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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.■" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
8L vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
50UTCÍNA

BÍftUa
MOAAC

;-:>^y-ñl»

ANQXIV—N? 164 AQOSTO ;


índice

Pág.

APRESENTANDO... DE ROMA 329

Igreja, alvo de contradigao:

A CRISTO COM IGREJA OU SEM IGREJA?


O "TERCEIRO HOMEM" 331

A mulher ontem e hoje:

EVANGELHO E DIGNIDADE DA MULHER 342

O mundo pergunta:

ISRAEL, QUEM ÉS APÓS A VINDA DE CRISTO? 351

APÉNDICE: QUEM É JUDEU? 365

Comemorando os 25 anos do Estado de Israel:


JERUSALÉM, A CIDADE DA PAZ, E OS NOSSOS DÍAS 369

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

A curiosa experiencia dos «kibbutzim» em Israel. — En


fermo, que sentes ? Como te posso ajudar ? — As Cruza
das medievais : obscurantismo ou heroísmo? — Confissao
sacramental : reportagem-tra¡<;5o na Italia.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual CrS 30>0°


Número avulso de qualqucr mes Cr$ 4,00
Volumcs cncadernados de 1958 e 195H (pre?o unitáriol .... Cr$ 35,00
índice Geral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00
tndice de qualquer ano CrS 3.00

EDITORA LAUDES S. A.
RFnArSO DE PR ADMINISTBACAO
Caixí Po?bü 2 666 Rita Sao Rafael, 38, ZC-dfl
ZC00 20000 Rio de Janeiro (OBI
20000 Rio de JanPir,, ÍGB^ Tds.: 268-9081 e 208-27915
APRESENTANDO... DE ROMA
Os artlgos do presente número de PR foram escritos em Jerusalém
e estáo sendo apresentados em Roma, é também o que justifica que ver-
sem, em grande parte, sobre questSes relacionadas com a Térra Santa. É
também o que justifica que neste Editorial apresentemos algumas das nu
merosas ponderales que a visita a Roma nos tem sugerido.

Aos 29 de junho pp., o S. Padre Paulo VI celebrou dez anos de no-


tável pontificado.

A figura de Paulo VI nao pertence apenas ao foro eclesiástico, mas


Integra o conjunto dos grandes homens que no presente momento da his
toria enchem o cenarlo Internacional. Com efeito, o Papa de nossos dias
se aprésenla no concertó das na?6es como o mensagelro da paz e da
fraternidade entre os homens: é também a expressáo do devotamento ab
negado a sua missSo e da coeréncia entre principios e conclusoes...

A projecáo de Paulo VI no foro internacional pode-se depreender de


alguns dados estatísticos:

De 1963 a 1973, S. Santidade recebeu 43 visitas de Chefes de Esta


do (entre os quais, o Presidente Richard Nixon, dos EE.UU. da América,
o Imperador Halló Salassíé, da Etiopia, o Presidente Joslp Broz Tito, da
tugoslávia, o General Suharto, Presidente da Indonesia...).

S. Santidade realizou nove vlagens para fora da Italia, inclusive a vi


sita a Nova lorque, onde se diriglu á Assembléia Ge ral da OrganlzacSo
das Nacdes Unidas em 1965. Estas viagens perfizeram um total de 133.330
Km por via aérea; obedeceram a cansativo protocolo, ao qual Paulo VI se
quis submeter em espirito de apostólo, peregrino e mlsslonárlo, procurando
sempre encontrar os homens e abrir vía para diálogo cada vez mals fe
cundo dos fiéis católicos entre si e com todos os homens de boa vontade.

Com diversas nacdes da Europa, da América, da África e da Ocea-


nia, a Santa Sé, sob Paulo VI, assinou 22 acordos concernentes ás rela-
cfies entre a Igreja e governos clvls.

No foro eclesiástico propiamente dito, Paulo VI tem-se dedicado co


rajosamente ao ecumenismo, promovendo a aproximado dos católicos
com os demais cristáos: em Jerusalém, Istambul. Genebra, Roma, Paulo VI
leve encontros inéditos e alvlssareiros, ora com o Patriarca Atenágoras,
ora com dirigentes do Conselho Mundial das Igrejas (Organlzac9o orotes-
tante-ortodoxa), ora com o Dr. Ramsey, arceblspo angllcano de Cantuá-
ria, ora com o Patriarca Shenouda III de Alexandrla (crlstáo copta)...

Sao olto as grandes encíclicas de Paulo VI, das quais teve eco espe
cial a ene. "Populorum Progressio" (sobre o desenvolvimento dos
povos).

Em plano mais acer.slvel, S. Santidade mantém com os visitantes di'


audiencias de cada quarta-felra urna comunlcacSo oral e um contato pesso-
af, dos quais dio testemunho as 1.090 alocucoes proferidas de 1963 a 1972:
nestes discursos, de estilo concreto e penetrante, S. Santidade passa em

— 329 —
revista as grandes questdes do momento, procurando esclarecer dúvidas
e disslpar erros que contamlnem a luz da fé e a pureza do amor cristáo.

Poderiamos continuar tongamente a explanar os grandes feltos e fru


tos do pontificado de Paulo VI: reforma da Curia Romana, simpllficacáo
do cerlmonial pontificio, promulgado de normas concretas que visam por
em. prática as normas delxadas em iinhas gerais pelo Concillo do Vatica
no II, criagao de novas arquldioceses e dioceses de acordó com a evolu-
cáo demográfica e política do mundo contemporáneo... Mas nSo é a enu-
meracao desses muitos outros feltos que mals Importa no momento. Outro
aspecto da temática se impóe á nossa conslderagáo: urna figura de atua-
c§o tSo marcante e universal n§o pode deixar de ser o alvo do grande
público. Sim, há os que aplaudem e reverenciam sinceramente a atuagáo
de Paulo VI, como há também os que fazem restricdes, enquanto outros
(mesmo dentro da Igreja) empreendem a contestagáo e a critica aberta.

Pergunta-se, pots: o veredicto do futuro sancionará os gestos de


Paulo VI e conferirá a este Papa um lugar entre os grandes Pontífices da
historia? Ou será Paulo VI excluido da serie dos Papas mais notáveis?

— Somente Deus julga adequadamente os homens. Todavia nao é


Ilícito tentar algumas ponderacdes sobre tais questSes. Recordemos, antes
do mals, que criticar é geralmente fácil; corresponde a urna tendencia es
pontánea de todo homem, que Instintivamente é propenso a tudo medir
com suas medidas e seus criterios; por isto também é que as criticas (in
clusive as que se dirigem a Paulo VI) sSo, multas vezes, contraditórias e se
anulam mutuamente. Nao raro aqueles que sentenclam, estfio bem longe de
conhecer toda a amplidao da questáo qu« eles focalizam; podem entao
julgar levianamenle, se nao injustamente. Por certo, Paulo VI conhece
como nenhum dos seus julzes a situagáo geral da Igreja de hoje, com as
6utilezas que escapam a um observador particular.

Diante da panorámica dos dez anos de pontificado de Paulo VI, o


que n9o se pode negar é que Paulo VI tem procurado acertar, aplicando
os recursos humanos que Ihe estao á disposigáo: tem procurado, slm, in-
formar-se, tem-se mostrado conhecedor das situacóes, das Idéias, das mu-
dancas contemporáneas. Mais aínda: o Papa também tem procurado acer
tar, aplicando os recursos sobrenaturais que a fé sugere: é homem de
oracSo, de sacrificio e de renuncia humilde... Ora tais predicados sSo
suficientes para suscitar confianga da parte de um sincero fiel católico...
Nao confianga cega e simplona, mas a confianga que um discípulo de Cristo
esclarecido e maduro pode nutrir em si. Pois, em última análise, a S. Igreja
nao se rege apenas por ciencia e conhecimentos Intelectuais, mas pela
acSo do Espirito Santo, que se exerce onde há amor e comunháo frater
na... Amor e comunháo fraterna, que Paulo VI tem cultivado, associan-
do-os á ciencia e á fé... Amor e comunháo fraterna aos quais a "gnose"
(conheclmento Intelectual) de cada cristáo deve servir sempre e jamáis pre-
judicar. ,

Por conseguinte, o décimo aniversario do pontificado de Paulo VI,


PR se assocla ao Sumo Pontífice em homenagem filial e reverente, implo
rando sobre o sucessor de Pedro, a Igreja e o mundo as melhores luzes
e gragas do Senhorl

Roma, aos 3 de julho de 1973

EstAvao Battencourt O.S.B.

— 330 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIV — N« 164 — Agosto de 1973

Igreja, alvo de contradicao :

a cristo com igreja ou sem igreja?


o "terceiro homem"
Em síntese: Um ampio leque de atitudes dos católicos frente á
Igreja em nossos días leva a refletir sobre a nocSo de Igreja... O Concillo
do Vaticano II apresentou-a como "Sacramento", fazendo, alias, eco á
antlgüidade. Que significa propiamente este designatlvo?

Sacramento é urna realidade senslvel que simboliza e comunica un


dom transcendental, divino. Tal é a Eucaristía (pao e vlnho que significan»
e comunlcam o coipo e o sangue de Cristo felto alimento da vida eterna).
Em conseqüéncla, quando se fala da Igreja como Sacramento, dlz-se que
ela tem, sem dúvlda, urna face senslvel, humana, sujelta ao pecado, mas
que o pecado nao é a sua realidade última e definitiva. A santidade do
Cristo, presente e atuante na Igreja, é essa última Instancia' da Igreja; o
pecado é, antes, urna traicSo ou perversSo dessa santidade de Cristo
presente na Igreja.

O amor que os católicos dedicam á Igreja, n§o está baseado na fide-


Ildade dos membros da Igreja a Cristo, mas na fidelldade de Cristo á sua
Igreja. Esta fidelidade é Indefectlvel: Cristo está com o seu povo sempre,
mesmo quando esta ou aqueta porc.So do seu povo Ihe contradiga ou de
um contra-testemunho.

Em última análise, nao se pode compreender plenamente a Igreja se


nao se compreende toda a extensao e profundldade do misterio de Cristo.
Doutra parte, nao se compreenderá plenamente o Cristo se nao se levar
em conta que Ele quis dar sua Igreja ao mundo para Se dar por Ela, de
maneira certelra e Indefectlvel, para a santHicagao do mundo.

Comentario: Nunca se estudou e enalteceu tanto a S.


Igreja como após o Concilio do Vaticano II, mas também nunca
foi Ela táo contraditada quanto hoje. Mesmo aqueles que co-
nhecem bem as verdades expostas pelo Concilio, se voltam
contra a realidade da Igreja em nome das mais diversas razóes.
Alguns alegam que, para ser fiéis a Cristo, a devem abandonar;

— 331 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

parece-lhes que assim encontraráo Jesús Cristo de maneira


mais livre e pura. Outros nao chegam a separar-se visivelmente
da Igreja; todavía, nela permanecendo físicamente, entregam-se
a criticas derivadas deste ou daquele capítulo de historia, de
direito, de teología; impugnam o juridismo, o triunfalismo.o
clericalismo,... julgando que com tais críticas contribuiráo
para renovar a Igreja, mas, na verdade, concorrem mais para
dilacerá-la e tornar anémica a fé de seus membros. Ao lado
destas atitudes, distingue-se a do «terceiro homem»,... tercei-
ro, porque nem conservador nem progressista, mas indiferente
as sortes da Igreja (embora nao apostate visivelmente dessaS.
Igreja).

Nao há dúvida, urna ampia gama de atitudes (também


positivas e construtivas) frente á Igreja pode hoje em día ser
descortinada... A fim de abrir pistas através deste vasto qua-
dro, procuraremos abaixo lembrar alguns principios que a
auténtica fé crista sugere como pontos de referencia decisivos.

1. Igreja-Socromento

1. O Concilio do Vaticano II, tentando insinuar o que é


a Igreja, usou duas expressóes especialmente dignas de notas:
povo de Deus e SacramentoJ.

A primeira tem significado obvio: a Igreja continua a histo


ria do povo .de Abraáo; caminha como peregrina pelas estradas
deste mundo, inserida ñas vicissitudes da historia dos homens,
em demanda do seu estado definitivo, que será a comunháo ple
na com a vida de Cristo ressuscitad'o.

A outra expressáo — «Sacramento» —, embora antiga na


historia do Cristianismo,2 tem significado menos claro para
muitos dos cristáos de hoje. Lembra geralmente os sete ritos
que a partir do batismo, sao cañáis da grac.a para os fiéis.
Deve-se notar, porém, que esses sete ritos sacramentáis só co-

'Povo de Deus; cf. Const. "Lumen Gentium" n? 9-17.


Sacramento; cf. Const. "Lumen Gentium" n? 9 e 48; Const. "Gaudium
et Spes" n<? 42 e 45.

aJá no séc. III S. Cipriano de Cartago escrevla:


"A Igreja é o Inquebrantável sacramento da unidade" (carta 55,21.
PL 3. 787).

— 332 —
A CRISTO, COM IGREJA OU SEM IGREJA? 5

municam a graca porque sao expressóes e fungóes de um sa


cramento maior que é a Igreja.

2. Perguntamo-nos, pois: que significa Sacramento no


vocabulario teológico assim concebido?

Sacramento diz algo de visivel, sensível (por conseguinte,


material e precario) que simboliza — e também torna presen
te — urna realidade invisível, transcendental, divina. Isto se
percebe muito bem quando se assiste a um batizado: a agua e
as palavras da fórmula aplicada sao bem perceptíveisj o seu
efeito, porém, nao é apenas umedecer a cabega da crianga, mas
também tornar presente e comunicar-lhe a vida divina ou a
filiagáo divina. Mais: quem vé o pao eucarístico consagrado,
vé, sim, urna fatia de trigo, cuja realidade, porém, nao se es-
gota no «ser trigo», pois tal pedago .de pao é o viático da vida
eterna ou o próprio Cristo feito alimento dos seus fiéis.

Procuremos agora servir-nos de tais nogóes para elucidar


o que seja a Igreja.

Esta se compóe de homens ou de criaturas visíveis, que,


entre outras notas características, apresentam a fragilidade ou
a possibilidade de pecar. Em conseqüéncia, registra-se o fato
do pecado na Igreja. Os críticos tém-se detido — talvez des
medidamente em apontar fainas e vicissitudes existentes na
Igreja. Tais deficiencias, o próprio Concilio do Vaticano II as
reconhece quando diz:

"Se bem que a Igreja, por acao do Espirito Santo, seja sempre a
esposa fiel do seu Senhor e jamáis tenha deixado de ser no mundo o sinal
da salvacáo, Ela sabe muito bem que, no decorrer da sua longa historia,
entre os seus membros — clérigos e lelgos — nao faltaram os que se
tenham mostrado infiéls ao Espirito de Deus. Em nossos días também a
Igreja nao ignora a distancia que vai da mensagem por Ela revelada á
fraqueza humana daqueles a quem o Evangelho fol confiado" (Const. "Gau-
dlum et Spes" n? 43, 6).

Note-se, porém, algo de muito importante: o pecado assim


reconhecido nao é a realidade primeira ou mais profunda da
Igreja. Embora seja um fato e, em certos casos, um fato des
concertante, o pecado nao define a esséncia da Igreja ;• ele é,
antes, urna perversáo dessa esséncia, perversáo que é própria
da criatura humana, e nao da Igreja como tal. Imposto á face
da Igreja, ele deverá, cedo ou tarde, ser apagado da mesma;
libertando-se do pecado, a Igreja perderá algo que nao Lhe é

— 333 —
6 -iPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

específico. Diga-se: Ela nao é, para o pecado, a térra de escol,


mas, sim, um dominio injustamente conquistado.

A santidade, ao contrario, faz parte integrante da originali-


dade nativa da Igreja. Será sempre em fungáo da santidade
que se deverá procurar compreender a Igreja, caso se queira
atingir a sua esséncia ou o seu ámago. Na verdade, nenhuma
sociedade realiza esse paradoxo da Igreja: o de ser urna comu-
nidade que a miseria humana afeta e desfigura, mas nao pode
definir.

3. E como se explica essa apregoada santidade da Igreja?

— Ela se deriva do fato de que, conforme a fé, nao sao


apenas homens que nela vivem, mas também o Cristo Jesús.
Este assim prolonga a sua Encarnagáo, de tal modo que S.
Paulo chama a Igreja simplesmente o corpo de Cristo (cf. Col
1,24; 1 Cor 12,27). Em conseqüéncia, a santidade da Igreja
nao é senáo a santidade do próprio Cristo; é a santidade de um
Amor mais forte do que a morte e mais poderoso do que qual
quer forma de traigáo ou infidelidade humana. É por isto que
o pecado, na Igreja, nao pode ser colocado no mesmo plano
que a santidade; ele nao faz número com esta. O pecado vem
dos homens e jamáis poderá prevalecer contra o Cristo, de sor-
te a bani-Lo de sua mansáo na Igreja. A santidade sobreviverá
ao pecado; já agora ela tende a dominá-lo e, por fim, ela o
esmagará. Visto que os homens, pecadores como sao (mas pe
cadores que devem deixar de ser pecadores), fazem parte da
Igreja, o pecado estará sempre na Igreja; mas estará nela como
algo que a machuca, nunca como algo que a constitua.

O Concilio do Vaticano II exprimiu sucintamente tal situa-


gáo ao dizer que «a Igreja é santa, mas sempre necessitada de
purificácáo» (cf. Const. «Lumen Gentium» n« 8) . Santa, eis
o ponto de partida de qualquer auténtica concepgáo da Igreja:
Esta só existe em virtude da ressurreicáo de Cristo, ressurrei-
cáo pela qual Cristo venceu o pecado e a morte e pela qual
Ele vence na Igreja a miseria humana. Todavia essa santi
dade nao é um depósito inerte, mas é urna vocacáo e um pro
grama para todos os membros da Igreja; ela exige urna cons
tante vigilancia e urna incessante renovacáo espiritual de todos
os cristáos. Tenham-se em vista as seguintes passagens do
Concilio do Vaticano II:

"A renovagao do mundo foi ¡rrevogavelmente adquirida, e, de certo


modo, é antecipada desde o momento presente. Com efeito, já na térra a

— 334 —
A CRISTO, COM IGREJA OU SEM IGREJA? 7

Igreja está revestida de santldade autentica, embora aínda Incompleta.


Todavía até o momento em que se fizerem céus novos e térra nova, onde
a |ustica há de habitar (cf. 2 Pe 3,13), a Igreja peregrina traz, em seus
sacramentos e instltuicfies, que pertencem a este mundo, a Imagem do
século que passa. Ela vive entre as criaturas que gemem e ainda padecem
dores de parto, na expectativa da manlfestacSo dos fllhos de Deus" (Const.
"Lumen Gentium" n? 48).

"Embora a Igreja Católica tenha sido enriquecida por toda a verdade


revelada por Deus, assim como por todos os meios comunicadores da
graga, seus membros n8o vivem destes dons com todo o fervor que Ihes
conviria. Dal resulta que a face da lgre|a resplandece menos aos olhos
dos nossos Irmáos separados e do mundo Intelro, e o cresclmento do Reino
de Deus é entrevado, é por isto que todos os fiéis católicos devem tender
á perfeicSo crista; cada um deve, no seu setor, esforcar-se para que a
Igreia, trazando em seu corpo a humlldade e a mortificacSo de Jesús, se
purifique e se renové de dia em dia, até que Cristo a aprésente a SI mesmo
gloriosa, sem mancha nem ruga" (Decreto "Unitatis Redintegratlo" n<? 4).

Assim o conceito de «Igreja-Sacramento» explica as no


yóes de santidade e santificacáo que devem marcar o povo de
Deus. Quem reconhece a Igreia como sacramento, reconhece,
sem dúvida, a fragilidade da face humana da Igreja, mas nao
cede á tentacáo de menosprezá-la ou abandoná-la; ao contrario,
frente as deficiencias ('ealmente averiguadas) nutre firme
confianza na Vitoria de Cristo, que será um dia. de manelra
consumada, a vitñria de todos os membros de Cristo incorpora
dos & Igreja. Tal cristáo fiel sabe que as miserias humanas
encontradas na historia da Igreja nao sao senáo o avesso da
grandeza e da gloria de Cristo aue, no fim dos tempos, trans-
parecerá plenamente através dos véus das criaturas (ou dos
seus membros ressuscitados).

O conceHo de «Igreia-Sacramento» pode ser ilustrado ulte


riormente pelo de «Eucaristía-Sacramento». É este paralelo
que passamos a desenvolver.

2. O Sacramento da Eucaristía

1. Em sua última ceia, Jesús apresentou aos discípulos


algo de um tanto paradoxal. Tomando o pao e o vinho, decla-
rou: «Isto é meu corpo!... Isto é meu sangue!»

Quem leva a serio estas palavras, conclui, com a mais


antiga tradicáo crista, que aqui'o aue se percebe do pao e do
vinho consagrados, nao é a realidade última e mais profunda
destes elementos; eles sao aquilo que Cristo disse. O que pare-
cem ser, já nao é o criterio decisivo para se julgar o que de

— 335 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

fato sao; a realidade definitiva destes elementos é a que Cristo


mesmo indicou na sua última ceia.

Por conseguinte, diante dos elementos sobre os quais Cristo


pronunciou (e continua a pronunciar em cada S. Missa) as
palavras da última ceia, já nao posso dizer que sao apenas pao
e vinho. Se quero ser coerente, devo confessar que sao, ao
mesmo tempo, eles mesmos e mais do que eles mesmos... Eles
mesmos, porque a sua realidade visível nao foi aniquilada...
Mais do que eles mesmos, porque reconhego pela fé que, em
virtude da palavra de Cristo, o pao se torna corpo e o vinho
se torna sangue do Senhor. Diz Sao Paulo aos corintios: «Falo-
-vos a vos como a pessoas sensatas: o cálice de béngáo que nos
abencoamos, nao ó a comunháo do sangue de Cristo? E o pao
que partimos, nao é a comunháo do corpo de Cristo?» (1 Cor
10,15s).

2. Voltemos agora nosso olhar para a Igreja. Nesta dá-


-se algo de análogo. Á primeira vista, percebo na Igreja homens
e mulheres que constituem um agrupamento humano institu
cionalizado; dir-se-ia um produto dos homens e da historia.
Neste particular, Ela é comparável ao pao e ao vinho da Eu
caristía, que supóem campos e vinhas: assim a Igreja supóe
as marcas da historia, tanto as que embelezam como as que
nossas casas; Ela nao é de um outro mundo, mas traz todas
as marcas da historia, tanto as que embelezam como as que
desfiguram. Mas, assim como o pao e o vinho da ceia nao po-
dem ser reconhecidos, em última análise, senáo á luz de urna
Palavra que, de maneira invisivel, mas real, os transfigura,
assim também o agrupamento humano que chamamos Igreja
nao pode ser plenamente reconhecido senáo á luz de urna Pa
lavra sem a qual ele seria indecifrável. Sem dúvida, pode-se
fazer «a análise química» da Igreja e reduzi-fla a componentes
sociais, culturáis, políticos, que os estudos sociológicos de hoje
costumam descobrir em quaiquer corporagáo humana. O cris-
táo convicto, porém, recusa-se a aceitar exclusivamente essa
análise química, como ele se recusa a aceitar táo sonriente a
análise química do pao e do vinho eucarísticos. Assim como
ele adora o Cristo na Eucaristía (em que os olhos apenas véem
pao e vinho), assim também ele ama a Igreja apesar de todas
as razóes que se poderiam aduzir para a menosprezar ou
rejeitar.

3. Humana, sim, a Igreja o é, como humanos sao o pao


e o vinho da Eucaristía. Diga-se mesmo: felizmente a Igreja

— 336 —
A CRISTO, COM IGREJA OU SEM IGREJA? 9

é humana!' Pois que seria urna Igreja que nada tivesse a ver
com a historia dos homens? Mas essa comunháo com as sortes
dos homens nao esgota o sentido da Igreja, assim como ela
nao esgotava o misterio de Cristo, assim como também a vin-
culacáo dos elementos eucaristicos aos trigais e ás videiras dos
homens nao restringe o valor dos mesmos ao humano. Como
o próprio Cristo e como a Eucaristía, a Igreja nao é apenas
humana. Nela toma corpo urna Presenca ou, como sugere o
final do Evangelho segundo S. Mateus, um Estar-com, que a
Igreja diz ser o seu principio definitivo e a fonte inextinguível
da sua vida. Com efeito, assim falou Jesús ao encerrar a sua
missáo visivel na térra: «Todo poder me foi dado no céu e na
térra. Ide, pois, ensinai a todas as nagóes... batizando-as em
nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo. E eis que estou
convosco todos os dias até a consumacáo dos tempos» (Mt
28,18-20).

O estar com ocorrente nesta frase de Cristo merece mais


detida atenfáo. Assim falando, o Senhor fazia eco a urna ex-
pressáo já proferida quando Deus se manifestou a Moisés no
monte Sinai: «Eu estarei contigo» (Éx 3,12). Deus se revelou
assim como Aquele que é, mas nao é meramente separado: Ele
quis ser ou estar com os homens, e para os homens. O Inefável
se exprime num comportamento: Ele está com Moisés e, me
diante Moisés, com o seu povo. Assim o ser de Deus, que nao
conhece passado, presente ou futuro, entra de maneira singular
no tempo e na historia dos homens; é o amor — e somente
o amor — que o move a tanto:

"Se o Senhor vos preferlu e vos distinguió, nao fol por serdes mais
numerosos do que os outros povos, pois sois o mais pequeño de todos;
fol porque o Senhor vos ama, porque é fiel ao juramento que fez aos vossos
antepassados" (Dt 7,7s).

No Sinai, portante, Deus se compromete e se define por


esse compromisso mesmo. Ele será o Deus da alianga, o Deus
que nunca voltará atrás, ainda que o povo a quem Ele se dá,
viole a alianza e caia na infidelidade. Dentro das vicissitudes
da historia do homem, após o Sinai, haverá mais do que o
homem; haverá Aquele que ó e que estará sempre com o ho
mem, mesmo que o homem se coloque contra o Senhor. A
linguagem de Deus ao homem será sempre urna linguagem de
amor e fidelidade, como se lé no livro do profeta Jeremias:
"Esta será a alianca que farel com a casa de Israel...: Imprimlrel
a minha Leí, gravá-la-el no seu coracfio. Serei o seu Deus e Israel será
o meu povo. Nlnguém ensinará mais o seu próximo ou irmüo, dizendo:

— 337 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

'Aprende a conhecer o Senhor', porque todos Me conhecerao, graneles e


pequeños, — oráculo do Senhor, pois a todos perdoarei as suas taitas, e
nao me lembrarel mais dos seus pecados.

Assim fala o Senhor, que manda o sol para iluminar o dia, e a lúa
e as estrelas para Iluminar a noite, que agita as ondas encapeladas do
mar e cujo nome é Senhor dos exércitos: 'Se algum dia deixarem de sub
sistir estas leis diante de Mim,... entáo poderá também a linhagem de
Israel deixar de existir para sempre como nacSo diante dos meus olhos1"
(Jer 31, 33-36).

Estas palavras do Senhor constituem como que urna ré


plica á instabilidade do comportamento humano, sempre sujeito
á desconfianga e á traigáo (os profetas diziam:... ao adulterio
e á prostituicáo).

Ora Cristo veio justamente levar á consumacáo as pro-


messas de Deus e a antiga Alianca do Senhor com os homens.
E.e veio vencer o poder da morte que até entáo nao tora su
perado definitivamente: «Estive morto, e eis que vivo pelos
séculos dos séculos, detendo as chaves da morte e da regiáo
dos mortos» (Apc 1,18). Vencedor da morte e do pecado, Cris
to fundou a comunidade dos que devem vencer a morte e o
pecado — comunidade que é a Igreja; a esta Ele confiou urna
missao e prometeu um apoio, que sao inseparáveis um do outro.
A Igreja foi estabelecida sobre a Rocha por Deus mesmo (cf.
Mt 16,18). Nada poderá separá-la do «amor de Deus, mani
festado no Cristo Jesús Nosso Senhor» (Rom 8,39). O Cristo
Jesús Ressuscitado está e estará com Ela todos os días até o
fim dos tempos, a fim de, por Ela, comunicar a sua vida ao
mundo inteiro.

4. Por conseguinte, quem queira realmente entender a


Igreja nao pode ater-se únicamente a dimensóes humanas
(sociológicas, psicológicas, culturáis), mas deve também exer-
cer a fé e pensar na S. Eucaristía: também esta nao pode ser
compreendida únicamente através da química do carbono. To-
davia, assim como o Cristo Ressuscitado nao arranca a Euca
ristía as realidades deste mundo, assim também Ele nao quer
eximir a sua Igreja do peso e da opacidade da historia dos
homens. Sem ser urna instituto sujeita apenas aos altos e
baixos do homem, a Igreja nao está subtraída a estes. Quem
encontra um metal precioso em seu minério, encontra-o re-
coberto de sua ganga; sabe que algo de muito valioso esta
dentro desta, mas tem que superar as aparéncias e penetrar...
para descobrir e usufruir. A consciéncia desta verdade sera
útil a muitas pessoas (cristas e nao cristas) na hora atual.

— 338 —
A CRISTO, COM IGREJA OU SEM IGREJA? 11

3. Reflexóes fináis

1. Muitos se preocupam hoje com a face externa da


Igreja ou com os sinais que Ela deve dar de sua autenticidade,
santidade, pureza, etc. Esses observadores tém razáo, mas
correm o risco da unilateralidade, chegando mesmo por vezes
a se contradizer mutuamente: há os que desejariam urna Igreja
mais envolvida na agáo temporal e há os seus opositores; há
os que desejariam um clero casado e há os seus opositores...
E cada urna das duas partes censura a Igreja por nao se adap
tar ao seu figurino.

Na verdade, é preciso reconhecer que a Igreja tem que


procurar ser eloqüente e «sinalizante» para os homens: é esta
a sua missáo. Mas nao se deve esquecer que na Igreja há algo
de mais profundo do que aquilo que Ela deve fazer; há, sim,
a quilo que Ela é. No fundamento e ñas raízes da missáo da
Igreja, existe o misterio da Igreja.J Alias, também ao conside
rar um ser humano, fazemos distineáo entre a agáo e os tra-
balhos desse homem e o seu íntimo, ou seja, a sua personali-
dade, o seu ser. Nenhum dos dois aspectos contradiz ao outro,
mas é preciso nao esquecer nem um nem outro. Silenciar a
missáo da Igreja seria desfigurar a Igreja, pois o Amor de
Deus se deu a Ela para que Ela o comunique ao mundo. Doutro
lado, porém, encarar a missáo da Igreja sem colocar em seu
ámago o Cristo vivo e ressuscitado é reduzir a Igreja a um
grupo, um partido, sem se levar em conta que a missáo da
Igreja supóe sempre o misterio da mesma.

2. Nos nossos dias, verifica-se fenómeno interessante:


muitos cristáos (católicos, inclusive clérigos) tendem a olhar a
Igreja com os olhos de quem nao eré: talvez por motivos apo
logéticos, ou seja, para poder dialogar com os nao cristáos.
Em tempos passados, verificava-se o contrario: a opiniáo dos
náo-cristáos a respeito da Igreja quase nao era levada em conta
pelos fiéis católicos; nos dias atuais corre-se o risco do contra
rio. Na verdade, porém, os assuntos da fé e, particularmente,
a Igreja nao deveriam ser para um cristáo o que parecem ser
a alguém que nao tenha fé. A conseqüéncia dessa atitude nova
de muitos fiéis católicos é que nao se detém em olhar para a

1A palavra "misterio", aqui, nada significa de esotérico ; ela Insinúa


algo de táo grande e tSo próximo de Deus que a razáo humana já nfio
consegue abarcá-lo.

— 339 —
12^PERCflJNTE e RESPONDEREMOS* ] 0V1973

Igreja á semelhanga dos que nao tém fé; esse olhar lhes inspira
(inconscientemente talvez) um comportamento sem amor á
Igreja e, paulatinamente, urna atitude de contestagáo, processo
e... condenacáo dessa mesma S. Igreja. Muitos entáo passam
a perguntar-se o que ainda fazem numa Igreja que tantos já
abandonaram e que eles mesmos recusam. Acabam por deixá-
-la completamente, ou, se nela ficam, ficam indiferentes, cons-
tituindo o chamado «terceiro homem» (isto é, como dissemos,
o homem que nao se empenha nem no conservadorismo nem
no progressismo, mas se desinteressa pelo presente e o futuro
da Igreja).

Tal fenómeno nos leva a pensar. A necessidade do diálogo


e da «empatia» do dialogante católico com o nao católico de-
veria realmente levar a tais conseqüéncias? Haverá sólidos mo
tivos para que o fiel católico veja os assuntos da fé e a própria
Igreja como se a incredulidade fosse o supremo criterio da fé?
«Morrer assim a si mesmo» e as certezas que a fé comunica,
seria isto o Evangeho em nossos tempos? Ademáis, que tipo
de diálogo é esse, em que o interlocutor nao católico de inicio
reduz o católico (inseguro e conivente) as suas categorías de
nao católico? O diálogo implica, sim, empatia, ou seja, que
cada um dos dialogantes procure colocar-se do lado do inter
locutor a fim de o compreender, mas nao significa, em hipótese
alguma, que de antemáo qualquer dos dois dialogantes renuncie
aos seus pontos de referencia ou aos seus criterios de pensa-
mento. Que estranha renuncia (ou éxodo, como dizem alguns)
é essa, em que o amor á Igreja de Deus é, de maneira paula
tina, mas certeira, aniquilado no coragáo ou na vida do cristáo?

Em verdade, na raiz de tais atitudes criticas ou indiferen


tes á Igreja, pode-se crer que existe (muitas vezes, camuflada e
inconsciente) urna boa dose de leviandade ou superficiaidade,
quando nao presuncáo ou falta de fé. Para quem seja vitima
de tal veneno, os mestres sugerem sabiamente um pouco de
simplicidad© evangélica frente ao paradoxo da Igreja, um pouco
monos de complacencia em esquadrinhar os defeitos da mes
ma, ou ainda... um pouco menos de omissáo no que concerne
o fundamental da vida crista... Quem esteja assim disposto,
poderá preocupar-se com os sinais da missao da Igreja sem
trair a realidade do misterio dessa mesma Igreja.

3. Diga-se ainda: o que define a Igreja e justifica o amor


com que os fiéis católicos a amam, nao é a fidelidade ora mais,
ora menos aparente que Ela guarda a Cristo (e que um obser-

— 340 —
A CRISTO, COM IGREJA OU SEM IGREJA? 13

vador difícilmente pode julgar em toda a sua panorámica),


mas, sim, a fidelidade absoluta que o Senhor guarda a sua
Igreja. Recoberta de escorias, por vezes desfigurada, contestá-
vel e (mais freqüentemente ainda) contestada, a Igreja só
subsiste no mundo em virtude de um carisma continuo que é
devido á agáo de Cristo e do Espirito Santo. Ninguém pode
amar realmente a Igreja a nao ser que reconheca que Ela se
conserva neste mundo nao por suas próprias forgas, nem pela
excelencia de seus membros, mas, sim, pela presenta dinámica
de Cristo, que ama a sua Igreja e déla faz o sacramento do
Senhor — sacramento sempre sujeito a ser purificado, mas
jamáis fadado a perecer.

Assim entendida, a Igreja nunca será separável de Cristo.


Nao porque a Igreja e Cristo nao sejam duas realidades dis
tintas (a esposa nunca é plenamente idéntica ao seu esposo).
Mas a Igreja é o «fato Jesús Cristo» em nossos dias, de tal
modo que ninguém conhece bem a Igreja a nao ser que entre-
veja nela o único Senhor que justifica a estima e o amor á
Igreja. Reciprocamente, alias, ninguém conhece plenamente o
Cristo a nao ser que O descubra como Aquele que é capaz de
dar a Igreja ao mundo e, ao mesmo tempo, de a guardar in
cólume para a santificagáo do mundo. Enganar-se-ia quem
quisesse separar Cristo e a Igreja, a título de melhor com-
preender a um ou outro.

Como Cristo é Deus e Homem, como a Eucaristía (que


parece ser apenas pao e vinho) é na verdade o Corpo de Cristo,
assim também a Igreja, que parece tragada pelas vicissitudes
da historia, nunca é abandonada pelo Cristo ressuscitado, nem
se reduz á sua própria miseria (que é, alias, a miseria de seus
membros sujeitos á fraqueza e á incoeréncia). Mesmo que tudo
levasse a dizer que a Igreja nao é mais do que o eco de um
mundo já ultrapassado, dever-se-ia procurar ouvir de novo,
na fé, o eco da Palavra de Cristo, que prometeu á Igreja a
sua assisténcia indefectível todos os dias até a consumacáo
dos tempos.

Este artigo se inspira ñas páginas de G. Martelet: "De la sacramén


tame propre á 1'Egllse ou d'un sens de l'Eglise inseparable du sens du
Christ", em "Nouvelle Revue Théologlque" 105 (1973), pp. 25-42.

— 341 —
A mulher ontem e hoje :

evangelho e dignidade da mulher

Em sinlese: O artigo abaixo, intencionando por em evidencia urna


das mais significativas facetas do Evangelho, comeca por enumerar alguns
tópicos que manifestam a posicáo de inferioridade que a mulher ocupava
entre os antigos: submetida á autoridade, quase absoluta, do pai ou do
marido, excluida da vida pública e das relacóes sociais, destinada geral-
mente aos trabalhos domésticos, a mulher padecía severa humilhacáo. No
Evangelho, porém, descobrem-se os traeos de nova conceituagao da mulher,
que Cristo chama a colaborar na expansáo do Reino de Deus, colocando
mesmo as meretrizes sinceramente arre pendidas á frente dos fariseus hipó
critamente justos.

Comentario: Fala-se milito hoje de emancipacáo da mulher,


as vezes de maneira apaixonada e nem sempre construtiva.
Ora é certo que a Boa-Nova de Cristo tem muito a dizer sobre
o assunto. Eis por que vamos agora examinar qual a situacáo
social da mulher no mundo oriental, especialmente nos costu-
mes dos judeus anteriores e contemporáneos a Cristo, a fim
de melhor perceber a contribuicáo que as páginas do Novo Tes
tamento trouxeram para o enaltecimento da figura da mulher.

1. A mulher antes de Cristo no Oriente

1. Comegaremos por notar que a mulher, no Oriente em


geral, nao tomava parte na vida pública.

Quando a mulher judia em Jerusalém saía de casa, tinha


o rosto recoberto, de modo a nao se lhe reconhecerem os tra
eos. Aquela que saísse com a face descoberta, ofendia os bons
costumes, de tal sorte que o marido tinha o direito (e até a
obrigagáo) de a despedir sem lhe dar a quantia de dinheiro
(ou especie de indenizacáo) estipulada para o caso de divorcio.
As mais rigorosas nao descobriam o rosto nem mesmo em casa.
Apenas no día das nupcias a nubente, caso fosse virgem (nao
viúva), se apresentava de cabeca descoberta.

— 342 —
EVANGELHO E DIGNIDADE DA MULHER 15

2. Conseqüentemente, a mulher nao era levada em conta


ñas rela$5es sociais da época.

O mestre José ben Johanan de Jerusalém, em 150 a.C.


aproximadamente, dizia: «Nao te entretenhas muito com uma
mulher»; ao que acrescentavam os pósteros: «Isto se aplica á
tua mulher; muito mais ainda á mulher do próximo» (P. Abh.
15). Um homem nao se devia encontrar a sos com uma mulher
nem lhe dirigir saudagáo; seria vergonha para um homem eru
dito falar com uma mulher na rúa. A mulher que habitual-
mente conversasse na rúa, era sujeita ao divorcio, sem com-
pensacáo financeira; o mesmo tocaría áquela que se pusesse a
lecer ou bordar em público.

O ideal era que a mulher, principalmente a jovem solteira,


nunca saísse de casa. Escrevia o judeu Filáo de Alexandria
(f 44 d. C): «Mercados, assembléias deliberativas, sessóes
judiciárias, procissóes festivas, grandes aglomeragóes de gente,
em suma, a vida que se desenvolve publicamente em palavras
e agSes, na guerra e na paz, convém aos homens. Ás mulheres
compete a mansáo em casa e o retiro» (De spec. leg. m 31
169).

Havia, porcm, casos em que o aparecimento de urna mu-


Jlicr em público, precisamente por ser raro, tinha especial sig
nificado. Foi o que se deu, por exemplo, quando o rei Ptolo-
meu IV Filopator, do Egito, em 217 a.C. quis penetrar o
Santo dos Santos do Templo de Jerusalém: entáo «as virgens
da cidade, que estavam encerradas em seus cubículos com suas
genitoras, precipitaram-se pai'a fora de casa, recobriram os
cábelos com cinzas e pó, e encheram as rúas de lamentagóes»
(3 Mac 1,18). Algo de semelhante se deu em 176 a. C, quan
do se soube que Heliodoro, oficial do rei Seleuco IV da Siria,
tentou violar o tesouro do Templo: entáo as virgens, deixando
seus aposentos, se reuniram junto ás portas e aos muros da
cidade, ou colocaram-se ás janelas de casa; as mulheres, reves
tidas de trajes de luto, apareceram, numerosas, ñas rúas da
cidade (cf. 2 Mac 3,18s). Quando soube que sua filha Ma-
riamna fora condenada á morte por Herodes, a rainha-máe
Alexandra em 29 a. C. pós-se a percorrer as rúas de Jeru
salém, lamentando-se em alta voz, contra todas as indicagóes
dos bons costumes da época.

Havia, porém, casos de mulheres que se projetayam, prin


cipalmente ñas cortes regias, sem atender ás exigencias sociais.

— 343 —
1G íPERGUNTE E RESPONDEREMOS* lG'1/1973

Merece mencáo, por exemplo, a rainha Alexandra, que com


energia e prudencia governou Judá durante nove anos (76-67
a. C.): em nada se distinguía das princezas do Egito e da Siria.
A irmá de Antígono (40-37 a. C), o último dos macabeus,
defendeu corajosamente a fortaleza Hircánia contra as tropas
de Herodes o Grande. Salomé dancou perante os convivas .do
reí Herodes Antipas, cativando o monarca (cf. Me 6,22).

Também se sabe que, mesmo nos ambientes mais púdicos,


havia excegóes. Assim duas vezes ao ano as jovens de Jeru-
salém iam dangar em coro nos vinhedos que cercavam a cidade,
e proclamavam suas prendas naturais perante os jovens. — É
de notar também que as familias mais pobres nao se podiam
dar ao luxo de ter suas mulheres em permanente retiro do
méstico; era necessário que ajudassem os maridos, máxime co
mo vendedoras no comercio.

Fora das cidades, os costumes eram mais livres: as mulhe


res (até mesmo as nao casadas) iam ao pogo buscar agua; a
mulher e os filhos empenhavam-se com o chefe de familia no
trabalho agrícola; a esposa vendia azeitonas á porta de casa
e servia á mesa (cf. Me 1,31; Le 10,38-42; Jo 12,2); o uso do
véu sobre a face nao era táo rigoroso como ñas cidades. To
davía mesmo nos campos nao era usual a conversa entre um
homem e urna mulher (cf. Jo 4,27).

4. No tocante k educacáo, fazia-se nítida diferenga entre


meninos e meninas. Estas eram encaminhadas apenas aos tra-
balhos domésticos, tais como cozer, tecer e tomar conta dos
irmáos mais jovens. A scu genitor a menina devia (alias, como
também o menino) prestar os servigos mais fundamentáis,
dando-lhe comida, bebida, cobertas...; nao gozava, porém, dos
mesmos direitos que os meninos no concernente a heranga e a
outras regalías.

A menina de menor idade, antes do casamento, era seve


ramente submetida á autoridade paterna. Mais precisamente:
os judeus distinguiam

a) as meninas de menor idade, detanna (até doze anos e


um dia),

b) as virgens, iia'ara (dos doze anos e um dia até os doze


anos e meio),

_ 344 —
liVANGELHO E DIGNIDADE DA MULHER , 17

c) as jovens de maior idade, bogharath (que ultrapassa-


vam os doze anos e meio).

Até os doze anos e meio, ficava a jovem sob o pleno poder


do seu genitor, a menos que já estivesse casada. Submetida a
seu pai, a menina nao tinha direito de propriedade: todo rendi-
mento devido a trabalhos seus e toda indenizacáo que lhe to-
casse, pertenciam ao genitor. Nessa idade também nao lhe
competía escolher seu futuro marido nem recusar aquele que
o pai lhe determinasse (por vezes acontecía que o genitor, es-
quecido ou leviano, nao mais soubesse a quem tinha prometido
sua filha). Até os doze anos de idade, o pai podia vender sua
filha como escrava a um judeu, nao a um estrangeiro (cf. Éx
21,7) — o que significava geralmente que a menina se casaría
no momento oportuno com o patráo ou com o filho deste. Só
depois dos doze anos e meio de idade a menina gozava de certa
independencia; nao podia ser dada em casamento sem o seu
consentimento pessoal; todavía, quando se casava, o pretendente
devia pagar ao futuro sogro o prego correspondente. Táo esten
so poder do genitor fazia que muitos país, entre os antigos ju-
deus, vissem em suas filhas, antes do mais, urna fonte de
trabalho e rendimento.

4. A idade normal para o casamento de urna jovem


ocorria entre os doze e doze anos e meio. Registravam-
-se, porém, casos de casamento ou noivado em idade mais
tenra. Era freqüente, e muito desejável, que os casamentes se
dessem dentro da mesma familia ou tribo; acontecía, porém,
que a este propósito pai e máe discordassem entre si, pois cada
um quería dar a filha a um jovem do respectivo parentesco.
No caso em que o casal nao tivesse filho masculino e, por
conseguinte, a heranea tocasse a menina, a Lei de Moisés pres-
crcvia o casamento entre membros da mesma familia (cf.
Núm 36,1-12); a aplicacáo deste preceito é graciosamente nar
rada pelo livro de Tobías (cf. Tob 6,10-13; 7,lls).

Antes das nupcias, ocorria o noivado, que já era um con


trato matrimonial: estipulava-se neste a quantia que o noivo
deveria pagar ao futuro sogro para se casar, assim como a
indenizacáo que competiría á mulher em caso de divorcio ou
morte do marido. A noiva já era considerada mulher de seu
noivo, antes mesmo de coabitarem; caso ele viesse a morrer,
seria tida como viúva; podia ser demitida com libelo de divorcio
ou apedrejada, caso cometesse fornicagáo. A «aquisicáo» da
esposa e a de um escravo pagáo eram postas em paralelo entre

— 345 —
18 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS.* _IC4/ L973 ___

si na jurisprudencia dos rabinos. «A mulher é adquirida me


diante dinheiro, documentacáo e coito» (Qid. I 1); «O escravo
pagáo é adquirido mediante dinheiro, documentacáo e tomada
de posse» (Qid. 13).

Todavía somente após as nupcias, que geralmente ocorriam


um ano depois do noivado, a jovem passava a viver sob a auto-
ridade do marido. O casal costumava ir morar com os fami
liares do esposo — o que era muitas vezes penoso para a mu
lher, já que se deveria adaptar a um ambiente estranho e, nao
raro, até hostil.

5. Do ponto de vista jurídico, a esposa se distinguía de


mna escrava, antes do mais, porque conservava o direito de
propriedade (nao o de usofruto) sobre os bens que levava de
casa; gozava outrossim da certeza de que, em caso de divorcio
ou de viuvez, urna quantia de dinheiro ihe tocaría para que
sobrevivesse. Mais: a partir do dia das nupcias, a mulher era
obrigatoriamente sustentada pelo marido, que deveria garantir-
-lhe alimentagáo, roupa e morada, além de resgate em caso de
cativeiro, medicagáo em caso de enfermidade e sepultura em
caso de morte.
As obrigagóes da mulher eram principalmente de índole
doméstica. Devia encarregar-se da casa, com tudo o que isto
implicava: cozinhar, moer a farinha, fazer o pao, layar a roupa,
amamentar as mangas, tecer, além de servicos mais corriquei-
ros. A mulher deveria também obediencia ao marido, obedien
cia concebida religiosamente, a ponto de poder o marido dis
solver os votos feitos pela esposa.

As relacóes dos filhos com os pais eram influenciadas pela


submissáo da mulher ao marido no lar: deviam mais reverencia
ao pai do que á máo, porque esta também estava obrigada a
reverenciar o marido. Em perigo de morte, era preciso pro
curar salvar primeiramente a vida do marido.

A dependencia da mulher em relaeáo ao marido concreti-


zava-se particularmente nos dois seguintes pontos:

a) a poligamia era permitida, de modo que a mulher devia


tolerar concubinas ao seu lado. Verdade é que, por motivos
económicos, nao era freqüente encontrar um homem com va
rias mulheres. Note-se também que os essénios — judeus que
alimentavam tendencias ascéticas — combatiam fortemente a
poligamia. Todavía podia acontecer que um homem, nao po-

— 346 —
EVANGELHO E DIGN1DADE DA MULHER , 19

dendo viver em paz com sua mulher, tomasse urna concubina


em vez de pedir o divorcio (que lhe sairia muito caro).

b) O direito de se divorciar competía quase exclusivamente


ao marido. Á muiher era licito pedir o divorcio quando o
esposo fosse leproso ou sofresse de infecgáo ocasionada por
pólipos ou trabalhasse em tal mister que habitualmente exalas-
se mau odor (o cortume de peles era tido como tal)... A Lei
de Moisés (Dt 24,1) permitía o divorcio desde que o marido
descobrisse na mulher um 'arwath dabhar (algo de inconveni
ente) . A escola do Rabino Hillel — que parece ter prevalecido
neste particular a partir do séc. Id. C. — entendía esta cláu
sula em sentido muito ampio, de sorte que o divorcio podia ser
empreendido pelo marido sob aiegacóes assaz subjetivas e arbi
trarias — o que redundava em pesada humilhacáo para a
mulher. Urna vez divorciada, a mulher que nao fosse assumida
em outro casamento, contaría com o apoio dos seus familiares,
principalmente de seus irmáos, e com a benevolencia dos filhos
(note-se que a esterilidade ou a ausencia de filhos num casal
era considerada maldic.áo de Deus sobre os cónjuges).

Mesmo depois de enviuvar, a mulher podia ficar, de certo


modo, sob a jurisdigáo do marido! Com efeito, caso este mor-
resse sem deixar prole masculina, o seu irmáo devia seguir a
lei do levirato, que lhe mandava esposar a cunhada para sus
citar prole ao irmáo falecido (cf. Dt 25,5-10; Me 12,18-20).
A viúva nao podia dispor de si enquanto o cunhado nao lhe
comunicasse a sua decisáo de a esposar ou nao (a Lei de Moisés
previa esta recusa e a punia; cf. Dt 25,5-10).

6. Também frente a Lei de Moisés (ou Tora) as obriga-


«oes da mulher difeiiam das do varáo. Estava sujeita, sim, a
todas as penalidades previstas pelo direito civil e religioso,
inclusive a pena de morte. Mas era dispensada das peregrina-
góes a Jerusalém por ocasiáo das festas de Páscoa, Pentecostés,
Tabernáculos, assim como de certas observancias litúrgicas
(como a recitagáo diaria do Schema', isto é, de Dt 6,4-9;
11,13-21; Núm 15,37-41, textos que constituiam o cerne da fé
de Israel). Também nao estava obrigada ao estudo da Tora ou
da Lei de Moisés; as escolas existiam para meninos, nao para
meninas; ñas sinagogas o saláo destinado ao culto abria-se as
muiheres, ao passo que o recinto reservado a palestras e aulas
dos mestres só era franqueado aos homens e aos meninos.
Acontecía, porém, que em familias de élite se ministrava ás
meninas algo de cultura profana, como, por exemplo, o estudo

— 347 —
LO • FI-JRGUNTt: K RESPONDEREMOS 1(M/_U)73

da língua grega, pois costa lhcs serviría de ornamento» (j. Pea


I 1 15c 16). "
Ñas sinagogas, as mulheres tinham seu lugar próprio no
sa'ao de culto, delimitado, porém, por grades e portas, poste
riormente construiu-se uma tribuna para as mulheres (ou seja,
o matroneu), dotada de entrada própria. Geralmente a mu-
lher limitava-se a ouvir durante as funeóes de culto; todavía
podia acontecer em época tardía que a chamassem para ler a
Lei. Nao se Ihe permitía ensinar senáo aos filhos e em casa
(cf. 2 Tim 3,14). Á mulher depois do parto nao era licito pisar
ncm o adro dos gentíos no Templo pelo espago de quarenta dias
(caso a crianga fosse menino) ou oitenta dias (caso fosse me
nina). — Via de regra, a mulher nao era admitida como tes-
tomunha em procesaos de julgamentos, porque se dizia, na base
do Gen 18,15 (Sara negou ter rido, quando de fato rira), que
a mulher ó mentirosa.

Poder-se-ia notar ainda que o nascimento de um menino


era motivo de grande alegría para um casal, ao passo que a
natividade de uma menina podia provocar desinteresse ou mes-
mo nversáo.

Estes tópicos, aos quais muitos outros se poderiam acres-


centav, manifestam bem a posigáo em que era colocada a mu-
lhor no povo de Israel, anterior c contemporáneo a Cristo,
como, alias, em todo o Oriente (nao raro até nossos dias):
subtraida á vida social, sujeita ao pai ou ao marido, privada
(.!<• nao poucos direitos religiosos e civis, destinada á procriagáo
c aos servicos domésticos — tais sao os tragos que infelizmente
caraetcriznvam a mulhor outrora.

2. A revolucfio do Evangelho

O Evangelho voio por om plena luz a grandeza o a digni-


díido da mulher, que jó fora formulada pela primeira página
da Biblia, na qual a mulher, com seu consorte masculino, é
¡'.presentada como imagem e someihanga de Deus (cf. Gen
l,27s). Só aos poucos através dos séculos esta verdade aflorou
plenamente á conscicncia dos homens, de modo a ser publica
mente reconhecida.

As páginas do Novo Testamento, principalmente as dos


Evanetíhos e de Sao Paulo, contribuiram grandemente para

— 348 —
EVANGELHO E DIGNIDADE DA MULHER 21

despertar a nova visáo que o Cristianismo haveria de implantar


aos poucos na sociedade.

Abaixo limitar-tnos-emos a mencionar alguns dos tópicos


mais salientes do Evangelho que fagam eco ou contraste as
determinacóes anteriores, pondo em realce a dignificacáo da
mulher.

Jesús admitiu em sua comitiva mulheres; cf. Le 8,1-3;


Me 15,41; Mt 20,20. Este fato, por si só, já era estranho ou
singular para os antigos, como se deduz de quanto foi dito atrás.
Alias, já o Batista havia pregado as mulheres e as tinha bati-
zado; cf. Mt 21,32.1 Jesús chegava mesmo a dizer que os pe
cadores e as meretrizes, tendo aceito a pregagáo do Batista,
haveriam de preceder no reino dos céus os fariseus que nao
lhe haviam dado ouvidos:

"Em verdade vos digo: os publícanos e as meretrizes preceder-vos-áo


no reino de Deus. Joao veio até vos enslnando-vos o caminho da ¡ustlca
e n§o acreditastes nele; mas os publícanos e as meretrizes creram nele.
E vos, vendo isto, nao vos arrependestes, crendo nele' {Mt 21, 31 s).

Vé-se assim que, na perspectiva do Evangelho, nao há


discriminagáo de sexo ou de categorias sociais, mas Deus trata
a cada um segundo as suas disposicóes interiores.

Ao permitir a participagáo da mulher na obra do Messias,


Jesús exigirá de seus Apostólos a retidáo e a pureza de inten-
cáo, ou seja, urna santidade nao somente exterior ou legal, mas
também e principalmente interior:

"Eu vos digo: todo aquele que olhar para urna mulher desejando-a,
iá cometeu adulterio com ela no seu coráceo" (Mt 5,28).
Em suma, como Salvador de todos os homens, Jesús nao
somente cancelou o estatuto de inferioridade da mulher na so
ciedade, mas fé-la, em alguns casos, herdeira da salvacáo que
o homem, caso tenha más disposigóes de espirito, nao pode
obter. Notem-se os textos1 relativos as meretrizes abertas á
palavra de conversáo, assim como o episodio da pecadora infa-

1 Pode-se citar, como provável expressSo de urna realidade histórica,


o seguinto trecho do Evangelho (apócrifo) dos Nazarenos:
"Eis que a mSe do Senhor e os Irmáos dele dizlam : 'JoSo Batista
batiza para o perdSo dos pecados; vamos e facamo-nos batizar por ele"
(S. Jerónimo, Contra Pelagianos III 2).

— 349 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS. 1(54/1973

me, mas arrependida, que Jesús quis antepor ao fariseu Simáo


«legal», mas sobcrbo e indiferente em seu coracáo:

"Voltando-se para a mulher, Jesús disse a Simáo : 'Vés esta mulher?


Entrei em tua casa e nao Me deste agua para os pés; ela, porém, banhou-Me
os pés com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cábelos. Nao Me
deste um ósculo; mas ela, desde que entrei, nao deixou de beijar-Me os
pés. Nao Me ungiste a cabega com óleo, e ela ungiu-me os pés com per
fume. Por ¡sto digo-te Eu que Ihe sao perdoados os seus muitos pecados,
porque muito amou'" (Le 7,44-47).

Leve-se em conta máxima a figura de María Santíssima,


que o Senhor quis tornar sua máe e máe de toda a humani-
dade, associando-a intimamente a toda a obra da Redeneáo.
Por María, a segunda e nova Eva, a mulher atingiu o grau
supremo de sua dignificagáo na perspectiva bíblico-cristá.

No tocante ao casamento, Jesús também revolveu a praxe


de seu tempo. Nao somente exigiu a monogamia, mas também
rejeitou o divorcio, chegando mesmo a observar que a Lei de
Moisés só o permitirá provisoriamente, dada a dureza de cora-
cáo do homem (cf. Mt 19,8). Esta recusa do divorcio é clara
mente expressa mesmo no Evangelho segundo S. Mateus, quando
Jesús diz que, após a eventual separacáo de um casal, novas
nupcias dos respectivos cónjuges vém a ser adulterio (Mt 5,32;
19,9; Me lO.lls; Le 16,18). A dureza desta atitude de Cristo
se explica a partir do elevado conceito de matrimonio que o
Senhor Jesús veio apregoar: o casamento cristáo está envolvido
na obra criadora e redentora do próprio Deus.

Ulteriores reflexóes sobre a dignificagáo da mulher pelo


Evangelho encontram-se no artigo de PR 155/1972, pp.
480-494 (Mulheres e Servicos na Igreja).

A propósito recomendamos aqui a leitura de Joachim Jeremias, "Jeru-


salem zur Zelt Jesu". GSttingen 1962", pp. 395-413 (também existe em tra-
du?So francesa).

Prezado leltor, quando este fascículo Ihe chegar ás maos,


já deverá estar no Brasil, á sua disposicao, o amigo ir. Esté-
váo Bettencourt O.S.B. (C. p. 2666, GB).

— 350 —
O mundo pergunta:

israel, quem és após a vinda de cristo?

Em sintese: A historia do povo de Israel após Cristo é fortemente


acldentada. Vivendo na dláspora ou dispersáo desde 70 d.C, os judeus
nao se assimilaram aos povos com os quals passaram a conviver no Oriente
(Babilonia, Arabia...), ñas térras que cercam o mar mediterráneo, na Eu
ropa Central, na Inglaterra, na América... Conservaran! sempre a cons-
ciéncia de sua Identidade étnica e religiosa, com o vivo anelo de voltar a
Jerusalém. As escolas de rabinos e mestres israelitas através dos séculos
multo concorreram para alimentar tais sentimentos. Os judeus localizados
na península ibérica e ñas reglóes mediterráneas e orientáis segulram seu
modo de viver próprio dito "sefaradita", ao passo que os judeus dos países
nórdicos adotam estilo um tanto diverso chamado "achquenazlta". Este
particularismo, mesclado a (atores religiosos (mal entendidos) fez que os
judeus sofressem perseguidas varias no decorrer dos séculos. A Revolu-
5S0 Francesa de 1789, com o seu programa de "Llberdade, Igualdade e
Fraternldade", sugerlu a multos judeus tendencias reformistas; nSo poucos
foram propensos a abandonar seus particularismos para se Identificar, nos
seus costumes e Ideáis, com os cidadflos da Inglaterra, da Atemanha, da
Franca...; um judeu só se distinguiría de um nao judeu (quando multo)
pelo seu culto religioso. Todavía tal liberalismo nao prevaleceu por com
pleto entre os judeus. O caso Dreyfuss no século passado provocou a rea-
cfio sionista: Theodor Herzl encabecou o movlmento de volta dos judeus
á térra de Israel, onde poderlam vlver lívremente sem ameacas de estra-
nhos. — O sionismo teve que enfrentar oposic6es tanto dentro do próprio
judaismo como por parte dos estadistas Internacionals. Contudo, após in
tensos esforcos, foi ganhando a simpatía de personalidades notorias. Peta
Declarado Balfour em 1917, a Inglaterra reconhecia aos judeus o direlto
de se estabelecer na Palestina; alias, a mlgracfio para a antlga patria por
parte de judeus russos vinha-se processando desde o secuto XIX. A grande
matanca Infligida a seis mllhSes de judeus pelo nacional-socialismo de
1933 a 1945 contribuiu para precipitar os aconteclmentos. Em 1947, a ONU
votou favoravelmente a dlvlsfio da Palestina entre ¡udeus e árabes.
Em 1945 o Conselho Nacional Judeu declarou a Inlependéncia do Estado
de Israel; donde resultou a guerra contra os árabes. Terminada esta em
malo de 1948, o descontentamente fol fermentando os ánimos no Próximo
Oriente de sorte a desencadear a Guerra dos Seis Días em 1967. Feito
o armisticio entre Israel e os países árabes, aguarda-se um Tratado de
Paz...

Comentario: A realidade do povo de Israel tem chamado


a aten^áo do mundo inteiro através dos séculos, notadamente
nos últimos decenios. Os jomáis transmitem noticias sobre o
assunto, que supóem a longa evolugáo da historia de Israel,

— 351 —
24 gPERGUNTE E JJESPONDEjiEMOS*_ HH/1973

nem sempre clara ao grande público. Eis por que, ñas páginas
subseqüentes, será apresentada urna síntese da historia e da
situacáo contemporánea de Israel — elementos estes aptos a
facilitar a compreensáo da realidade judaica em nossos dias.
Ao propor tal resenha, intencionamos ser objetivos e apartidá-
rios, referindo os fatos sem formular julgamentos melindrosos.

Antes de qualquer descrigáo histórica, impóe-se aqui urna


breve exposicáo de nomenclatura.

1. Pdavras em foco

Examinaremos o sentido dos vocábulos «judeu», yiddish


(jüdisch), hebreu, Israel, israelense, Palestina, palestino», a fim
de evitar as ambigüidades que sobre eles possam pairar.

1) A palavra judeu vem do latim judacus e, em última


análise, deriva-se de Judá, nome do quarto filho do patriarca
Jaco.

Um judeu, portanto, é um descendente de Judá ou um


habitante da parte da Térra Santa que coube á tribo de Judá
(cf. Jos 15). Aos poucos, porém, o vocábulo foi dilatando a
sua accepcáo: visto que a tribo de Judá, por ocasiáo do Grande
Cisma (932 a. C.) e, mais tarde, após o exilio babilónico
(587-538 a. C.), se tornou a mais fiel detentora das tradigóes
do povo de Abraáo e Moisés, o nome de judeu passou paula
tinamente a designar todos os filhos de Abraáo. É o que acon
tece até hoje.

2) Yiddish ou jüdtsch é a língua alema mesclada de termos


heterogéneos tal como se tornou usual entre os judeus resi
dentes na Europa Central desde a Idade Media.

3) Hebreu é o descendente de Heber, antepassado do pa


triarca Abraáo (cf. Gen 10,21-29). O vocábulo costuma ser
empregado como equivalente de judeu. Por vezes designa o
escritor que escreve em lingua hebraica; há, sim, escritores
árabes (cristáos e mugulmanos) que escrevern em hebreu.

4) Israel é o cognoir.e do descendente de Abraáo que tam-


bém se chamava Jaco; enfatiza a bénc.áo que o Senhor quis
outorgar a esse patriarca e á sua descendencia (cf. Gen
32,22-32). Por isto também 6 o apelativo mais freqüente do

— 352 —
ISRAEL, QUEM ÉS APÓS A VINDA DE CRISTO? 25

povo oriundo de Abraáo. Tal povo também assume freqüente-


mente o designativo de «filhos de Israel».

5) Quando em 1948 os dirigentes da comunidade judaica


da Térra Santa tiveram que escoiher um nome para o Estado
que devia nascer, varias sugestóes foram-lhes feitas:

Yisra«l ou Israel, Yeouda (Judá), Tsyone (Sion, nome


de urna colina de Jerusalém e, por extensáo, designativo de
toda a Cidade Santa e, mesmo, da térra de Israel), Medianeth
ha-jchoudbn (Estado dos judeus), Erete-Yisrael (térra de
Israel).

Prevaleceu a opiniáo de David Ben-iGourion. O novo Esta


do seria chamado «Israel» — o que insinúa, de caso pensado,
a identidade entre o povo áo Israel esparso pelo mundo inteiro
e o Estado de Israel geográficamente localizado no Próximo
Oriente e habitado também por cidadáos náo-judeus. É o mo-
vimento sionista, de que falaremos adiante, que sustenta e pre
coniza esta tese.

A palavra israelense (ou israeliano) designa todos os indi


viduos que tenham a cidadania do Estado de Israel.

6) Palestina designa a faixa de térra que vai do mediter


ráneo ao Jordáo (também conhecida por térra de Canaá), faixa
esta cujos limites norte-sul e leste-oeste nem sempre foram
bcm definidos. Tal nome foi dado a essa regiáo por causa dos
filisteus (Philistae, em latim), povo do mar egeu, que entrou
em Canaá depois de haver tentado estabelecer-se ao NE do
delta do Nilo; rechagados por Ramsés III, encontraram refugio
em Canaá, fundando as cidades de Ascalon, Gaza, Ashod, Gath,
Edron. O nome Philistae pode vir do semita Plitim, que signi
fica refugiado.

7) Palestino é o habitante árabe dos territorios ocupados


desde 194S por Israel na Cisjordánia, ou seja, á margem direita
do rio Jordáo, que desee do lago de Genesaré para o mar morto
Os habitantes da margem esquerda sao tidos jordanianos (ou
transjordanianos) e integram o reino da Jordania.

Os palestinos, nos noticiarios atuais, aparecem nao raro


como guerri heiros. Já que vivem em territorios ocupados por
Israel, desejariam resolver a tensáo judeo-árabe de maneira a
nao ser sacrificados — o que nao corresponde sempre aos
interesses de Israel nem aos do reino da Jordania.

— 353 —
2G «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

Ñas páginas que se seguem, usaremos a palavra Israel


como apelativo do povo de Abraáo, que é também o povo israe
lita ou o povo judeu.

2. Das origens da dispersáo até o séc. XI d. C.

1. Ao povo de Abraáo o Senhor Deus quis outrora dar


a térra de Canaá, onde de fato Abraáo e seus descendentes
se estabeleceram a partir do séc. XIX a. C. Todavía esse
povo foi parcialmente exilado para a Mesopotámia em 722 a. C.
(queda do reino da Samaría) e em 587 a. C. (queda de Jeru-
salém por obra de Nabucodonosor). Nem todos os exilados
regressaram á térra de seus pais: estabeleceram-se aos poucos
no Oriente até a Pérsia, no Egito e ñas térras do mar medi
terráneo, dando origem ao que se chama a Diaspora (palavra
grega) ou Dispersáo de Israel.

2. A diaspora acentuou-se quando em 70 d. C. os ro


manos destruiram de novo Jerusalém, obrigando os judeus ao
exilio. E — mais ainda — ... quando em 135 d. C. o Impe
rador romano Adriano sufocou a revolta judaica encabegada
por Simáo Bar-Kosiba ou Bar-Kohchba (o filho da Estrela),
desterrando os habitantes da Judéia (nao, porém, do resto da
térra de Israel). Sobre as ruinas de Jerusalém foi construida
a cidade paga romana de Aelia Oapitolina, com seu templo de
Júpiter; nesta nenhum judeu poderia penetrar sob pena de
morte.

Os israelitas haveriam de se dispersar cada vez mais, de


modo que no séc. II d. C. floresciam importantes comunidades
judaicas do Alto Egito até o Mar Morto, da Espanha á Pérsia.
Todavía nunca deixaram de habitar parte da térra de Israel,
onde constituiam urna minoría. As comunidades da Diaspora
nao perderam sua identidade étnica, alimentada certamente
por suas concepcóes religiosas: Deus mesmo havia constituido
o povo de Abraáo. Essa consciéncia se vinculava também á
térra de Israel, tida como térra prometida, de modo que as
dimensóes étinica, religiosa e geográfico-política convergiam
entre si na mente do povo de Israel, esparso pelo mundo inteiro.
Este fator explica que o povo judeu nunca se tenha deixado
assimilar pelas populagóes com que vivía, mas tenha guardado
seus costumes, seus trajes e suas observancias, que o diferen-
ciavam nítidamente dos demais homens.

— 354 —
ISRAEL, QUEM ÉS A POS A VINDA DE CRISTO? 27

3. Nao tendo mais o templo de Jerusalém com seu culto,


os judeus mais e mais foram nutrindo a sua fé pelo estudo da
Tora (ou Lei de Moisés) e dos escritos sagrados. A lei escrita
antes de Cristo teve que ser interpretada e adaptada para poder
orientar os filhos de Israel ñas novas circunstancias em que se
desenrolava a sua vida. A isto se prestaram os rabinos ditos
«Tannaím», cujos dizeres e ensinamentos constituem a Michná;
esta se encerra aproximadamente em 200 d. C. — A própría
Michná foi objeto de comentarios e adaptacóes por parte dos
rabinos ditos «Amoraím», que assim constituiram a Guemará,
terminada em 500 d. C. A Michná e a Guemará formam o
conjunto chamado Talmud; fazendo eco as tradigóes bíblicas,
este é a principal fonte da jurisprudencia, dos rituais, dos cos-
tumes e da religiosidade de Israel após Cristo.

Duas grandes escolas de rabinos se constituiram após a


queda de Jerusalém no séc. I d. C: a de Tiberiades na Gali-
léia, que durou até 400 d. C, e a da Babilonia, que sobreviveu
até 500 d. C. (a Babilonia, já antes de Cristo, era um centro
importante de judaismo). Após o fim desta escola, a lideranca
espiritual de Israel foi assumida pelos gaonim, que na Babilonia
estipulavam leis e rituais observados pelos judeus de próximas
e distantes regióes. Em 1033, com a morte cte Hai, o último dos
grandes gaonim, a supremacía das comunidades judaicas da
Babilonia chegou ao seu termo. O centro espiritual dos israe
litas se deslocaria para o Ocidente.

4. Nao se poderia deixar de mencionar que no séc. VII


(622 d. C.) se deu o surto do islamismo, que, no decorrer de
29 anos (632-661), ocupou a Mesopotámia, a Siria, a Armenia,
a Pérsia e o Egito. Em 638, o segundo califa dos muculmanos,
Ornar, entrou em Jerusalém e construiu no lugar do antigo
templo de SaJomáo uma grande mesquita. De entáo por diante,
até a época dos cruzados (séc. XI), os árabes haveriam de do
minar a térra de Israel.

5. Apesar de tudo, subsistía nos judeus da Diáspora, des


de os primeiros séculos da era crista, o anseio de voltar á Térra
Prometida. A jurisprudencia do Talmud, por exemplo, estipu-
lava, entre outras normas, as seguintes:

— uma mulher que recuse voltar com seu marido á térra


de Israel, é tida como repudiada. Ao contrario, se é ela que
nao quer deixar o solo sagrado para acompanhar o marido ao
estrangeiro, o divorcio é proferido em favor da esposa;

— 355 —
23 _ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS ÍM/1973

— a compra do urna casa na térra de Israel pode ser


concluida apesar de toda proibigao de transagáo comercial,
mesmo em dia de sábado.

Fazendo eco ao Talmud da Babilonia, Moisés Maimonides


(1135-1204) escrevia:

"É proibido emigrar da térra do Israel o d¡r¡gir-se ao estrangeiro, a


menos que alguém o faga a fim de estudar a Tora, contrair matrimonio ou
resgatar sua propriedade ; sem demora, porém, terá que regressar ao pafs...

É proibido constituir residencia permanente no exterior, a menos que


haja fome no país... Todavia, aínda que neste caso seja licito, nao é
conforme ao conceito de conduta nobre... Nossos maiores sabios costu-
mavam beijar as próprias pedras do país e lolar em seu pó...

Os rabinos declararam que os pecados de quem vive na térra de


Israel Ihe seráo perdoados... Basta caminhar quatro cavados sobie a
mesma para assegurar-se a vida no além... é sempre preferível viver na
térra de Israel em qualquer época, mesmo que a maioria de seus habitantes
seja paga, a viver fora do país, embora a mor parle dos habitantes sejam
judeus. Pois quem vive fora da térra de Israel, é considerado um idólatra"
("Leis dos Reís" V 9-12).

2. Israel na Europa medieval e moderna

1. No fim do periodo dos gaonim (séc. X/XI), foram-se


formando novos centros de judaismo na Europa:

— a Espanha, principalmente om Córdoba, Granada e Lu-


cena, tornou-se a cxtensáo do judaismo da Babilonia;

— a Renánia (territorio alemáo), principalmente em


Speyer, Worms e Mogúncia, acolheu o judaismo da Palestina,
com suas tradigóes próprias. Da Alemán ha este ramo de Israel
se propagou para a Franca.

Os judeus medievais identificaram a regiáo de Sefarada,


mencionada pelo profeta Abdias (v. 20), com a Espanha, c
a térra de Achquenaz (Gen 10,3) com a Alemanha. Donde o
nome de Sefaraditas ou Sefaradins que tocou aos judeus da
Espanha, e o de Achquenazitas ou Achqucnaiiis, que toca aos
da Alemanha. Com o decorrer do tempo, tais nomes perderam
seu significado geográfico: a cultura, os costumes e as cele-
bragees litúrgicas dos judeus espanhóis foram adotadas pelos
da África Setentrional e do Oriente, ao passo que o modo de
viver do judaismo alemáo (achquenazita) foi adotado pelos

— 356 —
/SllAKL. QIJKM 1ÍS _APóS_ A VINDA DE CRISTO? 29

judeus dos países cristáos da Europa e da América. Essa bifur


cado do judaismo subsiste até hoje.1

2. Os .sécuios XI/XIII constitucm o período áureo do


judaismo espanhol, que produziu obras literarias, artísticas,
filosóficas e científicas de renome. Os judeus da Alemanha e
da Franga foram menos ilustres, embora tenham dado origem
a célebres estudiosos do Talmud chamados «tosafitas». Durante
o séc. XIV, o dominio árabe foi cedendo á conquista crista na
península ibérica. Em 1391 na Espanha houve, em conseqüén-
cia, forte perseguicáo aos judeus; milhares destes adotaram en-
táo o Cristianismo, ao menos em aparéncia. Em 1492, a vitória
de Fernando de Aragáo e Isabel de Castilha em Granada pos
termo ao dominio árabe na península. Os monarcas espanhóis,
desejando unificar as suas térras, decretaran! a expulsáo dos
judeus da Espanha; muitos destes refugiaram-se entáo na Áfri
ca do Norte, na Italia e principalmente no Imperio turco ou
otomano.

3. Na Europa Central, já cm 1096, por ocasiáo da pri-


meira Cruzada, os judeus viram-se perseguidos. Em 1290, foram
expulsos da Inglaterra; em 1348, por causa de urna epidemia
de peste bubónica, foram incriminados e dizimados; em 1391,
sofreram expulsáo da Franga. Entrementes na Alemanha e na
Italia os judeus viviam marginalizados. Foi nessa época da
historia que tiveram origem os chamados «guettos», ou seja,
os bairros em que os judeus viviam confinados dentro das ci-
dades européias.

4. A separacáo e o odio entre judeus e nüo-judeus ten-


cliam a aumentar por um curioso motivo: nos países ocidentais
da Europa, proibiam-se aos judeus a posse de térras e a parti-
cipacáo ñas corporagóes de artesáos. Conseqüentemente, só
Ihes restava a prática do comercio, prática esta que veio a
consistir principalmente no tráfico de dinheiro. Na época me
dieval, os cristáos nao emprestavam dinheiro a juros; todavía
numerosos eram aque'es que, desde os reís até os camponeses,

>De passagem, diga-se: em 1972 os achquenazitas constituiam 84%


da populagáo judaica do mundo, ao passo que os sefaraditas representavam
16% da mesma. Todavía apenas 35% dos habitantes do Estado de Israel
eram achquenazitas; a maioria, portanto, era sefaradita. Acontece, porém,
que somente 3 % das funco" es governamentais em Israel eram desempe-
nhadas por judeur, provenientes dos países árabes e 20 % dos deputados
do Parlamento (Kenesseth) eram sefaraditas. Um só judeu oriental, o minis
tro da Policía, representava os sefaraditas na cúpula do Governo em 1972.

— 357 —
30 «PERGUNTE E JlESPONDERlíMÜSj; Ifi4/lít?3

precisavam de empréstimos. Em tais circunstancias, eram os


judeus que se faziam de credores, emprestando dinheiro a juros.
Este tipo de atividade colocava ñas máos dos israelitas a ri
queza mais móvel (o dinheiro), de sorte que, quando eram
expulsos de urna cidade ou de um país, conseguiam conservar
ou transferir o seu ouro (ao passo que seriam totalmente des
pojados se só possuissem campos, rebanhos ou casas). Foi esta
situagáo que provocou a associacáo de conceitos «judeu» e
«usurario» (nao tencionamos julgar o fato). — Note-se aínda
que os devedores geralmente nao nutrem grande simpatía para
com os seus credores. Donde o aumento da animosidade entre
judeus e cristáos no declínio da Idade Media.

5. Na Alemanha, as condigóes económicas e políticas


foram-se agravando progressivamente entre 1450 e 1550 — o
que provocou o deslocamento dos judeus para territorios esla
vos, notadamente para a Polonia. Nessa época, a populacáo
judaica da Polonia passou de 50.000 a 500.000. Os reis do país
concediam certa autonomía aos filhos de Israel, que tinham
entáo o seu Parlamento próprio e se dedicavam com zelo inten
so ao estudo do Talmud. Esta paz se conservou até 1648,
quando o general cossaco Bogden Chmienicki se rebelou contra
o monarca polonés e ordenou o morticinio de numerosos judeus,
provocando assim grande ruina ñas colonias judaicas da Polonia.
O golpe suscitou urna onda emigratoria para o Ocidente, de
modo que se constituiram pequeñas comunidades de judeus na
Franca, na Alemanha, na Holanda e na Inglaterra. Todavía a
Europa Oriental continuou sendo o centro espiritual do judais
mo esparso pelo globo.

6. Merece atencüo ainda o fato de que, no decurso de


todas as peripecias por que passavam, os judeus jumáis olvida-
vam a térra de Israel e nutriam a esperanza de la voltar um
dia; as condigóes de instabilidade geográfica e jurídica contri-
buiam para alimentar as suas aspiragóes. Parecia-lhes estar
vivendo as profecías bíblicas que prediziam a devastacáo e a
desolagáo da térra de Israel (cf. Lev 26, 43-45). Oravam, po-
rém, para que tal fase da historia chegasse quanto antes a seu
termo. Por ocasiáo de suas festas, por exemplo, costumavam
dizer:

"Fomos exilados de nossa térra e desterrados do nosso país por causa


dos nossos pecados... Pedimos-Te queiras, Senhor nosso Deus e Deus
de nossos país, ter misericordia conosco... Reúne os que estáo dispersos
entre as na$des e congrega-nos das quatro partes da térra. Leva-nos a
Siáo, tua cidade, com regozijo, e a Jerusalém, lugar do leu templo, com
eterna alegría".

— 358 —
ISRAEL. QUEM ÉS APÓS_ A VINDA DE CRISTO?__ 31

Nao comiam urna migalha de pao sem dar gragas a Deus


«pela agradável e espagosa térra que deste aos nossos pais
como heranca».

Cada judeu implorava ao Criador: «Regressa misericordio


samente á tua cidade Jerusalém e reside nela, e estabelece nela
o trono de Davi e o Templo».

Numa palavra, o lema «No próximo ano em Jerusalém!»


durante muitos séculos resumiu a nostalgia dos judeus disper
sos pelo globo.

7. Tais aspirares moviam mesmo nao poucos judeus a


regressar nao só mentalmente, mas também geográficamente,
á térra de Israel.

Em 1517, Jerusalém, que estava em poder dos mamelucos


(árabes do Egito), caiu em máos do sultáo turco Selim I, que
fez da térra de Israel urna parte do Imperio Otomano por
quatro séculos, ou seja, até 1917. — Selim estimulou os seus
súditos judeus a estabelecer-se na Palestina; teve assim inicio
o yishnv (colonizagáo) sefaradita do pais. As cidades de Jeru
salém, Tiberíades e Hebron se repovoaram de judeus; em Safed
os místicos da Cabala puseram-se a preparar a vinda do
Messias.

Entre 1648 e 1666, um certo Shabeta i Zvi, que se dizia


o Messias, incitou igualmente algumas comunidades judaicas a
regressar á térra de Israel.

No século XVIII foi parte do ramo achquenazita dos judeus


que voltou ao país. Tratava-se principalmente dos assidim,
místicos que seguiam o seu chefe Israel Baal Shem Tob (1700-
-1760).

Assim é que durante os longos sécu'.os de afastamento os


judeus conservaram estrita ligacáo com a Térra Prometida.

3. O Movimento Reformista

No século XIX, a vinculagáo do povo judaico ao seu país


de origem foi fortemente ameagada pela Revolugáo Francesa
(1789). O programa de «Liberdade, Igualdade e Fraternidades
dos revolucionarios oferecia aos israelitas a perspectiva de se
quebrarem as distancias e as barreiras que os separavam dos

— 359 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS;* l«]/¡«7:i

demais homens nos países mesmos em que se achavam disper


sos. Moisés Mendelsohn, judeu brilhante, apregoou entáo a
«emancipacáo judaica», como sendo a instauragáo da auténtica
era messiánica: para consegui-la, os judeus deveriam procurar
identificar-se, por todo o seu modo de vida e por suas aspira-
góes políticas, aos cidadáos da Inglaterra, da Franga, da Ale-
manha..., contribu indo para o bem-estar do povo local, sem
pensar em regressar á Térra Prometida. Muitos israelitas dei-
xaram-se empolgar por este programa, perdendo os seus tra-
dicionais traeos característicos: o judaismo, para eles, esvaziou-
•se de todo o seu conteúdo nacional, tornando-so apenas (quan-
do muito) urna expressáo religiosa; assim a única linha diviso
ria entre um judeu da Inglaterra e seus concidadáos cristáos
seria (quando muito) a sua forma de prestar culto a Deus.
Adotando tais concepcóes, muitos judeus galgaram importantes
postos na vida pública, na política, na jurisprudencia, na medi
cina, na literatura... do Ocidente.

O Movimento Reformista que assim se originoü, apagou


dos livros de ora°6es de Israel toda alusáo a Si5o e a sua
restauracáo Napoleáo Bonaparte impós aos judeus, como con
digno para votar, a renuncia ao aspecto nacional do judaismo.

Também as comunidades judaicas da Europa Oriental fo-


ram, de certo modo, afoladas pe'as ideias reformistas o liberáis,
embora conservassem fortemente o culto de suas tradicóos.

Em breve, poróm, os acontecimentos políticos contribui-


ram para sufocar o liberalismo e a nova filosofía de vida dos
Israelitas.

Com efeito, na Rússia verificaram-se terriveis «pogroms»


ou morticinios em 1881, aos quais se seguiram as chamadas
«Leis de Maio», antissemitas. Em conseqüéncia, os judeus. com
poucas excecóes, foram confinados a cidades e aldeias da Po
lonia que integravam o Imperio Russo. Por volta de 1900, cer
ca de 600.000 judeus russos emigraram para os Estados Unidos
da América; outros se estabeleceram na Grá-Bretanha, na
África do Sul e na Australia. Todavía um punhado de idealistas
decidiu abandonar o exilio urna vez por todas e estabelecer-se
na Palestina. Grupos de israelitas provenientes do estrangoiro
iniciaram entáo na térra de Israel a colonizacáo agrícola, lutan-
do com grandes dificuldades materiais; muito lhes valeu nessa
ocasiáo o auxilio financeiro do Baráo Edmundo de Rothschild,
pai da colonizacáo judaica de Israel.

— 360 —
ISRAEL. QUEM ÉS APÓS A VINDA DE CRISTO? 33

Pouco depois, aparecería no cenário público o grande pio-


neiro do Movimento Sionista, Theodor Herzl (1860-1904), que
modificou concretamente a historia de Israel.

4. O Sionismo

1. Em breve, os judeus ocidentais perceberam que, apesar


do bem-estar obtido no séc. XIX, a sua situagáo civil e polí
tica era instável: apesar de todos os esforgos feitos, os israe
litas eram freqüentemente tidos como incapazes de se assimi-
lar aos povos com que conviviam e, conseqüentemente, como
perigosos para o espirito nacionalista que se tornava cada vez
mais forte no mundo.

A ocasiáo concreta desta nova tomada de consciéncia dos


israelitas foi o famoso caso do major Alfred Dreyfuss: este
capitáo do exército francés, de origem judaica, acusado de
espionagem em favor da Alemanha, foi condenado por alta
traigáo em 1880. Tal julgamento foi por muitos observadores
tido como injusto, aos judeus parecía que mais urna vitima do
antissemitismo era assim imolada.

Em resposta, o jornalista Theodor Herzl, que em París


representava o periódico austríaco «Neue Freie Presse», tomou
posic^áo: partidario da emancipac/io e da liberalizagáo judaica,
assirñilado ele mesmo aos ambientes ocidentais, Herzl resolveu
mudar de atitude e langar o brado de reagáo; já lhe parecia
que, enquanto os judeus fossem minorías sujeitas a circunstan
cias incontroláveis por eles, a tragedia Dreyfuss se repetiría.
Deveriam, pois, regressar a Israel para fundar um Estado inde-
pendente no seu solo, com a garantía do direito internacional;
assim seriam senhores do seu destino e viyeriam livremente
segundo as suas tradicóes. Sao estas as idéias que animaram
o que se chama o Movimento Sionista ou o Sionismo político;
foram expressas no livro «Der Judenstadt» (O Estado Judaico)
do estadista, que, esgotado de trabalho, faleceu aos 44 anos de
idade em 1904. Em 1897, porém, ao fim do Primeiro Congresso
Sionista em Basiléia, escrevia Herzl em seu diario:

"Hoje fundei o Estado judaico. Se eu o dlssesse em voz alta, todos


calrlam em gargalhadas. Mas dentro de cinco anos — ou certamente dentro
de clnqüenta — verSo que tenho razSo".

Na verdade, em 1947 a ONU determinava a repartigáo da


Palestina em favor dos judeus. Antes, porém, desta data,
muitas peripecias ocorreriam no caminhar de Israel.

— 361 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

2. Com efeito, dentro do próprio judaismo, o Movimento


Sionista havia de encontrar reservas e oposigáo. O seu pionei-
ro, Theodor Herzl, perderá suas características religiosas e
estava cercado de intelectuais que já nao seguiam as tradigóes
talmúdicas. Em conseqüéncia, muitos judeus ortodoxos repu-
diaram o Movimento herzliano; além de nao acrcditarem na
possibilidade de éxito do Sionismo, juígavam que qualquer cola-
boragáo ou compromisso com homens de outra crenga (os Es
tadistas estrangeh'os) seria um pecado imperdoável; piores do
que os incrédulos, os sionistas pareciam-lhes querer dar urna
nova definigáo do judaismo, que faria de Israel um Estado
como os outros: isto seria grave heresia. Frente a esta posigáp
extremista contraria, surgiu a de rabinos agrupados no Mizrahi,
que procuravam urna solucáo que impedisse a laicizagáo total
do Sionismo e do futuro Estado de Israel.

3. Fora do judaismo, as grandes nagóes do inicio do séc.


XX tinham interesses particulares na Palestina, aos quais as
idéias de Herzl contraditavam (assim a Franga, a Inglaterra,
a Alemanha, a Rússia...). Na Turquía, o sultáo Abdul Hamid
pedia exorbitante quantia de dinheiro para abandonar a juris-
digáo sobre a desolada provincia de seu Imperio que era a
Palestina. Em vista dessa situagáo, foram propostas a Herzl
outras partes do mundo para restaurar o Estado de Israel:
Chipre, Arich (na península do Sinai), Uganda, Mogambique,
o Congo Belga... Todavía os delegados russos no Congresso
Sionista de 1903 replicaram: «Ou a Palestina ou nada!»

Entrementes a imigragáo de judeus para a Palestina ia-se


avolumando cada vez mais; os novos habitantes da térra esta-
vam dispostos a conquista da ou defendé-la com espingarda na
mao.

5. Últimas etapas e estado atual

1. A colonizacao rural da Palestina por parte dos imi-


grantes judeus, a intensificagáo do Sionismo no mundo inteiro,
assim como a participagáo de soldados israelitas nos batalhóes
aliados da guerra de 1914-18, constituiram, entre outras causas,
fatores importantes para que da Inglaterra se fizesse ouvir urna
voz simpática ao Sionismo. Era a Declaragáo de Lord Arthur
James Balfour, ministro británico das Relagóes Exteriores, que
aos 2 de novembro de 1917 se dirigía a Lord Waiter Rotschild.
representante dos judeus ingleses, nos seguintes termos:

— 362 —
ISRAEL. QUEM ÉS APÓS A VINDA DE CRISTO? 35

"Prezado Lord Rotschild,


Em nome do governo de S. Majestade, tenho o prazer de dirigir a
V. Excia. esta Declarado de simpatía para com as aspira96es sionistas,
Declaragáo que foi submetida ao Gabinete e por este aprovada.

O Governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento,


na Palestina, de urna mansáo nacional para o povo judeu, a empregará
todos os esforcos para facilitar a realizacSo deste objetivo. Fique, porém,
claro que nada se fará que possa afetar os direitos cívis e religiosos das
cotetlvidades nSo judaicas existentes na Palestina, ou os direitos e esta
tutos políticos de que os judeus gozam em qualquer outro país.

Serei grato a V. Excia. pela cortesía de levar esta Declarado ao


conhecimento da Federacao Sionista.
(a) Arthur James Balfour"

De modo geral, ñas comunidades israelitas a Declaragáo


Balfour suscitou profunda alegría. Bem sabiam da existencia
de árabes na Palestina, mas pareciam dispostas a sereno enten-
dimento com eles, como dizia o sionista Chaim Weizmann aos
9/XII/1917 em Manchester:

"Quando chegar o dia em que será preciso comecar a reconstruyo


da Palestina, um de nossos deveres essenciais será o de chegarmos ao
almejado entendímento com os nossos vizinhos: os árabes e os armenios.
A Palestina tem suficientemente térra, agua e ar para todos nos".

Após a guerra de 1914-18, tendo a Turquía perdido o seu


vasto Imperio, as nacóes aliadas confiaram iá Grá-Bretanha o
mandato sobre a Palestina, disposigáo que foi confirmada e
sancionada pela Liga das Nagóes em 1922.

Todavía no período de 1920 á segunda guerra mundial


(1939-45), a agáo da Inglaterra na Palestina foi fortemente
afetada pelas tensóes provenientes dos países árabes. Estes
estavam dispostos a receber os judeus na Palestina como refu
giados e minoritarios, nao, porém, como futuros senhores da
térra. Em tais circunstancias competia aos ingleses desenvolver
urna política prudente sobre um vulcáo que poderia fácilmente
prorromper em chamas e larvas.

3. Durante a segunda guerra mundial, sabe-se que


6.000.000 de judeus pereceram sob a perseguigáo nacional-
-socialista; desta escaparam os israelitas da Inglaterra, os cinco
milhóes de judeus dos Estados Unidos, os do Canadá, da Amé
rica Latina, da Uniáo Sul-Africana, da Australia e os dos países
maometanos.

Após a guerra, a rea<;áo judaica ao furor nazista exprimiu-


•se num recrudescimento das idéias sionistas. As imigragóes

— 363—
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

para a Palestina, mesmo consideradas ilegais pelo governo


británico, iam-se intensificando. Os israelitas constituirán! na
térra de Israel organizagóes armadas (Haganá, Irgun Zvaí
Lcumí e Lojamei Jerut Israel), dispostas a combater violenta
mente pela conquista da Palestina.

Os acontecimentos precipitaram-se entáo.

Aos 18 de fevereiro de 1947 a Inglaterra devolveu as Na-


góes Unidas o seu mandato sobre a Palestina. Em 29 de no-
vembro de 1947 a ONU votou em favor da fundagáo de um
Estado israelita em parte do territorio palestinense.1 Os Esta
dos árabes resistiram á decisáo... Nao obstante, aos 14 de
maio de 1948, o Conselho Nacional judeu proclamou a inde
pendencia do Estado de Israel. O líder David Ben-Gourion (o
Filho do Leáo) a üustrava nestes termos:

"A térra do Israel foi o berco do povo judeu. Fol lá que se formou
a consciéncia espiritual, religiosa e nacional desse povo. Foi lá que ele
realizou a sua Indepedéncia e criou urna cultura de valor nacional e também
universal. Foi lá que ele escreveu a Biblia e a deu ao mundo.

Exilado do solo da Palestina, o povo judeu Ihe ficou fiet em todos os


países em que esteve disperso, e jamáis deixou de fazer votos e de orar
pelo seu retorno á Palestina e pela restauracáo da sua liberdade nacional".

Os países árabes unidos (Egito, Iraque, Yemen, Arabia


Saudita, Transjordánia e Líbano) atacaram entáo Israel; mas,
rechagados, tiveram que concluir armisticios sucessivos. Quan-
do o último destes se concluiu — com a Siria — aos 11 de
maio de 1949, Israel já era membro da ONU desde 3 de abril
de 1949. O Estado de Israel se estendia por 20.700 km'- em
vez dos 14.200 km2 previstos pela ONU.

Todavía nem Israel nem os árabes se davam por satisfeitos


com a nova situagáo. Em particular, os judeus se ressentiam
de que a Cidade Velha de Jerusalém, com seus santuarios, esti-
vesse em máos dos árabes, que lhes impediam o acesso aos
lugares santos de interesse israelita.

■O projeto de divisao atribuía cerca de 54% da superficie total


da Palestina a um Estado judeu no qual os israelitas serlam majorltários:
498 000, ao lado de 409.000 árabes. Quanto ao Estado árabe da Palestina,
contarla 735.000 habitantes, dos quals 10.000 judeus. A regiSo de Jerusalém
tornar-se-la um territorio separado, sujeito a regime internacional e admi
nistrado pela ONU ; terla 205.000 cldadáos, dos quals 100.000 judeus.

364 —
ISRAEL, QUEM ÉS APÓS A VINDA DE CRISTO? 37

A fermentagáo dos ánimos levou finalmente á guerra dos


Seis Dias (5 — 10 de junho de 1967): os judeus chegaram ao
cana1 de Suez, ocuparam a Cisjordánia e, ao norte, os montes
do Golan. Jerusalém caiu toda em poder de Israel, de sorte
que os judeus puderam de novo ir chorar (ou rejubilar-se!)
junto do antigo templo de Salomáo!

Desde entáo o mundo aguarda um tratado de paz entre


Israel e os Estados árabes... O panorama político até agora
é assaz complexo e confuso e pouco promissor. Tem-se a im-
pressáo de que, se nao for em breve minado por desagregagóes
internas, o Estado de Israel dirá a última palavra nesta fase
do confuto do Próximo Oriente.

Eis o que nos interessava sucintamente recordar nestas


páginas informativas. O leitor, interpelado pelos fatos concer-
nentes á historia de Israel, talvez se sinta incitado a reconhecer
no fenómeno Israel algo de profundamente singular e intrigan
te,... algo que, numa visáo auténtica de fé, só pode ser ex
plicado como urna faceta do grande designio de Deus sobre a
humanidade: amor irreversível, sempre presente, ainda que a
criatura o esqueqa ou contrarié. l Com efeito, se Israel ainda
conserva sua consciéncia de povo próprio e inconfundível, é
porque — diz Sao Paulo — os dons de Deus sao irrevogáveis,
de sorte que o povo escolhido por Deus para preparar a vinda
do Messias Jesús deverá um dia, como povo ou coletividade,
reconhecer este Messias. A historia da humanidade nao termi
nará sem que Israel — hoje ainda distante do Evangelho ou
da salvagáo que lhe foi prometida por Moisés e pelos profetas
— tenha anteriormente ocupado o seu lugar honroso no reino
do Cristo Jesús; cf. Rom 9,25-35.

APÉNDICE : QUEM É JUDEU ?

Um dos problemas que mais pungentemente se colocam no


moderno Estado de Israel, é o de saber quem deve ser consi
derado judeu. Será necessário abracar as tradigóes religiosas
de Israe1 para ser tido como judeu? Exigir-seá a fé professada
pelo Gráo-Rabinato de Jerusalém? Será preciso ser descendente
de pleno sangue, de familia israelita? Que julgar dos filhos de
matrimonios mistos (entre judeus e náo-judeus)?

1 Diga-se sem recelo de exagero: é somente o ponto de vista religioso


bfbllco-crlstio que pode lancar luz sobre o fenómeno Israel.

— 365 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» ifrl/1973

1. A questáo se colocou de maneira muito clara em 1962,


por ocasiáo do caso de Freí Daniel. — Este em 1939, com o
nome de Osear Rufeiser, era um jovem judeu da Polonia, ani
mado de idéias sionistas. Entrou na resistencia contra a ocupa-
gáo alema na Polonia. Com o decorrer do tempo, converteu-se
ao catolicismo e recebeu a ordenagáo sacerdotal como Religioso
carmelita. Desejoso de exercer o seu ministerio entre os irmáos
de sangue, Frei Daniel foi enviado á térra de Israel, onde pediu
os plenos direitos de cidadáo israeliano; para tanto, baseava-se
na Lei Fundamental de Israel, segundo a qual um judeu que
vá estabelecer-se no Estado de Israel se torna automáticamente
cidadáo do país com plenos direitos, a menos que a isto se
oponha expressamente.

O pedido de Frei Daniel foi recusado em primeira instan


cia. Pelo que o interessado se dirigiu 'á Suprema Corte do país,
que assim se viu obrigada a dirimir a questáo concernente ao
significado da palavra judeu na jurisprudencia de Israel. O de
mandante alegava principalmente que o termo judeu na hora
atual nao pode ter conotagóes religiosas, visto que, dentre os
13 milhóes de israelitas do mundo, apenas 2 ou 3 milhóes
observam regularmente os preceitos da religiáo nacional; ele
mesmo, Frei Daniel, se sentía étnicamente judeu e nao julgava
ter traído o sangue de sua familia pelo fato de haver aderido
ao «verdadeiro Israel». Mais: lembrava Frei Daniel que, segun
do o direito judaico internacional, toda conversáo a outra reli
giáo era considerada nula ou ñáo ocorrida, de sorte que, segun
do a lei dos rabinos (Halakhá), ele permanecía membro da
comunidade religiosa e étnica de Israel.

A resposta dada ao caso com quase unanimidade pela Corte


Suprema reconhecia que Frei Daniel permanecerá judeu segun
do a Halakliá ou lei religiosa dos rabinos ou do Talmud, mas
asseverava que o Tribunal Supremo de Israel era urna instancia
leiga Portanto só reconhecia como judeus aqueles que o povo
israelita tinha como judeus. Ora o povo nao aceitava um re
negado como judeu, nem o designava como tal. Por coasegum-
te Frei Daniel nao se poderia beneficiar da lei do retorno e,
caso quisesse fazer-se israeliano, só lhe restava o recurso á
naturalizagáo!

2. A este caso sucedeu-se em 1970 o nao menos vultoso


episodio Cha'itt. Com efeito, o comandante Binyamine Chalitt,
jovem oficial da marinha israeliana, pediu que seus dois filhos
— de dois e quatro anos de idade respectivamente — fossem

— 366 —
ISRAEL, QUEM ÉS APÓS A VINDA DE CRISTO? 39

civilmente registrados como judeus (do ponto de vista étnico).*


A máe das criancas era escocesa, e nao professava a religiáo
de Israel, mas dava-se por atéia... O oficial do Departamento
de Registros Civis em Israel indeferiu o pedido de Chalitt, se-
guindo as determinagóes da lei israeliana, a qual só reconhecia
(e reconhece) como judeus os filhos de máe judia (de máe
judia, porque sempre se pode identificar a máe de urna crianga
recém-nascida, mas nem sempre o pai). — O Comandante,
sentindo-se lesado, apelou para a Corte Suprema de Israel, a
qual, aos 23 de Janeiro de 1970, estipulou que as criangas fossem
registradas como sendo de filiagáo judia; todavía, acrescentava
a sentenga, nao poderiam ser considerados judeus para os as-
suntos sujeitos a jurisdigáo do Gráo-Rabinato. A Corte fundava
seu alvitre sobre o principio de que o oficial dos Registros Civis
devia limitar-se a consignar as declaragóes dos cidadáos sem
as trocar ou por em questáo, a menos que fossem evidentemen
te falsas ou extravagantes.

Diante dessa decisáo da suprema magistratura, os Partidos


Religiosos de Israel se insurgiram, ameagando o Governo de
Ihe tirar o seu apoio. Em conseqüéncia, a Kenesseth (Parla
mento), depois de calorosas manifestagóes contraditórias, resol-
veu em margo de 1970 baixar urna lei contraria a decisáo da
Corte Suprema (nao, porém, retroativa): para ser cidadáo israe-
liano, é preciso ter nascido de máe judia e nao professar credo
diverso do judaico (embora o cidadáo possa ser religiosamente
indiferente ou ateu).

3. Pergunta-se entáo: seria o Estado de Israel urna teo


cracia? — Por teocracia entende-se o regime em que as mes-
mas pessoas e as mesmas instancias exercem a autoridade civil
e a religiosa. Ora neste sentido Israel nao é teocracia; mas, como
nos demais países do Próximo Oriente, também em Israel a
Rjeligiáo e o Estado estáo praticamente vinculados entre si no
tocante a varios assuntos: as questóes de identidade civil, ca
samento, divorcio, repouso semanal... ficam sob a inspiragáo
dos principios religiosos do país. Embora a Sinagoga e o Esta
do estejam separados em Israel, aquela exerce forte condiciona-
mento político sobre este, como bem o demonstrou o caso
Chalitt Este suscitou pronunciamentos de judeus do mundo
inteiro, que tachavam a sentenga da Corte Suprema de ameaqa

'Este tipo de registro Impllcava que os dols Interessados terlam car-


telra de Identidade marcada pelo leom, slnal este que nSo se dá nem aos
érabes, nem aos drusos nem aos estrangelros residentes em Israel.

— 367
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

á pureza da familia israelita e á unidade entre os judeus de


Israel e os do estrangeiro.

Na verdade, o Partido Religioso Israeliano mais forte ocupa


apenas 18 cadeiras dentre as 120 que compóem o Parlamento.
Todavía a influencia dos cidadáos piedosos é muito mais pode
rosa do que a desse porcentual de 15%. Um sentimento reli
gioso, as vezes atávico, anima os governantes de Israel, con-
correndo para deter a onda de laicizagáo do Estado. Em 1970,
a Sra. Golda Meir mesma declarou que a legislagáo nao devia
abrir brechas para casamentes mistos e acrescentou: «Empe-
nhar-se pela sobrevivencia do povo de Israel é mais importante
do que a existencia do Estado de Israel e do sionismo... No
sáculo XX nao abandonaremos nem os chales de" oragáo nem
as filactérias».

Os observadores notam que essa tendencia religiosa do


atual Estado de Israel representa urna atitude de ánimo bem
diversa da mentalidade laicizada dos pais e fundadores desse
Estado. Os jovens pioneiros judeus que, no inicio do séc. XX,
iam ter á Palestina para lavrar !he a térra, recusavam simul
táneamente a brutalidade injusta dos czares da Rússia e a
ortodoxia dos rabinos. Theodor Herzl quería ver, no futuro
Estado de Israel, os teócratas confinados no seu templo e os
soldados nos seus quarteis. David Ben-Gourion, por principio,
recusou casar-se segundo o rito religioso. Registrou-se também
o caso de jovens judeus ateus que, num solene dia do Perdáo
(consagrado ao jejum e á oracáo) após a primeira guerra
mundial, caminharam até o Muro das Lamentacóes, comendo
sanduíches de presunto e sonhando com um país aberto, leigo,
socialista, em que a ética dos Profetas andaría de par com um
socialismo baseado na justiga social, na tolerancia e no amor
ao próximo.

4 Estas notas tém apenas o valor de crónica. Com elas


nao tencionamos julgar a ordem de coisas vigente em Israel.
Diríamos, porém, que o fato de que as leis de um Estado se
inspirem em principios religiosos é altamente louvável e deseja-
vel- em última análise, Deus é o Autor e Consumador de toda
a estrutura moral e jurídica de urna sociedade. Apenas e para
dcsejar que os principios religiosos sejam marcados pelo
amor , sincero amor a Deus e amor ao próximo, a todo e
qurJquer homem (seja judeu, seja grego, seja bárbaro).
A propósito veja-se o Interessante llvra de Moché Catane : "Qul est
|uH? Le célebre jugement de la Cour Supréme dMsrael . París 1972.

— 368 —
Comemorando os 25 anos do Estado de Israel:

jerusalém, a cidade da paz,


e os nossos dias

Em sintese: Comemora-se em 1973 o 25? aniversario do Estado de


Israel o que suscita mais urna vez a questfio das sortes futuras da Cidade
Santa de Jerusalém.

Esta, na verdade, está ligada ás tres grandes rellgldes monoteístas da


humanidade: o Cristianismo, o Judaismo e o Islamismo. Após a ocupacSo
da Cidade Nova de Jerusalém em 1948 e, mals aínda, após a conquista
da Cidade Antlga em 1967 pelas tropas de Israel, tem-se apregoado a
¡nternaclonalizacSo de Jerusalém ou, ao menos, da Cidade Antiga, onde
se acham os grandes santuarios, multo freqüentados por peregrinos crlstSos,
judeus e árabes. Desde 1948 a ONU vem preconizando tal medida de neu-
tralidade que satisfaría a grande parte da humanidade; o Santo Padre
Paulo VI também tem-se pronunciado repetidamente em favor de tal medida.

Todavía nem os árabes nem os judeus parecem propensos a atender


a tais apelos. O Estado de Israel anexou a si a Cidade Santa e considera
Jerusalém como sua capital (embora a grande maloria das nacdes estran-
geiras nao a reconheca como tal); a freqüentacSo dos Lugares Santos é
tranquila, mas está sujelta ás lels e ao controte que as autoridades Israe-
fenses Ihe queiram impor.

Que dizer quanto ao futuro de Jerusalém ?

— É multo provável que o Estado de Israel, embora lute contra adver


sarios externos e dissensSes internas, se fortalece e conserve duradoura-
mente. Abrandará sua posicáo e seu controle em relacáo aos Lugares
Santos ? — Há quem Ihe faga confianca, esperando que o Governo de
Israel conslnta em firmar um Estatuto de Jerusalém em acordó com a ONU.
Asslm Israel ganharia prestigio e atrairla a si a simpatía de grande parte
da oplniáo pública mundial.

Visto que é utópico pensar numa Jerusalém totalmente crista (a Pro


videncia Divina teve outro designio), é para desejar que o Estatuto de Jeru
salém se torne realidade em breve, desvinculando as sortes de Jerusalém
das vicissitudes políticas que agitam os povos.

Comentario: Periódicamente a imprensa transmite noticias


sobre Jerusalém e a propalada internacionalizacáo dos Lugares
Santos. Ainda em Janeiro pp., por ocasiáo da visita da Sra.

— 369 —
42 iPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

Golda Meir, Primeiro-Ministro de Israel, ao Sumo Pontífice


Paulo VI (15/1/73), os jomáis referiam que o S. Padre falou
a visitante «a respeito dos lugares santos e do caráter sagrado
e universal da cidade de Jerusalém» (cf. «L'Osservatore Ro
cano» 15/16/1/73). Alias, de há muito se ouve falar de inter-
nacionalizacáo dos Lugares Santos — o que nos dá ensejo agora
de perguntar o que significaría propriamente esta tese e quais
as suas probabilidades de realizacáo concreta. A estes quesitos
procuraremos dar um principio de resposta ñas páginas que se
seguem, abordando os seguintes ítens; 1) Um pouco de histo
ria; 2) Jerusalém, Cidade Santa; 3) Jerusalém, sinal de con-
tradigáo; 4) Jerusalém amanhá.

1. Um pouco de historia

A cidade de Jerusalém conta seus milenios de existencia, pois


é mencionada em documento hieroglífico do Egito cerca de
2.000 anos antes de Cristo; encontrou-se também urna carta
escrita em Jerusalém pelo rei Abdi-Heba ao faraó do Egito
em 1350 a. C.

A Biblia menciona pela primeira vez Jerusalém, quando


se refere a Melquisedeque, rei de Salém, que foi ao encontró
de Abraáo em 1850 a. C; cf. Gen 14, 18. Quando os israe
litas entraram em Canaá no séc. XIII a. C, Jerusalém, com
o nome de Jebus, estava em máos dos jebusitas e gozava de
posigáo estratégica no alto de montanha. Em conseqüéncia, so-
mente por volta do ano 1.000 a. C, o rei Davi conseguiu
conquistar Jerusalém, penetrando nela através do túnel de urna
cisterna (cf. 2 Sam 5, 6-9). Salomáo, filho e sucessor de Davi,
construiu na cidade conquistada o Templo do Senhor, fazendo
da mesma o centro religioso do povo de Israel, que anualmente
peregrinava á Casa Santa de Deus (cf. 1 Rs 6, 1-38). Nos
últimos anos anteriores a Cristo, Horades o Grande (37-4 a.
C.) embelezou grandemente a cidade, que, alias, no séc. VI
fora destruida pelos babilonios sob Nabucodonosor, e no séc.
V reconstruida.

Em Jerusalém o Senhor Jesús Cristo consumou a Lei de


Moisés e cumpriu as expectativas de Israel; ensinou, sofreu,
morreu e ressuscitou na Cidade Santa, dando a esta um novo
valor. Jerusalém tornou-se assim a Cidade Santa por excelen
cia para os cristáos.

— 370 —
INTERNACIONALIZACAO DE JERUSALÉM 43

Em 70 d. C, Jerusalém foi mais urna vez destruida, caindo


sob os golpes dos exércitos de Pompeu, general romano, que
repelía urna insurreicáo judaica. Já, porém, que os judeus se
haviam de novo rebelado na regiáo, o Imperador romano Adri
ano os venceu em 135 d. C, e construiu sobre as ruinas da
antiga capital judaica urna nova cidade com o nome de Aelia
Capitolina, de sorte que ai se encontram ainda vestigios de edi
ficios romanos e bizantinos.

Em 638 os maometanos tomaram a cidade. Dizendo-se


filhos de Abraáo por via de Ismael e reconhecendo em Jesús
um grande profeta, os árabes respeitaram Jerusalém. Sobre
o presumido lugar do Templo de Salomáo, os árabes construi-
ram a grande mesquita dita de Ornar; nao tocaram, porém, no
sitio do Calvario e do Santo Sepulcro de Cristo. Os muculma-
nos ergueram numerosas mesquitas na cidade, fazendo déla
um objetivo muito caro para suas peregrinagóes.

Jerusalém esteve quase 500 anos sob o dominio dos califas


árabes. Em 1099 os cruzados apoderaram-se déla, tomando-a
a capital do reino de Jerusalém. Todavía efémera foi tal situa-
cáo, pois cerca de cem anos depois (1187) os sarracenos expul-
saram definitivamente os cruzados da Cidade Santa, onde se
estabeleceram até que os turcos a tomassem em 1517.

Em 1860, por iniciativa de Moisés Montefiore, surgiu o


primeiro suburbio de Jerusalém fora dos muros da cidade anti
ga; assim nasceu a nova Jerusalém, que se expandiu rápida
mente, ultrapassando em dimensóes e populagáo a antiga.

A ocupacáo turca cedeu, após 400 anos, ao mandato britá


nico. Entrementes o Movimento Sionista ia tomando vulto
crescente, incitando milhares de judeus a conceberem o ideal
de reconquista da Palestina. Ora os filhos de Israel que se
haviam estabelecido na Térra Santa nos últimos decenios, con-
seguiram finalmente dominar parte do pais em 1948; ficaram
com a cidade nova de Jerusalém, enquanto a Cidade Antiga
permanecía em poder dos árabes (reino da Jordania); entre
urna e outra parte da cidade havia urna faixa neutra (no man's
land). Por último, em 1967 as tropas israelenses ocuparam
também a Cidade Antiga, unificando Jerusalém. Esta hoje
conta cerca de 283.000 habitantes, dos quais 209.000 (quase
todos judeus) moram na cidade nova, e 74.000 na antiga. É
nesta que estáo os principáis santuarios cristáos, com excecáo

— 371 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

do horto e da montanha das Oliveiras, do Cenáculo, do mos-


teiro da Dormigáo (ou da morte de María)...

A situagáo assim criada suscita questoes religiosas, prin


cipalmente para os cristáos e os mugulmanos, como abaixo ve
remos.

2. Jerusalém, Cidade Santa

Jerusalém é o ponto de encontró geográfico das tres gran


des crencas monoteístas do universo: a judaica, a crista, a islá
mica (segundo a ordem cronológica). Nela se acham os san
tuarios, construidos sobre lugares altamente veneráveis, que
sao o alvo de grupos de peregrinos, cujo número cresce mais
e mais em nosso século materializado. Jerusalém é, pois, o
sinal de sentimentos e valores espirituais e religiosos de grande
parte da humanidade, mesmo nos dias atuais.

Em vista destes valores, a Sociedade das Nagóes, após a


guerra mundial de 1914-18, entregou a Palestina a um man
dato británico; e a ONU, que sucede áquela entidade, julgou
seu dever pronunciar-so sobre a sorte futura da cidadc, apre-
goando a internacionalizagáo de Jerusalém, a fim de 'que esta
ficasse ao abrigo de tendencias e maquinacócs políticas. A ONU
concebeu dois projetos de «Estatuto de Jerusalém», respecti
vamente em 1948 e 1950, em que afirmava repetidamente seu
intuito de «... proteger e preservar os inestimáveis interesses
espirituais e religiosos que tém por sede a Cidade das tres
grandes crencas monoteístas esparsas no mundo inteiro: Cris
tianismo, Judaismo e Islamismo. Desta forma a ordem e a paz,
principalmente a paz religiosa, reinaráo em Jerusalém».

Exprimindo a mesma intencüo, o delegado do Perú, mem-


bro da Comissáo da ONU encarregada de estudar a sorte de
Jerusalém, afirmava:

"A Organizado das Nacoes Unidas goza de elevada autoridade moral


para abordar a questSo de Jerusalém, pois esta cidade, enquanto capital
religiosa do mundo, congrega (Independentemente das divergencias dogmá
ticas ou das rivalidades históricas) as tres grandes rellgloes do mundo:
a crista, a Islámica e a judaica, unidas por urna comunhSo de orlgem e
de tradicdes. É assím que Jerusalém, além da importancia que tem para
cada urna das tres religISes, aparece também como um símbolo da comu-
nháo espiritual do género humano".

Note-se também que um «Memorándum israelense» de


1950 fazia eco a tais declaracdes nos termos seguintes:

— 372 _
INTERNACIONALIZACAO DE JERUSALÉM 45

"Jerusalém engloba, de maneira única no mundo, os Lugares Santos


das tres rellgldes universais. Esses santuarios insplram urna veneracSo
mundial que ultrapassa longe o seu quadro geográfico. A protecSo dos Lu
gares Santos e da liberdade de acesso aos mesmos, ainda como a preser-
vacSo dos direltos religiosos dos Interessados, constituí um dever sagrado
para a coletivldade das nacQes; é Importante que a responsabilidade das
NacSes Unidas a tal propósito seja umversalmente reconhecida".

Como se compreende, o S. Padre Paulo VI mais de urna


vez se pronunciou sobre a questáo. Merecem realce especial os
seus dizeres no Consistorio de 26 de junho de 1967, pouco após
a Guerra dos Seis Días:

"Os difíceis e complexos problemas territoriais que desde muito aguar-


dam urna solucüo razoável e que o confuto armado acaba de colocar em
trágica luz, devem ser encarados sem demora, para o bem da própria
humanidade: a Cidade Santa de Jerusalém deve continuar para sempre a
ser a Cidade de Deus, livre oasis de paz e de oragáo, lugar de encontró,
de elevacao e de concordia para todos".

Como se vé, Jerusalém, por motivos históricos, nao diz


respeito apenas a um povo, mas está intimamente ligada as
tres crengas religiosas monoteístas da humanidade, que con-
gregam diversos povos; deveria ser a capital do ecumenismo e
do encontró fraterno dos que sinceramente procuram a Deus.
Na verdade, porém, nao é o que se dá... — Por qué?

3. Jerusalém, sinal de contradijao

1. A Cidade Santa, em vez de ser o local de comunháo


fraterna dos povos, está sendo atualmente reivindicada por
pretendentes diversos: a Jordania (os árabes) e Israel (os ju-
deus), entre os quais a ONU tenciona exercer urna mediagáo
neutra, ou seja, de índole nao nacionalista.

Examinemos sucintamente a atitude de cada qual destes


tres blocos:

a) A Jordania ocupava a Cidade Antiga até 1967, em con-


seqüéncia da antiga penetragáo árabe, que teve inicio no séc.
VII com a expansáo maometana. O rei Hussein, da Jordania,
até junho de 1967 nomeava um Protetor e Guardiáo dos Luga
res Santos. A Jordania declarou mesmo repetidamente que nao
renunciou ao plano de regressar a Jerusalém.

b) A ONU julga-se obrigada a intervir no conflito pelo fato


de que a antiga Sociedade das Nacóes tomou a si a tutela da

— 373 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS»- 164/1973

Palestina quando esta, por assim dizer, foi deserdada em vir-


tude da queda do Imperio Otomano. A ONU considera-se a
sucessora da Sociedade das Nagóes e julga ter suas responsa
bilidades a propósito de Jerusalém — atitude esta que Israel
contesta fortemente.

Em 1947-1950, como dito, a ONU concebeu um plano de


inlernacionalizagáo de Jerusalém e seus arredores, plano este
que, como se sabe, nao foi executado.

Após a Guerra dos Seis Dias, em sua assemblcia plenária


de julho de 1967, a ONU reagiu contra a situagáo que assim
se criara: 99 vozes da assembléia aprovaram o voto do Paquis-
táo, que nao reconhecia as medidas tomadas por Israel para
modificar o Estatuto de Jerusalém, ou seja, para anexar a Ci-
dade Santa ao novo Estado israelense. Em maio de 1968, o
Conselho de Seguranga pediu a Israel nao tomasse medidas
que alterassem o Estatuto jurídico da cidade; de novo, em julho
e setembro de 1969, após o clamoroso incendio da mesquita de
Al-Aqsa na Cidade Velha (incendio provocado por um aven-
tureiro da Australia), o- mesmo Conselho solicitou a Israel
idéntica atitude. De entáo por diante, a ONU nao tem mani
festado a consciéncia de sua soberania sobre Jerusalém — o
que nao quer dizer que tenha mudado de parecer.

c) Israel. Quando, aos 7 de junho de 1967, Israel ocupou


a parte jordaniana da Cidade Santa, o general Moshé Dayan
proclamou diante do Muro das Lamentagóes: «Estamos em Je
rusalém para nunca mais a deixar». É o que se ,dá até hoje:
após se haver estabelecido primeiramente em Tel-Aviv, o Go-
verno de Israel se transferiu para Jerusalém, apesar dos pro
testos da ONU (diga-se, alias, que a grande maioria das Em-
baixadas estrangeiras permaneceu em Tel-Aviv). Os novos
ocupantes tratam agora de judaizar ou «rejudaizar» (como
dizem os sionistas) a Cidade Velha. Os Lugares Santos sao
atualmente regidos por leis israelenses.

Note-se, porém, que as declaragóes feitas por Israel logo


após 1947 sugeriam outra realidade. Assim, por exemplo, o
«Memorándum sobre o futuro de Jerusalém», dirigido pelo Sr.
Aban Ebba, representante de Israel na ONU, ao Presidente da
Comissáo especial, em 15 de novembro de 1949, insinuava urna
internaciona'izacáo parcial do territorio em que se acham os
Lugares Santos. Quanto ao «Memorándum» israelense de 26
de maio de 1950, propunha urna internacionalizagáo «funcio
nal», de acordó com. a ONU.

— 374 —
INTERNACIONALIZACAO DE JERUSALÉM 47

2. Pergunta-se, pois: como explicar a atual atitude de


Israel? É incompatível com a orientagáo da ONU, da qual, po-
rém, Israel faz parte? Qual o fundamento dos direítos do novo
Estado?

Certas vozes autorizadas em Israel responderam nos se-


guintes termos:

O judaismo nao é somente um povo que tem urna religiáo,


mas é um povo que, por sua religiáo, está vinculado a urna
térra concreta, a térra .de Israel. Em conseqüéncia, Jerusalém,
para os judeus, nao tem somente um significado religioso, mas
também um significado nacional; para o Cristianismo e o Isla
mismo, a® contrario, ela só tem valor religioso.

Todavía esta alegagáo nao convence o observador sincero,


pois o Estado de Israel é, em si, um Estado leigo, que atende em
grande parte as exigencias do Gráo-Rabinato, porque este tem
forga política. Pode-se dizer — sem medo de errar — que o
espirito religioso está assaz diluido, se nao apagado, na maio-
ria dos membros do Governo de Israel. Nao é raro ouvir-se
um judeu dizer que nao eré em Deus, mas que faz parte do
povo eleito (eleito ou escolhido por quem entáo?).

O fato, porém, é que a posigáo de Israel em Jerusalém se


firmou pelas armas — o que ainda nao basta para fundamen
tar um auténtico direito.

3. Nao há dúvida de que a situagáo presente nao suscita


momentáneamente graves queixas por parte das csrrentes re
ligiosas interessadas em Jerusalém.

Com efeito, as tropas de Israel em junho de 1967 recebe-


ram a ordem de respeitar os Lugares Santos. Desde aquela
data, o acesso a tais santuarios é facultado a todos os crentes.
O Governo israelense nao se envolve em questóes religiosas
propriamente ditas, mas confiou aos diferentes chefes religiosos
a salvaguarda dos santuarios da cidade.

Todavía, apesar desta boa vontade de Israel, nao deixa de


haver inconvenientes, na situagáo presente, para os interessados
religiosos — inconvenientes dos quais o Governo de Israel nao
é sempre responsável. Tais seriam as restrigóes que se podem
fazer ao «statu quo»:

— 375 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 164/1973

a) A situagáo política no Próximo Oriente é instável. Por


certo, o Estado de Israel se julga forte e duradouro, tendo
obtido duas Vitorias retumbantes sobre os árabes; o ano de
1973 é precisamente festejado como o 25* da independencia da
térra de Israel. Todavia esse aniversario é celebrado em clima
de inseguranga e ameagas.

b) O Estado de Israel nao é ameagado somente por seus


inimigos externos, mas luta com correntes e dissensóes inter
nas. A populagáo israelita do país está matizada em varias
facgóes, a partir da mais ortodoxa (do bairro de Mea-Schearim,
em Jerusalém) até a mais liberal e aberta ao diálogo (geral-
mente os grupos jovens). Ora as leis de protecáo dos Lugares
Santos, atualmente em vigor, dependem da presente configura-
cáb do Governo de Israel: se esta se transformar por urna re-
bordosa política, tal legislagáo poderá ser posta em xeque.
Qual seria entáo a sorte dos Lugares Santos se nao tivessem
outra garantía que nao a presente legislagáo israelense?

Pergunta-se, pois: ñas circunstancias do momento, seria


possível aventurar urna resposta para a questáo sobre a sorte
da Jerusalém de amanhá?

4. A Jerusalém de amanha. . .

Qualquer afirmagáo categórica neste setor seria temera


ria. Todavia tém-se encarado diversas eventualidades, todas
sujeitas a ser contraditadas pelos acontecimentos. Podemos
compreendé-las dentro de tres conjeturas principáis, que com-
portam, cada qual, numerosas variantes:

1) O Estado de Israel se desmantelará por si ou vira a


ceder a um governo árabe, ficando entáo Jerusalém novamente
dividida entre judeus e árabes ou simplesmente entregue ao
dominio árabe.

Duas possibilidades entáo se aventam: a ONU interviria


ou nao. No primeiro caso, os Lugares Santos poderáo benefi
ciarse de urna internacionalizagáo limitada ou mesmo «fun
cional» .

2) O «statu quo» político nao se alterará. Mas a ONU


conseguirá realizar o seu projeto de Estatuto de 1950, adap-
tando-o as novas circunstancias de Jerusalém. Ter-se-á entáo

— 376 —
urna internacionalizacáo total ou parcial dos Lugares Santos.
— Diga-se de passagem: se a hipótese anterior (n.° 1) já era
pouco provável, milito menos ainda o é a que acabamos de con
siderar.

3) Israel manter se-á em Jerusalém, como afirmam os


israelenses e como eré um número cada vez maior de observa
dores. Neste caso, duas hipóteses podem ser formuladas: ou
se mantera, sem alteracáo, o «statu quo» religioso vigente em
Jerusalém, ou o Estado de Israel reconsiderará a sua posigáo
no tocante aos Lugares Santos.

Esta última possibilidade é aceita por varios pensadores


cristáos e nao cristáos. O Estado de Israel, abandonando as
suas reivindicacóes legislativas sobre os Lugares Santos, im-
pressionaria favoravelmente cristáos e mugu'manos, como tam-
bém nao poucos judeus esparsos pelo globo; o Governo de Israel
precisa da simpatia da opiniáo pública mundial. Caso tal abran-
damento se dé, Israel proporia talvez um Estatuto de Jerusa
lém, que equivaleria a urna das possíveis formas de interna
cionalizacáo funcional, de comum acordó com a ONU. — Será
esta realmente a conjetura mais veross'mil, como créem ero
nistas abalizados? — Somente o futuro poderá responder as
perguntas que ora se colocam.

Resta urna ulterior questáo:

5. Um Estatuto de Jerusalém : em que termos ?

Um Estatuto de Jerusalém seria urna Constituicáo própria


para a Cidade de Jerusalém ou, ao menos, para os Lugares
Santos da Cidade Antiga e da Cidade Nova; tal Constituicáo
seria elaborada por todos os interessados, a comecar pelas cor-
rentes religiosas. Levaría em conta o significado sagrado que
a Cidade tem para milhóes e milhóes de fiéis e procuraría pre
servar tal significado, defendendo-o da laicizagáo ou da destrui-
cáo. Caso tal Estatuto nao se elabore ou nao se respeite a
cidade de Jerusalém corre o risco de se tornar urna capital de
Estado como outras, em que se poderáo visitar as curiosidades
deixadas pelos antepassados... O Estado favorecería entáo o
turismo e o comercio, aue sobrepujarían! aos poucos os interes-
ses propriamente religiosos ligados a Jerusalém. Mais ainda:
as tendencias a modernizar e urbanizar a Cidade Velha, com
suas ruelas estreitas, seu Grande Bazar, seus monumentos
acumulados uns sobro os outros,... pode desfigurar por com
pleto a Cidade Santa e, com ela, urna boa parle do país da
Biblia.

Diga-se também: um Estatuto de Jerusalém aliviaría o


Estado de Israel da grande responsabilidade que lhe toca na
tutela dos Lugares Santos; haveria entáo corresponsal lidade
em relagáo aos tesouros comuns das populagóes monoteístas do
globo. O Estado de Israel ganharia prestigio por haver, de cer-
to modo, conseguido contentar a tantos milhóes de interessados
pela primeira vez na historia mundial.

Tal Estatuto deveria ter seu valor «trans-histórico» no


sentido de que, frente a qualquer mudanca de rumo na política
israelense ou internacional, conservaría incólume o seu vigor,
sustentado por garantías internacionais. Para os casos de
eventuais problemas ou conflitos que surgissem futuramente a
tal respeito, poder-se-ia admitir urna arbitragem internacional,
de antemáo aceita pelos interessados. Como se compreende, o
Estatuto poderia ser retocado num ou noutro ponto que se
tornasse obsoleto, mas nao seria essencialmente afetado ou
invalidado.

Quanto aos santuarios exclusivamente cristáos, como os


de Belém e os da Galiléia (Nazaré, Cafarnaum, Cesaréia de
Filipe ..), poderiam também ser objeto de um acordó entre
o Estado de Israel e as autoridades cristas interessadas, de
sorte a se garantir a incolumidade religiosa dos mesmos.

Eis o que, no momento, se poderia dizer sobre a famosa


questáo dos Lugares Santos e sua internacionalizagáo, neste
ano jubilar do Estado de Israel.

Queira Deus ouvir os anseios dos homens de boa vontade


que nesta hora procuram a preservagáo dos tesouros religiosos
da humanidade!

A propósito apraz-nos citar o interessante artigo de D. Bernardin


Collin, bispo de Digne (Franca), que, com o titulo "Jérusalem", foi publi
cado em "Esprit et Vle", de 25/1/73, pp. 54-57.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

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