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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIN.E

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
ü_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
' ..■ dissipem e a vivencia católica se fortaieca
■" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice

A ENERGÍA ATÓMICA EM FOCO 329

Um documento importante:
CATÓLICOS E JUDEUS EM DIÁLOGO 331

Grande questáo:
NEUROSE E SANTIDADE SE CONJUGAM ? 344

Estranha surpresa:
OS SANTOS ATRAVÉS DA GRAFOLOGIA 356

Um esclarecimento:
MA!S UMA VEZ IGREJA E MACONARIA 372
LIVROS EM ESTANTE 375

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Ciencia e Fé se conciliam entre si ? — A gloriosa Paixáo


de Jesús em Sao Joáo. — "Eu estou OK. Vocé está OK". —
"Alphaville" no cinema.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatural anual Cr$ 50,00


Número avulso de qualquer mes Cr$ 5,00
Volume encadernado de 1974 Cr$ 70,00
índice Geral de 1957 a 19G4 Cr$ 10,00

EDITORA LAUDES S. A.

RIÍDACAO DE PR ADMINISTRAgAO
Culxa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZC-00
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20.000 Rio de Janeiro (GB) Tels.: 268-9981 e 268279B

No Rio, á Rúa Real Grandeza, 108, a Ir. María Rosa Porto


tem um depósito de PR e recebe pedidos de assinatura da
revista. Tel.: 226-1822.
A ENERGÍA ATÓMICA EM FOCO
Tem-se comentado vivamente na imprensa a entrada do
Brasil na era nuclear. A perspectiva de que talvez se venham
a fabricar bombas atómicas em nosso país, sugere a certos
observadores restricóes ou condenagáo ao acordó Brasil-Ale-
manha. Saberáo os responsáveis pelos destinos da nacáo uti
lizar a energía atómica únicamente para fins pacíficos e cons-
trutivos?

É diante desta questáo que o cristáo se vé hoje em dia


colocado. Que posigáo assumirá ele, que deve ser portador do
Evangelho da paz para todos os homens?

— Pode-se dizer que, fundamentalmente, o cristáo é oti-


mista em relagáo ao mundo que o cerca. Este é criatura de
Deus, boa em si, entregue ao homem para que continué a obra
do Criador, descobrindo as riquezas minerais, vegetáis e ani
máis contidas ñas entranhas das criaturas; ao homem com
pete imprimir a marca da sua inteligencia e da sua capaci-
dade de artesáo a realidade sensivel em que vive; assim o ser
humano é chamado a consumar a bela obra que o Senhor
Deus quis iniciar, exercendo ele as fungSes de mediador entre
o mundo visível e o Deus invisível. — Alias, a Biblia se abre
descreyendo o homem como «imagem e semelhanga de Deus»
ou «lugar-tenente do Criador» (cf. Gn 1,28) e se encerra com
o Apocalipse, onde todas as criaturas sao apresentadas - na
corte celeste a dar gloria ao Senhor (cf. Ap 4-5).

É nestes termos que o Cristianismo se distingue de qual-


quer filosofía pessimista ou dualista. Segundo estas, o espirito
deve ser libertado da materia considerada como má, ao passo
que o Cristianismo liberta a própria materia.

Todavía a esta altura há quem acuse o Cristianismo pre


cisamente por ser otimista e sorridente em relagáo ás criatu
ras materiais. Nao seria a filosofía crista um estímulo para
a corrida ao «ter mais» e á dominagáo ilícita? O pensador
Dennis L. Meadows, numa obra recente intitulada «Wachstum
bis zur Katastrophe?» (Crescimento até a catástrofe? Stutt-
gart 1974), julgava estarem na Biblia as premissas do desen-
volvimento técnico capaz de esmagar o próprio homem. Cari
Amery, em «La fin de la previsión?» (1972), faz semelhante
observacáo. O famoso historiador inglés Arnold Toynbee, por
sua vez, fala da «responsabilidade do Cristianismo pela polui-
gáo dos ambientes» (título, alias, de um livro desse autor).

— 329 —
Em suma, em círculos de sociólogos, antropólogos e filósofos,
ouve-se nao raro a queixa de que o Cristianismo faz uso insu
ficientemente crítico das palavras do Génesis: «Crescei... e
dominai a térra» (1,28).

Ora diante de tais comentarios deve-se propor a seguinte


observagáo: segundo a Biblia, Deus quis confiar ao homem a
missáo de transformar o mundo; por certo,... nao, porém, á
semelhanga de um déspota e, sim, como continuador de um
modelo que se acha tragado na narragáo bíblica da criagáo.
Essa transformagáo deve tornar possível a habitagáo de Deus
entre os homens. Nao o homem, mas a mansáo de Deus entre
os homens é, conforme o texto sagrado, o objetivo da histo
ria do mundo.
Por conseguinte, a concepcáo bíblica nao há de ser con
fundida com a tese de que ao homem toca o direito de explo
rar o mundo segundo seu bel-prazer. A técnica e a arte sao
como que a prolongacáo da obra criadora de Deus.

A perspectiva de fé confere á natureza e ao mundo tanto


o fundamento como os limites do seu valor. Explicitando tal
visáo, a Igreja apresenta urna concepcáo simultáneamente
grandiosa e humilde do homem e do seu papel na térra. A
nobre missáo do género humano só será dignamente desem-
penhada se os homens nao se esquecerem da ascese crista.
Esta, longe de ser masoquismo ultrapassado, é, hoje em dia
mais do que nunca, atual e necessária em virtude de nova
motivagáo: saiba o homem recusar pretensóes e sugestóes
cuja satisfagáo degrade os sentimentos de fraternidade e soli-
dariedade dos homens entre si e, conseqüentemente, firam os
planos do Criador. Um desenfreado consumo de bens mate-
riais reproduziria em nossos dias o que Sao Paulo em seu
tempo descrevia: as criaturas irracionais foram submetidas
pelo homem á vaidade (loucura) e gemem sob o jugo daquele
que deveria ser seu sacerdote e artífice (cf. Rm 8,18-22).

É á luz destas reflexóes que o cristáo considera o uso da


energía nuclear no Brasil. Esta pode servir nao só á destruigáo,
mas também ao progresso prodigioso da medicina, da agricul
tura, da genética animal, da computagáo matemática..., em
suma... ao ideal de humanizar o homem e o mundo. Assim
o homem feito mais homem, servindo-se das criaturas e por
tador das riquezas do mundo visível, apresta-se a dar gloria
ao Criador. O cristáo faz votos para que isto se dé, sem que
jamáis as forcas portentosas da materia aviltem a imagem e
semelhan;a do Senhor Deus!
E. B.

— 330 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVI — N» 188 — Agosto de 1975

Mais um documento Importante:

católicos e judeus em diálogo


Em edítese: A Comlssfio da Santa Sé para as Relaces Religiosas
com o Judaismo publlcou a 1<?/XII/74 um documento no qual traca normas
e propSe sugestóes que vlsam a promover mals e mals o entendlmento
entre católicos e judeus. Este é Importante, pois somonte a partir da
Antiga Allanga é que se entendem a Nova Allanca e o misterio da Igreja.

As InstrucSes promulgadas pela S. Sé dlstrlbuem-se sob quatro títu


los : Diálogo, Liturgia, Educacáo e Enslno, AcSo social e comum. Urna
das notas constantes das mesmas é a aflrmacSo de que o Cristianismo é
o cumprimento das promessas feitas aos Patriarcas, Reis e Profetas de
Israel; por este motivo, Israel merece estima e conslderacfio da parte dos
crlstfios. Será necessárlo, pols, por em especial relevo, na catequese e na
liturgia católicas, os textos que coiiservam valor perene e evitar atribuir
a todo o povo Judeu de outrora ou de hoje a responsabllldade da conde
nado de Jesús; na verdade, Israel nos tempos de Cristo era realidade
complexa, que compreendla varias tendencias religiosas e culturáis, de
modo que seria Impreciso falar do judaismo antlgo como de um bloco
rígido e monolítico. Leve-se em conta também que a historia de Israel con
tinua, depois de Cristo, chela de significado religioso; o povo Judeu, por
seu surto antes de Cristo e sua persistencia depois de Cristo, é um
fenómeno que as ciencias sociais nio explicam e que só como portento
Instituido pelo próprlo Deus pode ser compreendldo.

O documento de Roma prevé diálogos religiosos entre grupos judeus


e católicos devidamente preparados para tanto, ...oracSes feitas em
comum, principalmente em vista dos problemas da justlca e da paz,...
colaboracSo judeo-católica máxime nos setores da Justina social ■ e da paz
entre os homens; a acfio social comum será baseada sobre o fato de que
judeus e cristaos aprendem na Biblia a respeltar e amar a dlgnidade da
pessoa humana, feita á Imagetn e semelhanca de Deus.

Comentario: Em Janeiro pp. foi publicada urna Instrucáo


da Santa Sé datada de iyXII/74, referente as relacóes dos
católicos com os judeus. Este documento provém da Comissáo
Romana destinada a favorecer as relagóes religiosas com os

— 331 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

judeus, Comissáo criada pelo S. Padre Paulo VI aos 22/X/74


e presidida pelo Cardeal Joáo Willebrands, tendo como Secre
tario o Pe. Pedro-Maria de Contenson O. P. (ambos signata
rios do Documento).

O judaismo nao é notorio apenas nos EE.UU. da América,


na Inglaterra, na Franca, na Europa Central, em Israel... No
Brasil a presenga de israelitas é sensível, principalmente nos
Estados de Sao Paulo e do Rio de Janeiro... Estudantes cris-
táos e judeus se ladeiam mutuamente nao raro no mesmo
colegio ou na mesma Faculdade; em certas firmas e empresas,
funcionarios e técnicos católicos e israelitas também tém a
ocasiáo de se encontrar diariamente na procura das mesmas
metas profissionais e humanas. É o que dá importancia para
o Brasil ao documento recém-oriundo de Roma. Além disto,
como frisa explicitamente esse texto (titulo 4), mesmo onde
nao há comunidade judaica, o conhecimento e o estudo do
judaismo sao valiosos para os cristáos, pois «o problema das
relagóes entre judeus e cristáos diz respeito 'á Igreja como
tal»; com efeito, a Igreja nao se pode entender a si mesma
sem levar em conta o misterio de Israel.

Mesmo no plano ecuménico o conhecimento do judaismo


é significativo1, pois impele os cristáos a voltar as fontes e
as origens da sua fé, que certamente se insere nos livros da
Antiga Alianga. Ora é voltando ás suas origens que os cris
táos podem esperar reconstituir a sua unidade em Cristo,
pedra angular.

Tendo, pois, em vista o valor do Documento em foco, o


seu aspecto de novidade auténtica e as possiveis aplicagóes
práticas que ele possa sugerir no Brasil, vamos abaixo ofe-
recer urna síntese e breve comentario dessa Instrugáo da
Santa Sé.

i Por "ecumenismo" entende-se o movimento de restauracao da uni


dade entre cristáos (católicos, protestantes e ortodoxos) ou entre os fiéis
que aceitam Jesús Cristo como Deus e Homem Salvador. Por conseguinte,
o ecumenismo estritamente entendido nao abrange os judeus. Isto, porém,
nao quer dizer que a Igreja nao tenha interesse muito vivo em estabelecer
um diálogo religioso com os judeus, os musulmanes, os budistas e as
demais crencas ou filosofías da humanidade.

— 332 —
CATÓLICOS E JUDEUS EM DIALOGO

1. lntrodu$ao

O Documento comeca por colocar-se sobre o fundo de cena


da Declaracáo «Nostra Aetate» do Concilio do Vaticano II
(25/X/1965), a qual aborda as relagóes da Igreja com as reli-
gióes náo-cristás.

Essa Declaracáo, que no seu n' 4 teve em consideracáo


particular os judeus, foi concebida pelos Padres Conciliares
como termo final de longos sáculos de distancia entre católicos
e israelitas: daría inicio a urna era de diálogo e conhecimento
reciproco entre aqueles e estes. Pois bem; nove anos após a
Declaracáo conciliar, a Santa Sé houve por bem pronunciar-se
de novo sobre o assunto, a fim de propor sugestóes aptas a
favorecer mais e mais as experiencias já realizadas. O anti-
-semitismo é de todo incompatível nao só com a mentalidade
crista, mas também, e antes do mais, com o respeito a digni-
dade humana. Aos católicos toca a tarefa de procurar conhe-
cer sempre melhor os tragos fundamentáis da tradicáo judaica,
pois «o Cristianismo nasceu no judaismo e deste recebeu ele
mentos essenciais da sua fé e do seu culto».

Em vista disto, a Santa Sé propóe algumas orientagóes


em quatro setores: Diálogo, Liturgia, Educagáo e Ensino, Agáo
Social.

2. Diálogo (n< 1)

Até agora as relagóes entre judeus e cristáos, quando exis-


tiram, consistiram mais em monólogo do que em diálogo.

O diálogo supóe o desejo de conhecimento mutuo cada


vez mais aprofundado. Ora é justamente esta urna das metas
prioritarias do contato entre judeus e cristáos. Condigáo capi
tal para o éxito do diálogo é o respeito mutuo dos interlocuto
res e das respectivas convicgóes religiosas.

O respeito assim concebido implicará, para os fiéis cató


licos, a necessidade de reconhecer a liberdade religiosa procla
mada pelo Concilio do Vaticano II (Declaracáo «Dignitatis
Humanae»). Nao há dúvida de que a Igreja deve, por encargo
divino (ao qual Ela jamáis se poderá furtar), anunciar de
maneira lúcida e viva Jesús Cristo ao mundo; todavía isto há
de se fazer de modo a evitar qualquer aparéncia de agressáo

— 333 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 188/1975

aos povos nao católicos e, em especial, aos judeus. O arauto


de Jesús Cristo se lembrará de quanto é difícil aos israelitas
— muito conscientes da transcendencia de Deus — conceber o
misterio do Verbo Encarnado ou de Deus feito homem. Com
efeito, os israelitas, no decorrer dos séculos anteriores a Cristo,
foram exaltando sempre mais a sublimidade indizível de Deus;
desejavam assim opor-se as grosseiras concepgóes que os pa
gaos alimentavam a respeito de seus deuses, concebidos nao
raro como grandes homens. No limiar da era crista, nem
ousavam pronunciar o santo nome de Javé, a fim de nao cor
rer o risco de o profanar; compreende-se, pois, quanto lhes
podia parecer «escandalosa» a nogáo de que Deus se manifes-
tou na natureza humana do Senhor Jesús (cf. ICor 1,23).

Em conseqüéncia ainda, os católicos se acautelaráo con


tra os resquicios de suspeitas mutuas entre judeus e cristáos,
que muito marcaram a historia passada; litigios em nome da
verdade religiosa nao tém justificativa nesta altura da histo
ria universal. A verdade do Evangelho que, sem dúvida, deve
ser apregoada com todo o empenho pelos fiéis católicos, nao
será abrilhantada, mas, ao contrario, pode ser contratestemu-
nhada caso os seus arautos se déem á polémica religiosa.

O diálogo religioso poderá realizar-se em tres diferentes


niveis:

— coloquios fraternos entre católicos e judeus destituí-


dos de objetivos propriamente teológicos;

— encontros entre peritos desejosos de estudar e apro-


fundar questóes teológicas relacionadas com o judaismo e o
cristianismo. Esses encontros háo de decorrer em clima de
abertura e despojamento de preconceitos e prudencia, a fim
de se evitar qualquer ferimento, ainda que involuntario, dos
interlocutores;

— reunióes de oracáo (desde que desejáveis para ambas


as partes), em que diante de Deus os espíritos e os coracóes
se abram e se aproximem. Poderáo ser motivadas especial
mente pelas grandes causas da humanidade, tais como a jus-
tiga e a paz.

3. Liturgia (n° 2)

A Liturgia crista herdou do judaismo alguns de seus ele


mentos marcantes, inclusive o uso da Palavra de Deus e, de
modo especial, os salmos. Sejam recordadas outrossim as fes-

— 334 —
CATÓLICOS E JUDEUS EM DIALOGO

tas de Páscoa e Pentecostés, as quais o Cristianismo deu um


sentido novo e pleno.
Se o uso dos livros do Antigo Testamento é comum a
judeus e cristáos, vé-se que é muito importante, para os cris*
táos, conhecer aquela parte da Escritura, principalmente os
textos e profecias que guardaram valor perene. Isto se torna
hoje em dia assaz fácil pelo fato de que a reforma litúrgica
católica recorre freqüentemente ao Antigo Testamento, pro
pondo 'á reñexáo dos cristáos, todos os domingos, as passagens
mais significativas do mesmo. Compete aos comentadores dos
textos bíblicos mostrar a continuidade da fé crista com a An-
tiga Alianga e as promessas feitas aos Patriarcas e reis de
Israel (embora o Cristianismo tenha trazido elementos novos
e origináis). Os cristáos, alias, ainda esperam o pleno cumpri-
mento dessas promessas, que se dará por ocasiáo da segunda
vinda de Cristo; é o que permite aos cristáos compreender mais
de perto as expectativas de Israel.
Merecem especial mengáo as tradugóes dos textos biblicos
do Novo Testamento. Verifica-se que certas passagens das
versees usuais podem ser entendidas de maneira tendenciosa
por cristáos mal informados. Em conseqüéncia, é para dese-
jar que essas passagens sejam devidamente explicitadas, de
acordó com os estudos dos exegetas e a fidelidade aos textos
origináis (que nao é licito retocar), de modo a se evitar qual-
quer alusáo desairosa aos judeus em geral nao contida no
texto sagrado. É o que acontece por vezes no Evangelho
segundo Sao Joáo; a fórmula «os judeus» por vezes ai designa
propriamente nao o povo, mas os chefes do povo ou os adver
sarios de Jesús (cf. Jo 7,1. 35; 8, 48. 52; 10, 31; 11, 8...).
A seguir, o Documento da Santa Sé traca normas aptas
a favorecer urna auténtica catequese católica, inspirada por
perspectivas bíblicas; pois que estas estáo inseparavelmente
relacionadas com o judaismo, torna-se necessário por em evi
dencia objetiva e serena esse relacionamento a fim de que ñas
futuras geragóes de cristáos nao haja preconceitos indevidos
contra os israelitas, mas, antes, a estima decorrente de lúcida
compreensáo do plano de Deus.

4. EducagSo e Ensino (n? 3)

A fim de suscitar sempre meihor compreensáo do judaismo


e do seu significado para os cristáos, torna-se oportuno levar
em conta os seguintes fatos:

— 335 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

1) O mesmo Deus falou aos homens através dos livros


da Antiga e da Nova Alianga; por conseguinte, judeus e cris-
táos adoram o único e mesmo Deus, que se quis revelar pro-
gressivamente aos homens antes de Cristo e mediante a Pala-
vra de Cristo (cf. Const. «Dei Verbum» 16).

2) O judaismo dos tempos de Cristo e dos apóstodos era


urna realidade complexa, que compreendia um mundo de ten
dencias, de valores espirituais, religiosos, sociais e culturáis.
— Por conseguinte, devem-se evitar afirmagóes generalizadas
a respeito dos judeus; nem sempre se podem atribuir ao povo
inteiro atitudes e comportamentos que se derivaram de urna
corrente apenas do judaismo antigo.

É notorio, por exemplo, que Israel compreendia tres prin


cipáis facgóes religiosas, que se comportavam diversamente no
tocante á política:

a) A mais numerosa era, sem dúvida, a dos Fariseus,


herdeiros e continuadores da obra dos irmáos macabeus. Es
tes no séc. II a.C haviam defendido as tradigóes patrias
(religiosas e nacionais) contra a perversáo (helenizagáo) que
os sirios lhes queriam infligir. O zelo dos macabeus pela Lei
de Moisés e as observancias israelitas foi táo exagerado pelos
seus continuadores que estes foram designados como «Fari
seus» (separados); apegavam-se á letra da Lei e ao forma
lismo legalista, a ponto de se julgarem os únicos puros e
santos, separados dos demais homens (mesmo israelitas) por
sua «impecável» conduta. Os Fariseus constituiam o partido
mais numeroso e popular.

b) Os Saduceiis se distinguiam por sua mentalidade libe


ral, aberta ao pensamento helenista; nao acreditavam na res-
surreígáo dos mortos nem na existencia de anjos. Represen-
tavam urna élite.

c) Os Essénios se originaram em fins do séc. II a.C.


— Nessa época os dirigentes civis e religiosos de Israel se per-
vertiam, adotando mais e mais costumes helenistas. Os mo
narcas de Judá, semidependentes dos estrangeiros, compravam
destes o título de «Sumo Sacerdote»; cediam assim á ambigáo
e conculcavam a tradigáo segundo a qual a monarquía com
petía a tribo de Judá e o sacerdocio á de Levi. Esta situagáo
provocou em muitos judeus piedosos a aversáo ás instituÍQóes
sacerdotais e civis de Israel; em conseqüéncia retiraram-se
para os desertos de Judá e da Siria, vivendo em comunidades

— 336 —
? ■■,*;>>• "¿ATÓLICOS E JUDEUS EM DIÁLOGO 9

'asceáé 6 -óragáo, na expectativa ardente da próxima vinda


[o Messiás; este poria fim 'á iniqüidade existente em Israel e
no mundo. Julga-se que eram essénios os habitantes da regiáo
de Qumran, cujos manuscritos foram encontrados em 1948,
constituindo precioso tesouro para o estudo crítico do texto
bíblico.

Entre os essénios se cultivava a vida una, celibatária, que


era por eles estimada, ao contrario do que se dera na tradi-
gáo de Israel desde os tempos de Abraáo (séc. XIX a.C). Os
essénios nutriam, pois, urna espiritualidade muito diversa da
dos fariseus e saduceus; pareciam ter a intuigáo de certos
valores que os primeiros arautos do Cristianismo haveriam
de apregoar em altos termos (a iminéncia da vinda do Messiás
e a necessidade de se preparar ardorosamente para o receber
em pureza de vida).

3) Em vista da complexidade de correntes e atitudes do


judaismo anterior a Cristo, o Concilio do Vaticano II lembrou
que a condenagáo de Cristo á morte nao pode ser atribuida
indistintamente a todos os judeus que viviam nos tempos de
Jesús, como também nao há de ser imputada aos judeus dos
tempos posteriores e atuais (Decl. «Nostra Aetate» 4). Isto
significa que nao se deve qualificar de deicida o povo de
Israel.

4) Nao se estabelega entre o Antigo e o Novo Testa


mento urna distingáo de antítese, como se na Antiga Alianga
só houvesse temor, legalismo e justiga, sem incentivos ao amor
de Deus e do próximo. — Na verdade, encontram-se ñas pági
nas do Antigo Testamento belas reflexóes sobre esse tema,
páginas as quais o próprio Jesús aludiu, mostrando que toda
a Leí de Moisés tendia ao duplo preceito do amor (cf. Dt 6,1-25;
Lv 19,16-18; Mt 22,34-40; Gl 5,13s). Certos salmos sao tam-
bém ardentes cantos de amor a Deus, redigidos, sem dúvida,
na linguagem concreta dos semitas; cf. SI 62; 41; 83... Alias,
a Antiga Alianga é muitas vezes figurada pela alianga nupcial,
na qual Deus faz as vezes de esposo e Israel as de esposa;
donde se vé que o principio íntimo das disposigóes sancionadas
por Javé a respeito de Israel era o amor, que tendia a suscitar
amor, embora ainda em termos esquemáticos e rudimentares.
Cf. Is 62,1-5; Jr 3,1-5; Ez 16,1-63; Os 1-3.

5) Jesús, os apostólos e grande número de discípulos


eram filhos do povo de Israel. Embora Jesús trouxesse um

— 337 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

ensinamento profundamente novo, Ele quis muitas vezes


apoiá-lo sobre linhas doutrinárias do Antigo Testamento; na
realidade, Jesús se apresentou como o Messias prometido pelos
Profetas e destinado a levar a termo ou á plenitude a Reve-
lagáo do Antigo Testamento. Note-se outrossim que Cristo
recorreu aos métodos de ensino usuais entre os rabinos do seu
tempo, como as parábolas (cf. Mt 13; Me 4) e a exegese livre
de textos bíblicos (cf. Mt 22, 31s. 41-46; 12,38-42).

6) A historia do judaismo nao terminou com a destrui-


gáo de Jerusalém, mas prolonga-se até hoje numa tradicáo
religiosa que, embora um tanto diferente da tradigáo anterior
a Cristo, nao deixa de ser rica em valores religiosos.

A guisa de comentario, pode-se observar o seguinte: o


povo de Israel é hoje em dia um dos sinais mais eloqüentes da
Revelagáo que Deus fez de si aos homens. Com efeito, o surto
de Israel, povo monoteísta em meio aos grandes imperios pa
gaos da Assiria, da Babilonia, do Egito... ó inexplicável. Sim;
pergunta-se: de quem aprendeu esse povo urna filosofía reli
giosa e urna fé táo elevadas? Esta pergunta se torna especial
mente justificada se se leva em conta que Israel era inferior
aos povos vizinhos em questóes militares, industriáis, comer
ciáis, científicas, etc. — Note-se ainda: o monoteísmo de Israel
foi mantido durante seus dezenove séculos de historia até
Cristo, embora o povo de Israel tenha sido freqüentemente
tentado a adotar as crengas politeístas dos povos vizinhos.
Donde a indagagáo se póe: quem terá sustentado a fé mono
teísta de Israel á revelia das sedugóes que este povo experi-
mentou? Estas interrogagóes ficam sem resposta caso nao se
queira admitir que o próprio Senhor Deus é o autor e susten
táculo da crenga religiosa de Israel? só a intervengáo direta e
extraordinaria de Deus explica o fenómeno religioso judaico
anterior a Cristo.

O mesmo se diga no tocante á historia de Israel depois


de Cristo. Em 70 Jerusalém foi tomada pelos romanos, e os
judeus tiveram que se dispersar pela Europa, o norte da Áfri
ca, a Asia e a América, vivendo de entáo por diante sempre
em meio a estrangeiros; ora é estranho que esse povo, sem
patria, nao tenha sido absorvido por outros povos, como, alias,
aconteceu com os asslrios, babilonios, fenicios, tirios, etc. Quem
manteve incólume até hoje a consciéncia da identidade de
Israel no cenário dos demais povos ? Nao se pode entender
adequadamente este fenómeno caso nao se admita a extraor-

— 338 —
CATÓLICOS E JUDEUS EM DIALOGO 11

dinária intervengáo de Deus, que assim sustenta Israel para


que este um día reconhega o Messias e entre no Reino do
mesmo; como ensina Sao Paulo, Israel ainda tem urna missáo
religiosa a cumprir, ou seja, deve dar testemunho explícito
ao Cristo Jesús; antes disto, o mundo nao acabará (cf. Rm 11,
25-32).

Quem considera estes diversos aspectos da historia de


Israel, nao pode deixar de julgá-la altamente significativa;
é um dos mais eloqüentes indicios da autenticidade da Reve-
lagáo iniciada por Deus em Israel e levada á plenitude em
Cristo Jesús.

7) Com os Profetas e o apostólo Sao Paulo, a Igreja


espera o dia, conhecido por Deus só, em que os povos todos
invocáráo o Senhor unánimemente e Lhe serviráo lado a lado
(cf. Sf 3,9). Esse dia será, como se eré, o dia em que Israel
reconhecerá o Messias ou Salvador oriundo da Casa de Davi
há quase vinte sáculos.

Após enumerar estes sete importantes pontos de índole


catequética e doutrinária, o Documento da Santa Sé pede
sejam levados em consideracáo tanto nos manuais de cate-
quese como nos livros de historia e nos programas de radio,
imprensa, televisáo, cinema, etc. Sejam preparados catequis
tas, professores e educadores que possam pautar seus ensina-
mentos por tais eoncepgóes. Os especialistas e estudiosos de
alto nivel (exegese, teología, historia, sociología...) esfor-
cem-se por aprofundar a pesquisa a respeito dos mencionados
pontos; onde for possível, criar-se-áo cátedras de estudos ju
daicos e incentivar-se-á a colaboragáo de pesquisadores judeus
e peritos cristáos.

Resta aínda um ítem a considerar :

5. Acfio Social (n« 4)

Judeus e cristáos tém a consciéncia viva da dignidade da


pessoa humana, freqüentemente mcutida pelas Escrituras Sa
gradas desde a sua primeira página, onde se lé que Deus fez
o homem 'á sua imagem e semelhanga (cf. Gn 1,28). O amor
ao mesmo Deus deve traduzir-se em agáo eficaz em prol dos
homens. Agáo eficaz que terá, entre os seus objetivos princi
páis, a justiga social e a paz, desde o nivel local até o plano
internacional.

— 339 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

Através da colaboracáo nestes setores é de crer que sejam


fomentados o conhecimento e a estima recíprocas entre judeus
e cristáos.

Á guisa de comentario ao texto da Santa Sé, acrescen-


tamos:

Tal tipo de colaboracáo já se tem dado — e com freqüén-


cia crescente — entre católicos e protestantes. Por si nao
afeta as verdades da fé nem implica relativismo religioso, desde
que a colaboracáo vise estritamente á promocáo dos valores
humanos que os cristáos estimam igualmente. — A mesma
cooperagáo verificou-se, em escala menor, entre católicos, pro
testantes e judeus no período do nacional-socialismo (1933-
-1945) ; vltimas da mesma sanha perseguidora, cristáos e ju
deus se aproximaram e solidarizaran! entre si sob varios as
pectos tanto nos campos de concentracáo como em outros
ambientes; nao poucas instituicóes católicas interessaram-se
vivamente por minorar o sofrimento dos judeus e livrá-los do
perseguidor.

6. Condusoo

1. A Instrucáo da Santa Sé encerra-se lembrando que,


embora algo já tenha sido feito, ainda há longo caminho a per-
correr a fim de promover a fraternidade entre judeus e cristáos.
Esta tarefa interessa nao só a determinados grupos de católicos
que, a título particular, se queiram aproximar dos judeus, mas
interessa á Igreja Católica como tal, pois está intimamente
associada ao misterio da Igreja ou ao plano que Deus conce-
beu desde toda a eternidade para salvar os homens.

Conscientes disto, os Srs. Bispos procuraráo tomar as ini


ciativas pastorais convenientes, dentro das normas do ensina-
menlo o da disciplina da Igreja. Muito oportuna parece a cria-
cáo de comissóes nacionais ou regionais, destinadas a promover
o diálogo com o judaismo, ou, em outra hipótese, a nomeacáo
de pessoa competente que no país ou na regiáo respectiva se
encarregue de por em prática as diretrizes do Concilio do Vati
cano II e as sugestóes do novo documento de Roma concer-
nentes á aproximacáo dos judeus. No ámbito da Igreja uni
versal estas funcóes sao preenchidas pela comissáo destinada
a cultivar as relacóes religiosas com os judeus instituida por
Paulo VI aos 22/XI/74.

— 340 —
CATÓLICOS E JUDEUS EM DIALOGO 13

Em suma, a nova Instrugáo da Santa Sé referente aos


judeus constitui mais um dos sinais da renovacáo da Igreja,
que dilata cada vez mais os seus horizontes a fim de abranger
todos os novos desafios que os tempos lhe oferecem, e procura
encaminhar a solugáo respectiva. Urna boa formagáo bíblica e
doutrinária há de levar os fiéis católicos a reconhecer o valor
do diálogo entre judeus e cristáos e a assumir a parte de cola-
boragáo que a cada um possa tocar, dentro das sugestóes pro
postas no Documento que acabamos de analisar.

2. Vale a pena ainda salientar que, segundo a imprensa,


o Comité Judeu Internacional para Consultas Interreligiosas se
pronunciou a respeito do referido documento do Vaticano, sa-
lientando como altamente positivo o convite a urna agáo social
de colaboragáo entre judeus e cristáos. O mesmo, porém, julga
que a oragáo comum mencionada no documento, embora para
os católicos possa ser lícita, para alguns setores da comunidade
judaica talvez seja inaceitável! Cf. «O Globo» 4/1/75. — Com-
preenderíamos esta repulsa caso tal oragáo comum significasse
relativismo religioso e perda da identidade de judeus e cristáos.
Em caso contrario, a repulsa nao é compreensível a um católico.

Alguns comentarios da imprensa israelense observaram que


o Documento nao faz alusáo «ao vínculo que une o povo judeu
á sua térra», e nao menciona «a existencia do Estado de Israel».
— Tal omissáo foi, sem dúvida, consciente e voluntaria; á Santa
Sé interessa distinguir estritamente a face religiosa e o aspecto
político do judaismo, fim de encarar apenas aquela; o aspecto
político da questáo pode interessar á Teologia, mas, delicado
como é, merecería ser tratado em documento á parte.

APÉNDICE

E NO BRASIL ?

No Brasil as relagóes entre judeus e cristáos tém sido amis


tosas e sinceras, chegando mesmo 'á constituigáo de Conselhos
de Fraternidade em Sao Paulo e no Rio de Janeiro.
1. Em SSo Paulo, o diálogo entre cristáos e judeus come-
gou a propósito da proclamagáo e da defesa dos direitos huma
nos ; precisamente naquela cidade encontram-se nao poucas víti-
mas da perseguigáo anti-semita. Em 1962, após conversagóes
amigas, que visavam antes do mais á uniáo dos coragóes, foi
oficialmente fundado o Conselho de Fraternidade Cristáo-Ju-

— 341 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

daica (CFCJ) de Sao Paulo (SP). Este nao é urna associagáo


religiosa, nem é organizagáo politica, mas, sim, urna entidade
de pessoas que desejam conjuntamente levar adiante no mundo
de hoje as exigencias da convivencia humana na justica e na paz.

Do Conselho fazem parte judeus e cristáos, tanto católicos


como protestantes (estes, em número relativamente pequeño).
Os cristáos orientáis ortodoxos foram convidados a participar
do Conselho; aceitaram a feliz iniciativa, mas ainda nao cola-
boram eficazmente para a vida do Conselho.

O denominador comum dos membros da Fraternidade é,


em primeira instancia, o cultivo da justica social, sem caráter
sectario ou agressivo. Isto quer dizer que o Conselho procura
esclarecer a opiniáo pública sobre os direitos humanos e aponta
a esta qualquer violagáo dos mesmos.

No tocante k religiáo, os membros da Fraternidade pro-


fessam o respeito ás crengas uns dos outros e evitam qualquer
iniciativa, proselitista. Pertence mesmo ao programa da Frater
nidade exortar judeus e cristáos a que aprofundem a sua fé
com sinceridade; unindo-se em Deus, cristáos e israelitas, unir-
-se-áo entre si nao somente no amor, mas também na verdade.
Donde se vé também que sao contrarios ao espirito da Frater
nidade qualquer forma de relativismo ou de indiferentismo re
ligioso, como também qualquer tipo de sincretismo e ecleticismo
religioso. É cultivando a pureza da própria fé com fervor e
lealdade absoluta que cristáos e judeus desejam encontrar-se
na presenga de Deus. Ele realizará seus designios sobre aqueles
que se Ihe oferecem de coracáo sincero.

Os empreendimentos do Conselho de Fraternidade Cristáo-


-Judaica tém sido varios e fecundos. Entre outros contam-se

— semanas de estudos para sacerdotes, Religiosas, leigos


e leigas;

— encontros de amizade e estudos em casas de familia,


onde se lé a Biblia e se promove o diálogo teológico, quando
oportuno. Tem sido focalizada especialmente a questáo dos ca-
samentos mistos entre judeus e cristáos — realidade cada vez
mais vultosa, embora nem sempre desejável;

— divulgagáo de noticias do próprio Conselho ou do rela-


cioríamento entre judeus e cristáos no mundo — o que se faz

— 342 —
CATÓLICOS E JUDEUS EM DIALOGO 15

principalmente mediante a revista «Encontró» que o CFCJ


vem publicando regularmente. As noticias também sao editadas
através dos órgáos da imprensa de Sao Paulo, entre os quais
se destaca o semanario católico «O Sao Paulo».

Existem igualmente estudos monográficos publicados por


membros do CFCJ como resultados da aproximagáo mutua.
Muito interessantes sao as obras de colaboragáo do Pe. Hum
berto Porto e do Dr. Hugo Schlesinger (israelita) intituladas
«Os Papas e os judeus» (ed. Vozes 1973) e «Anatomia do Anti-
-semitismo» (Livraria Teixeira, Sao Paulo 1975).

O Conselho tem procurado outrossim manter boas relagóes


com as autoridades religiosas e civis do Brasil. Tem recebido o
apoio do Sr. Nuncio Apostólico, do Cardeal D. Paulo Evaristo
Arns de Sao Paulo, da Conferencia Nacional dos Bispos, assim
como da Cámara Municipal de Sao Paulo e do Rotary Club.

Desta forma o Conselho de Fraternidade Cristáo-Judaica


de Sao Paulo deve ser enumerado entre as mais notáveis expres-
sóes que no mundo inteiro existam de bom relacionamento entre
cristáos e judeus. A Secretaria da entidade atende a pedidos de
informagóes, documentos e publicagóes, tendo sede á Rúa Mar
tina Francisco, 748/1, Vila Buarque, 01226 Sao Paulo (SP) ;
tel.: 52-5863.

O mesmo Conselho tende a se expandir para Porto Alegre,


Recife e Belo Horizonte, sendo especialmente beneméritas nesse
setor as Irmas da Congregagáo de Notre-Dame de Sion.

2. No Rio de Janeiro, existe desde 1963 a Fraternidade


Judeo-Cristá, que em seus primeiros meses de existencia rea-
lizou encontros e estudos de certo valor, mas entrou em recesso.
Deverá ser reavivada em breve, pois o clima para tanto é assaz
propicio na antiga Guanabara.

343 —
Grande questáo:

neurose e santidade se conjugam ?

Em sínlese: Os conceilos de saúde e doenca sao assaz relativos,


pois a maiorla dos homens é portadora de alguma deficiencia física ou
psíquica, que, segundo os especialistas, está contida dentro da faixa da
"normalldade". A clássica distincáo entre doencas físicas e doencas psí
quicas merece ser mantida; contudo nao se deve esquecer que as moles
tias sao freqüentemente pslcossomáticas; multas vezes as rafzes de deter
minado mal físico estáo em traumas psíquicos.

Excluidos os casos de molestias que tirem por completo a cons-


ciéncia e a responsabilidade do páctente respectivo, pode-se dizer que
nenhum estado patológico é empecilho decisivo para que o cristao chegue
á santidade ou á plena conformacao com o Cristo Jesús. Em abono desta
afirmacáo, apontam-se numerosos casos de santos que, á revelia das suas
disposicQes psicológicas, se tornaram ardentes no amor a Deus e ao pró
ximo. O segredo deste resultado consiste em que

1) tais pessoas nao se complexaram pelo fato de serem limitadas;

2) nao asplraram ao ¡mpossíve!, mas aceitaram com humildade a


sua natureza como era; em vez de se revoltarem contra a sua realidade
pessoal, abragaram-na amorosamente como urna cruz salutar.

Os santos tfnham conscléncia de que nao é o homem só, por suas


próprias torcas, que se santifica, mas é a graca de Oeus que santifica
aqueles que se Ihe oferecem com um coracao de pecador contrito e
humilde. Por conseguinte, conscientes disto, nao deixaram de recomecar,
sempre que tomaram conscléncia de suas fainas e limitacSes.

É esta urna das grandes llcóes que os santos deixaram a todos os


homens, mesmo aqueles que nao compartllham a mesma fé.

Comentario: Todo homem que penetre dentro de si mesmo,


verifica o misterio da sua personalidade: dotada de nobres aspi-
ragóes, nem sempre consegue ser coerente consigo mesma e por
em prática o que almeja. Esta contradigáo nem sempre se deve
apenas a covardia e á tibieza da pessoa; parece motivada nao
raro também por obstáculos de temperamento congénitos ou
por desequilibrios psíquicos, que irrompem na conduta do indi
viduo, antecipando-se ás agóes conscientes e deliberadas do
mesmo.

— 344 —
NEUROSE E SANTIDADE 1_7

Em nossos días mais do que nunoa sao fregüentes as


doengas nervosas ou, ao menos, a intranqüilidade psíquica
devida 'á trepidagáo da vida contemporánea. Muitas pessoas
dizem ressentir-se de algum trauma que padeceram durante a
infancia ou a educagáo. Daí se origina com freqüéncia a ques-
táo: poderáo as pessoas psíquicamente afetadas aspirar á san-
tidade, realizando o ideal a que se sabem chamadas pelo pró-
prio Deus? Poderáo sair da mediocridade a que julgam estar
condenadas, á revelia sua e apesar dos seus anseios mais legí
timos?

É para estas questóes que as páginas seguintes se volta-


ráo, analisando os conceitos de saúde, doenga em geral, neu-
rose e santificacáo.

1. Saúde e idoen$a em geral

Nao é fácil explicitar o que comumente se entende por


«saúde» e «doenga». Como quer que seja, torna-se indispen-
sável tentá-lo.

1.1. Saúde

A Organizagáo Mundial da Saúde descreve esta última


como sendo «o estado de perfeito bem-estar corporal, espiri
tual e social». Esta conceituacáo, falando de «perfeito bem-
-estar», é mais teórica do que correspondente á realidade;
serve como ponto de referencia ideal; na prática, mesmo as
pessoas «sadias» muitas vezes sofrem de alguma perturbacáo
física ou psíquica, que todavía nao chega a impedir um rela
tivo bem-estar.

Observe-se que nao se pode entender a saúde apenas em


fungáo do metabolismo corpóreo ou biológico da pessoa; é
necessário levar em conta o ser humano em todas as suas face
tas, das quais algumas sao psíquicas e espirituais. Por isto a
nocáo de saúde exige harmonía entre todas as virtualidades
existentes no ser humano; donde se pode também dizer que
saúde é «a mais perfeita espiritualizagáo do carnal e a mais
profunda encarnagáo do espiritual». Fazendo eco a este con-
ceito, o Papa Pío XII dizia: «A Igreja, longe de considerar a
saúde como objeto de ordem exclusivamente biológica, subli-

— 345 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

nhou sempre a importancia das forgas religiosas e moráis


para manté-la» (REB, vol. 9, dez. 1949, p. 767).

Com outras palavras, deve-se dizer: a saúde da pessoa


depende grandemente das suas disposicóes psiquicas; é um
estado psicossomático. Nos últimos decenios verificou-se expe-
rimentalmente que até a saúde dos animáis irracionais é psi-
cossomática; também o animal pode adoecer corporalmente
por motivos decorrentes do seu psiquismo (prisáo, solidáo,
escuridáo...). Quanto ao ser humano, sabe-se que as suas
disposigóes psiquicas estáo muitas vezes em fungáo das res
pectivas condigóes sociais ou do ambiente: monotonía, isola-
mento, desespero ou falta de perspectivas favoráveis depri-
mem fortemente a pessoa, ao passo que o éxito social ou pro-
fissional e a esperanga levantam as faculdades psíquicas. É
em vista destes fenómenos que se fala de doengas sócio-somá-
ticas; as neuroses e psicoses estáo freqüentemente associadas
as condigóes de vida social do paciente.

1.2. A doen;a

Pode-se descrever a doenga como um mal que afeta o


equilibrio psicossomático do paciente e ameaga destruir o
organismo do mesmo. Como o nome o diz, a doenga geral-
mente se caracteriza por dores, que nao sao apenas corporais,
mas também psíquicas: receio de um desenlace próximo e
angustiante, consciéncia de depender dos servigos e prestimos
de outras pessoas, sentimento de inutilidade, fraoasso. Em
suma, o doente é um «paciente» (do verbo latino pati, sofrer).

Embora o ser humano seja urna unidade resultante de


corpo e alma, costuma-se falar (e com razáo) de doencas psí
quicas e de molestias corporais ou físicas. Aquelas afetam os
sentimentos, a memoria, a fantasía e todo o dominio do incons
ciente, ao passo que estas dizem respeito aos órgáos e as fun-
góes orgánicas do paciente. Esta habitual distinqáo dos tipos
de molestias torna-se relativa, desde que se leve em conta o
influxo mutuo do físico e do psíquico e a unidade real do
paciente. É o que faz que tanto a saúde como a doenga
tenham as dimensóes do homem todo. Cada doenga tem tam
bém seu caráter pessoal; é a doenga «deste paciente»; por
isto se diz que nao há doengas, mas doentes.

A propósito vém as palavras do Dr. Viktor von Weiz-


saecker;

— 346 —
NEUROSE E SANTIDADE 19

"Em conslderávet número de doencas, como, por exemplo, perturba-


cSes circulatorias ou digestivas, manifesta-se evidente relacio com crlses
afetlvas e moráis" ("Oiesseits und Jenselts der Medlzin". Stuttgart p. 104).

"A doenca se nos Imp6e como urna censura contra a nossa atual
vida humana e social e nada mals nos resta senSo encaré-la como urna
pedra de toque da conduta e do comportamento humano" (Ib.).

Merecem especial atengáo as neuroses. «Por neurose


entende-se o esforgo mal sucedido para vencer urna dificul-
dade da vida. A neurose resulta de má elaboragáo de urna
experiencia» (H. Thurn, «Psychohygiene», em «Stimmen der
Zeit» 148 [1951], p. 278). Cari Jung diz que «em última
análise a psiconeurose é o tormento de urna alma que nao
encontrou o sentido de sua existencia» (citado em «Anima»
5 [1950] p. 23). A neurose parece surgir em fungáo de urna
consciéncia contrariada ou do mal-estar de consciéncia de
alguém que se reconhece incapaz de aceitar ou suportar urna
perda, um fracasso, urna dificuldade da vida... Tal pessoa
fácilmente cai doente no plano psicossomático.

De modo geral, a enfermidade nao deve ser considerada


algo de estranho na vida de alguém; ela pode fazer parte da
realidade mesma do homem que se sinta mais realizado. Em
muitos casos, ela é urna etapa para a consumagáo da perso-
nalidade, e concorre positivamente para que esta se torne
grande e santa. Donde as palavras do Dr. V. von Weiz-
saecker:

"De máxima importancia é compreender que o aparecimento e o de-


senvolvimento da doenca no homem sao modalidades da existencia humana;
o homem nao apenas tem a doenca, mas deu-lhe origem e a doenca tem
algo que ver- com a sua realidade e a sua existencia" (Ib. p. 65).

Importa-nos agora indagar: pode urna pessoa vitima de


estado psicopatológico aspirar á santidade e tornar-se real
mente santa?

2. Saúde mental e santifícaselo

Antes de abordarmos a questáo em si, impóem-se duas


observagóes:

1) Por santifica$ao entendemos o processo de adesáo


crescente á vontade de Deus, em virtude do qual a pessoa é
cada vez mais penetrada pelo amor do Senhor e vive mais e

— 347 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

mais desse amor. Tal processo nao incluí necessariamente


fenómenos extraordinarios, mas pode desenrolar-se discreta
mente no íntimo e no comportamento da pessoa. É preciso
notar enfáticamente que todos os cristáos sao chamados á
santidade, embora cada qual tenha sua vocagáo própria na
vida presente: através do celibato ou do casamento, mediante
as mais diversas profissóes e atividades, Deus Pai quer que
todos se encaminhem para a mesma meta que é a perfeicáo
crista ou a santidade.

2) Compreende-se que urna pessoa afetada de molestia


preponderantemente física possa gozar de lucidez mental e,
conseqüentemente, dizer um Sím generoso ao Senhor Deus;
santificar-se-á através da doenc.a mesma. — Compreende-se,
porém, que se pergunte se um paciente afetado de desequili
brio nervoso ou de neurose pode também santificar-se; as per-
turbagóes psíquicas nao tornariam a pessoa condenada á me-
diocridade e ao desatino de comportamento? Nao a impedi-
riam de amar realmente a Deus e ao próximo?

Está claro que nao vém ao caso os pacientes cujos distur


bios sao táo graves e continuos que se tornem habitualmente
irresponsáveis.

Consideremos agora a questáo proposta:

2.1. A resposta dos fatos

A historia aponta numerosos casos de pessoas que, em


bora tenham encontrado em si serios obstáculos psicológicos,
chegaram á santidade ou á plena realizacáo de si mesmas.
Sejam enunciadas as scguintes ocorréncias:

Sao Pedro Damiao (1006-1072) era originario de familia


táo numerosa que sua máe, cansada de criar tantos filhos,
rejeitou o menino; este teria morrido se urna ama nao o
tivesse recolhido. A rejeicáo afetiva continuou durante toda
a infancia do menino, pois Pedro sofreu os maus tratos de
um irmáo mais velho. Ora o jovem tornou-se agressivo, mas
soube orientar a sua agressividade em diregáo construtiva ou
a servigo do Reino de Deus; com efeito, como monge e bispo,
pós-se a combater os erros doutrinários e moráis que assola-
vam a sua época; tornou-se intrépido arauto da boa causa.

— 348 —
NEUROSE E SANTIDADE 21

No exercício dessa tarefa, deve ter causado sofrimento a si


mesmo e outras pessoas, mas soube colocar o seu ministerio
sob o signo do zelo puro pela verdade e pelo bem.

S. Luís Bertrando (t 1581), dominicano, sofría de tem


peramento depressivo. Diz o seu biógrafo Schiamoni:

"A sua alma achava-se sempre numa eterna agonía... 'Juntos come-
mos e conversamos; todavia nao sei se nao estou eternamente condenado'.
Essa Idéia o atormentava em sonhos e repetidamente evocava as palavras
de Jó: 'No horror de urna viseo noturna, quando o sonó costuma apode-
rar-se dos homens, assaltaram-me o medo e o tremor, e todos os meus
ossos estremeceram1 (Jó 4,13s)".

Embora fosse assim acometido pelo pavor da perda eterna,


esse homem perseverava na procura de Deus e na prática do
bem, tornando-se reconhecidamente um herói na fidelidade aos
planos do Senhor.

Sao Martinho de Lima (t 1639) foi alguém que enfren-


tou os mais ponderosos obstáculos a um equilibrio psíquico
normal. Era filho natural de um fidalgo espanhol, que se
uniu a urna escrava negra liberta; o pai nao o reconheceu
como filho por causa da cor de sua pele. A máe do menino
ganhava a vida como lavadeira. Aos oito anos de idade, foi
retirado do convivio materno pelo pai, que tencionava dar-lhe
educagáo. Todavia dois anos mais tarde foi devolvido ao am
biente materno. Aprendeu o oficio de barbeiro. Aos quinze
anos, entrou no convento dominicano de Lima. Todavia os
Superiores nao lhe permitiram estudar porque naquela época
nao se entendía que um jovem de cor pudesse ter acesso aos
estudos. Feito irmáo leigo, Martinho trabalhou ñas mais hu
mildes fungóes, servindo a Deus e aos irmáos com a máxima
caridade; marcado por tantas rejeigóes, nao se fechou em si
ncm se complexou, mas entregou-se generosamente aos sinais
de Deus e tornou-se um santo heroico.

Merece atengáo também o caso de Johannes Heinricb


Pcstalozzi (1746-1827), cujo nome caracteriza sociedades edu
cativas dedicadas a criangas excepcionais. Do ponto de vista
psicológico, era muito marcado, pois sofría da «incapacidade
de coexistencia»; além do que, tinha um físico de impressio-
nante feiúra. Tornou-se um desajustado no seu ambiente
social. Em conseqüéncia, foi vítima de malogros diversos tanto
em seus empreendimentos públicos como no ámbito particular;
o seu próprio casamento se desfez. Era considerado por mui-

— 349 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

tos contemporáneos como semi-idiota. Nao obstante, esse ho-


mem, física e psíquicamente desfavorecido, tinha um coragáo
enorme, que ele quis aplicar ao cultivo do amor na educagáo.
Sao palavras suas: «Nao quero outra coisa senáo imolar meu
coragáo ao mundo e formar homens que procurem justamente
isso e nada mais» (citado por W. Nigg, «Der christliche Narr»
1956, p. 344). Atualmente o nome de Pestalozzi é o de um
dos grandes benfeitores da humanidade, símbolo de valores
umversalmente reconhecidos. Todavía poucos dos que hoje lhe
prestam homenagem, sabem quanto a vida foi difícil e ator
mentada para esse homom.

Poder-se-iam multiplicar exemplos de pessoas que, á revé-


lia do que indicavam as suas características psicológicas, se
tornaram grandes benfeitores e modelos da humanidade. É
o que leva D. Valfredo Tepe a dizer:

"Santos tristes e benfeitores da Humanidade desequilibrados obrigam-


-nos a usar com cautela os conceitos de 'normalidade' e 'saúde mental'.
A saúde, mesmo a saúde mental, nao é o supremo valor do homem. Muitas
grandes realizacoes da humanidade devem-se a individuos que, no escru
tinio dos testes psicológicos e de entrevistas clínicas, teriam sido desclas-
sificados ou marcados com o rótulo: 'desajustados'" ("Prazer ou amor?"
p. 363).

Perguntamo-nos agora: qual o segredo da realizagáo hu


mana e crista das pessoas psíquicamente marcadas?

2.2. Os porqués

Enunciaremos alguns tópicos importantes á guisa de res-


posta á questáo ácima.

2.2.1. Aceitar-se sem complexos

Os santos nao se deixaram complexar pelos traumas que


sofreram, ou pelas limitacóes que descobriram em si mesmos.
Aceitaram-se como eram. Isto quer dizer: aceitaram suas
deficiencias temperamentais congénitas, mas nao aceitaram o
pecado. Olharam mais para Deus do que para si próprios,
sabendo que o Senhor a ninguém chamou para a mediocri-
dade, mas, sim, a todos chama para a perfeigáo e a santi-
dade; além disto, Ele nao deixa de dar a cada criatura a
graga necessária para que atinja essa meta ou a santidade.

— 350 —
NEUROSE E SANTIDADE 23

2.2.2. Humildade

A atitude ácima descrita requer humildade. Observa


S. Agostinho que, quanto mais elevada há de ser urna cons-
trugáo, tanto mais fundo se deve cavar para langar alicerces
seguros. Ora, paralelamente (dizem os mestres), quando Deus
chama alguém a elevados cumes de santidade, ajuda essa pes-
soa a se alicergar na humildade; as angustias de urna neu-
rose, a percepcáo das próprias deficiencias, os desajustes emo
cionáis podem vir a ser, no plano de Deus, os meios dos quais
a Providencia se serve para excitar a humildade do paciente.
Este, ao verificar suas limitacóes, pode talvez comecar a
duvidar de suas capacidades, sentindo-se inseguro, julgando-se
inútil ou pior do que os outros homens. Em vez de se deixar
magoar ou «melindrar» por este estado de coisas, o santo o
reconhece e se oferece ao Senhor Deus, pedindo-Lhe, com
mais convicgáo de que nunca, faca Ele o que a própria cria
tura nao consegue fazer: purifique-o, santifique-o, ajudando-o
a superar as más inclinagóes e praticar o amor. Deus pode-se
servir das molestias para levar urna criatura a heroica santi
dade. O servo de Deus lutará incessantemente contra o desa
nimo e o amor próprio magoado; terá por vezes que renun
ciar a ver os frutos dessa luta, mas nem por isto desistirá da
mesma.

Em suma, o cristáo sabe que nao é ele mesmo que, por


suas capacidades pessoais, se santifica1, mas é a graga de
Deus que o converte e transfigura — graga que é dada gracio
samente na medida em que o cristáo se dispóe a recebé-la
com humildade.

Acontece as vezes que é justamente quando a pessoa se


dispóe a mudar de vida ou a renovar o seu fervor que mais
senté os assaltos da carne (ímpetos sexuais ou sentimentos
egoístas) e o desequilibrio das emogóes; descobre em seu íntimo
propensóes para o mal que ela ignorava e que a humilham
profundamente. Diante disto, há os que desanimam e desis-
tem de seus propósitos; outros, porém, resolvem perseverar,

1 O antigo estoico grego, sim, diría que o homem mesmo, exclusiva


mente pela forca de sua vontade, se torna capaz de superar todas as vicis-
situdes. O estoico é o "atleta espiritual" que por suas próprias forcas se
faz atleta.

— 351 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

aceitando o desafio da luta (é nesses momentos que os ami


gos tém importante papel a realizar, ajudando o companheiro
a nao recuar).

2.2.3. Dois tipos de santos

Em conseqüéncia de quanto tem sido dito até aqui, pode-se


afirmar que existem duas especies de santos.

Há os de psiquismo difícil, que durante a vida inteira sao


sujeitos 'á angustia e aos ímpetos indeliberados de sua pró-
pria natureza; tais pessoas até o fim da vida teráo que pran-
tear gestos ou atitudes que nao se conciliam com os seus pro
pósitos de generosidade e amor. Nao obstante, perseveram
tenazmente a fim de nao trair a vocagáo crista; alimentam em
seu intimo um amor ardente a Deus e ao próximo; todavía
esse amor jamáis transparece plenamente no comportamento
visivel de tais pessoas, porque o psiquismo nao as ajuda;
dir-se-ia que sao pessoas de facetas quase antitéticas e parado-
xais: ora brusca e indeliberadamente agressivas, ora surpreen-
dentemente generosas e dedicadas. — Na medida em que esses
cristáos sao vítimas mais do que réus coniventes com seus
paradoxos, podem ser santos; sao santos que nao trazem o
respectivo nome.

Ao lado destes, há os santos de psiquismo naturalmente


harmonioso e sistemático, santos preservados de graves tre-
pidagóes da carne; por sua própria Índole estáo predispostos a
cantar a gloria de Deus como urna harpa suave; a graga do
Senhor neles encontra meios congénitos de expressáo, de tal
modo que quem os vé quase dirá que encontrou a humanidade
transfigurada pela graga. Sao santos reconhecidos pelos pós
teros, que deixaram marcas palpáveis na historia da humani
dade.

Dir-se-ia que estes últimos, tendo menos que lutar contra


si mesmos, tém menos méritos e menos valor, embora mais
brilho visivel. Enganar-se-ia quem assim pensasse. Uns e
outros — os de psiquismo difícil como os de índole natural
mente harmoniosa — tém que lutar, e lutar arduamente. A
condigáo de todo homem é rigorosamente e sempre a mesma.
Os que dispóem de índole propensa a harmonía, deveráo sem
pre resistir a tentagáo de se gloriar de seu equilibrio e de sua

— 352 —
' x ' •■ O/" NEUROSE E SANTIDADE 25

«perfeigáo», como se fossem conquistas do próprio sujeito;


""v nao é fácil á criatura reconhecer a verdade, isto é, reconhecer
que o homem nada pode sem a graga de Deus; nao é fácil a
quem se senté bem sucedido, evitar a vá complacencia e o
orgulho secreto. — Quanto aqueles que se sentem natural
mente fracos, nao lhes é fácil: 1) vencer a tentagáo do desanimo,
2) consentir em que outrem os santifique, sem que cedam á
revolta. Em suma, uns e outros tém que passar pela mesma
«morte» íntima, dolorosa e penetrante, pois em ambos os casos
se trata de renunciar a algo que está profundamente arrai
gado em todo e qualquer homem: o orgulho e a auto-sufi-
ciéncia.

A vitória sobre a soberba e a auto-suficiéncia é sempre


urna das características da santificagáo da pessoa. É neces-
sário que o cristáo veja sua situagáo e sua vocagáo como Deus
as vé, e nao como ele, com seu «bom senso» meramente
humano, seria inclinado a vé-la. O trecho de carta abaixo dá
testemunho desse novo modo de ver; é da pena de um homem
que passou por terriveis agonías psíquicas e finalmente alcan-
gou profunda paz:

"Nao é á toa que estou nesta situagáo. Disso estou definitivamente


convencido. Por outro lado, estou ainda mais convencido de que nao é
Deus, muito menos, quem é diretamente responsável por ela. Esta é a
parte que me cabe, pessoalmente, no sofrlmento humano, e fol ela talvez
que me deu a oportunldade de descobrir a universalidad© do sofrimento,
de modo diferente do que se o flzesse por meló de simples considera-
cees Intelectuals... Creio no Cristo, com todo o meu ser ferldo. E, para
ser sincero: com mais profundldade do que a profundldade de minhas
crises — ató as mais Intensas — existe em mim a 'paz que o mundo
nio pode dar* ... Nao espero urna solucSo natural, mas tenho a Espe
ranza... Em certas noites de calma e de reflexáo, eu me pergunto se,
no fundo, nao é urna grasa este drama terrivel? Sem isto, terla eu sen
tido bem a profundeza do misterio humano?" (citado por Valfredo Tepe,
"Prazer ou amor?", p. 367).

2.2.4. Ambivalencia

As pessoas que se entregam decididamente á acáo da


graga de Deus, podem passar por traumas psíquicos e angus
tias neuróticas sem que outros desconfiem dessa cruz que elas
carregam. Muitas vezes chegam a ser estimadas e elogiadas
como equilibradas e compreensivas. Isto bem se entende pelo
fato de que o próprio sofrimento ajuda o paciente a com-
preender e socorrer os que sofrem.

— 353 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

Acontece, porém, que nao raro o conceito bom de que


tais pessoas gozam se torna para elas motivo de novo tor
mento. Com efeito, muitas concebem a idéia de que, prati-
cando o bem (embora sofram impulsos de agressividade), sao
hipócritas e farsantes; estáo vivendo um estado de ambiva
lencia ou, aínda, estáo colocando máscaras, que deveriam sim-
plesmente retirar, deixando a sua agressividade vir á baila.
— A tais pessoas se deve dizer que nao confundam «espontanei
dades e «autenticidade»; sim, alguém pode sentir espontanea-
mente tendencias agressivas para com outrem; todavía nao é
por seus impulsos psíquicos que a pessoa se define, mas, sim,
pelas suas atitudes conscientes e voluntarias. Por conseguinte,
se a mesma pessoa procura tratar com afabilidade consciente
o próximo que ela espontáneamente odeia, nao é hipócrita,
nem farsante; ela é auténtica, pois (como foi dito) a autenti
cidade se define nao no plano dos instintos pré-deliberados,
mas, sim, no dos atos conscientes e voluntarios. O estado
ideal é, sem dúvida, aquele em que se harmonizam os impulsos
espontáneos e os atos conscientes; desde que isto nao seja pos-
sível, o paciente sofre e sente-se atormentado; mas esse sofri-
mento nao o transforma em hipócrita, nem impede a autenti
cidade humana e crista do individuo.

2.2.5. Ancorado no Absoluto

Vimos que constituicáo depressiva e traeos desequilibra


dos de caráter nao impedem que uma pessoa se eleve ás altu
ras da santidade; ela se santificará talvez de maneira dramá
tica, pela luta continua contra o desánimo e a revolta que a
sua cruz pessoal lhe suscita. É isto que nos leva a nao estra-
nhar a existencia de manifestacóes neuróticas na vida de gran
des santos.

Todavía afirmam os mestres que o santo acabado nao


pode ser tido como neurótico; os seus recalques, ele os ultra-
passou, purificando-se deles á luz da fé e do amor de Deus.
Alguém que esteja totalmente «cristianizado», acha-se anco
rado no Absoluto ou em Deus. Quem conseguiu isto, nao é
neurótico, embora ainda carregue as conseqüéncias e as mar
cas de uma heranca psíquica deficiente ou de frustragóes afe-
tivas anteriores. Tais marcas podem coexistir com a santi
dade ou até mesmo com a noranalidade. Na verdade, normal
é o individuo que sabe integrar os elementos de sua persona-

— 354 —
NEUROSE E SANTIDADE 27

lidade, ainda que defeituosos ou negativos, numa síntese cons-


trutiva. A verificagáo de elementos neuróticos isolados nao
prova a anormalidade ou o desajustamento dessa personali-
dade.

2.3. Conclusa©

Após estas ponderacóes, deve-se dizer que as doen<;as,


tanto as físicas como as psíquicas, podem ter valor positivo na
vida de alguém. Se a doenga é urna modalidade da existencia
humana, ela se torna para muitos a oportunidade de encontra-
rem o sentido da sua existencia; nao constituí apenas um mal
a ser evitado a todo custo.

Um defeito físico ou um traumatismo psíquico nada dizem


a respeito do valor de um homem. Este valor depende da ati-
tude que a pessoa toma diante da sua realidade ou da res-
posta á pergunta: que faz essa pessoa com o seu defeito? —
Se para uns a existencia de tragos neuróticos de caráter pode
ser motivo de constante revolta ou de total desánimo, para
outros pode assumir o valor de urna cruz pesada e humilhante
aceita por amor a Cristo; tal cruz pode vir a ser penhor de
maior intimidade com Cristo e de crescimento na estatura
sobrenatural do cristáo.

As reflexdes deste artigo ainda seráo ilustradas pelo con-


teúdo do que se segué.

Bibllogralia:

Valfredo Tepe, "Prazer ou amor?", Salvador 1966.

ídem, "O sentido da vida", 5? ed., ib. 1966.

ídem, "Quero que sejas", 3? ed., Ib. 1965.

B. Ha¡¡..¿, "A Leí de Cristo", vol. III. Sao Paulo 1961.

Louis Beinaert, "La sanctlílcatlon dépend-elle du psychlsme?", em

"Etudes" t. 226, a. 83, 1950, pp. 58-65.

J. de Tonquedec, "Anormaux", em "Dictlonnalre de Splrltualité


Ascétique et Mystique" I, col. 678-689.

R. Brouillard, "Anormaux", em "Catholicisme" I. col. 609-611.

PR 47/1961, pp. 451-459; 460-468.

— 355 —
•«>

Estranha surpresa:

os santos através da grafologia^ ^c

Em sintese: A grafologia é o estudo das características psíquicas


de urna pessoa mediante a escrita da mesma. Um dos pioneiros desse
tipo de estudo é o Pe. Girolamo Moretti, que formulou oitenta e uma
regras aptas a estabelecer a correlacáo entre as diversas modalidades
de escrever e as ¡nclinagóes Inatas que possa haver no ser humano. O
mesmo grafólogo, cuja autorldade é reconhecida, estudou numerosos
manuscritos de santos; a principio surpreendeu-se pelos resultados a que
chegou. Depois, resolveu publicar em famoso livro as análises grafoló-
gicas de santos por ele realizadas; o titulo original italiano da obra é
"I Santi dalla Scrittura", em francés "Copie non conforme" (Casterman,
Paris 1960).

Desse livro extralmos no presente artigo alguns dos mais signifi


cativos retratos hagiográficos; sao confrontados os dados grafológicos e
os tragos biográficos de varios santos. Enquanto a escrita revela muitas
vezes que os santos foram propensos a graves falhas de caráter ou de
ética, os elementos biográficos mostram que os mesmos, por efeito da
grasa de Deus, souberam superar essas más tendencias, transformando
em positiva a carga negativa de suas inclinares desregradas: neles o
amor sensual converteu-se em amor místico a Deus; a obcecada cobiga
de bens temporais foi transformada em inflexlvel procura de bens espi-
rituais; a prodigalidade perdularia mudou-se em generosidade continua
para com Deus e o próximo, etc.

A consciéncia destes falos é apta a despertar alentó e avivar em


todos os crlstáos a aspiragao á santidade, vocacáo normal e comum de
todos os filhos de Deus.

Comentario: Pode-se dizer que a análise da escrita é apta


a revelar algo do tipo de personalidade de quem escreve. Ver-
dade é que a grafologia somente nos últimos decenios vem
sendo cultivada de maneira científica; é por isto que certas
regras propostas pelos grafólogos ainda estáo sujeitas a revi-
sáo. Como quer que seja, é interessante levar em conta a
obra de um dos mais abalizados grafólogos, o Pe. Frei Giro-
lamo Moretti, da Ordem dos Franciscanos Conventuais, obra
intitulada «I Santi dalla Scrittura» ou, em francés, «Copie non
conforme. Le vrai visage des saints revelé par leur écriture»,
Paris, Casterman 1960. Este livro contém os resultados dos

— 356 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 29

exames da escrita de trinta santos, desde Sao Francisco de


Assis (t 1226) e S. Tomás de Aquino (t 1274) até S. Pío X
(t 1914). Embora já tenhamos comentado em PR algo das
análises e reflexóes da obra de G. Moretti, voltamos ao assunto
nestas páginas, pois se trata de completar os dados do artigo
anterior; além do que, muitos leitores vém pedindo a PR escla-
recimentos de tal género. Procederemos de modo a dar ini-
cialmente algumas nogóes sobre grafologia; ao que se seguiráo
as ponderagóes referentes a algumas escritas de santos, que
nao seráo os mesmos já analisados em PR 45/1961, pp. 363-373.

1. Grafologia : fundamentos filosóficos

A grafologia, como ciencia, supóe a antropología. Consi


dera o ser humano como um composto de corpo e alma. A
alma é a parte determinante; o corpo, a parte determinada.
O corpo é tal porque recebe da alma a sua ordem interior ou
o seu «plano arquitetónico». O ser humano, embora composto
de corpo e alma, constituí urna unidade; nessa unidade, o corpo
é o espelho da alma; o modo de ser do corpo é o espelho do
modo de ser da alma. Donde se segué que a linguagem exte
rior e sensivel de alguém é o espelho do modo como as idéias
e os afetos sao concebidos no íntimo dessa pessoa. Existem,
pois, relagóes bem definidas entre as modalidades da lingua
gem exterior, gráfica, e o estilo íntimo ou o caráter próprio
da mesma pessoa. Alias, pode-se dizer que qualquer aspecto
de urna personalidade é sempre marcado pelo estilo geral da
mesma; o modo de agir corresponde ao modo de ser do sujeito;
«agere sequitur esse», diz a filosofía clássica.

Na base destas premissas, o Pe. Girolamo Moretti dedi-


cou-se ao estudo criterioso da escrita e, após cinqüenta anos
de confronto e reflexáo, estabeleceu 81 regras grafológicas ou
regras de interpretagáo dos caracteres gráficos. Cada regra
exprime a relagáo existente entre determinado sinal gráfico e
certa qualidade psicossomática do individuo. Essas regras,
submetidas a controle e experiencias, obtiveram notável con-
firmagáo por parte do próprio sujeito cuja escrita fora anali-
sada, ou por parte de educadores, médicos, amigos... que
conheciam tal sujeito. Diz o próprio Pe. Moretti: «Num total
de 300.00 análises, recebi 299.999 confirmacóes» (ob. cit,
p. 241, ed. francesa).

— 357 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

Os sinais gráficos sao por Moretti distribuidos em subs


tanciáis, modificadores e acidentais, e enquadrados dentro de
um sistema próprio de classificacáo decimal.

A teoría se apresenta muito aprimorada e original. Con-


tudo os críticos se mostram cautelosos ao julgá-la. Consciente
de que a ciencia grafológica ainda está em seus anos de infan
cia, admitem que os estudos futuros possam levar a reformar
certas conclusóes do Pe. Moretti, no momento tidas como váli
das, mas talvez insuficientemente assentadas. Além disto, pro-
póem urna questáo nao desprezível: nos casos em que os grafó-
logos proferem diagnósticos certos, estaráo sendo induzidos a
isto únicamente pelas regras da grafologia ou quem sabe se
nao falam por efeito de um dom pessoal de clarividencia (o
que nao teria que ver com os principios da grafologia) ?

Como quer que seja, o Pe. Moretti aplicou suas regras á


escrita dos santos, deixando-nos, em conseqüéncia, um livro
que muito tem impressionado o público: «I Santi dalla Scrit-
tura».

2. A grafologia aplicada aos santos

1. ¡Há mais de cinqüenta e cinco anos, em 1914, Monse-


nhor Clementi, historiador em servico no Vaticano, entregava
ao Pe. Girolamo Moretti, já entáo conceituado grafólogo, urna
carta de S. José de Cupertino (1603-1663), franciscano con
ventual, que acabava de ser declarado padroeiro dos aviado
res. Submetendo o documento á análise grafológica, Moretti
se surpreendeu por descobrir na fisionomía do santo assim
expressa sinais de fraqueza de caráter e de espirito vingativo.
Contudo Mons. Clementi assegurou-lhe que a conclusáo bem
correspondía aos dados históricos: estes atestam que Sao José
de Cupertino teve de sustentar, durante toda a vida, arduas
lutas contra as más tendencias de sua natureza.

A seguir, foram confiados ao Pe. Moretti espécimens da


escrita de cerca de cinqüenta santos canonizados, cujos nomes
nao lhe eram revelados, a fim de que a análise nao sofresse
influencias estranhas. Os resultados desses documentos de tal
modo surpreenderam Moretti que este por tres anos renunciou
a praticar a grafologia: as pesquisas haviam-lhe dado a ver
de perto a humanidade dos santos, humanidade que, na maio-

— 358 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 31

ria dos casos, lhe aparecía tecida de inclinagóes pouco con-


dizentes com a santidade. Daí o espanto, á primeira vista,
desnorteador...

Moretti, porém, se refez do susto e decidiu-se a publicar,


no volume citado, os resultados de seus estudos concernentes
a trinta santos. A disposigáo da materia é a mesma em cada
caso: vé-se 1) urna página de texto da lavra do respectivo
santo; 2) o exame da escrita, segundo a classificagáo decimal
e a terminología técnica de Moretti; 3) a interpretagáo clara
e minuciosa dos dados colhidos; 4) tragos biográficos do santo
que mostram a correspondencia entre o julgamento do grafó-
logo e a realidade vivida pelo santo.

2. Qual a mensagem de táo meticulosos exames? Será


realmente desconcertante, levando a crer que, na verdade, nao
há santos ou que é impossível chegar 'á santidade?

35 o que vamos ponderar abaixo.

a) Antes do mais, leve-se em conta o fato de que a gra


fologia apenas indica o «lastro bruto» ou o «fundo bravio» do
qual se fez a figura do santo; ela só evidencia as tendencias
inatas, sem dizer coisa alguma do trabalho que cada santo
empreendeu industriosamente com essa sua massa de argila;
já nao é da algada da grafologia enunciar as Vitorias sobre as
paixóes que cada santo logrou no decorrer da sua vida.

b) Assim a ciencia da escrita apenas leva a concluir que


ninguém nasoe santo, mas que também os santos comparti-
lharam o patrimonio de miseria nativa do comum dos homens.
Experimentaram ímpetos da natureza desregrada, como os
experimentaram os demais homens. Contudo o que os dife-
fencia dos restantes mortais, é que, embora possuissem esse
fundo de fraqueza, nao se renderam á «sina» de ser medio
cres por toda a vida, nao se conformaram com a miseria
moral, mas empreenderam corajosamente a luta que poucos
empreendem: oraram, pedindo a graga de Deus; cooperaram
com esta, lutando contra seus defeiitos sem desfalecer, sem
desanimar (desánimo seria expressáo de amor próprio decep
cionado ou magoado)... Em conseqüéncia, conquistaram as
virtudes contrarias as suas más tendencias, tornando-se ver-
dadeiros heróis; merecem assim o título de «auténticos homens
livres»; livres, sim, porque escaparam aos pretensos «determi-
nismos» da natureza e do ambiente, configurando-se total
mente ao exemplar de perfeigáo que Deus lhes assinalou.

— 359 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

Assim o exame grafológico, longe de langar descrédito


sobre os santos, contribuí para que melhor se perceba o seu
verdadeiro valor e mais estima se lhes tribute; os santos nao
foram santos por possuirem uma natureza humana privile
giada ou, de algum modo, diferente da nossa; ao contrario, a
partir do ponto mesmo em que todos comeoamos a vida na
térra, foram subindo para Deus; o segredo do seu éxito con-
sistiu simplesmente em deixar-se guiar pela graga, á qual infe
lizmente tantos homens se subtraem.

c) A luz dos resultados grafológicos, entende-se melhor


como todos possam ser (e, de fato, sao) chamados a santidade,
apesar das más tendencias congénitas em cada ser humano.
Nao é necessário que estas digam a última palavra no currí-
culo terrestre de alguém. Para suplanta-las, qualquer que seja
a sua intensidade, existem os recursos da oragáo e da graga
de Deus indistintamente oferecidos a todos os homens.

As vezes, pessoas particularmente favorecidas por suas


qualidades naturais ficam na mediocridade, justamente por
nao terem ocasiáo freqüente de se humilhar diante de Deus
e de pedir a graga do Altíssimo. Bem-aventurados, antes,
aqueles que se colocam na atitude de humildes mendigos
diante de Deus (cf. Mt 5,3)!

d) Ainda em outros termos: a análise da escrita per


mite ver como a graga de Deus explorou a massa de argila
humana dos santos, transformando em arroubo para Deus
cada uma das baixas tendencias que eles traziam em sí
mesmos.

Assim o amor sensual veemente, apaixonado, foi, pela


graga, convertido em amor místico de Deus; a obcecada cobiga
de bens temporais foi transformada em inflexivel procura de
bens espirituais ou ardente sede de Deus e da vida eterna; a
prodigalidade perdularia, esbanjadora, mudou-se em generosi-
dade continua para com Deus e o próximo; a teimosia soberba
transfigurou-se em tenacidade inquebrantável no servigo hu
milde de Deus; a sandice lasciva passou a ser ausencia de
todo respeito humano na procura do bem... Em conseqüén-
cia, vé-se também que a humildade de S. Antonio de Pádua,
por exemplo, nao foi a humildade de S. Francisco de Sales,
nem o amor de S. Francisco de Assis foi o amor de S. Inácio
de Loiola, pois cada santo oferecia á agáo da graga um lastro

— 360 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 33

próprio. A propósito, pode-se citar o famoso adagio de S. To


más de Aquino: «A graga nao destrói a natureza humana,
mas a supóe e aperfeigoa» (S. Teol. I qu. 1, a. 8 ad 2).

Desta forma a obra de Moretti contribui para evidenciar


e exaltar as riquezas da graga de Deus entre os homens
(cf. Ef 1, 12).

3. Alguns vultos relevantes

A fim de ilustrar o fenómeno que acabamos de conside


rar, váo reproduzidos abaixo alguns tópicos significativos apre-
sentados pelo Pe. Moretti no seu livro.

3.1. S. Joóo da Cruz (1542-1591)

1. Nascido em Fontiveros (Castilha), empreendeu, por


inspiracáo de S. Teresa de Ávila, a reforma da Ordem Carme
lita, á qual pertencia; a peste e o cisma haviam feito declinar
a respectiva observancia. Retirou-se, pois, para um eremitério
em companhia de outros monges, que tomaram todos o nome
de «descalgos». Tiveram que suportar contradigóes e persegui-
góes, e mesmo o cárcere; mas, por graga de Deus, conseguiram
superar os obstáculos e difundir largamente a reforma. S. Joáo
da Cruz morreu relativamente jovem, após intensa vida de
oragáo e atividades.

2. O exame grafológico mostra que Joáo da Cruz podia


ter sido um homem sensual, requintado ñas concessóes á
carne; tera dissimulado a sensualidade sob o verniz dos sofis
mas e do cumprimento do dever com esmero «artístico». Visto
que era sujeito a ser atormentado pelo remorso, teria pro
curado construir «sua» filosofía para sufocar a consciéncia,
baseando-se em críticas extremadas, no ceticismo e no pes-
simismo.
Afirmam os estudiosos que houve muitos homens de tal
tipo entre os fundadores de seitas e de partidos subversivos:
ufanavam-se de ser os pioneiros da verdade, enquanto bem
sabiam que nao a conheciam, e deixavam-se ensurdecer pelas
paixóes, a fim de nao ouvirem as advertencias da consciéncia.
3. A historia mostra que Joáo da Cruz, dotado de inte
ligencia penetrante e lúcida, se aplicou ao estudo da filosofía
e da metafísica a fim de chegar ao cume do saber, ou seja,

— 361 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

ao mais profundo conhecimento de Deus. Era um filósofo e


teólogo que vivenciava em si e ensinava aos outros a vida
mística, isto é, o conhecimento experimental de Deus; a sua
inteligencia aplicou-se, pois, a preservar das falsas interpreta-
góes do racionalismo os tesouros da vida de oragáo.

Embora fosse propenso a elaborar «sua filosofía» sofisti


cada, cética e super-critica, ele transmitía aos jovens princi
pios de fé ardente e de conduta de vida enérgica e santa.

Apesar de suscetível e sujeito ao amor próprio, sabia


estimar as humilhacoes mais penosas. Certa vez, por causa
da reforma empreendida, foi agoitado até o sangue; entremen-
tes, que fazia o santo? — Algo de muito simples: dava gragas
a Deus. Seguir Jesús em sua vía dolorosa sempre atraira
aquele monge. Dizia: «Mereco mais, muito mais do que esses
castigos!» Diante de censuras e ameagas, baixava a cabega e
calava-se.

No tocante á sensualidade, soube ser inflexível, guar


dando absoluta fidelidade á sua Regra. Um episodio dá teste-
munho disto:

Certa noite, estando Joáo da Cruz absorvido na oracáo,


a porta da sua cela abriu-se e urna jovem bela e ricamente
vestida aproximou-se; o monge já a conhecia, pois era peni
tente dele; com palavras apaixonadas, ela lhe exprimiu a sua
admiragáo e o seu amor. Disse-lhe que fugira da casa paterna,
porque já nao podia resistir a paixáo que a devorava. O santo
sentiu-se estremecer diante do perigo immente. Certo de que
nao vencería sem a graga de Deus, voltou o coragáo para o
Senhor em oragáo. E a sua prece foi atendida, pois nao
somente Joáo da Cruz escapou á tentacáo, mas também con-
seguiu reconduzir a jovem á consciéncia dos seus deveres.
Com S. Teresa de Ávila teve relacionamento intenso, que
se dirigiu ardorosamente para o mesmo ideal: a reforma do
Carmelo. Assim, embora pudesse ter sido requintadamente
sensual, Joáo da Cruz foi heroico em sua pureza, como, alias,
ñas demais expressóes de sua rica personalidade.

3.2. S. Luís Grignion de Motrtfort (1673-1716)

1. Dedicou toda a sua vida á caridade, como missionário


dos pobres. Grande devoto de María SS., fundou a Congre-

— 362 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 35

gagáo das Filhas da Sabedoria e a Sociedade dos Missioná-


rios de María (monfortanos).

2. A soa escrita manifesta a tendencia á exterioridade;


teria gostado de impressionar os outros para ser admirado.

Era também inclinado a dissimtilar os seus defeitos, o que


o faria cair fácilmente na hipocrisia. Nao tendo grande talento
filosófico, podia dar-se ao plagio, a fim de conquistar fama.
Ainda no intuito de distinguir-se vaidosamente, era propenso
á sátira requintada mediante palavras e sorrisos oportunos.

Sabia despertar a simpatía do sexo feminmo, pois tinha


certa penetragáo psicológica e distingáo de porte. Isto o sujei-
tava constantemente á tentagáo da sensualidade.

Por conseguinte, se tal homem se dedicou á virtude, teve


que visar principalmente á simplicidade e á pureza de inten-
góes — qualidades estas que ele nao possuia.

3. A biografía de S. Luís de Monfort nos mostra que a


sua tendencia a exterioridade se concretízou no cultivo das
artes, para as quais tinha habilidade. É considerado o mais
prendado poeta religioso da sua época. Exerceu também a
escultura, a fim de reproduzir com graca um pouco da beleza
ideal de Jesús e María que, em sua mente, tinham forma viva
e atraente.

Embora tendesse a impressionar os outros a fim de sus


citar admiragáo, Montfort cultivou a humildade, a paciencia
e o esquecimento de si. — Certa vez, enquanto pregava, foi
insultado violentamente por um hereje jansenista. Desdé que
ouviu a voz colérica do adversario, o santo desceu do pulpito,
caiu de joelhos e com a cabeca baixa deixou que o jansenista
se desabafasse, sem dar sinal de impaciencia ou surpresa.
Quando este terminou a sua catilinária e voltou á viatura, o
missionário apenas disse estas palavras: «Irmáos, nos nos
dispúnhamos a plantar urna cruz diante da porta desta igreja.
Agora plantemo-la em nossos coragóes, pois ai ela estará me-
Ihor do que em qualquer outro lugar». E comecou a recitar
o rosario.

Dado á sátira requintada, aconteceu-lhe o seguinte epi


sodio:

— 363 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

Por amor -á pobreza e á humildade, gostava de viajar a


pé e incógnito. Um dia, ao passar perto da abadía de Fonte-
vrault, experimentou o desejo de rever sua irmá, que era
membro da comunidade; movia-o a intengáo de um coloquio
espiritual. Apresentando-se entáo á porta da abadía, pediu
hospitalidade pelo amor de Deus. Todavía a Irma Porteira
comegou, antes do mais, a pedir-lhe informagóes (nome, ori-
gem, finalidade da viagem, etc.). O santo so tinha urna res-
posta: «Pego a hospitalidade pelo amor de Deus». Exaspe
rada, a Irma foi chamar a abadessa, a qual por sua vez se pos
a crivar de perguntas o desconhecido visitante; ao que Mont-
fort respondía constantemente: «Senhora, meu nome importa
pouco; nao é por mim, mas é pelo amor de Deus que lhe pego
a caridade». Afinal, as suas Religiosas, insatisfeitas, o despe-
diram como se fosse um vagabundo. Antes, porém, que a
porta se fechasse atrás dele, Montfort deixou escapar urnas
palavras que haviam de excitar a curiosidade das Irmas: «Se
a Sra. soubesse quem sou eu, por certo nao me recusaría a
caridade». Estes dizeres foram esparsos de boca em boca na
comunidade, até que a Irma Silvia compreendeu que se tra-
tava do seu irmáo. Já que este tinha fama de santo, a aba
dessa logo enviou-lhe um mensageiro ao encalgo, pedindo-lhe
que a desculpasse e voltasse a fim de se hospedar no mos-
teiro. Contudo o santo mandou pelo mesmo mensageiro a
seguinte resposta: «A Sra. Abadessa nao me quis oferecer
hospitalidade por amor de Deus; agora, ela ma oferece em
vista de mim mesmo; agradego-a». E foi pousar em casa de
pobres campónios.

3.3. S. Inócio de Loiola (1491 ou 1495-1556)

1. Oriundo de familia nobre, foi educado e instruido na


corte de Castilha. Até os 26 anos, levou a vida habitual dos
jovens galantes da corte e do exército. Ferido no decorrer de
urna batalha, foi reduzido a imobilidade, que Inácio apro-
veitou para consagrar-se á leitura religiosa. Foi entáo que
se deu a sua conversáo. Praticou severa penitencia, associada
ao estudo. Após alguns anos de vida santa, fundou a Compa-
nhia de Jesús. É o autor do livro dos «Exercicios Espirituais».

2. Grafologioamente falando, refere-se que tinha cará-


ter irredutível, propenso ao comando despótico. Nao gostava
de que os subalternos se justifioassem ou fizessem valer razóes

— 364 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 37

contrarias ás suas. Tendia a se vingar de quem censurasse o


seu comportamento. Inclinava-se á ambicáo e ao desejo de
aparecer ostentivamente.

3. Os biógrafos narram que Inácio soube dominar mara-


vilhosamente as suas tendencias egocéntricas e auto-suficientes.

Por exemplo, sabia ler no íntimo dos coracóes e, por con-


seguinte, percebia os meis de atender ás necessidades de cada
um. Certa vez, conseguiu, por urna serie de artificios, deter um
desgrasado que plañejava o suicidio; doutra feita, foi-se con-
fessar a um sacerdote que vivia mal, a fim de lhe dar o teste-
munho do seu arrependimento; aínda outra vez, deteve-se no
caminho de um homem adúltero, e sob o olhar do mesmo
mergulhou em agua gelada, declarando-lhe que ficaria assim
até que ele desistisse dos seus maus propósitos — objetivo
este que Inácio realmente atingiu.

Propenso á vinganca, S. Inácio nao a exerceu. Aconteceu


que um cidadáo lhe causara daño considerável. Todavía esse
homem caiu gravemente enfermo, oprimido por tristeza que
se derivava dos males cometidos. Chamou entáo para junto
de si Inácio, a quem ele tanto prejudicara. O santo hesitou
um pouco, como se a viagem lhe fosse acarretar novos danos.
Mas finalmente decidiu-se. Visitou o enfermo, assistiu-lhe gene
rosamente e tudo fez para que o seu desenlace fosse auténti
camente cristáo.

Sentia-se inclinado á arrogancia. Todavía conseguiu domi-


nar-se. Certa vez, os colegas e mestres quiseram proibir a
Inácio e seus companheiros (fundadores da Companhia de
Jesús) que usassem hábito próprio. O estudante Inácio, que
era desinibido em suas respostas, explicou que, se queriam
vé-lo usar outro traje, bastava que lho dessem de presente.
— Costumava falar de Jesús Cristo ñas rúas aos transeúntes,
que paravam para ouvi-lo. Disseram-lhe entáo os mesmos cole
gas e mestres que, embora Inácio nada proferisse de blasfemo,
desejavam que se calasse e evitasse toda inovacáo. Ao que
respondeu Inácio: «Nunca pensei que entre cristáos falar de
Jesús Cristo fosse inovagáo».

Inácio, que sentía a ambicáo de se por em evidencia, quis


morar num hospital e viver da caridade alheia, desde que vol-
tou á sua patria. Disto dissuadiam-no os amigos. Depois que

— 365 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

foi eleito Preposto Geral da Companhia de Jesús, empenhou-se


especialmente por duas linhas de programa: conservar sem-
pre a simplicidade e a humildade, e só fazer uso da sua auto-
ridade para a maior gloria de Deus... A principio, quis exer-
cer as fungóes de cozinheiro, as quais ainda acrescentou os
mais humildes servicos da casa.

3.4. S. Filipe Néri (1515-1595)

1. Nascido em Florenca, deixou muito jovem a sua


cidade natal para ir morar em Roma, onde fundou com Per-
siano Rosa a Companhia da Trindade dos Peregrinos. Em
1551 foi ordenado presbítero. Depois, com a colaboracáo de
Cacciaguerra, fundou o Oratorio de S. Jerónimo, Instituto de
sacerdotes diocesanos que desejavam levar vida conventual.

2. Segundo a sua escrita, Filipe tinha caráter estranho;


gostava da contradicáo. Ria e fazia rir os outros, sujeitan-
do-os ao ridículo. Tinha espirito inquieto e vingativo. Se
fosse deputado no Parlamento, teria prazer em provocar dis-
sensóes e mal-entendidos para rir e suscitar o riso alheio. Era
levemente predisposto ao sadismo; regozijar-se-ia quando os
outros se atormentassem ou fossem desfavoravelmente inter
pretados.

Tendía á usura, podendo mesmo ser daqueles que se enri-


quecem a custa do próximo. Quando, porém, a sua forte sen-
sualidade se despertava, a avareza passava para segundo
plano; muito afetivo e atraente, podia servir-se destes predi
cados para dar-se ao prazer sensual.

Era ainda propenso a dominar e nao se deixar dominar.

3. Os biógrafos nos afirmam que S. Filipe Néri foi urna


personalidade original. Apresentava um misto de autoridade
e hilaridade, cuja dosagem difícilmente poderia ser analisada.
Á primeira vista, a hilaridade parecía prevalecer; mas per-
cebia-se que a sua hilaridade estava a servico de um plano
de renovacáo da Igreja. Esta foi, sem dúvida, marcada pelo
cunho que lhe deu S. Filipe Néri.

A sua alegría inata era muitas vezes o fator que equili-


brava as suas emocóes religiosas intimas e profundas. Estas

— 366 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 39

repercutían! fortemente em seu físico, que em conseqüéncia


se agitava como se o santo já nao pudesse permanecer no
corpo.

Penetrava o íntimo dos outros com facilidade. O seu con-


fessionário era freqüentado por pessoas de todo tipo. Cada
urna tinha a impressáo de ser precisamente aquela por quem
o santo mais se interessava. Mesmo cidadáos despudorados
foram vivamente atingidos pelo olhar de Filipe, como se este
ferisse o coragáo. Um olhar bastava para que os pecadores
mais obstinados tomassem consciéncia de sua má vida; daí
concebiam a vergonha e o arrependimento.

Filipe Néri sabia descobrir o ponto vulnerável dos outros.


Mas, em vez de o explorar para a sátira e o sadismo, pro-
curava dar-lhe o remedio oportuno; dissipava escrúpulos e
dúvidas, levando os outros «per angusta ad augusta» (por
caminhos estreitos a pínoaros elevados). Era capaz de expri
mir observagóes e censuras em tom afetuoso; bastava que
exclamasse urna só vez «Que penab após a confissao de um
pecador, para realizar mais milagres espirituais do que se
fizesse qualquer outra observagáo.

Embora fosse propenso a criar mal-entendidos para «go


zar» os outros, parece ter dito um dia que é quase impos-
sível nao amar todos os homens; em todo caso, é certo que
se pode experimentar amizade e compaixáo para com cada
um, em lugar de odio e cólera.

As suas atitudes exprimiam o contrario da suscetibili-


dade e da vinganga. Durante certo tempo, Filipe e Caccia-
guerra, que, juntos, fundaram o Oratorio, sofreram a oposi-
gáo de sacerdotes que os acompanhavam. Mas o efeito obtido
foi desconcertante, pois os dois fundadores se regozijaram com
com o sofrimento e propuseram pagar o mal com o bem.

Por mais que tendesse a se alegrar com as afligóes alheias,


era solícito para com o próximo e estava pronto a acudir com
presteza quando sabia que seus jovens discípulos corriam pe-
rigo; o seu coracáo o advertía a respeito.

3.5. S. José Cottolengo (1776-1842)

1. Nasceu em Bra (Turim) Ordenado sacerdote, fun-


dou a Pequeña Casa da Divina Providencia, que em seus iní-

— 367 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

cios só contava quatro leitos, mas se tornaría obra grandiosa,


hoje admirada no mundo inteiro. Acolhia com amor os aban
donados e infelizes, dando-lhes assisténcia material e espiri
tual. Fundou urna Congregagao de Religiosas dedicadas á
caridade. Morreu após ter servido ao próximo durante a vida
inteira.

2. A grafologia ensina que Cottolengo tinha vontade


tenaz, que nao se dobrava nem diante de obstáculos práticos
nem frente a argumentagóes filosóficas.

Tendia a distinguir nítidamente o que lhe pertencia, do


que era propriedade dos outros; daí a inclinagáo a nao ceder
o que era seu; era naturalmente propenso a aproveitar do
alheio para dar mais importancia ao que era seu. Pensava
muito no dia seguinte; por isto era dado á poupanga e á
economía.

Podia ter lances de generosidade e magnanimidade; mas


logo depois era inclinado a concentrar-se para examinar sua
situacáo financeira e remediar aos inconvenientes da sua libe-
ralidade.

3. Quem lé a vida de Cottolengo, observa que ai nao


havia tragos de ganancia, como nao havia riqueza nem po
breza. Nao se dizia: «Isto é meu, isto é teu», pois tudo per
tencia a Divina Providencia.

Longe de pensar em si ou em «se garantir», Cottolengo


dava aos indigentes o que tinha de melhor. Seus trajes eram
os de um sacerdote pobre, do mesmo paño que os trajes dos
doentes hospitalizados. Para defendé-lo do frío, os amigos
muitas vezes tinham de confeccionar-lhe um manto, pois, a
sua roupa de lá, ele a dava aos pobres. Em casa usava taman-
cos em vez de sapatos. Repetía freqüentemente: «Sejamos
todos pobres, mas todos também alegres no Senhor!» A sua
palavra de ordem era: «Esperanga e alegría!» Confiando na
Providencia Divina, nao receava desastres financeiros.

Além da pobreza material, Cottolengo praticava e ensinava


a pobreza espiritual, exigindo que cada um dos seus discípulos
oferecesse a Deus e aos seus irmáos o mais rico tesouro que
alguém possa dar: o seu coragáo dedicado 'á vontade do Se
nhor e ao amor fraterno.

— 368 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 41

Embora fosse firme e enérgico, sabia ser afável e jovial,


de modo a conquistar a simpatía dos outros. Gracejando e
humilhando-se, conseguía auxilio para os seus pobres. Um
dia, por exemplo, disse-lhe um amigo: «Tu tens espáduas de
mulo». Respondeu-lhe entáo Cottolengo: «Sou realmente um
mulo; se queres tentar carregar-me com duzentos ou trezentos
francos, verás como eu saberei levá-los aonde eles sao real
mente necessários».

Estes dados hagiográficos concorrem para ilustrar elo-


qüentemente o fato de que os santos nao nasceram de estirpe
diferente da dos demais homens. O que os distinguiu, foi a
sua incondicional aceitagáo do plano de Deus a se realizar
sobre eles. Com humildade e grande entrega a Deus, deixa-
ram que a graga fosse burilando a sua natureza e trocasse
em positivo o sinal negativo de suas propensóes.

3.6. S. Teresa de Llsieux (1873-1897)

1. Com especial autorizagáo de S. S. Leáo Xm, entrou


no Carmelo aos quinze anos de idade. Distinguiu-se pela prá-
tica da «infancia espiritual» ou da «pequeña via».

2. O exame grafológico de S. Teresa de Lisieux revela


que o orgulho, a ambigáo e a vaidade teriam feito déla urna
pessoa rebelde, mas rebelde de maneira artística e requin
tada. — Se tivesse vivido na miseria, como criatura pouco
instruida, haveria levado urna existencia mediocre, talyez de
manequim de alta costura ou de modelo de modas, simples-
mente para ganhar a vida. Teria gostado de ser a predileta
e tudo haveria tentado a fim de o conseguir. Se tivesse nas-
cido rica, ter-se-ia entregue a obras de beneficencia, a fim de
gozar de manifestacóes de gratidáo.

3. Ora é notoria a humildade de S. Teresa de Lisieux.


Procurou seguir á risca o caminho da infancia espiritual,
ocultando-se aos olhos de todos, e mesmo aos seus próprios
olhos. Procurava encobrir os seus atos de virtude; estes,
embora aparentemente de pouco vulto, eram heroicos por nao
serem sustentados por elogio nem reconhecimento da parte
das criaturas. Se Teresa de Lisieux aparece hoje como a santa
delicada ou a santa das rosas, nao se deve esquecer que ela
o foi para ocultar entre as pétalas os espinhos que levam tan
tas pessoas a se afastar do arduo caminho da perfeigáo.

— 369 —
42^ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

O Senhor Deus quis manifestar plenamente em nossos


tempos a forma de santidade dos pequeninos ou da «pequeña
via». Ora Santa Teresa de Lisieux foi escolhida para ser o
mais belo exemplo e a grande «doutora» dessa forma de
santidade.

3.7. S. Afonso María de ügório (1695-1787)

1. Filho de familia nobre empobrecida, seguiu primei-


ramente a carreira jurídica. Compreendendo, porém, que o
mundo nao lhe podia satisfazer, resolveu, aos 26 anos, aban
donar tudo e fazer-se sacerdote missionário. Fundou a Con-
gregagáo dos Redentoristas e tornou-se grande Doutor da
Igreja principalmente em assuntos de Moral.
2. A escrita de S. Afonso, além de revelar notável fir
meza, manifesta forte propensáo ao orgulho e á ambigáo.
Tendía a adular os grandes, ceder aos favoritismos e a intri
gar finoriamente. Em suma, sabia ser hábil para atingir os
fins almejados.
Era simpático ao sexo feminino, e gozava do poder de
sedugáo.
3. Ora, se a historia mostra S. Afonso fiel observante
das leis da Moral, isto nos leva a considerá-lo um campeáo da
virtude, pois, para chegar a tal ponto, deve ter lutado áspe
ramente e sem tregua contra as suas inclinagóes.
Embora tendesse á ambigáo e á ostentagáo, os biógrafos
nos dizem que ofereceu decididamente a sua vida a Deus,
renunciando ao mundo e aos seus direitos de herdeiro de nome
famoso. Quando, idoso, foi nomeado bispo de Santa Águeda,
sentiu-se como que fulminado; quis resistir suplicante, e só
se submeteu a contra-gosto.

Apesar de se inclinar ao favoritismo, acolhia a todos e


a cada um com benevolencia, mormente os pequeninos, humil
des e pobres. Em seus escritos, deixou por norma que «o
confessor deve ocupar-se de urna mulher pobre, suja e mal-
trapilha, com tanto zelo como se tratasse com urna princeza;
dé provas da máxima caridade, principalmente para com os
pecadores. Deve interessar-se por seus penitentes mais do que
um pai se interessaria por seus filhos».
Era extremamente austero consigo mesmo, passando mui-
tas vezes as noite deitado no chao quando nao se entregaya
á oragáo até a aurora na igreja ou no quarto. O seu espirito

— 370 —
A GRAFOLOGIA E OS SANTOS 43

de sacrificio e compaixáo teve especial ocasiáo de se exercer


durante o invernó de 1763-1764, quando a fome assolou o
Reino das Duas Sicílias. Nao tendo mais provisóes nem recur
sos, S. Afonso vendeu a carroga, os mulos, a pedra do seu
anel pastoral e reduziu ao mínimo as suas já modestas refei-
cóes. Franqueou aos pobres a residencia episcopal, dizendo:
«O que eles pedem, a eles pertence». Chegado a idade pro
vecta, escrevia: «Minha vida é urna morte que se prolonga...
Estou quase reduzido ao estado de cadáver». Dado que, a
contra-gosto, tivera que renunciar aos instrumentos de peni
tencia que ele outrora aplicara a si, receava levar vida cómoda!
Estes dados hagiográficos concorrem para ilustrar elo-
qüentemente o fato de que os santos nao nasceram de estirpe
diferente da dos demais homens. O que os distinguiu, foi a
incondicional aceitacáo do plano de Deus a se realizar sobre
eles. Com humildade e grande entrega a Deus, deixaram que
a graca fosse burilando a sua natureza e trocasse em posi
tivo o sinal negativo de suas propensóes.

(Contlnuacfio da 3? capa)

A campanha dlvorcista no prlmelro semestre de 1975 suscitou entre


nos rica bibliografía, que nSo perdeu sua atualldade, pois a temática con
tinua em foco. Ora entre os melhores livros que se tenham escrito ultima-
mente sobre tal assunto, está o do Dr. L. J. de Mosquita, advogado traba-
Ihista de sao Paulo, que, há decenios, se Interessa pelo problema: em 1951,
publicou o volume "Divorcio Dlsfarcado"; em 1953, "Aínda o Divorcio Dls-
farcado"; em 1954, "A Familia e do Divorcio"; em 1962, "Novamente o
Divorcio Disfarcado". O autor é mestre em distinguir as sutilezas dos pro
jetos braslleiros de divorcio camuflado. Anallsa os recentes projetos de 1975
com perspicacia, procurando encaminhar o debate para urna solucfio mais
condizente com o bem comum do povo braslleiro; essa solucSo consistiría
ero ampliar os casos de impedimentos que tornam nulo o casamento desde
que é contraído, pois na realldade hoje em dia se conhecem fatores
(outrora mais raros ou menos considerados) que imposslbllltam freqüente-
mente uma pessoa de assumlr as responsabilidades da vida conjugal:
homossexuallsmo, alcoolismo inveterado ou incurável, sadismo físico e
mórbido, perversáo e demencia sexual... Como se compreende, a nova
legislacao, estipulando tais novos Impedimentos, deveria usar fórmulas extre
mamente precisas que evltassem interpretares abusivas ou dúvidas e am-
biqüidades que redundassem em concessao de divorcio camuflado.

Como advogado, o autor recorre principalmente a argumentos de cien


cias humanas, sem dar grande énfase a razoes teológicas que nSo conven-
cerlam a nao católicos. O corpo do livro decorre á guisa de um debate
entre razóes favoráveis e motivos contrarios ao divorcio, com a citacSo de
numerosos textos de juristas e filósofos que escreveram sobre o assunto.
O livro merece ser lido e amplamente difundido nSo só entre católicos, mas
também entre todos os estudiosos honestos e sinceros.
E. B.

— 371 —
Um esclarecimento: / Cy .._*'-. <?%

mais urna vez igreja e

Em PR 179/1974, pp. 415-426, foi dada noticia de impor


tante documento da Santa Sé referente á Magonaria e datado
de 19/07/74: doravante nao seria mais tido como excomun-
gado da Igreja o macom pertencente a urna Loja que nao
trame contra a Igreja. Esta declaragáo de Roma atendia a
urna situagáo que nos últimos tempos se tem verificado com
freqüéncia: nao poucos magons afirmam que ñas respectivas
Lojas nao se trata nem de religiáo nem de política; muito me
nos há ai tramas contra os interesses do Reino de Cristo. Em
numerosos casos, os homens se sentem atraídos á Magonaria
pelo fato de que esta lhes oferece apoio e auxilio humanitario
ou promocional, sem que nutram intengóes antieclesiais. Ora,
levando em conta tal realidade, a S. Igreja hoje, sem suspen
der o canon 2.335, houve por bem definir com precisáo o
significado deste em nossos dias: a excomunháo inñigida aos
membros de Lojas Magónicas que «maquinam contra a Igreja»,
nao atingirá aqueles que se inscrevam em urna Loja que nao
trame contra a Igreja. É mister, pois, distinguir entre Lojas
que tramem e Lojas que nao tramem contra a Igreja.

Este documento da S. Congregagáo para a Doutrina da Fé


foi estudado pelo episcopado nacional reunido na sua 14» As-
sembléia Geral em Itaici (SP) de 19 a 26 de novembro de
1974. Alguns bispos manifestaram entáo o desejo de esclare-
cimentos sobre dois pontos que lhes pareciam capitais a fim
de poderem aplicar a nova orientagáo da Igreja concernente
aos magons:

1. Qual o criterio a usar-se para se verificar se urna


associagáo magónica realmente nao conspira contra a Igreja:
bastará o depoimento de algum ou de alguns dos seus mem
bros, ou será necessária urna atitude oficial da própria Loja?

2. Que sentido e extensáo devem ser dados 'á expressáo


«maquinar contra a Igreja»?

— 372 —
aínda igreja e maconaria 4_5

Estas duas perguntas foram apresentadas á S. Congrega-


gao para a Doutrina da Fé, com o pedido de que se pronun-
ciasse oficialmente sobre táo delicado assunto. A resposta
veio com a data de 12/03/75 através da Nunciatura Apostó
lica em Brasilia, tendo o seguinte teor:

"Ao ítem 1: Seria talvez desejável (mas certamente nao


suficiente e nao de se esperar) urna declaragao pública por
parte da associacáo em questao, na qual se dissesse que
nao entra nos intentos déla combater a Igreja. Parece, entre
tanto, que se possa dar fé aqueles que, inscritos há anos na
magonaria, solicitam espontáneamente serem admitidos aos
sacramentos (o que Ihes era antes negado por esse motivo),
declarando — 'onerata ipsorum conscientia' — que a asso
ciacáo (Loja) na qual estáo inscritos nao persegue e nao tem
mais exigido deles compromissos contrarios á sua reta cons-
ciéncia crista.

Nao parece, por outro lado, conveniente que os Bispos


facam, ao menos na atual situacáo dos fatos, publicamente
declaracoes sobre esta ou aquela associacáo.

Ao ítem 2: Da frase 'maquinar contra a Igreja' pode-se


dizer, de modo geral, que se deva referir a 'delitos' contra a
doutrina, as pessoas ou as instituicoes eclesiásticas; note-se
que isso diz respeito á associacáo como tal e nao a cada
membro tomado singularmente".

Destas declaragóes resulta que

1) Quando se trata de um macom que já há anos está


matriculado na Magonaria e quer voltar á comunháo da Igreja,
é o próprio interessado que fornece aos Srs. Bispos e sacer
dotes as indicagóes necessárias sobre a orientagáo da sua Loja
frente á Igreja Católica. Supóe-se que conhega por longa
experiencia as diretrizes filosófico-religiosas da Loja. O ma-
com deverá fornecer as mencionadas indicagóes com sinceri-
dade, de modo a assumir diante de Deus a responsabilidade
das suas declaragóes; desde que procure a Deus nos sacra
mentos da Igreja, procure-0 com sinceridade, pois, se é pos-
sível engañar aos homens (pastores da Igreja), a Deus nao
se pode engañar.

A declaragao feita pelo irmáo macom há de ser corrobo


rada pelas atitudes públicas da Loja a que pertence; se esta

— 373 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

realmente nao dá testemunho de combate á Igreja, os pasto


res da Igreja poderáo prestar crédito ao declarante.

Aínda que um ou mais membros de determinada Loja


afirmem a índole meramente humanitaria (e nao anti-reli-
giosa) dessa Loja, nao convém que os Srs. Bispos em público
déem testemunho de apoio ou solidariedade a tal Loja...
Esta recusa há de ser entendida no nosso atual contexto histó
rico: a Magonaria está muito diversificada; a seu respeito
ainda há opinióes divergentes, de tal modo que o abono público
dado por um Bispo a determinada Loja poderia provocar mal-
-entendidos e discordias desnecessárias.

2) Verifica-se que o texto-resposta de Roma nao trata


dos candidatos que ainda nao pertengam á magonaria e nela
queiram ingressar. Fica aberto entáo o problema: quem asse-
gurará que a Loja magónica que eles nao conhecem ou pouco
conhecem em seu funcionamento interno, nao trama contra a
Igreja?

Valerá o testemunho daqueles que, já tendo alguns anos


de Loja e sendo católicos em comunháo com a Igreja, ates-
tam a inocuidade de tal Loja? Ou bastará o contato inicial
do candidato com a respectiva Loja para que possa atestar
legalmente a inocuidade da mesma? — A resposta de Roma
nao se pronuncia a respeito. Parece que a experiencia dos
magons mais experimentados e católicos poderia legitimar o
ingresso de candidatos católicos na respectiva Loja. Ao con
trario, a pouca experiencia dos iniciantes na Loja magónica
nao parece suficiente para tanto.

3.) Nao trama contra a Igreja aquela Loja que nao agride
publicamente a doutrina oficial, as pessoas ou as instituigóes
da Igreja. Por conseguinte, nao é necessário haja «compló»
secreto ou planejamento de agáo hostil.

O texto de Roma responde empregando a palavra «deli


tos» em sentido pregnante, ou seja, no sentido que o Direito
Canónico atribui a este vocábulo. Ora no Direito Canónico
delito é a violagáo exteriorizada e nwalmente imputável de
urna lei eclesiástica, violagáo á qual se prende urna sangáo
canónica determinada ou a ser determinada. Por exemplo,
impugnar publicamente a doutrina oficial da Igreja a respeito
do casamento ou do direito a vida vem a ser o mesmo que
defender urna heresia; isto é delito no sentido do Direito
Canónico.

— 374 —
aínda igreja e maconaria 47

Se urna Loja realmente nao comete delitos do teor ácima


enunciado, mas algum de seus membros os pratica, nao se
estenda 'á Loja inteira a qualificagáo canónica que toca a tal
de seus membros; pode um magom ser contrario á Igreja nao
pelo fato mesmo de ser magom, mas em virtude da sua filo
sofía pessoal. Nao se diga, pois, que urna Loja maquina con
tra a Igreja se as suas programagdes sao inocuas, mas algum
de seus membros é anticristáo no seu foro pessoal. Todavía é
certo que urna Loja de programas sadios pode voltar-se con
tra a Igreja pelo fato de que seus membros anticatólicos quei-
ram influir decisivamente na orientagáo dessa Loja; a Loja
entáo poderá tornar-se anticatólica enquanto estiver sujeita á
influencia (talvez momentánea) deste ou daquele de seus com
ponentes anticatólicos.

Em suma, estes dados mostram que a questáo das rela-


góes entre a Magonaria, os magons e a Igreja Católica ainda
é complexa e delicada. Todavía nao é questáo fechada ou inso-
lúvel. Pode-se admitir que, preenchidas as condigóes enuncia
das e tomadas as necessárias cautelas, um magom de forma-
gáo católica pertencente a urna Loja inocua á Igreja fre-
qüente os sacramentos e pertenga a. comunháo eclesial, sem
deixar de ser magom.
Esteva© Bettenoourt O.S.B.

livros em estante
Introdujo & Biblia 11/1: Pentateuco, por Teodorlco Bailarín), Enrlco
Galblati e Lulgl Moraldl. Traducao de Ephralm Ferrelra Alves. — Ed. Vozes,
Petrópolis 1975, 170x232mm, 367 pp.

EIs mals um volume da obra "Introducfio á Biblia" lancada na Italia


após o Concillo do Vaticano II, tendo como Diretor-Geral o P. Teodorico
Ballarlnl e como co-dlretores os PP. Stefano Virgulln e Stanlslas Lyonnet.
Oesta obra já salram em portugués os tomos I (IntroducSo Geral, 1968), IV
(Evangelhos, 1972), V/1 (At, 1/2 Ts, 1/2Cor. Gl, Rm, 1974) e V/2 (epístolas
do cativeiro, Pastorals, Hebreus, Católicas, Apocailpse). Hoje saudamos o
vol. U/1, que aborda o Pentateuco, enquanto os demals volumes estSo
sendo anunciados para os próximos tempos.
Esta "Introducao á Biblia" é, ao mesmo tempo, altamente erudita e
didática (o que nem sempre ocorre). Esgota, na medida do possfvel, as
questSes Introdutórlas gerals e as especificas de cada livro; além do que,
apresenta sempre algumas amostras de exegese. é o que se dá com o
estudo do Pentateuco em foco.

— 375 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 188/1975

O principal problema que se pde ao exegeta neste setor, é o das


fontes do Pentateuco. Ora os autores do tomo 11/1 expfiem minuciosamente
o histórico da questSo, principalmente a partir de 1753; apresentam as
posicdes dos diversos críticos até data recente (1966). Concluem lem-
brando a Inconveniencia de reduzir a problemática a esquemas de solucáo
preconcebidos segundo escolas filosóficas que nio levem em conta a
realldade histórica dos fatos ou a amblentacáo dos textos bíblicos. Admi-
tem — como, alias, nio se pode deixar de admitir — os quatro documentos
J E 0 P, cujas características os autores do tomo descrevem minuciosa
mente. Todavía chamam a atencSo para o sentido um tanto vago da
palavra "documento" no caso: trata-se de grupos ou familias de textos, que
foram enfeixados no Pentateuco; antes de serem al Incluidos, pergunta-se,
eram tradigóes, estratos ou mesmo documentos? Cf. p. 74. A aceitacáo
das quatro fontes do Pentateuco é hoje considerada urna hipótese de tra-
balho, que contém pontos sobre os quais a maioria dos críticos está de
acordó; fica sendo útil na medida em que concorre para melhor se com-
preender o texto sagrado. Reslam, porém, numerosas questoes abertas no
tocante ao surto, á elaboracfio e ao entrelacamento de cada urna das tra-
digoes originarias. Esta afirmagao está em plena consonancia com o magis
terio atual da Igreja. Ñas páginas 85-87 o livro analisado trata da questáo
de "Moisés escritor", admilindo que o próprio Moisés tenha redigido algo
do acervo mals antigo do Pentateuco.

SSo merecedores de atengSo outrosslm os espécimens de exegese


apresentados ás pp. 149-244 e 301-359. Os autores fomecem importantes
dados para o- estudo da pré-história bíblica (origem do mundo, do homem,
pecado dos primeiros pais, Caím e Abel, diluvio, torre de Babel). No que
concerne ao poligenismo, os autores da Introdugao cltam documentos de
Pió XII e Paulo VI que fazem reservas a tal doutrlna; apresentam, porém,
ampia bibliografia em que o assunto é discutido; por fim, aduzem os
nomes de exegetas e teólogos abalizados, como Grelot, Rahner, Lavocat,
Blandino, segundo os quais o poligenismo nio é incompatlvel com o dogma
do pecado original e com o magisterio da Igreja honestamente entendido;
o estudioso sincero deve Mmltar-se a esta formulagáo negativa, sem que
possa afirmar outros dados em terreno de táo difícil pesquisa. A fé da
Igreja ensina, slm, a elevagSo do homem ao estado sobrenatural e a
queda dos primeiros pais logo no Inicio da historia. Esta verdade de fé
nio é contraditada pela teoría do poligenismo, mas salva-se mesmo em
tal hipótese ; ora isto basta para que a fé nao rejeite (o que nao significa
"abonar") o poligenismo.

Quanto ao pecado original, os autores propdem a interpretacáo his-


tórico-realístlca e a histórlco-simbóllca, preferindo esta última : a narragáo
de Gn 2-3 supoe um núcleo histórico revestido de símbolos literarios (ser-
pente, árvore do bem e do mal, árvore da vida, querubins...); alude, por
certo, a um estado de elevagáo sobrenatural, que o homem perdeu por
desobediencia a um modelo de vida apresentado pelo Senhor Deus. A
interpretacio sexual do pecado dos primeiros país é colocada sob serias
reservas.

Em suma, o novo livro de Ballarini, Galblati e Moraldi é de alto valor


exegético e escolar. Servirá grandemente a estudantes, professores e cate
quistas, oferecendo-lhes ampias inlormagóes e criterios de julgamento con-
sentaneos com a reta fé.

— 376 —
Em apéndice perguntamos: á p. 66, a data indicada no fím da página
nao serla 538 a.C, em vez de 458 a.C?

Deus ou Nada. Reflex&es sobre o ateísmo moderno, por Romano


Rezek. Colecáo "Homem em questáo n? 11. — Ed. Paulinas, Sao Paulo
1975, 130 x 200 mm, 319 pp.
Este livro, devldo a um beneditlno húngaro de SSo Paulo, resume um
conjunto de conferencias realizadas em Faculdades de Sao Paulo, Santos,
Brasilia, Golánia, Caxias do Sul, Nova Veneza. O autor especializou-se nos
escritos de Teilhard de Chardin e na problemática do ateísmo contempo
ráneo. No livro em aprego aborda, em estilo comunicativo e multo acessi-
vel, a questáo do homem e de seu destino. A seguir, estuda as caracterís
ticas do ateísmo moderno e dos principáis representantes desta atitude nos
tcmpos atuais : Marx, Nietzsche, Sartre...; encara também a posicáo dos
teólogos da "morte de Deus" (Bonhoeffer, John Roblnson, Paúl van Burén,
William Hamilton, J. J. Altizer, Harvey Cox). Ao mesmo tempo que prop&e
objetivamente o pensamento desses autores, Román Rezek reflete sobre o
mesmo, confrontando-o com páginas de Pascal, S. Anselmo, S. Tomás de
Aquino, Teilhard de Chardin, Daniélou; donde se evidencia que o ateísmo,
em última análise, ainda é urna demanda de Deus, que do seu modo con
tribuí para depurar e valorizar a auténtica fé no Eterno.
Interessante é a antologia de textos de Pascal, Garaudy, Daniélou e
Teilhard de Chardin que o autor aprésenla. Embora Teilhard deva ser
explicitado e complementado, Rezek soube escolher as passagens meis
lúcidas desse escritor, capazes de falar a um ateu contemporáneo (Teilhard
n8o é propriamente um teólogo nem um filósofo, mas um místico, qi.e
desejou ser o apostólo dos dentistas ateus e que, como tal, conseguhi
algo do seu objetivo). Tenha-se em vista também o vocabulario "sartreano"
que Rezek prop&e e explica, ajudando o leltor a compreender a terminología
muito singular de Sartre: "exlstenciel, existencial, existencia, esséncia,
nada..."
O livro será útil a quem deseje conhecer, em primeira abordagem
ou em slntese, alguns dos principáis expoentes do ateísmo moderno, com
a respectiva refutacSo; servirá com proveito a cursos de filosofía e funda-
mentagSo teológica, de mais a mais que aprésenla bibliografía cuidadosa
mente recenseada.

A Igreja da circuncislo. Historia e arqueología dos judeu-cristSos,


ñor Belarmino Bagatti, O.F.M. TraducSo de Ludovico Garmus, O.F.M.
P-iblicacóes CID : Exegese/2. — Ed. Vozes, Petrópolls, 1975, 137 x 200 mm,
323 pp.
Este livro trata de urna porgao da historia da Igreja que até os últimos
tempos era assaz pouco conhecida: as comunidades de judeus que abra-
caram o Evangelho e viveram como cristáos nos tres ou quatro primeiros
séculos do Cristianismo. O Cardeal Jean Daniélou comecou a interessar-se
recentemente por tal faceta da Igreja; ainda atualmente o Pe. Bagatti, pro-
fessor no Estudo Bíblico Franciscano de Jerusatém, dedica-se a tal estudo
na qualidade de arqueólogo, lingüista e historiador emérito.
O autor analisa as varias comunidades judeo-crist9s da antigüidade
em Jerusalém, na Palestina, na Transjordánia, na Siria, na Asia Menor,
em Roma, no Egito; estuda sua organizacio, suas expressfies de fé e de
culto, seus monumentos religiosos, etc., pondo á tona urna riqueza do
dados que a mentalidade dos cristáos ocidentais modernos costuma ignorar.
é nisto que consiste o valor do livro em foco, cuja le ¡tura há de sa'.isfazer
a quem procure conhecer melhor o Cristianismo e suas relacdes com o
judaismo.

Divorcio. A favor ou contra ?, por Luiz José de Mesquita. — EdicOes


LTr, SSo' Paulo 1975, 137 x 210 mm, 128 pp.
(Continua na pág. 371)
Continuamos
^ indo petróleo.

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