranga.
Ter uma auto-definigáo, eis um dos anseios mais naturais e
nobnss de toda pessoa humana.

— 234 —
AMOR LIVRE 47

5. E a preparacáo para o matrimonio nao se beneficiaría


com experiencias livremente empreendidas pelos futuros cón-
juges ?

— É de crer que urna vida sexual dissregrada ou livre desde


as suas primeiras afirmacóes diflcilmente encontrará mais tarde
o seu caminho; quem se habitúa a conceder descontroladamente
aos instintos, sam experimentar o que seja dizer NAO a si
mesmo em vista de um ideal superior (brio, coeréncia, digni-
dade...) deverá aceitar as tristes conseqüéncias dos seus há
bitos ; multo provávelmente seguirá de maneira servil os ins
tintos até que estes se amortegam pela própria saturagáo do
«prazer».

Nao há melhor garantía de um matrimonio feliz do que a


procura do auto-dominio e dos valores própriamente humanos
desde os primeiros dias de namóro; é aprendendo a dizer NAO
sempre que a sá razáo o julgue oportuno, que conquistamos a
felicidade: a felicidade de sabermos o que somos e de nos apre-
sentarmos aos nossos semelhantes com urna idefinigáo clara e
honrada e de nos mesmos.

As experiencias pré-matrimoniais nao sao física nem psí


quicamente benéficas (ao contrario do que apregoam certos
especialistas) : tornam-se focos de doengas venéreas e depaupe-
ramento do organismo. Cf. PR 117/1969, pp. 393-405.

Deve-se, porém, notar que hoja em dia sao julgadas com


menos severidade do que outrora certas demonstragóes de ca-
rinho e afeto entre jovens que se preparam para o casamento.
Éste abrandamento é razoável desde que nao equivalha á acei-
tacáo do pecado e da libertinagem.

2.2. E em termos de Evongelho ?

A Moral do Evangelho só tem a corroborar o repudio do


amor livre. O Senhor Jesús mostrou-se exigente no tocante á
pureza do coracáo e á disciplina dos costumes de seus fiéis.
Tenha-se em vista, por exemplo, a passagem.de Mt 5,8.27-30 :

"Bem-aventurados os puros de cora^áo, porque éles verSo a Deus...


Ouvlstes o que foi dito: NSo cometerás adulterio.

— 235 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 137/1971

Eu, porém, vos digo que todo aquéle que olhar para urna mulher, cobl-
cando-a, já cometeu adulterio com ela, em seu coracao.

Se teu ólho direito é causa de cafres em pecado, arranca-o e lanca-o


para longe de ti; é preferlvel perderes um de teus membros a seres lancado
de corpo inteiro na geena.

Se tua máo direlta é o motivo de tuas faltas, corta-a e atira-a para


longe de ti; é preferivel perderes um de teus membros a ires de corpo
Inteiro para a geena".

Para o Eyangelho, a renuncia ao prazer sensível em vista


de bens espirituais e eternos é elemento normal e necessário
num programa de vida crista. Libertacáo dos instintos e següela
de Cristo sao incompatíveis entre si. Nao há dúvida, o Senhor
Jesús sabe que a natureza humana é fraca, debilitada pelo
pecado inicial; todavía o Redentor oferece aos cristáos os meios
de superagáo de si mesmos; nao há preceito nem missáo da
parte de Deus que nao venha acompanhado da graga respectiva.

O Cristianismo aponta mesmo para o ideal da vida una ou


indivisa : a virgindade consagrada a Deus é urna das primeiras
flores da mensagem crista na historia dos homens (cf. 1 Cor 7,
carta escrita no ano de 56 !). Dar-se diretamente a Deus para
se dar em Deus e por Deus a todos os homens, eis um dos dons
mais belos e ricos do Senhor aos seus fiéis.

Bibliografía:

Dentro os numerosos livros que se tém publicado sobre amor e sexo,


llmltamo-nos a recomendar aquí

Vittorio Costa, "Sexo e maturidade. Psicopedagogia da sexualidade".


Petrópolls 1969.

Charbonneau e Me. Cristina Maria, "Amor, sexo e seguranca". Porto


Alegre 1967.

Waldomlro Otávio, "Problemas da juventude". Petrópolis 1968.

Estevao Bettcncourt O. S. B.

Aos nossos amigos e leitores pedimos queiram, sem de


mora, regrar as oontas com PB. O aumento das tarifas postais
tonta éste apelo mais do que compreensível.

— 236 —
RESENHA DE Ll VROS
Trenamento em Dinámica de Grupo no lar, na empresa, na escola, por
Lauro de Oliveira Lima, 2a. edicio, revista e melhorada. — Editora Vozes,
Petrópolis 1970, 185x250 mm, 432 pp.

O autor se revela profundamente versado em técnica de interrelaciona-


mento humano. Tudo que ele propde sobre métodos de tiabalho em grupo,
melos de comunicacáo, roteiros de ativldade, é apto a impressionar o lel-
toi'. pois, cerno técnico e animador, Lauro de Oliveira Lima sabe talar ao
público, fornecendo-lhe rico material para a reallzacáo de cursos e traba-
lhos altamente interessantes ou mesmo cativantes.

Infelizmente, poróm, as correntes filosóficas que o autor instila ou explí


citamente professa, estáo longe de ser aceitáveis do ponto de vista cristSo
ou mesmo do ponto de vista de urna antropología sadia): os seus conceitos
de ser humano, de sociedade e de historia se ¡nspiram ora de maneira
evidente, ora em termos ambiguos ou camuflados, no pensamento de Freud,
de Marx, do exlstenclalismo sartrlano, do evolucionismo relativista... O
homem é considerado como um grande animal segundo as leis da biología
e das torcas mataríais, condicionado por "esquemas hereditarios" (cf. pp.
156-170). O nivelamento comunizante e a extincao da autorldade (= "escra-
vidáo") s3o apregoados abertamente (cf. pp. 194-196). A juventude é con
traposta á gerontocracia (cf. pp. 409-414). Multo característica é a página 191,
em que, tratando do "homem... éste desconhecido", o texto manlfesta toda
a filosofía do autor: "O homem nSo é um animal racional... pode vlr a
tornar-se racional. O homem nao é um animal social... pode vlr a tornar-se
sosial. O homem nSo tende para o amor... pode tornar-se amoroso. O
homem n3o é inteligente... torna-se inteligente... O homem nSo é livre...'
pode tornar-se livre". Tais expressdes sSo ambiguas ou, melhor, camufla-
damento erróneas.

Sem dúvida, deve-se reconhecer que o comportamento está sujeito as


leis da biología material, mas o homem nüo se reduz a um composto bio
químico. Estío incutidos no ser humano certos valores, como aspiraedes
trascendentais, leis de comportamento em demanda de um ideal, urna defi-
nigáo de ser racional (contra a qual o homem nao pode lutar sem se degra
dar). O homem é capaz de superar o seu ambiente, quebrar as leis do seu
meic social, sacrificar valores visíveis e mate riáis em favor de auténticos
bens invisiveis e espirituais, entre os quais estSo os da inteligencia e da fé.

O livro 'Dinámica de Grupo" de L. de Oliveira Lima tem encontrado


ampia dlfusao. É inegávelmente insinuante e bem anresen'ado. NSo é menos
certo, porém, que instila mentalidade materialista e falsa; faz-se, pois,
mister que mestres e educadores tenham consciéncia disto : ao lado das
regras e dos recursos da Dinámica que o autor transmite com grande
pericia, toda urna filosofia é incutida com o poder de impressao da erudicáo
e do aparato técnico do autor.

E.B.
NO PRÓXIMO NÚMERO :

Como rezar num mundo secularizado ?

Homem : corpo e alma?... corpo-alma ?

Nudez na era tecnológica

«Cávalo de Troia na Cidade de Deus»

Tolerancia traidora ?

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Astinatu» anual í Porte comum Cr$ 25'°°


I971 1 porte aéreo Cr$ 30,00
Número avulso de qualquer mes e ano Cr$ 3,00

Número especial de abril de 1968 Cr$ 3,00

Volumes encadernados: 1957 a 1969 (preco unitario) .. CrS 20,00


Índice Geral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00

índice de qualquer ano Cr$ 2>00


Encíclica «Populorum Progressk» '■ Cr$ 1,00

Encíclica «Humanae Vitae» (Regulacáo da Natalidade). CrS 1,00

EDITORA BETTENCOÜRT LTDA.

BEDAQAO ADMINISTRACAO

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