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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatls Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
I

263

Á procura de Deus

Os perigos de urna guerra nucle:

A familia crista no mundo de he

Igreja, política efe


Os métodos de meditacao oríeni


e o cristianismo

"O poder infinito de sua mente'

"Iniciacáo á Teología"

"O homem á procura de Deus"

Ano jubilar — julho-agosto — 196


PERGUNTE E RESPONDEREMOS JULHO-AGOSTO- 1982
Publicapao bimestral
N? 263
1957 - ANO JUBILAR - 1982

Diretor-Responsável:
0. Estevao Bettencourt OSB SUMARIO
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico

A PROCURA DE DEUS . . 1
Diretor-Administrador:
A Igreja e
D. Hildebrando P. Martins OSB OS PE RIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR. 2

"Familiaris consortio":
Administracao e distribuicao: A FAMI'LIA CRISTA NO MUNDO OE HOJE. 12
Na vespera das eleicóes:
Edicdes Lumen Christi
IGREJA, POLI'TICA E FÉ 28
Dom Gerardo, 40 ■ 5?and., sala 501
Na ordem do dia:
Tel.: (021) 291-7122 OS MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL
Caí xa postal 2666 E O CRISTIANISMO 40

20001 Rio de Janeiro RJ Dez edicóes em dezeuate mesas!


"O PODER INFINITO DA SUA MENTE"
por Lauro Trevisan 55

Em trinta e tres fascículos:


"INICIACÁO ATEOLOGIA"pelo "Centro
Pagamento em cheque nominal/visado
Saint-Dominique" L'Arbresle 66
ou vate postal ás:
Um livro notável:
"O HOMEM A PROCURA DE DEUS" por
Edades Lumen Christi
Paut-Eugene Chanbonneau 77
Caixa postal 2666
LIVROS EM ESTANTE 85
20001 Rio de Janeiro RJ

ASSIN ATURA ANUAL- 1982


TEMARIO DO PRÓXIMO NÚMERO
1.200,00

264 - setembro-outubro - 1982


N? avulso 200,00
Assinatura comeca no mes da InscricSo
A reforma gregoriana do calendario e novas

Renove-a quanto antes perspectivas

Que é o " Opus Dei " ?

"A Nomenklatura" por Micha'el S. Voslensky


COMUNIQUE-NOS QUALQUER
MUDANCA DE ENDERECO Objecoes protestantes ao catolicismo

A Igreja Católica Apostólica Brasileira


Composicao e ¡mpressSo:
Que é a excomunhSo?
Marques-Saraiva
Santos Rodrigues, 240
Rio de Janeiro Com aprovacao eclesiástica
Á PROCURA DE DEUS
O último artigo deste fascículo, comentando importante
livro, dá a esta edigáo de PR a sua tónica principal.
«O homem á procura de Deus»... Através dos tempos,
muito antes de Cristo até o sáculo XIX, o homem procurou
a Deus e manifestou a sua crenga no Senhor. O século
XDC, porém, foi o do ateísmo: «Deus morreu!», proclamou
•JSfietzsche... e haveria morrido para que o homem deixasse
de* ter rival e se tornasse o Super-Homem! Contudo a procla-
magáo da morte de Deus acarretou o que o N3o dito pelos
primeiros pais trouxe para o género humano; decepcáo e
frustragáo (cf. Gn 2-3). Com efeito, ao mesmo tempo que
proclamavam a morte de Deus, os filósofos viram proclamada
1) a sufocagáo do homem nos regimes totalitarios do século
XX, 2) o absurdo da existencia do próprio homem (Jean-Paul
Sartre, Simone de Beauvoir, Camus...) e, por último, 3) a
morte do homem. «No século XK o problema era a morte de
Deus; no século XX, o problema é a morte do homem» (Erich
Fromm).
Estranho fenómeno, porém, ocorre em nossos dias: o
mundo ateu, em vez de encontrar paz e grandeza, sente-se
vazio e inquieto, á procura de um sentido para a vida. É o
que atesta o pulular de seitas contemporáneas: nada tém de
alta intelectualidade, mas corresponden! aos sentimentos de
angustia e aos anseios de resposta que atormentan* o homem
de hoje. Expectativa de fim do mundo, visóes, revelagóes, fuga
para o Nirvana tranquilo, crenga ein, horóscopo... sao expres-
sóes do psiquismo humano que nao consegue manter o seu
equilibrio sem referencia ao Transcendental. O ídolo, e nao o
Super-Homem, toma o lugar de Deus!... O homem procura
assim suprir a falta de Deus, do verdadeiro Deus, fazendo eco
á perene palayra de S. Agostinho: «Senhor, Tu nos fizeste
para Ti, e inquieto é o nosso coracáo enquanto nao repousa
em Ti!». O homem é realmente como a agulha magnética, que,
atraída pelo seu Norte invisivel, só repousa quando se volta
para ele, se revela agitada quando desviada do mesmo.
Ao tormento do homem contemporáneo importa responder
com a apresentacáo do Deus único apreendido através de urna
fé adulta e esclarecida. Muitos nao créem, simplesmente porque
nunca tiveram a oportunidade de conhecer a mensagem crista
auténticamente proposta; e sao infelizes por isto.
É em vista deste desafio que PR, pela graga de Deus, vai
mais urna vez ao encontró dos seus leitores e do público ledor.
E.B.

— 245 —
«PEROUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXIII — N» 263 — Julho-agosto de 1982

A Igreja e

Os perigos de urna guerra nuclear


Em sintese: De 14 a 18 de dezembro de 1981 cinco delegacOes da
Pontificia Academia das Ciencias estiveram em visita respectivamente aos
chefes de Govemo dos Estados Unidos da América, da Rússia Soviética,
da Inglaterra e da Franca bem como ao presidente da OrganizacSo das
Nacóes Unidas. Levavam, em nome do Santo Padre Joio Paulo II, urna
mensagem referente á ameaca de guerra atómica que pesa sobre a huma
nidade e que poderia por o fim á civil ¡zacao. O documento é transcrito ñas
páginas subseqüentes, merecendo toda a atencáo, pois salienta de maneira
viva, realista e fundamentada as funestas conseqüéncias que o emprego
de armas nucleares pode ter para o género humano.

Comentario: Nao há quem ignore que os grandes países


do mundo se váo armando com armas nucleares, de periculo-
sidade sempre crescente. Prevé-se que o emprego de tais armas
ponha fim nao somente a determinada nagáo, mas á própria
historia da civilizacáo presente. Após tal tipo de guerra nao
haverá vencedores, mas seráo todos os beligerantes e nao
beligerantes vencidos e exterminados. Esta terrível perspectiva,
que nao é remota nem fantasista, tem provocado o zelo de
pensadores bem intencionados e, de modo especial, o dos cris-
táos. Abstragáo feita de interesses políticos, a sobrevivencia
da humanidade requer que os povos sejam alertados a respeito
da mortífera ameaca que sobre eles pesa, a fim de que con-
tribuam para afastar a catástrofe.

Visto que muito importa ao público em geral conhecer tal


perigo e os esforcos realizados pela Igreja para coibi-lo, apre-
sentaremos abaixo urna noticia de tais esforcos assim como a
mensagem do S. Padre Joáo Paulo II enviada ás principáis
autoridades governamentais do mundo a tal propósito. *

i Se nao for possível ao leitor ler todo o artigo subseqüente, lela ao


menos o texto da mensagem de S. Santidade ás págs. 249-254.

— 246 —
OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR

1. A atmdode efe Joño Paulo II

Sabe-se que aos 30/11/81 tiveram inicio em Genebra


(Suíca) as prímeiras conversacóes entre delegados da Rússia
e dos Estados Unidos da América a respeito do desarmamento
nuclear. Ora no domingo 29/11/81, em sua alocucáo do meio-
-dia, o S. Padre comunicou á multidáo na Praca de S. Pedro
o teor de sua intervengáo:

"Amanha as delegacSes dos Estados Unidos e da Uniáo Soviética


Iniciarlo em Genebra conversacóes para discutir a reduelo dos armamentos
nucleares na Europa. Na véspera de tal encontró enviei mensagem pessoal
para exprimir vivo interesse pelo éxito das conversacóes, para as quais se
volta com expectativa ansiosa a atencio de milhóes de homens do mundo
fntelro.

Juntamente com meus votos, mandel urna palavra de estimulo a fim


de que — gragas aos esforgos comuns dos homens de boa vontade —
nSo passe esta ocasiáo sem que se atinjam resultados tais que conso-
lidem a esperanca de um futuro nao mais ameacado pelo espectro de
posslvel confuto nuclear".

Quinze dias depois, ou seja, aos 13/12/81, o S. Padre,


aínda na alocugáo do meio-dia, voltava ao assunto nos se-
guintes termos:

"No domingo 29 de novembro fiz referencia á mensagem que enviei


aos Chefes de Estado dos Estados Unidos e da Uniáo Soviética, ñas vés-
peras das conversacóes de Genebra para a rodugao das armas nucleares
na Europa.

Aínda em atitude de profunda preocupacáo pela aterradora hipótese


de urna guerra atómica, pedi ás mesmas autoridades, como também ás da
Gra-Bretanha e da Franca e ao presidente da Assembléla Geral das Nacóes
Unidas, acolhessem, nos dias subseqüentes, delegacóes da Pontificia Aca
demia das Ciencias, encarregadas de ilustrar um documento científico,
fruto de estudo minucioso efetuado pela mesma Academia, com a colabo-
ragao de outros eminentes estudiosos, a respeito das conseqüéncias do
emprego de armas nucleares.

Na verdade, tenho a profunda convlccfio de que, diante dos efeitos


cientificamente previstos como decorrentes de urna guerra nuclear, a
única opcSo, moral e humanamente válida, é a reducáo das armas nuclea
res, na expectativa de futura e completa eliminacao das mesmas, efetuada
simultáneamente por todas as partes intsrossadas mediante acordos explí
citos e com a obrigacao de aceitar controle eficaz".

Com efeito, entre 14 e 18/12/81 as referidas delegacóes


cumpriram sua missáo junto ás autoridades indicadas, mere-
cendo, da parte destas, pleno respeito e o reconhecimento de
que se impóe urna acáo direta apta a sensibilizar todos os
homens a respeito do problema da paz mundial.

— 247 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

As delegagóes estavam assim constituidas;

A Washington: S. E. Víctor Weisskopf, membro da


Academia (1), professor ae Física no Massachusetts Instituto
of Technologüy de Cambridge (E.U.A.); S. E. David Baltimore,
membro da Academia, professor no Massachusetts Institute
of Technology de Cambridge (E.U.A.); S. E. Marshall Niren-
berg, membro da Academia, professor de Genética e Bioquí
mica no National Institutes of Health de Bethesda (E.U.A.);
e o Dr. Howard Hiatt, Diretor do Harvard School of Public
Health, que participou no grupo de trabalho que realizou o
estudo.

A Moscovo: S. E. Christian de Duve, membro da Aca


demia, professor de Química Fisiológica da Universidade Cató
lica de Lovaina (Bélgica) e na Universidade Rockfeller de
Nova Iorque; S. E. Jeróme Lejeune, membro da Academia,
professor de Genética fundamental na Universidade de París;
S. E. Giovanni Battista Marini Bettólo, membro da Academia,
professor de Química na Universidade de Roma e na Univer
sidade do Sagrado Coracáo (Roma); e, aínda, o Prof. Nicolai
Bochkow, Diretor do Instituto de Genética Médica de Mos
covo, que participou no mencionado grupo de trabalho.

A París: S. E. Louis Leprince-Ringuet, membro da Aca


demia, professor de Física no Colegio de Franca e na Escola
Politécnica de Paris; S. E. Pierre Lépine, membro da Academia
Pontificia das Ciencias e da Academia das Ciencias do Instituto
de Franca; S. E. André Blanc-Lapierre, membro da Academia,
professor de Física na Universidade (Paris-Sul); e o R. P.
Enrico de Rovasenda, O. P., Diretor da Chancelaria da
Pontificia Academia das Ciencias.

A Londres: S. E. Carlos Chagas, Presidente da Acade


mia Pontificia das Ciencias, professor emérito de Biofísica na
Universidade Federal do Rio de Janeiro; S. E. Hermann Ale-
xander Brück, membro da Academia, Astrónomo Real para
a Escocia, professor emtrito de Astronomía na Universidade
de Edinburgh; S. E. Max F. Perutz, membro da Academia,
Premio Nobel, Diretor do Instituto de Biología Molecular da
Universidade de Cambridge; S. E. Stanlejy Runcorn, membro

iQuando nSo se diz mals, trata-so da Pontificia Acadsmia das


Ciencias.

— 248 —
OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR 5

da Academia, Diretor do Instituto de Física da Universidade


de Newcastle upon Tiyne; e S. E. Martín Ryle, membro da
Academia, professor de Radioastronomía na Universidade de
Cambridge e Diretor do Mullard Radio Astronomy Labo-
ratory.

A Nova Iorque: S. E. Víctor Weisskopf, membro da


Academia, professor de Física no Massachusetts Institute of
Technology de Cambridge (E.U.A.); S. E. Severo Ochoa,
membro da Academia, professor emérito no Instituto Roche
de Biología Molecular de Nutley (E.U.A.); e S. E. Gonind
Khorana, membro da Academia, professor de Bioquímica na
Universidade de Cambridge (E.U.A.).

Passamos agora a transcrever a traducáo portuguesa do


texto da Pontificia Academia das Ciencias, redigido originaria
mente em francés e inglés.

2. O TEXTO

DECLARACÁO SOBRE AS CONSEQÜINCIAS DO EMPREGO

DAS ARMAS NUCLEARES

Necessiddde de ¡nformacSo

A 7 e 8 de outubro de 1981, sob a presidencia do Prof. Carlos


Chagas, Presidente da Pontificia Academia das Ciencias, reuniu-se
um grupo de quatorze dentistas espedalizados x, na sede da Aca
demia (Casina Pió IV, Cidade do Vaticano), vindos de diversas
partes do mundo, a fim de examinar o problema das armas nuclea
res para a sobrevivencia e a saúde da humanidade.

Ainda que a maior parte destas conseqüencias parecam evi


dentes, ¡ulga-se que nao se atende suficientemente a gravidade
délas. As condicóes de vida em conseqOénda de um ataque nuclear
seriam táo difíceis que a única esperanca para a humanidade

i Carlos Chagas, Rio do Janeiro; £ Amaldi, Roma; N. Bochkov, Mos-


covo- L Caldas, Rio de Janeiro; H. Hiatt, Bostón; R. Latarjet, París;
A Leaf Bostón; J. Lejeune. París; L. Leprlnce-Rlnguet, Paris; G. B. Ma-
rlnl-Bettólo. Roma; C. Pavan, Sio Paulo; A. Rlch, Cambridge Mass; A. Serra,
Roma; V. Weisskopf, Cambridge Mass.

— 249 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

reside na prevencáo de todas as formas de guerra nuclear. Difun-


dindo e recebendo, em toda a parte do mundo, tal conheciments,
poder-se-ia colocar em evidencia o fato de as armas nucleares nao
deverem nunca ser empregadas em caso de guerra e de o número
délas dever progressivamente reduzir-se de maneira equilibrada.

O grupo ácima mencionado discutiu e aprovou por unanimi-


dade um número de pontos fundamentáis que foram ulteriormente
desenvolvidos na declaracáo seguinte.

Avaliacóes médicas

As recentes declaracoes, segundo as quais se poderia vencer


urna guerra nuclear e mesmo sobreviver a ela, deixam que aparece
urna falta de apreciacáo da realidade médica: qualquer guerra
nuclear espalharia inevitavelmente a morte, a doenca e o sofrimento,
em proporcoes e numa escala gigantesca, e sem urna intervencao
médica eficaz ser possível. Esta realidade leva á mesma conclusao
a que os médicos chegaram a propósito das epidemias mortíferas
da historia: só o prevenir consente que se mantenha o dominio da
situacao.

Ao contrario de urna opiniáo muito difundida, possui-se um


bom conhecimento da amplidao da catástrofe que seguiría o em-
prego das armas nucleares. E conhecem-se, igualmente bem, os
limites da assisténcia médica. Se este conhecimento fosse apresen-
tado claramente aos povos e aos seus dirigentes em toda a paríe
do mundo, isto permitiría contribuir para ínterromper a corrida aos
armamentos e por conseguinte contribuiría para impedir o que bem
poderia ser a última epidemia da nossa civilizacao.

Absoluta ¡mpossibilidade de socorrer as vfttmas

As devastacoes causadas pela arma atómica sobre Hiroxima e


Nagasaqui fornecem-nos elementos de apreciacáo diretos das son-
seqüéncias de urna guerra nuclear, mas dispomos também de nume
rosas apredacóes teóricas sobre as quais nos podemos apoiar. Há
dois anos urna seria agenda oficial publicou os resultados de urna
apreciacáo e descreveu os efeitos de ataques nucleares sobre cida-
des de dois milhóes de habitantes aproximadamente. Se urna arma
nuclear de um milháo de toneladas (a bomba de Hiroxima atingió
cerca de 15.000 toneladas de potencia explosiva) explodisse no
centro de tais cidades, resultariam, segundo os cálculos, destruicóes

— 250 —
OS PERIGOS DE UMA ÚUERRÁ NUCLEAR V

num raio de 180 km2, 250.000 mortos 500.000 feridos graves.


Entre estes é preciso contar os que sofreriam feridas devidas á
respiracao atómica tais como fraturas e graves lesoes dos tecidos
moles, queimaduras superficial ou da retina, Ies5es do aparelho
respiratorio e queimaduras devidas ás irradiacoes, com sindromas
agudos e efeitos retardados.

Mesmo ñas melhores condicoes, os cuidados que deveriam ser


prestados a estes * feridos representarían! um esforco médico de
urna amplidao inimaginável. O estudo considerara que, em tais cida-
des ou nos arredores, se se dispusesse de 18.000 leitos, nao haveria
mais de 5.000, aproximadamente, utilizáveis. Só um por cento dos
seres humanos feridos poderío portanto ser neles acoihido, mas é
necessário notar que, em qualquer hipótese, ninguém estaría em
condicoes de assegurar o servico médico que requerem alguns
somente dos gravemente feridos, vítimas das radiacoes e dos desa*
bamentos.

A ineficacia da assisténcia sanitaria é especialmente evidente


se considerarmos tudo o que se requer para os cuidados dos grave
mente feridos. Citaremos apenas, a título de exemplo, o caso de
um homem de vinte anos, gravemente ferido em conseqüéncia de um
acídente de automóvel em que o reservatório de gasolina explodiu.
Foi hospitalizado no servico de feridos graves do Hospital de Bostón.
Durante a hospitalizacao recebeu 140 litros de plasma pouco antes
congelado, 147 litros de glóbulos vermelhos pouco antes congelados,
180 mililitros de placazinha e 180 mililitros de albúmina. Suportou
seis operacoes em que feridas', que se estendiam por 85% da sua
superficie corpórea, se fecharam gracas a diferentes tipos de enxer-
tos, inclusive enxertos de pele artificial. Durante toda a hospitali
zacao esteve em respiracao artificial. Apesar destes meios excep-
cionais e doutros ainda, que aplicavam todas as posibilidades de
urna das ¡nstituicoes médicas mais completas do mundo, morreu no
33" dia de hospitalizacao. As suas feridas foram comparadas pelo
médico responsável ás que se encontram descritas quanto a nume
rosas vítimas de Hiroxima. Se quarenta pacientes deste género hou-
vessem de ser admitidos ao mesmo tempo em todos os hospitais de
Bostón, o caso ultrapassaria as capacidades médicas da cidade.
Imaginemos agora a situacao se, além dos milhares de pes:oas feri
das, as ¡nstalacoes médicas de urgencia estives:em na maior parte
destruidas.
O exemplo do Japáo
Um médico japonés, o Professor M. Ichimaru, publicou o seo
próprio testemunho sobre os efeitos da bomba em Nagasaqui. Re
fere: «Procure! ir para a minha escola de medicina em Urakami,

— 251 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 263/1982

situada a 500 metros do hipocentro. Encontrei muita gente que


voltava de Urakami. Os vestuarios esfavam em andrajos e pendiam
dos corpos pedacos de pele. Pareciam fantasmas, com o olhar inde
finido. No día seguinte conseguí penetrar a pé em Urakami e tudo
quanto eu conheda desaparecerá. Só tinham ficado as carcacas, de
cimento e acó, das construcóes. Em toda a parte havia cadáveres.
A cada ángulo de rúa estavam dornas de agua destinadas a apagar
incendios depois das incursoes aéreas. Numc destas dornazinhas,
apenas com o tamanho para receber urna pessoa, encontrava-se o
corpo de um pobre homem que tinha procurado desesperadamente
um pouco de c\gua fresca. Saia-lhe espuma da boca, mas ¡á nao
estava vivo. O rumor dos choros das mulheres nos campos devas
tados ia-me seguindo. A medida que me aproximava da escola, vía
cadáveres enegrecidos, carbonizados, com a ponta branca dos ossos
dos bracos e das pernas saliente. Quando cheguet, havia ainda
alguns sobreviventes. Estavam impossibilitados de se mover. Os mais
fortes encontróva m-se táo enfraquecidos que se tinham precipitado
no chao. Falava-lhes e eles pensavam qoe escapariam, mas todos
afínal iriam morrer ñas duas semanas seguintes. Nunca poderei
esquecer como olhavam para mim e como me falavam...».

Deve notar-se que a bomba lancada sobre Nagasaqui tinha


urna potencia equivalente a 20.000 toneladas de TNT, pouco mais
do que as chamadas «bombas fóticas» destinadas aos campos de
batalha.

Ora até mesmo estas vísoes de horror sao improprias para


descrever o desastre humano que resultaría de um ataque contra
um país com a acumulacao atual de armas nucleares, que sobem a
milhares de bombas de urna potencia de um milháo de toneladas
de TNT ou mais.

Deploráveis condicSes dos sobreviventes

Os sofrimentos da populacáo sobrevivente seriam sem compa


ra cao possível. As comuntcacoes, o abastecimento em comida e em
agua ficariam completamente interrompidos. Nos primeiros dias, nao
poderia ninguém, sem riscos de radiacoes mortais, aventurar-se para
fora dos edificios a fim de prestar socorro. A desagregacáo social
depois desse ataque seria inimaginável.

A exposicáo a doses compactas de radiacoes diminuiría a resis


tencia as bacterias e ao virus, e poderia por conseguinte abrir o
caminho a ¡nfeccoes generalizadas. As radiacoes atuariam, além
disso, sobre numerosos fetos trazendo lesoes cerebrais irreversíveii

— 252 —
OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR .9

e deficiencias mentáis. E a incidencia de numerosos tipos de cancro


nos sobreviventes teria consideravelmente aumentado. Seriam trans
mitidas deteriorizacóes genéticas ás geracóes vindouras, supondo
que as houvesse.

Para mais, o solo e as florestas, assim como o gado em


regióes ¡mensas, seriam contaminados, o que reduziria os recursos
alimentares. Poder-se-iam esperar muiros outros efeitos biológicos
e mesmo geofísicos nocivos, mas no estado atual dos conheci-
mentos nao é possível prever com certeza o que eles seriam.

Impossibilidade de limitar o confuto

Mesmo que o ataque nuclear fosse dirigido só contra as insta-


lacoes militares, seria igualmente devastador para o conjunto do
país. Porque as insta lacoes militares estáo dispersas, e nao con
centradas nalgumas áreas. Deste modo, numerosas armas nucleares
explodiriam. Além disso, a radiacáo propagar-se-ia devido aos
ventos naturais e á mistura na atmosfera, matando inúmeras pes-
soas e contaminando ¡mensas regióes. As ¡nstalacóes de saúde de
qualquer país seriam inadequadas para atenderem aos sobreviventes.
Um exame objetivo da situacóo sanitaria depois de urna guerra
nuclear conduz a urna conclusóo única: a prevencáo é o nosso
único recurso.

Conclusa» única: prevenir

£ bem evidente que as conseqüéncias de urna guerra nuclear


nao sao somente de natureza sanitaria. Mas estas obrigam-nos a
considerar a Kcao rigorosa que nos dá a medicina moderna: quando
o tratamento de tal ou tal doenca é sem efeito, ou entao se os
gastos sao demasiado elevados, é preciso concentrar todos os esfor-
cos na prevencáo. Estas duas condicSes aplicam-se a guerra nuclear.
O tratamento seria praticamente impossível, e as despesas enormes.
Podem-se acaso reunir argumentos mais fortes em favor de urna
estrategia preventiva?

A prevencáo de toda doenca requer urna receita eficaz.


Reconhecemos que tal receita deve ao mesmo tempo impedir a
guerra nuclear e salvaguardar a seguranca. Os nossos conheci-
mentos e os nossos títulos de investigadores e de médicos nao nos
permitem, naturalmente, falar com autoridade dos problemas de
seguranca. Todavía, se os responsáveis políticos e militares funda-

— 253 —
ig «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

rem a sua organizacao estratégica sobre hípóteses erróneas quanto


aos aspectos médicos de urna guerra nuclear, nos pensamos nao
ter responsabilidades a este propósito. Devemos informá-los, infor
mar toda a gente sobre o que seria o quadro clínico no seu con
junto, depois de um ataque nuclear, e sobre a impotencia de a
comunidade médica apresentar urna resposta válida.

Se nao falássemos, correríamos o risco de nos trairmos a nos


mesmos, correríamos o risco de trair a nossa civilizacáo.

A leitura deste documento é por si mesma suficientemente


significativa para despertar em todos os responsáveis pelos
destinos da humanidade a consciéncia dos horrores de urna
guerra nuclear. É precisamente a prospectiva de tal hecatombe
que tem levado nao somente o S. Padre Joáo Paulo II, mas
também varios bispos e comissóes de bispos católicos e auto
ridades religiosas cristas nao católicas a pronunciar-se a res-
peito de táo horrendo mal. A ameaca é tal que o bom senso
concluí: «Nao haverá como remediar. Só resta prevenir en-
quanto é tempo ou enquanto os ánimos dos Chefes de Estado
contemporáneos nao estáo irreversivelmente acurados».

APÉNDICE

A guisa de complemento, fazemos ainda mencáo de alguns


dos pronunciamentos mais recentes de bispos e pastores
religiosos relativos as armas nucleares.

Em outubro de 1981, o episcopado do Canadá emitiu urna


Declaragáo sobre a bomba de neutrónio.

Pouco depois o mesmo ocorreu por parte dos bispos da


Holanda.

Em nome dos bispos dos Estados Unidos da América, o


presidente da Conferencia Episcopal manifestou-se contraria
mente á fabricagáo da bomba de neutrónio. Além disto, cerca
de trinta bispos norte-americanos se pronunciaran! até agora
sobre as armas nucleares.

Na Inglaterra e no país de Gales a Conferencia Nacional


do Clero Católico também emitiu declaragáo contraria a tal
recurso bélico.

— 254 —
OS PERIGOS DE UMA GUERRA NUCLEAR 11

Na Italia registraram-se a respeito mensagens da Presi


dencia da Conferencia dos Bispos aos 14/09/81, comunicados
do Conselho Permanente da mesma Conferencia aos 16/10/81
e urna mensagem dos Bispos das Tres Venezas datada de
1V10/81.

Fora da Igreja Católica, assinalam-se:

— a Declaracáo do Conselho Ecuménico das Igrejas de


agosto 1981;

— a Declaragáo do Encontró Público Internacional de


Informacáo e Discussáo sobre as armas e o desarmamento
nuclear, em Amsterdam, aos 23-27/11/81, sob a hégide do
mesmo Conselho Mundial das Igrejas;

— a Declaragáo da Conferencia de Agáo Urgente das


Organizagóes nao Governamentais a respeito da corrida ace
lerada aos armamentos em Genebra aos 5-6/08/81, também
em caráter ecuménico (católico-protestante):

— o Apelo Ecuménico da Federagáo Protestante da


Franca, em outubro de 1981; ■

— o documento L'Eglise et Parmament nucléaire, das


paróquias da Igreja Protestante Unida da Bélgica;

— o Apelo final do segundo encontró ecuménico de


Logumkloster (Dinamarca), organizado pelo Conselho das
Conferencias Episcopais da Europa e pelo Conselho das Igrejas
da Europa aos 16-19/11/81;

— o Apelo do Patriarca de Moscou por ocasiáo do Natal


de 1981.

— 255 —
"FamiJiaris consortio":

A familia crista no mundo de hoje

Em sínlese: Na ExortacSo Apostólica "Familiarls Conssortlo" de 22 de


novembro de 1981, o S. Padre Jofio Paulo II exprime o seu pensamiento e
o do Sínodo dos Bispos de 1980 a respelto da familia. Enquanto certas
correntes sociológicas proclamam a "morte da familia" (ao lado da morte
de Deus), a Igreja reafirma a valor desta, enfatizando que o futuro da
humanidade passa pela familia (conclusSo da Exortacáo). Esta é santa,
na qualldade de igreja doméstica, e há de ser preservada dos males
que a ameacam: unides livres, divorcio, casamento de católicos tSo
somente no foro civil... O documento incentiva os pastores de almas a
ajudar os nolvos de pouca fé a desenvolver sua crenca religiosa. Esta
existe, ao menos implícitamente, naqueles que sinceramente dese|am o
sacramento do matrimonio, embora se dlgam indiferentes á rellgiio; nSo
sejam rejeitados a nao ser que se recusem formalmente a aceitar a dou-
trlna da Igreja referente ao matrimonio.

Importa que as familias católicas, convictas de seu valor capital,


se disponham mais e mals a realizar sua missSo: "Familia, torna-te
aqullo que ésl" (n? 17).

Comentario: Aos 22 de novembro de 1981, o S. Padre


Joáo Paulo II assinou a Exortagáo Apostólica Familiaris
consortio sobre a funcáo da familia crista no mundo de hoje.
Tal documento faz eco (as 43 proposigóes formuladas pelo
Sínodo dos Bispos de 1980 e já apresentadas em PR 260/1982,
págs. 45-66. O S. Padre refundiu tais proposicóes e quis
dar-lhes o seu cunho pessoal, transmitindo assim as familias
cristas urna mensagem de grande profundidade e extensáo.
A Exortagáo compreende quatro partes: 1) Luzes e som
bras da familia de hoje; 2) O designio de Deus sobre o matri
monio e a familia; 3) Os deveres da familia crista (entre os
quais o da formagáo de comunidade, o servigo & vida, a
educacáo dos filhos, a participacáo no desenvolvimento da
sociedade, a participacáo na vida e na missáo da Igreja);
4) A pastoral familiar.

De tal Documento esbogaremos alguns tragos importantes,


pondo em relevo principalmente os aspectos pastarais do
mesmo, cientes de que grandes linhas da Exortagáo já
foram apresentadas quando noticiamos o resultado do Sinodo
de 1980.

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FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE 13

1. O problema (n? 4-10}

A situagáo histórica em que vive a familia, apresenta-se


como um conjunto de luzes e sombras; cf. n»¡ 6. Entre os
sinais mais preocupantes deste fenómeno aponta-se o alastra-
mento do divorcio, a aceitagáo do matrimonio meramente civil,
a celebragáo do sacramento sem fé viva, a recusa das normas
moráis que orientam o exercício humano e cristáo da sexua-
lidade.

Ao verificarem táo bruscas mudangas do comportamento


humano, certos estudiosos tém predito o desaparecimento da
familia. Assim em 1927 o psicólogo John Wilson, em sua
análise das tendencias sociais, predizia a morte da familia para
1977. Em 1947 o sociólogo C. C. Zimmerman concluía que á
familia se sucederiam outras formas de vida eomum... Em
1971 o psiquiatra David Cooper publicava na Inglaterra um
livro sobre a «morte da familia». É de notar que, ao mesmo
tempo que tais pensadores previam a morte da familia, outros
proclamavam a morte de Deus: Deus nao teria mais sentido
para o homem moderno; assim a familia e Deus eram asso-
ciados na mente de certos pensadores como valores ultra*
passados. Ora hoje em dia verifioa-se que as diversas «teolo-
gias da morte de Deus» morreram ou já perderam a sua voga,
ao passo que Deus vive, e vive intensamente na fé dos povos.
Quanto á familia, embora ameacada, ela continua a merecer
a atengáo e a estima de numerosas correntes filosófico-
-religiosas, como bem evidencia o documento em foco.

2. O designio de Deus sobre matrimonio e familia


fn.0$ 11-16)

"Num momento histórico em que a familia é alvo de numerosas


torcas que a procuram destruir ou de qualquer modo deformar, a Igreja,
sabedora de que o bem da socledade e de si mesma está profundamente
liaado ao bem da familia, senté de modo mais vivo e veemente a sua
mlssSo de proclamar a todos o designio de Deus sobre o matrimonio e
a familia, para Ihes assegurar a plena vltalidade e promocáo humana e
crista, contrlbuindo assim para a renovacao da sociedade e do próprio
Povo de Deus".

O S. Padre fundamenta a identidade da familia sobre


dois grandes valores: o amor e a comunháo. Sim; chamado
ao amor e á comunháo, o homem realiza esta sua vocacáo de
duas maneiras: na virgindade e no matrimonio (cf. n* 11).

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14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 263/1982

No matrimonio, a doagáo recíproca do homem e da


mulher é total, envolvendo corpo e alma. Por conseguinte, a
sexualidade nao é em absoluto algo de puramente biológico,
mas diz respeito á pessoa humana como tal; é parte integrante
do amor com o qual homem e mulher se empenham em favor
um do outro até a morte. A doagáo física seria falsa se nao
fosse sinal e fruto de doacáo total, na qual toda a pessoa,
mesmo na sua dimensáo corporal, se faz presente. Cf. n» 11.

Quanto á virgindade, é a pérola preciosa que muitos


descobrem e preferem a qualquer outro valor (cf. Mt 13,45s);
oferecendo ao cristáo a oportunidade de íntima uniáo com
Cristo, ela mantém viva na Igreja a consciéncia do misterio
(ou do valor transcendental) do matrimonio e o preserva de
banalizagáo ou depauperamento; cf. n» 11.

"Segundo o designio de Deus, o matrimonio é o fundamento da mals


ampia comunidade da familia, pois o amor conjugal se ordena á pro-
crlacáo e educarlo da prole, na qual encontra a sua coroacáo" (n? 14).

3. Os deveres da familia crista <n." 17-64)

Cinco sao os deveres realgados pelo documento:

1) Formacáo de urna comunidade de passoas, baseada


no amor e cimentada por este em termos indissolúveis (a
indissolubilidade do matrimonio, como exigencia humana e
crista, é enfáticamente afirmada frente & cultura contempo
ránea que a rejeita).

Nessa comunidade da familia, a mulher ocupa lugar de


especial relevo. Tempos houve em que só se entendía a mulher
como esposa e máe, excluida das funcóes públicas. Ora é certo
que a igual dignidade do homem e da mulher justifica o acesso
desta as tarefas públicas. Todavía é preciso que nao se avalie
a honra da mulher pelo trabalho que ela realiza fora de casa;
faz-se mister que se reconheoa o valor insubstituível do tra
balho da mulher no lar e na educacáo dos filhos.

"Se há que reconhecer ás mulheres, como aos homens, o dlreito


de ascender ás diversas tarefas públicas, a socledade deve estruturar-se
contudo de maneira tal que as esposas e as mSes nao sejam de fato
constrangldas a trabalhar fora de casa e que a familia possa dignamente
vlver e prosperar, mesmo quando elas se dedicam totalmente ao lar pro-
prio" (n? 23).

— 258 —
FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE IÍOJE 15

2) O servico á vida compreende a transmissáo da vida


e a educagáo dos filhos.

A Igreja afirma a altíssima dignidade da transmissáo da


vida, considerando-a fruto e sinal do amor conjugal como
também participagáo na obra de Deus Criador e Pai. Daí a
rejeigáo do aborto e da intervengáo artificial do homem no
natural processo transmissor da vida. A propósito o S. Padre
leva em conta a. objegáo segundo a qual a continencia periódica
baseada na observancia do ritmo natural da mulher é táo
abusiva quanto o recurso aos anticoncepcionais.

Entre a contracepgáo e o recurso aos ritmos temporais


existe urna diferenga antropológica e moral bem mais vasta
e profunda de quanto habitualmente se possa pensar,... dife
renga- que em última análise envolve duas concepgóes da pessoa
e da sexualidade, irredutiveis urna á outra. «A escolha dos
ritmos naturais comporta a aceitagáo do ritmo biológico da
mulher, e, com isto, também a aceitagáo do diálogo, do res-
peito recíproco, da responsabilidade comum, do dominio de
si... Neste contexto o casal faz a experiencia da comunháo
conjugal enriquecida daqueles valores de ternura e afetividade
que constituem o segredo profundo da sexualidade humana,
mesmo na sua dimensáo física. Desta maneira a sexualidade
é respeitada e promovida na sua dimensáo verdadeira e plena
mente humana, nao sendo nunca usada como objeto que,
dissolvendo a unidade pessoal da alma e do corpo, fere a
própria criagáo de Deus na relagáo mais íntima entre a
inatureza e a pessoa» (32).

A Igreja, como Máe, sabe que nao poucos casáis encon-


tram dificuldades para observar tais normas. Ela julga, porém,
que essas dificuldades devem ser superadas sem que se falsi
fique ou comprometa a verdade. Escreve sabiamente Joáo
Paulo II: «Repito com a mesmíssima persuasáo do meu
Predecessor: 'Nao diminuir em nada a doutrina salutar de
Cristo é eminente forma de caridade para com as almas'
(Humanae Vita* 29)» (n* 33). Com efeito, nao pode haver
auténtica felicidade para o ser humano que fira a verdade; o
genuino prazer e a verdade sao valores afins entre si.

3) A educaba© dos filhos é direito-dever dos genitores,


insubstituível e inalienável. A educagáo deve encaminhar a
prole para o cultivo dos valores essenciais da vida humana,
entre os quais se assinala «urna clara e delicada educagáo
sexual»:

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16 «tPERGUNTE E RESPONDEREMOS* 263/1982

"A educacáo sexual, direito e dever fuadamental dos país, deva


atuar-se sempre sob a sua solicita guia, quer em casa quer nos centros
educativos escolhidos e controlados por eles. Neste sentido a Igreja rea
firma a lei da subsidiariedade, que a escola deve observar quando coopera
na educagSo sexual, ao imbulr-se do mesmo espirito que anima os país.

Neste contexto é absolutamente irrenunclável a educacao para a


castldade como virtude que desenvolve a auténtica maturidade da pes-
soa e a torna capaz de respeitar e promover o 'significado nupcial' do
cotpo. Melhor, os pais cristSos reservarlo urna particular atencáo e
cuidado, discernido os sinais da chamada de Deus para a educacio,
para a virgindade como forma suprema daquele dom de si que cons
tituí o sentido próprio da sexualidade humana" (n? 37).

"A Igreja opóe-se firmemente a certa forma de InformacSo sexual,


desligada dos principios moráis, tio difundida, que nao é senSo urna
Introducto á experiencia do prazer e um estimulo que leva á perda
— ainda nos anos da inocencia — da serenidade, abrindo as portas ao
vicio" (n? 37).

Mais ainda: aos genitores cristáos toca também o minis


terio da evangelizado e da catequese, pois sao chamados a
formar cidadáos do Reino de Deus que comeca na Igreja.

4) A participacáo no desenvolvimiento da sociedade. A


experiencia de auténtica comunháo e participacáo iniciada na
familia deve abrir-se ao organismo maior que é a sociedade:
nesta a familia tem direitos e deveres, que a levam a procurar
servir aos pobres (material e espiritualmente entendidos)
como também a assumir suas tarefas políticas.

"As familias devem crescer na conscléncia de ser protagonistas da


chamada 'política familiar' e assumir a responsabilldade de transformar a
sociedade; doutra forma as familias serio as primeiras vitimas daqueles
males que se llmltaram a observar com Indlferenca" (n9 44).

5) A participacáo na vida e na missáo da Igreja. Como


igreja doméstica, a familia é chamada a compartilhar a missáo
salvíficá da Igreja. Essa participagáo, a familia a exerce na
medida em que é 1) comunidade que eré e evangeliza, 2)
comunidade em diálogo com Deus, chamada a santificar-se e
a santificar o mundo mediante a oracáo e a vida sacramental,
3) comunidade de servigo aos irmáos.

4. A pastoral da familia (n.s* 65-85)

Quatro sao os aspectos da pastoral da familia que mere-


cem atengáo: os tempos, as estruturas, os agentes e as
situagóes.

— 260 —
FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE 17

1) Quanto aos tiempos, a Exortacáo distingue tres mo


mentos importantes em que a familia deve ser acompanhada:

— preparagáo: mais do que nunca se faz necessária a


preparacáo dos jovens para o matrimonio. Os jovens bem
preparados para a vida familiar tém mais éxito do que os
outros. Essa preparacáo comega desde a infancia, quando as
crianc.as devem ser induzidas a se descobrir como seres dotados
de rica psicología e de personalidade marcada por tragos
positivos e negativos; além disto, requer-se desde a infancia
sólida formacáo espiritual e oatequética que saiba mostrar o
matrimonio como genuína vocacáo e missáo sem excluir a
possibilidade do dom total de si a Deus na vida sacerdotal
ou religiosa.

celebrábalo do matrimonios seja intensamente vivida


pelos nubentes e por toda a comunidade eclesial que lhes
assiste, constituindo todos urna assembléia que manifesté e
experimente o misterio de Cristo e de sua Igreja. Neste parti
cular, póe-se hoje em día o problema dos nubentes que, bati-
zados, dizem nao ter fé ou ter urna fé adormecida; tal questáo
espinhosa será objeto de especial atencáo sob o n» 5 deste
artigo.

— tempo posterior a odebraoáo. Principalmente os pri-


meiros anos de vida conjugal merecem especial acompanha-
mento, pois sao marcados pelas dificuldades de adaptagáo á
vida comum e de nascimento dos filhos. Por isto os casáis
mais experimentados, assim como toda a comunidade eclesial,
sao chamados a colaborar para que cada jovem casal se tome
realmente urna «igreja doméstica».

2) Como estruturas da pastoral familiar, enumeram-se


a comunidade eclesial inteira e, de modo especial, a paróquia,
na qual cada familia ocupa lugar especial. Importa que a
Igreja doméstica se saiba e sinta inserida na Igreja universal,
comungando com as grandes intengóes e atividades desta.

3) Entre os agentes da pastoral familiar, o documento


em pauta enuncia os bispos, presbíteros, Religiosos e Religio
sas, leigos especializados e, aínda, os usuarios e operadores
dos meios de comunicacáo social. Estes últimos, como se sabe,
costumam influir profundamente no ánimo de quantos os
utilizam, especialmente se jovens, podendo transmitir imagens
deformadas e desagregadoras da familia, da religiáo, da mora-

— 261 —
18 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

lidade e da própria pessoa humana. Ora muitas vezes os casáis


contemporáneos, premidos pela agitagáo da vida que levam,
encontram nos programas de televisáo e em certas publica-
góes o meio fácil de ocupar as criangas e os jovens. Donde se
depreende a necessidade de atengáo vigilante, prudente e crítica
a tais cañáis de comunioagáo; procurem avaliar a repercussáo
dos mesmos sobre os seus filhos e tentem educar a consciéncia
dos jovens para que possam julgar devidamente o que véem
ou léem.

Quanto aos produtores, observava muito sabiamente


Paulo VI: «Háo de reconhecer e respeitar as exigencias da
familia, o que supóe, por vezes, grande coragem e elevado
sentido de responsabilidade... A ofensa aos valores funda
mentáis da familia — trate-se de erotismo ou de violencia,
de apologia do divorcio ou de atitudes anti-sociais dos jovens
é urna ofensa ao bem verdadeiro do homem» (Mensagem
para a m Jornada das Comunicagóes Sociais).

4) Situa^oes. Tal é a importancia deste quarto inciso


da quarta Parte da Exortacáo em pauta que parece oportuno
abordá-lo sob especial subtítulo.

5. Casos dificéis da pastoral conjugal

Seráo consideradas seis situagóes delicadas para os


pastores da Igreja.

5.1. Divorcio

Verifica-se, em numerosos países, um crescente número


de divorcios e de unióes nao legalizadas, com decréscimo do
número de casamentes e certo menosprezo da uniáo conjugal
e da familia. Diante de tal situagáo, o Documento pontificio
observa:

"É dever fundamental da Igreja reafirmar vigorosamente — como


fizeram os Padres do Sínodo — a doutrina da indissolubllidade do matri
monio: a quantos, nos nossos dias, consideram difícil ou mesmo Impos-
sível ligar-se a urna pessoa por toda a vida e a quantos, subvertidos por
urna cultura que rejeita a indissolubilidade matrimonial e que ridiculariza
abertamente o empenho de fidelldade dos esposos, é necessário o alegre
anuncio da forma deíinitlva daquele amor conjugal, que tem em Jesús
Cristo o fundamento e o vigor.

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FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE 19

Radicada na doaceo pessoal e total dos cAnjuges e exigida pelo


bem dos filhos, a Indissolubilidade do matrimonio encontra a sua verdade
última no designio que Deus manlfestou na Revelacio: Ele quer e con
cebe a indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal e exigencia do
amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e que Cristo
vive para com a Igreja" (n? 20).

Como se vé, a doutrina da Igreja nao mudou neste parti


cular, nem pode mudar, pois se trata de proposigáo decorrente
do depósito da fé, que é intocável aos homens.

Nao raro verifica-se que os fiéis divorciados se unem em


segundas nupcias civis, encontrando nessa nova situagáo a
harmonía e o bem-estar que nao conseguiram no primeiro
casamento. Daí a tendencia de nao poucos católicos a consi
derar legítima essa segunda uniáo: tais divorciados teriam
direito a urna cerimónia religiosa para o novo casamento e
seriam admitidos aos sacramentos da Reconciliagáo e da
Eucaristía. As razóes para fundamentar atitude táo favorável
seriam as seguintes:

1) Urna vez morto o amor conjugal, creia-se que também


o casamento está morto. Em conseqüéncia, o auténtico matri
monio é o segundo, mais estável do que o primeiro e, por isto,
lugar do verdadeiro amor conjugal.

2) O pecado de ruptura da primeira uniáo e de procura


de novas nupcias há de ser perdoado pela Igreja a quem esteja
arrependido de ter assim. procedido, mas nao possa nem
restaurar as primeiras nupcias nem abandonar o respectivo
companheiro. Nao há pecado irremissível.

3) A nova uniáo, comprovada como estável e enriquecida


pelo nascimento de filhos, merece o reconhecimento da Igreja
mediante a celebracáo de urna cerimónia religiosa e a admissáo
dos interessados á vida sacramental.

O S. Padre nao discute tais argumentos do ponto de vista


teológico (na verdade, sao insustentáveis) l, mas encara a
questáo do ponto de vista pastoral, propondo as seguintes
observagóes:

»Se a Igreja nSo reconhece a segunda uniSo de divorciados cujos


primelros consortes ainda estejam vivos, Ela n8o o faz por proclamar
Irremissível algum pecado ou por recusa de misericordia. Ela apenas
procura ser fiel a Cristo, que ensinou a indissolubilidade do matrimonio
sacramental.

— 263 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

O matrimonio sendo indissolúvel por disposigáo do próprio


Cristo (cf. Me 10,5-12; Le 16,18; ICor 7,10), qualquer nova
uniáo contraída durante a vida de um dos dois cónjuges é
ilícita. Contudo é preciso que os pastores de almas e as comu
nidades de fiéis se interessem pela assisténcia religiosa devida
aos que vivem ¡licitamente:
"Sejam exortados a ouvlr a Palavra de Deus, a freqüentar o Sacri
ficio da Missa, a perseverar na oracSo, a incrementar as obras de cari-
dade e as iniciativas da comunidade em favor da Justina, a educar os
filhos na fé crlsti, a cultivar o espirito e as obras de penitencia para
asslm Implorarem, dia a día, a grapa de Deus. Reze por eles a Igreja,
encoraje-os, mostre-se máe misericordiosa e sustente-os na fé e na espe-
ranca" (n? 84).
Esta participagáo na vida da Igreja nao deve chegar a ser
recepeáo dos sacramentos, como explica o documento em
pauta:
"A Igreja reafirma a sua praxis, fundada na Sagrada Escritura, de
nao admitir á comunhao eucarfstlca os divorciados que contrairam nova
uniáo. Nao podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e
as suas condigóes de vida contradizem objetivamente áquela uniáo de
amor entre Cristo e a Igreja, significada e realizada na Eucaristía. Há,
além disso, outro peculiar motivo pastoral: se se admitlssem estas pessoas
á Eucaristía, os fiéis seriam induzidos sm erro e confusSo acerca da
doutrina da Igreja sobre a indissolubllldade do matrimonio.
A reconclliacáo pelo sacramento da Penitencia — que abrirla o
caminho ao sacramento eucaristico — pode ser concedida só aqueles
que, arrependidos de ter violado o slnal da Alianca e da fldelidade a
Cristo, estáo sinceramente dispostos a urna forma de vida nio mais em
contradicáo com a indissolubilidade do matrimonio. Isto tem como conse-
qüéncia, concretamente, que, quando o homem e a mulher por motivos
serlos — quals, por exemplo, a educacáo dos filhos — nao se podem
separar, assumem a obrigacáo de vi ver em plena continencia, isto é, de
abster-se dos atos próprios dos cónjuges" (n? 84).
Esta última cláusula quer dizer: se os interessados con-
sentem em viver sob o mesmo teto como irmao e irmá,
abstendo-se de relacóes sexuais, poderáo ser admitidos aos
sacramentos;, todavía, para evitar o escándalo dos fiéis que os
vejam freqüentar a Comunhao Eucarística, recomenda-se a
tais pessoas que procurem os sacramentos em lugar onde nao
sejam conhecidos.
No tocante á cerimónia de béncáo para a segunda uniáo,
escreve o S. Padre:
"O respeito devido ao sacramento do matrimonio, aos próprios cón
juges e aos seus familiares, como também á comunidade dos fiéis proibe
aos pastores, por qualquer motivo ou pretexto mesmo pastoral, fazer em
favor dos divorciados que contraem nova unilo, cerimónias de qualquer
género. Estas dariam a ¡mpressáo de novas nupcias sacramentáis válidas,
e conseqüentemente induziriam em erro sobre a indissoiubilidade do
matrimonio contraído validamente" (n? 84).

— 264 —
FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE 21

No tocante á cerimónia de béncáo para a segunda uniáo,


escreve o S. Padre:

Tal atitude da Igreja pode parecer excessivamente severa,


de mais a mais que a Igreja Oriental reconhece o segundo
matrimonio de quem, sem culpa própria, tenha sido abandonado
por seu consorte. Observa entáo Joáo Paulo II:

"Aglndo de tal manelra, a Igreja professa a própria fidelldade a


Cristo e á sua verdade; ao mesmo tempo comporta-se com espirito ma
terno para com estes seus filhos, especialmente para com aqueles que
sem culpa foram abandonados pelo legitimo cónjuge.

Com firme confianga ela vé que mesmo aqueles que se afastaram


do mandamento do Senhor e vivem agora nesse estado, poderao obter de
Deus a grasa da conversáo e da salvacáo, se perseverarem na oracao, na
penitencia e na carldade" (n° 84).

5.2. Unióes livres de faro

Por «unióes livres de fato» entendem-se unióes sem


vínculo institucional, civil ou religioso publicamente conhecido.
O fenómeno cada vez mais freqüente é estudado em suas
causas:

"Alguns consideram-se quase constrangitíos a tais unlóes por sitúa-


g6es dlflceis de caráter económico, cultural e religioso, já que, con-
tralndo um matrimonio regular, seriam expostos a um daño, á perda de
vantagens económicas, á discriminacio, etc. Outros, pelp contrario, fa-
zem-no numa atitude de desprezo, de conlestacáo ou de rejeicao da
sociedade, do instituto familiar, do brdenamento sócio-politico, ou numa
busca única de prazer. Outros, enfim, sao obrigados pela extrema igno
rancia e pobreza, ás vezes por condicionamentos verificados por situacóes
de verdadelra Injustlca ou também de certa imaturidade psicológica, que
os torna Incertos e duvidosos no contrair um vinculo estável e definitivo.
Em alguns países os costumes tradicionais prevéem o matrimonio verda-
deiro e próprlo só depois de um periodo de coabitacfio e depols do
nasclmento do prlmeiro filho" (n? 81).

"Cada um desses elementos p5e á igreja arduos problemas pastorais,


pelas graves conseqüéncias quer religiosas e moráis (perda do sentido
religioso do matrimonio a luz da Alianca de Deus com o seu povo, pri-
vacio da graga do sacramento, escándalo grave), quer também sociais
(destruicao do conceito de familia, enfraquecimento do sentido de lide-
lidade mesmo para com a sociedade, posslveis traumas psicológicos nos
filhos, afirmacao do egoísmo)" (n9 81).

Alguns desses tipos de coabitacüo sao tidos como «casa-


mentos de experiencia». Esta modalidade de uniáo parece
justificada aos olhos de correntes católicas contemporáneas,
em vista das quais escreve o S. Padre:

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22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

"A razáo humana Insinúa a nao aceitado dos matrimonios por expe
riencia, mostrando quanto seja pouco convincente que se faga urna expe
riencia em relacáo a pessoas humanas, cuja dignidade exige que sejam
elas so e sempre o termo do amor de doagáo sem limite algum nem de
tempo nem de qualquer outra circunstancia" (n? 80).

As palavras do texto ácima sao suficientemente claras a


ponto de dispensar qualquer comentario.

5.3. Católicos casados apenas no foro civil

O fato de que muitos fiéis católicos se casem apenas no


foro civil constituí, para a Igreja, grave problema moral e
pastoral.

Muitos deles assim procedem, porque nunca tiveram a fé


católica propriamente dita ou, se a tiveram, a perderam; por
coeréncia, procuram entáo o casamento meramente civil, visto
que desejam dar á sua uniáo ao menos um caráter público.
Deve-se reconhecer em tais pessoas urna certa honestidade,
pois desejam que a sua uniáo tenha caráter institucional ou
oficial, ultrapassando o foro do meramente pessoal arbitrario.
Todavía pode-se crer que a rejeigáo do matrimonio sacramental
significa, em muitos casos, ruptura com a Igreja e quigá com
os valores da fé.

Outros procuram o casamento meramente civil porque


aínda nao se sentem dispostos a contrair matrimonio religioso
ou porque desejam deixar aberta a porta do divorcio no caso
de infelicidade conjugal. Nao recusam peremptoriamente o
casamento religioso; julgam que o poderáo contrair um dia
desde que se sintam preparados ou desde que verifiquen! ter
dado um passo acertado.

Quanto a situagáo moral de tais cristáos, diz o S. Padre:


"A acSo pastoral procurará fazer compreender a necessidade da
coeróncia entre a escolha de um estado de vida e a fé que se professa,
e tentará todo o possível para levar tais pessoas a regularizaren! a sua
situacáo a luz dos principios cristáos. Tratando-as embora com multa
caridade, e interessando-as na vida das respectivas comunidades, os pasto
res da Igreja nao poderáo infelizmente admitl-las aos sacramentos" (n? 82).

5.4. O casamento religioso dos católicos

Muito se tem refletido sobre o caso dos católicos que


pedem o sacramento do matrimonio, mas sao indiferentes a fé
ou tém fé lánguida.

— 266 —
FAMILIA CRISTA NO MUNDO t>E HOJE 23

Abordando o problema, adverte primeramente o S. Padre


que «a fé de quem pede casar-se na Igreja pode existir em
graus diversos e é dever primario dos pastores fazé-la desco-
brir de novo, nutri-la e torná-la madura». Se o sacerdote ou
seu representante encontra boa vontade e receptividade por
parte dos noivos que se dizem indiferentes ou, ainda, se verifica
que os noivos se dispóem a fazer o que a Igreja eré e ensina
a respeito do matrimonio, nao deve rejeitar o seu peduto de
casamento religioso; ao contrario, admita-os ao matrimonio
sacramental. Importa que tais noivos sejam animados por
intengáo reta e sincera, sem a qual, como se compreende, nao
se poderiam casar na Igreja. Eis as palavras do próprio
S. Padre:

"Nao se deve esquecer que esses noivos, pela forca do seu batismo,
estSo realmente inseridos na alianca nupcial de Cristo com a Igreja e que,
pela sua reta intencáo, acolheram o projeto de Deus sobre o matrimonio e,
portante, ao menos implícitamente, quer-sm aquilo que a Igreja faz quando
celebra o matrimonio. Portante o mero fato de neste pedido entraren»
motivos de caráter social nao justifica urna eventual recusa da celebracao
do matrimdnio pelos pastores. De resto, como enslnou o Concilio do
Vaticano II, os sacramentos com as palavras e os elementos rituais nutrem
e robustecem a fé: aquela fé para a qual os noivos já estSa encaml-
nhados pela forca da retidSo da sua Intencfio, que a graca de Cristo
nao deixa cortamente de favorecer e de sustentar" ítfi 68).

Afastar-se de tal norma pode acarretar injustica por


parte dos pastores de almas:

"Querer estabelecer criterios ulteriores de adm¡ss§o á celebracSo


eclesial do matrimonio, que deverlam considerar o grau de fé dos nuben-
tes compreende, além do mais, riscos graves. Antes de tudo, o de pro
nunciar iuizos infundados e discriminatorios; depois, o risco de levantar
dúvidas sobre a validada de matrimonios já celebrados, com daño grave
para as comunidades cristas, e de novas Inquietagóes injustificadas para
a consdéncia dos esposos; cair-se-ia no perigo de contestar ou de p6r
em dúvida a sacramentalidade de muitos matrimonios de irmSos sepa
rados da comunhSo plena com a Igreja Católica, contradizendo asslm a
tradicSo ecleslal" (n9 68).

É claro que, se os nubentes recusam de modo explícito e


formal a doutrina da Igreja sobre o matrimonio, nao devem
ser admitidos ao casamento religioso:

"Quando, nao obstante todas as tentativas feitas, os nubentes mos-


tram recusar de modo explícito e formal o que a Igreja quer fazer ao
celebrar o matrimonio dos batizados, o pastor nao os pode admitir á cele-
bracáo. Mesmo se constrangido, ele tem o dever de avaliar a situacao
e fazer compreender aos interessados que, estando assim as coisas, nao ó
a Igreja, mas eles mesmos que impedem a celebracao que, nao obstante,
pedem.

— 267 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 263/1982

Mals urna vez se man ifesta com toda a urgencia a necessidade de


evangelizado e catequese pré e pós-matrimoniais, feltas por toda a
comunldade crista, para que cada homem e cada mulher que se casam,
o possam (azer de modo a celebrar o sacramento do matrimfinio nio só
válida, mas também frutuosamente" (n? 68).

Como se vé, o S. Padre preconiza um tipo de pastoral


que procura nao esmagar o canifio rachado nem apagar o
pavio ainda fumegante (cf. Is 42,3). Em vez de afastar os
cristáos fracos na fé, é mister que o sacerdote os ajude a
descobrir a alegría da fé e da auténtica vida crista; casem-se
na Igreja desde que oferegam o mínimo de condicóes exigidas,
em vez de se unirem em concubinato.

5.5. A regulado da natalidade

A questáo da limitagáo da natalidade e dos métodos


respectivos é sempre crucial, mesmo depois da encíclica
«Humanae Vitae» de Paulo VI.

Joáo Paulo II reafirma primeiramente a posigáo da Igreja


favorável á vida humana:

"A Igreja eré firmemente que a vida humana, mesmo se débil e


com sofrimento, é sempre um espléndido dom do Oeus da bondade. Con
tra o pessimismo e o egoísmo que obscurecem o mundo, a Igreja está
do lado da vida; e em cada vida humana sabe descobrir o esplendor
daquele Sim, daquele Amém que é o próprio Cristo. Ao nao que Invade
e aflige o mundo, contrapee este Sim vívente, defendendo deste modo
o homem e o mundo de quantos insidiam e mortificam a vida.

A Igreja é chamada a manifestar novamente a todos, com urna llrme


e mals clara conviccüo, a vontade de promover, com todos os meios,
e de defender contra todas as insidias a vida humana, em qualquer con-
dicSo e estado de desenvolvimento em que se encontré.

Por tudo isto a Igreja condena como ofensa grave á dignldade


humana e á justica todas aquetas ativldades dos Governos ou de outra3
autoridades públicas, que tentam limitar por qualquer modo a liberdade
dos cónjuges na decisáo sobre os filhos. Conseqüentemente qualquer
violencia exercitada por tais autoridades em favor da contracepeáo e ató
da esterilizagáo e do aborto procurado, deve ser absolutamente conde
nada e rejeitada com firmeza. Do mesmo modo é de reprovar como
gravemente injusto o fato de ñas relacoes Internacionais a ajuda eco
nómica concedida para a promoefio dos povos ser condicionada a pro
gramas de contracepcSo, esterllizacáo e aborto procurado" (n? 30).

A seguir, referindo-se á encíclica «Humanae Vitae»,


afirma o S. Padre Joáo Paulo II:

— 268 —
FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE 25

"A doutrlna da Igreja se funda na conexSo lnseparável, que Deua


quis e que o homem nfio pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois
significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado pro-
crlativo. E concluí reafirmando que é de excluir, como intrínsecamente
desonesta, toda acfio que ou em previsSo do ato conjugal ou na sua
reallzacio ou no desenvolvimento das suas conseqüénclas naturais se
proponha, como fim ou como meio, tomar a procriacao impossfvel.

Quando os cfinjuges, mediante o recurso á contracepcáo, separam


estes dois significados que Deus Criador Inscreveu no ser do homem e
da mulher e no dinamismo da sua comunhSo sexual, comportam-se como
arbitros do plano divino e manipulam e aviltam a sexualidade humana,
e com ela a próprla pessoa e a do conjugo, alterando desse modo o
valor da doagSo total. lAssIm a linguagem nativa que exprime a reci
proca' doacáo total dos conjugas, a contracepcáo Impoe urna linguagem
objetivamente contraditória, a do nSo doar-se ao outro: deriva daqui nao
somonte a recusa positiva de abertura á vida, mas também urna falsificado
da verdade interior do amor conjugal, chamado a doar-se na totalidade
pessoal.

Quando pelo contrario os cónjuges, mediante o recurso a periodos


de Infecundidade, respeitam a conexáo ¡ndivlsfvel dos significados unitivo e
procrlativo da sexualidade humana, comportam-se como ministros do plano
de Deus e usufruem da sexualidade conforme o dinamismo originario
da doacao total, sem manipulaos e alteracdes" (n? 32).

6. ConclusSo

Numa fase da historia em que certas correntes socioló


gicas proclamam a «morte da familia», procurando substituti
vos para esta, a Igreja exprime a esperanga que ela coloca na
familia: «O futuro da humanidade passa pela familia» (n« 81).
Estas palavras, postas no fim da Exortacáo, tém sua resso-
náncia antecipada no inicio mesmo do documento: «O matri
monio e a familia constituem um dos bens mais preciosos da
humanidade» (n» 1). Sim; é na familia que se realiza de
maneira concreta a santificagáo do cotidiano de cada cristáo,
visto que a familia é urna igreja doméstica.

Resta desejar que a familia crista, convicta da sua digni-


dade própria e do valor da sua missáo, mais e mais se con
forme ao ideal que lhe é proposto, segundo a exortacáo do
próprio Papa Joáo Paulo II: «Familia, torna-te aquilo que
és!» (n' 17).

— 269 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

APÉNDICE

O PROBLEMA DA FAMÍLIA NA GRECIA

A Grecia é um país cristáo, desvinculado da comunháo


com a Sé de Pedro ou cismático. La a Igreja e o Estado
tém-se encontrado em bom relacionamento. Acontece, porém,
que o Governo socialista de Papandreu desde 1981 pretende
legislar sobre matrimonio e familia em termos contraditórios
a Moral crista. Em conseqüéncia, a comunidade ortodoxa da
Grecia toma posigáo pública semelhante á da Igreja Católica.
Importa sublinhar este fato, pois de certo modo corrobora a
posicáo da Igreja Católica, que, de resto, é baseada nos pró-
prios ditames do Evangelho. Eis a noticia que a propósito
divulgou o jornal «O Estado de Sao Paulo» em sua edicáo
de 4/02/82, cad. 1», p. 8:

Papandreu em confuto com a Igreja

ATENAS — As questóes do casamento civil e do adulterio


poderáo causar um grave confuto entre o governo socialista do pri-
meiro-ministro Andreas Papandreu e a lareja Ortodoxa Grega, muito
influente na Grecia. O Santo Sínodo, órgao supremo da Igreja
Ortodoxa, rejeitou o plano do governo para considerar legítimos
os casamentos civis, dispensando a obrigatoríedade do ritual reli
gioso, pela primeira vez na historia moderna da Grecia. O Sínodo
anunciou que «se coloca rao por si mesmos fora da Igreja» aqueles
que se casarem dessa maneira, que serao considerados adúlteros.

«O casamento sem a béncao de Deus nao é casamento», mas


sim urna «coabitacao ¡legítima», advertiu o patriarca metropolitano
de Samos e Icaria, Panteleinon. Quase 90% dos dez milhoes de
gregos sao eristáos ortodoxos. A Igreja declarou-se disposfa a
reconhecer o casamento civil apenas para os ateus e crentes nao
ortodoxos.

Num esforco para encontrar urna solucSo negociada, houve


unía serie de reunioes entre funcionarios do governo e sacerdotes,
mas essas tentativas malograram quando o ministro da Justica, Sta-
vros Alexandris, disse que «o Estado nao negociará sua autoridade
legislativa e preparará a legislacáo necessária para o casamento
civil».

— 270 —
FAMILIA CRISTA NO MUNDO DE HOJE 27

Aínda nao está claro em que termos será redigida a legisla-


cáo. Foram apresentadas duas propostas: urna tornaría obrigatório
o casamento civil e optativa a cerimónia religiosa, e a outra decla
raría igualmente válidos o casamento civil e o religioso. A Igreja
rejeita ambas as propostas.

Outro tema de polémica entre a lgre¡a e o Estado é o plano


do governo de deixar de considerar o adulterio como um crime
previsto no Código Penal. Atualmente, o adulterio pode ser punido
com urna pena de até um ano de prisáo. A lei também proibe o
casamento de um casal declarado culpado de adulterio.

O governo argumenta que a lei a esse respeito é arcaica e


causa multas dificuldades, principalmente quando um dos cónjuges
é estrangeiro. Os gregos ou estrangeiros casados únicamente no
civil, no exterior, sao considerados solteiros quando se encontram
na Grecia e seus filhos podem ser declarados ¡legítimos. O marido
poderá até mesmo casar-se com outra mulher, na Igreja Ortodoxa.

A Igreja Ortodoxa aínda exerce grande influencia na popu-


lacáo grega, principalmente no Interior do país, e a maioría de
seus crentes considera pecaminoso um casamento que nao seja reli
gioso. — (Gillian Whittaker, da agencia AP).

"ENTRE TODAS AS COISAS DIVINAS,

A MAIS DIVINA CONSISTE EM COOPERAR

COM DEUS

NA SALVACÁO DAS ALMAS".

S. Agostinho

— 271 —
Ñas vésperas das eleicoes:

Igreja, política e fé

É noticia o fato de que, na perspectiva de próximas


eleigóes políticas, certas dioceses do Brasil tém publicado
cartilhas visando a suscitar no povo de Deus os principios de
urna educagáo política. Nao há dúvida, a intengáo que anima
tais obras é louvável, pois importa que os cidadáos brasileiros,
por mais modestos que sejam, tenham as condigóes necessárias
para participar da vida pública do país, elegando seus repre
sentantes nos órgáos do Governo de maneira consciente e
responsável, em vez de seguir simplesmente a orientagáo de
um chefe ou líder de influencia no seu ambiente. A Igreja
toca realizar essa tarefa nao por causa dos interesses de
partidos ou grupos que estejam em causa, mas únicamente
por razáo das implicacóes moráis ou éticas que as eleigóes
tém para todos os cidadáos. Ao cristáo compete, em consciéncia
ou diante de Deus, o dever de procurar votar em dirigentes e
governantes moralmente dignos, imbuidos de principios cris-
táos e profissionalmente habilitados para promover o bem
comum, ou seja, o bem arquitetado pela justiga e pelo senso
de fraternidade que devem reinar entre os filhos de urna
mesma nacáo. Todos os cidadáos de determinado país háo de
se sentir responsáveis pela implantagáo de urna ordem socio
económica humana e reta em sua patria e, se sao cristáos,
háo de se empenhar pela observancia dos principios do Evan-
gelho e da doutrina social da Igreja. Ora á Igreja, qual Máe
e Mestra, compete colaborar na formagáo das consciéncias,
transmitindo as normas éticas que decorrem da mensagem de
Jesús Cristo, dissipando dúvidas e incentivando as boas inicia
tivas neste setor. Eis por que tém sido dadas a lume cartilhas
políticas populares em algumas dioceses do Brasil.

Acontece, porém, que nem todos esses escritos vém


logrando o almejado efeito; alguns parecem unilaterais ou
tendenciosos ou vasados em linguagem político-partidaria. É
justamente neste contexto que merece atengáo o documento
elaborado, a pedido do Sr. Arcebispo de Florianópolis (SC),
por um grupo de especialistas (sacerdotes e leigos) desejosos
de preencher real lacuna na pastoral do Brasil. Tal documento,
publicado em fevereiro de 1982, será transcrito a seguir, pois

— 272 —
IGREJA, POLÍTICA E FÉ 29

revela atltude serena e objetiva diante de um problema can


dente e provooador. Dentro das limitagóes que um texto de
tal tipo nao pode deixar de apresentar, exprime as linhas cen
tráis do pensamento da Igreja em tal materia. Após a trans-
crigáo do texto, seráo postas em relevo as grandes linhas do
mesmo1.

A propósito a redagáo de PR exprime sua gratidáo ao


Pe. Paulo Bratti, diretor do Instituto Teológico de Santa Cata
rina, um dos principáis autores e responsáveis do documento
em foco, o qual cedeu a PR o exemplar respectivo e a autori-
zagáo para publicagáo.

IGREJA, POLÍTICA E FÉ

Pelo Grupo de TrabalJio de Pastoral Política da Arqurdiocese


de Floríanópolis

APRESENTACÁO

Nos últimos anos, a Igreja no Brasil tem sido muito questio-


nada por causa de certos documentos que tem publicado e por
causa de seu posícionamento frente a problemas concretos que afli
gen* o povo brasileiro. Para muitos, Ela está exorbitando de sua
missao e incursionando em seara alheia. Neste ano de eleicoes, há
perigo de que os ánimos se * acirrem ainda mais, deixando, como
desagradável conseqüéncia, um rasto de ressentimento.

Ora, nao é esse o objetivo da Igreja; nossa intencao é criticar


construtivamente comportamentos e estruturas, para que os homens
refutam e somem suas capacidades na edificacao de urna sociedade
mais humana e mais justa.

Para tanto, resolví convidar um grupo de pessoas, sacerdotes


e leigos, e Ihes solicitei um breve estudo sobre «Igreja, Política e
Fé», a fim de esclarecer o pensamento da Igreja nesta materia e
dirimir algumas possíveis dúvidas. £ um pequeño catecismo de pas
toral política, apresentado de modo sintético, que pretende, tam-
bém, estimular a leitura dos Documentos nele citados. A mesma
materia será divulgada em estilo popular, próprio para o debate
em grupos de reflexao.

iQuando a redagao de PR empreendeu a publicarlo do documento


de Florianópolls, ainda nao fora dado a lume o da arquidiocese do Rio
de Janeiro, que por isto nSo pode ser comentado neste número de PR.

— 273 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Desta forma, pensó, estaremos dando urna parcela de contri*


buicáo á educacáo política de nosso povo, tao necessária para
que haja mais participacao, e se desperté a consciéncia de corres-
ponsabilidade na construcáo de um mundo melhor.

Dom Afonso Niehues

Arcebispo Metropolitano

TEXTO

1. Por que a Igreja, se está preocupando


tanto com a política?

R. Antes de tudo, porque, a partir do Concilio Vaticano II,


se foi firmando a idéia de .que a Igreja nao é urna realidade exis
tente fora da historia, mas sim o Povo de Deus solidario com os
problemas dos homens do nosso lempo.

Além disso, em seo trabalho .pastoral, a Igreja está partindo


de urna análise da realidade. Ora, olhando mais atentamente nossa
realidade, percebe-se que existem situacoes de injustica e de má
distribuicáo das riquezas, que nao estao de acordó com o Evan-
gelho da fraternidade.

Esses problemas nao podem ser resolvidos somente por atoes


¡soladas de individuos, mesmo de boa vontade. Sao problemas
mais ampios — estruturais — que requerem a acao conjunta de
toda a sociedade; requerem, portanto, urna acao política. Por isso
Paulo VI escreveu que «a acao política é urna maneira exigente,
se bem que nao seja a única, de viver o compromUso cristáo ao
servico dos outros» 1.

2. Todos os cristáos estao conscientes disso?

R. Certamente nao. Muitos cristáos tém, aínda, urna concep-


cáo estreita e pessimista da política, tida como atividade deso-
nesta. Por ¡sso dizem: «Nao quero saber de política!» Nao sabem
que, ao falar assim, ¡á estao tomando urna posicao política, pois,
por sua omissao, podem estar concordando com urna situacáo
existente.

— 274 —
IGREJA, POLÍTICA E Fé 31

Há, aínda, os aislaos que separam o campo religioso — que


seria meramente um assunto privado — do campo político, que é
o da vida pública. Infelizmente essa idéia puramente «espiritua
lista e privativa» da fé penetrou na cabeca de muita gente. Dentro
dessa mentalidade, a Religiáo e a Salvacao nao teriam nada a
ver com a vida social.

3. Que fazer para superar essa visao?

R. É necessário, antes de mais nada, conscientizar-se de que


o homem é um ser social: ele nao vive só, mas con-vive. Já o
grande filósofo Aristóteles dizia que o homem é um «animal polí
tico», porque vive na polis, o que, em grego, significa cidade. A
nossa vida crista, portanto, nao se pode reduzir, apenas ao relacio-
namento inter-pessoal — «eu e Deus» ou «eu e tu» —, pois nosso
próximo sao também as massas humanas. Entao, é preciso olhar
nosso semelhante nao somente como um individuo ¡solado, mas
como alguém que depende muito do ambiente e do contexto em
que vive.

4. Que <onseqüéndas tem essa doutrina?

R. A resposta está no Documento de Puebla: «A lgre¡a cri


tica aqueles que tendem a reduzir o espaco da fé á vida pessoal
ou familiar, excluindo a ordem profissional, económica, social ou
política, como se o pecado, o amor, a oraeño e o perdáo nao tives-
sem importancia ai»2. Daí a urgencia de se superar urna «ética
individualista» que se preocupa somente consigo mesma. Há muitos
cristáos que tém um comportamento pagao; só pensam em ganhar
dinheiro, em «ter» mais, em subir na vida as custas dos outros.
Essa mentalidade anti-evangélica se difundiu tanto que se ouve di7er
com freqüéncia: «Cada um por si e Deus por todos!»...

5. Quer dizer que nao pode haver um crisíáo apolítico?

R. Nao pode. Os Bispos Catarinenses afirmaram, num Do


cumento recente, que «nao é possível a chamada neutralidade polí
tica, nem para a Igreja-Organizacño, nem para os pessoas .que a
compoem s. E que o Evangelho também nao é neutro e, diante de
situacoes de evidentes ¡njusticas e iniquidades, Ele nos obriga a
tomar partido. Por isso, todo cristao auténtico será partidario dos

— 275 —
32 dPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

valores que constituem o fundamento da paz social: a verdade,


a justica, a liberdade e o amor4. Na América Latina os católicos
fardo suas as grandes opcoes de Medellin e de Puebla: opcao
pelos ¡ovens e opcáo preferencial pelos pobres. Lutarao pela ¡m-
plantacao da jusiica social e por urna sociedade onde ha¡a verda-
deiramente comunháo e participacáo.

6. Entelo os Bíspos e Padres fambém deveráo fazer política?

R. Devemos distinguir dois conceitos de política:

I1?) Em sentido ampio, a Política significa a busca do bem


comum, da solidariedade, da concordia interna, da justica com
liberdade. Nesse sentido, a Política interessa á l,gre¡a toda. A Hie-
rarquia — Bispos e Padres — cabe também a tarefa de formar a
consciéncia política dos fiéis, ¡á que «nossa conduta social é parte
integrante do seguimento de Cristo» 5.

2?) A Política pode significar, também, a busca do Poder


para resolver as questoes económicas, políticas e sociais, segundo
urna determinada ideologia. é a «política de partido», .que é o
campo próprio dos leigos.

Os Bispos e Padres, porque «ministros da unidade e homens


do Absoluto», deverao se despojar de qualquer ideologia político-
•partidaria. Um ministro ordenado que se servisse de sua influencia
religiosa para impor determinada opcao partidaria estaría cometendo
o pecado do «clericalismo», exigindo obediencia num assunto de
livre escolha dos fiéis.

7. Assim sendo, eles «ficant em cima do muro»...

R. Na verdade, a Hierarquia Eclesiástica tem sido últimamente,


entre nos, defensora dos direitos humanos e advogada dos que nao
possuem voz, nem vez. Nos casos de confuto, longe de se acornó-
darem na indiferenca, Bispos e Padres se posicionaram claramente
a favor dos posseiros, dos operarios, dos indios, sendo por isso
censurados, quando nao presos.

Mas a missao dos Sacerdotes nao se esgota na luta pela ¡us-


tica e vai muito além dos programas dos Partidos. Há outros aspec
tos da vida .que precisam ser evangelizados, como as dimensoes
pessoal, familiar, cultural, religiosa. Quando, entáo, um Pastor, ao

— 276 —
IGREJA, POLÍTICA E FÉ 33

mesmo tempo em que valoriza a atuacáo política, lembra essas


outras dimensSes da existencia — afirmando que, para sobreviver,
o homem precisa de pao e de sentido, de ¡ustica e de oracáo —,
nao está ficando em cima do muro, mas exercendo um auténtico
servico profético.

8. Portarrto, a política nao abarca toda a vida?

R. Exatamente. Por isso também Puebla chama a atencao


para o perigo de urna «total politizacao da existencia crista» °.
Isto acontece quando se absolutiza o engajamento político, quando
se ¡ulga tudo a partir de urna ótica política, quando se transportam
para o interior da Igreja análises feitas nos Sindicatos e nos Par
tidos, que criam bloqueios e divisoes. Comeca-se, entao, a rotular
os homens da Igreja de conservadores, progressistas e moderados;
introduz-se a estrategia da «luta de classes» para o ámbito ecle
siástico; esvazia-se o sentido sobrenatural da Salvacáo; reduz-se a
fé a um ardor puramente revolucionario; incorre-se num maniqueísmo
farisaico, que divide matemáticamente o mundo dos homens entre
bons e maus, opressores e oprimidos; esquece-se de que, para além
de suas legítimas diferencas políticas, culturáis e ideológicas, os
homens sao feitos do mesmo barro, filhos do mesmo Pai e desti
nados á mesma meta que é a vida eterna. Estes sao alguns riscos
reais de urna exagerada «politizacao».

9. Qual é mesmo, entfio, a missáo da Igreja?

R. O Regional Sul IV da CNBB, formado pelas oito Dioceses


Catarinenses, coloca como objetivo da atividade pastoral «Despertar
todo homem e o homem todo para urna vida de Igreja, onde cada
um assuma a missao de anunciar o Reino pela Palavra, pela cele-
bracáo do Misterio cristáo na vida e pelo testemunho, através de
urna evangelizacao libertadora que leve á Comunháo e á Partid-
pacáo» 7. Vé-se que a vivencia crista integral é ampia e abrangente.
Deve-se, por isso, evitar todo «reducíonismo» que enxerga só um
aspecto: ou só a militando política alienada da vida interior, de
unido com Deus, ou só a vida de oracáo, litúrgica e sacramental,
alienada dos problemas sociais. O leigo, porém, que alimenta sua
fé na meditacáo da Palavra de Deus e na celebracáo eucarística,
tem por tarefa própria ordenar e/ou transformar a ordem temporal
(economía, cultura, educacáo, meios de comunicacáo social, etc.)
segundo o plano de Deus.

— 277 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

10. No passado nao se falava em transfonnar e, sim,


em conservar...

R. Ainda hoje a Igreja deve conservar os valores perenes e


permanentes do «depósito da fé», como: a doutrina da criacáo, a
paternidade divina, o misterio do pecado, a redencSo de Cristo, a
necessidade da Grasa, o valor da oracáo e dos Sacramentos, a
vida após a morte, a prática de virtudes pouco apreciadas atual-
rneníe, como a penitencia, a castidade, a humildade. A Igreja se
posiciona, outrossim, contra o aborto e o divorcio, sendo, portanto,
a favor da vida e do matrimonio indissolúvel. Nesse sentido, Ela
será sempre «conservadora».

Mas, com relacao á organizacáo social, Ela prega realmente


«reformas profundas e audazes» por meios nao violentos8. é que
reina entre nos urna «pirámide social perversa», com «ricos cada
vez mais ricos á custa de pobres cada vez mais pobres» (Joao
Paulo II). O modelo adotado em nosso país é concentrador de ren
das, beneficia mentó económico. O Brasil é um dos países recor-
distas em desigualdades entre abastados e miseraveis9.

11. Como mudar essa situacfio?

R. A ética crista nao aceita, como via normal, o uso da


forca e da luta armada. «A violencia nao é crista, nem evangélica» 10.
Também nao basta mudar os detentores do poder. O importante
é que o povo se organize: «A organizacao popular é o funda
mento de urna sociedade segura e estável»n. Daí a importancia
dos chamados «corpos intermediarios», isto é: dos sindicatos, das
associacoes de classe e de bairros, bem como das Comunidades
Eclesiais de base. Todas essas entidades deveriam ser urna escola
de democracia, com ampia participacáo e liberdade de discussáo,
sem imposicoes ideológicas. Essas organizacoes populares deveriam
ser veículos de legítimas reivindicacoes e de pressáo moral liber
tadora, capazes de mudar estruturas sociais injustas. Nao é somente
o Governo o culpado dos males que nos afligem. E toda <x socie
dade — por conseguinte, cada um de nos — que precisa con-
verter-se de urna mentalidade egoísta, gananciosa e consumista.

12. A Igreja íem outro modelo de sociedade a propor?

R. O Papa afirmou aquí no Brasil que «a l,greja, como tal,


nao pretende administrar a sociedade, nem ocupar o lugar dos
legítimos órgáos de deliberacáo e acño.. . a sua contribuicao espe-

— 278 —
IGREJA, POLÍTICA E FÉ 35

cífica será a de fortalecer as bases espirituais e moráis da socie-


dade... é um servico de formacño das consciéncías»12. Em sua
doutrina social — que é parte integrante da concepcao crista da
vída a Igreja apresenta caminhos e principios que tém valor
universal. Cabe aos técnicos e aos dentistas sociais traduzir em
normas e estruturas práticas essas orientacóes.

A Igreja respeita a autonomía das instituicoes civis, como o


Estado. Seria retroceder aos lempos medievais se os eclesiásticos
se quisessem apoderar do poder temporal ou se os homens públicos
fossem tratados como menores. É preciso evitar que, sob o pre
texto de profetismo, se volte a criar a imagen) de urna Igreja into
lerante e moralizante, .que deíxou de dogmatizar em questoes teo
lógicas para fazi-lo em questoes políticas. O Conselho Permanente
da CNBB lembrou há pouco que «o desarmamento dos espíritos...
a humildade e a conversao sao necessários a todos, inclusive á
Igreja» w.

13. Mas a Igreja tem condenado certos sistemas...

R. £ verdade. Em Puebla, por exemplo, os Bispos latino-


-americanos condenaram tres ideologías incompatíveis com a vísño
crista do homem:

a) O liberalismo capitalista, enquanto considera o lucro como


motor essencial do progresso económico, a concorréncia como leí
suprema da economía, a propriedade privada dos bens de pro-
ducáo como díreito absoluto, sem limites, nem obrigacoes sociais
correspondentes u¡

b) O coletivismo marxista, materialista e ateu, que tem por


motor a luta de classes, visando a atingir a sociedade sem classes,
mediante a ditadura do proletariado e do partido. Todas as suas
experiencias de governo se realizaram dentro do quadro de regimes
totalitarios, fechadas a toda possibilidade de crítica ou retificacao;

c) A Doutrina da Seguranca Nacional, que suprime a parti-


cipacáo ampia do povo ñas decisoes políticas, desenvolve um sis
tema repressivo e impoe a tutela do povo por élites do poder,
militares e políticos ie.

— 279 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

14. Existe no Brasil algum Partido que deferida


urna dessas ideologías?

R. Teóricamente, nao. Olhando o programa dos diversos


partidos notam-se, em todos eles, propósitos e projetos que visam
a criar urna sociedade onde ha ¡a mais participacáo do povo e
nielhor distribuicáo da renda nacional. Por isto a Igreja no Brasil
oficialmente nao faz restricóes a nenhum dos partidos existentes.
Também Ela «nao favorece a nenhum partido em especial» 1B. Por
outro lado, Puebla lembra que «nenhum partido político, por mais
inspirado que esteja na doutrina da Igreja, pode arrogar-se a
representacao de todos os fiéis, já que seu programa concreto nunca
poderá ter valor absoluto para todos» ". Por isso os Bispos brasi-
leiros disseram que «nenhum modelo é perfeito ou definitivo; todos
sao discutíveis e predsam ser continuamente aperfeicoados» 18.

15. Sim, mas... e na prática?

R. Cabe ao cristao verificar a coeréncia dos programas par


tidarios com a verdadeira atuacáo dos partidos. Assim, além do
programa escrito, é preciso olhar a prática. Nao é segredo para
ninauém, por exemplo, que o regime brasileiro dos últimos dezoito
anos implantou um sistema capitalista fortemente baseado na dou
trina da Seguranca Nacional. De acordó com o modelo adotado,
o desenvolvimento económico traz consigo automáticamente o desen
volvimento social. O que nao se tem verificado, pois, apesar do
inegável progresso havido, é assustador o número de brasileiros sem
térra, sem educacáo, sem saúde, sem habitacao, sem emprego e
sem alimento.

Desta forma, tanto os cristáos que militam nos partidos de


apoio ao regime que detém o poder, como aqueles que militam
nos partidos de oposigáo, tém o dever de refletir criticamente sobre
a situacáo vigente, em confronto com os respectivos programas
partidarios, cabendo a todos lutar politicamente para que tais pro
gramas prevalecam sobre as decisóes casuísticas e deixem de ser
relegados a simples intencóes.

16. Nessa situacáo, como formar a consciéncia política?

R. Antes de tudo, é preciso fazer um estudo mais aprofon-


dado de nossa realidade. Em seguida, estudar-se-ao os programas
e propostas dos diversos partidos e candidatos. O cristáo deve

— 280 _
IGREJA, POLÍTICA E FÉ 37

escolher aqueles que estiverem em melhor sintonía com o pensa-


mento da Igreja, que optou preferencialmente pelos pobres e que
postula, entre outras coisas: justica com liberdade, melhor distri-
buícao das térras, participacao dos trabalhadores nos lucros das
empresas, fim da especulacao ¡mobiliario, combate aos «atravessa-
dores» gananciosos e assim por diante.

17. Qual a melhor maneira para fazer esses estudos?

R. Existem varias maneiras. Mas, sem dúvida, urna boa cons-


ciéncia política será mais fácilmente formada a partir de estudos e
debates realizados dentro de grupos organizados. Por isto é muito
importante que os cristaos procuren) criar novos grupos de reflexao
ou se incorporar aos já existentes nos seus bairros ou Paróquias.

Um excelente roteiro de esíudo poderia ser o recente documento


preparado pelo Departamento de Acao Social do CELAM e publi
cado no Brasil pela CNBB: «Fé crista e Compromisso Social» (Edi-
cóes Paulinas).

18. Existem políticos confiáveis?

R. Existem, é claro. Infelizmente, contudo, nossa democracia


sofre de males crónicos. A comecar pela maneira de se entender o
exercicio do poder. Assim, muitos procuram-se eleger para um cargo
público meramente por vaidade e ambicao pessoal, em busca de
auto-promocáo ou defesa de interesses económicos. Outrossim, «im-
pressiona-nos a facilidade com que nossos representantes aumentam
seus salarios, com a anuencia de todos os partidos» 10. Existem,
ainda, os vicios da politicagem, que sao: as mordomias, o empre-
guismo, a compra de votos. Essas e outras tradicóes de corrupcáo
dos costumes políticos devem acabar. £ urgente que surja urna nova
geracao de políticos .que encare seu mandato como um servico desin-
teressado prestado á comunidade. «A fé crista nao despreza a ati-
vidade polilica; pelo contrario, valoriza-a e a tem em alta estima» 20.
Por isto a Igreja exorta os leigos cristaos a se engajarem na ativi-
dade política para serem fermento de urna sociedade livre. Somente
com homens novos se pode formar urna sociedade nova.

Notas bibliográficas:

1 Paulo VI: "Octogésima Adveniens" ri> 46.


s Documento de Puebla (= DP) n? 515; cf. também Vaticano II:
"Gaudlum et Spes" n<? 30.

— 281 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

3 "A Igreja em Santa Catarina e a conjuntura socio-política" n? 12.


<Joáo XXIII: "Pacem in Terrls" nn. 35-36.
CDP n? 476.
e DP n? 545.
t«A Igreja em Santa Catarina"... n9 11.
»"Pronunciamentos do Papa no Brasil (ed. Vozes) n? 700.
»Cf. CNBB: "Subsidios para urna Política Social" n? 11.
io "Conclusóes de Medellin" n? 15.
ii"A Igreja em Santa Catarina"... n«? 3.
12 "Pronunciamentos do Papa no Brasil" nn. 417, 675, 676.
i" 'Reflexáo crista sobre a conjuntura politica" n? 28 (CNBB).
i* Paulo VI: "Populorum Progressio" n? 26.
i« DP nn. 542-550.
ic CNBB: "Roflexáo crista sobre a conjuntura politica" n? 18.
» DP n? 523.
is CNBB: "Exigencias cristas de urna Ordem Politica" n? 12.
i»"A Igreja em Sania Catarina"... n"? 14.
20 DP n? 514.

COMENTANDO

1. O documento insiste muito na participacáo de todos


os cidadáos na vida política do país. Isto se deve a certa apatía
ou indiferenga que grande parte da populacáo brasileira tem
experimentado em relacáo á vida pública. A tendencia de
muitos é a de cuidar dos interesscs pessoais, familiares ou
grupais, sem levar em conta os da comunidade nacional; esque-
cem, deste modo, que o bem particular e o bem comum estáo
em mutua interdependencia. É preciso, pois, que se dissipe o
comodismo de uns, o ceticismo ou a descrema de outros em
materia politica, a fim de que todos possam dar a sua contri-
buicáo em favor do bem comum. Tal é a razáo da énfase do
documento sobre a participacáo de todos na vida política.

2. Quanto aos clérigos (bispos e sacerdotes), o texto


afirma explícitamente que

— nao devem cxercer política partidaria, colocando-se


ñas fileiras de determinado partido político e militando como
políticos alistados, pois quem assim procede se torna membro
de urna faccáo contra outras faccóes da sociedade, ao passo
que a missáo do pastor é universal, devendo servir aos membros
de qualquer partido político. Aos clérigos, portanto, ou á
hieraquia da Igreja compete apenas enunciar os grandes prin-

— 282 —
IGREJA, POLÍTICA E Ffi 39

cipios éticos de urna política crista, deixando aos fiéis plena


liberdade, para que, observados tais principios, se inscrevam
no partido que mais lhes parecer condizer com a sua conscién-
cia bem formada;

— a atividade política, mesmo apartidária, nao é a única


tarefa da Igreja, nem deve inspirar, em caráter exclusivo, as
outras tarefas eclesiais. Além dos deveres politioos, e ácima
destss, estáo aqueles de ordem transcendental que tocam ao
cristáo como cristáo ou á Igreja como Igreja,... deveres que
nenhuma outra instancia ou sociedade cumprirá se a Igreja
nao os cumprir, pois foram confiados por Cristo á Igreja como
tarefa específicamente sua: tais sao a missáo de aprofundar
a fé, aprqgoá-la e transmiti-la ao mundo inteiro na evangeli-
zacáo e na catequese, a missáo de promover a oragáo, a
Liturgia, os exercícios espirituais, as práticas de ascese e de
conversáo pessoal, a missáo de anunciar as virtudes teologais
e moráis em toda a sua amplidáo (mesmo aquelas que sao
menos estimadas porque consideradas passivas, como a humil-
dade, a obediencia, a renuncia aos interesses egoístas...). A
Boa-Nova confiada por Cristo á Igreja tende a ultrapassar
sempre os moldes da tídade terrestre, a fim de elevar as mentes
dos fiéis á contemplagáo e á vivencia antecipada dos bens
eternos. Será precisamente em nome do Reino de Deus trans
cendental já iniciado neste mundo pela graca que o cristáo
assumirá com pleno afinco o desempenho da sua missáo tem
poral. A pregagáo dos valores transcendentais, longe de con-
tradizer ao exercício de fúngóes profissionais ou rivalizar com
estas, comunica ao cristáo um zelo que nenhuma outra moti-
vacáo lhe inspiraría; sim, por amor ao Reino de Deus o
cristáo há de procurar ser excelente profissional em sua cate
goría, pois sobre ele pesam, de certo modo, a honra e a gloria
de Senhor Deus. Apregoando as verdades transeendentais, a
Igreja está servindo nao somente a Cristo, mas também ao
homem, pois este foi incoercivelmente feito para a Verdade,
a Vida, o Amor, a Bondade..., que nao se encontram plena
mente em criatura alguma, mas táo somente no Criador. Sea
Igreja silenciasse tais verdades em favor de urna pregagáo
exclusivamente voltada para a justiga social, estaría tirando o
homem, a quem ela deve servir, pois lhe subtrairia a mensa-
gem mais vital e construtiva a que ele aspira consciente ou
inconscientemente.

A propósito pode-se indicar SEDOC, volume 14, n? 149,


marco 1982, fascículo dedicado quase inteiramente á orientagáo
política ministrada pela Igreja no Brasil.

— 283 —
Na ordem do dia:

Os métodos de meditado oriental


e o cristianismo

£m síntese: As correntes orientáis de meditacüo tém penetrado cada


vez mais no Ocidente, fascinando muitos cristáos sequiosos de cultivar a
mística. Tais técnicas orientáis tém o valor de ajudar o homem a criar
harmonía entre corpo e alma, donde resulta mais livre aplicacgo da mente
ás realidades transcendentais. Acontece, porém, que as escolas hindufstas
de meditacio supóem todas urna filosofía panteísta ou nSo crista, que
geralmente ó comunicada pelos mestres orientáis seja explícitamente, seja
em termos implícitos e indiretos. é difícil separar as técnicas de meditacfio
oriental e a cosmovisao que as Inspirou. Todavía tal dlscernimento já tem
sido pratlcado por grandes pensadores católicos como Déchanet OSB,
Griffiths OSB, Lasalle SJ, Johnston SJ e outros, com beneficio para fiéis
católicos.

Em conseqüéncla, nSo há por que rejeitar as técnicas de meditaceo


na medida em que sejam meras técnicas para facilitar recolhlmento, con-
centracSo, autodominio, respiracSo, digestio de alimentos, sonó,... mas é
necessárlo que o cristao desejoso de permanecer fiel á sua fé saiba distin
guir exatamente a filosofía pantefsta que geralmente acompanha tais técnicas,
da filosofía monoteísta do Cristianismo. O panteísmo implica nao somonte
urna concepcüo de Deus, mas também toda urna cosmovisio (inclusive a
tese da reencarnacSo) que nSo se concilia com a fé crista.

Comentario: Estáo cada vez mais presentes entre nos as


correntes orientáis de pensamento filosófico-religioso, com as
suas prátícas de oragáo, meditagáo e ascese. Há mesmo quem,
tendo recebido formacáo crista, procure conciliar a mensagem
de tais escolas com a disciplina do Cristianismo; alguns se
interessam apenas pelos efeitos salutaress — físicos e psíqui
cos — dessas prátícas, ao passo que outras pessoas chegam a
procurar conciliario entre as concepgóes orientáis e a doutrina
teológica do Cristianismo.

Como se vé, o fenómeno é muito complexo e admite


diversos graus de intensidade. Eis por que o abordaremos com
especial atencáo ñas páginas subseqüentes, procurando discer
nir até que ponto as técnicas de meditagáo oriental (com a
filosofía que as inspira) se podem conciliar com a mensagem

— 284 —
MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL 41

e a vida cristas. Em. vista disto, proporemos: 1) breve pano


rama das correntes filosófico-religiosas orientáis; 2) atitudes
de pessoas e de grupos católicos diante de tais escolas? 3)
confronto entre as práticas orientáis e o conceito cristáo
de oragáo.

1. As principáis correntes orientáis

Enumeraremos quatro escolas, tidas como as mais repre


sentativas do pensamento oriental.

1.1. A MeditacSo Transcendental (MT) 1

Este é o movimento hinduísta que mais se propagou no


Ocidente. Tem por fundador o mestre Maharishi Mahesh Yogi,
nascido em Jubbelpore (India central) de piedosa familia
hindú, há quase setenta anos. Aos 31/12/1957 fundou a escola
dita de «Meditagáo Transcendental» (MT). Exerceu grande
influencia sobre os Beatles em 1967, o que muito lhe aumen-
tou a fama.

A MT se apresenta como a arte de viver cada vez melhor


em continua descoberta da felicidade, sem explícita pregagáo
religiosa. Propóe sete etapas de concentracáo, que vém a ser
sete níveis de consciéncia. A última etapa é o nivel da cons-
ciéncia pura ou da mente cósmica: dá acesso ao ponto origi
nario da experiencia transcendendo o nivel do pensamento
consciente. Urna das técnicas fundamentáis da MT é a repe-
tigáo automática de um mantra (palavra ou fórmula sánscrita,
que, como dizem os seus adeptos, possui eficacia vibratoria
espiritualmente benéfica).

Maharishi organizou um plano de difusáo universal e


acelerada das suas técnicas — o que resultou em ampia pene-
tragáo da MT nos mais diversos ambientes desde o lar, onde
atinge a dona de casa, até as Universidades, passando por
grupos jovens, centros psicoterapéuticos, etc.

i Referimos o pensamento de Manarlshl Mahesh Yogi sem comenta


rlos. Sup6e, como veremos, urna filosofía pantefsta; dar a diflculdade de ser
entendido por um leitor ocldental, formado segundo a filosofía monoiefsta
da Biblia.

— 285 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Em nivel científico, a MT é urna das correntes mais estu-


dadas por pesquisadores ocidentais (psicólogos e fisiólogos).
Já se realizaram Congressos internacionais sobre a MT, aos
quais compareceram dentistas Premio Nobel. O físico L.
Damash em 1972 apresentou á Universidade da California um
estudo sobre a mecánica da MT e a mecánica quántica (cf.
C. TORRES, la meditación transcendental, em Psicodeia n' 7,
págs. 26-30) '.

1.2. «Haré Krishna»

Em 1965 Bhaktivedanta Swami Praghupada, após urna


serie de estudos universitarios, peregrinagóes e experiencias
religiosas, foi da india para Nova Iorque, a fim de difundir
no mundo o culto de Krishna, divindade professada pelo antigo
politeísmo, que continua a sobreviver na filosofía panteísta das
atuais escolas de espiritualidade da India. Fundou a ISKON
(Associagáo Internacional para a Consciéncia de Krishna),
que em 1977, quando morreu Bhaktivedanta, já estava difun
dida no mundo inteiro.

A ISKON, á diferenga da MT, tem mensagem e finalidade


estritamente religiosas. A sua técnica fundamental consiste em
se repetir constantemente o mantra «Krishna», de modo a
perfazer um mínimo de 2754 prolacóes por dia; quem se
entrega a esta prática, chega a continua identificagáo com a
vontade divina e adquire consciéncia profunda da realidade
divina que cerca o homem; assim é despertada a «consciéncia
espiritual» do individuo. Os fiéis de Krishna sao obrigados a
alimentagáo vegetariana, abstinencia de álcool, castidade fora
do matrimonio e uso do casamento apenas para fins de
procriagáo.

Em alguns países, os membros da ISKON se organizam


em comunidades rurais, inspiradas no estilo de vida dos Vedas,
ou seja, na harmonía do homem com a natureza: «Urna vida
pura, centrada em Deus, mantida com a agricultura... é a
solugáo védica para o caos que submerge a sociedade moderna»
(Kitorno a Krishna, ano IV, n* 1, p. 1).

i é importante observar o emprego do termo "mecánica" para exprimir


a técnica da MT. A p. 295 voltaremos ao assunto.

— 286 —
MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL 43

1.3. Yoga

A palavra sánscrita yoga significa originariamente uniáo


ou integragáo. A escola Yoga procura precisamente realizar tal
uniáo ou harmonía dentro do próprio homem (entre o corpo
e o espirito), como também entre o homem, de um lado, e o
mundo que o cerca e Deus, do outro lado.

A fim de realizar tal objetivo, a Yoga propóe diversos


caminhos ou técnicas, que se tornam modalidades da Yoga:
assim o Mantra-Yoga, que procura repetir incessantemente
urna palavra sagrada; o Hatna-Yoga, que ensina diversas pos
turas físicas e exercícios de respiracáo; a Jnana-Yoga, que
cultiva o conhecimento e a sabedoria; o Karma-Yoga, que pre
coniza a salvagáo através da atividade; a Bhakti-Yoga, que
apregoa a dedicagáo á Divindade; o Kundalini-Yoga, que
procura despertar a poderosa energía harmónica do homem
mediante concentracáo sobre diversos pontos da espinha
dorsal. A modalidade mais conhecida da Yoga é a Baja-Yoga
(Yoga real), que póe a tónica sobre o controle da mente.
Além do que, pode-se dizer que muitos mestres yoguis conce-
bem e transmitem aos discípulos um método próprio para
chegar á harmonía total.

A característica fundamental de qualquer técnica de Yoga


é a educagáo da consciéncia, que deve aprender a concentrar-se
sobre determinado ponto: partes do corpo, a própria mente e
suas disposigóes ou ainda Deus. Os graus supremos do pro-
gresso yoghi levam o individuo á máxima harmonía, ou seja,
ao desapego de qualquer valor que escravize ou desequilibre a
pessoa; donde resulta a uniáo-identificagáo com a divindade
(Samadhi).

A Yoga admite, como dito, ampio Ieque de modalidades,


das quais algumas se apresentam como meras escolas de ginás-
tica e outras sao falsificagóes ou deturpagóes da auténtica
mensagem yoghi.

A Yoga exerceu sua infléncia sobre escolas de psicología


moderna, como a de C. G. Jung, a de Schultz (com seu training
autógeno), a sofrologia de Caycedo, a terapia gestáltica de
F. S. Peres e de John O. Stevens.

— 287 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

1.4. O Zen

O Zen é um movimento de fundo budista, originario do


Japáo, onde teve inicio em 1200 d. C. como conseqüéncia de
urna filtragem da tradicüo budista chinesa.

O Zen tem em mira o conhecimento experimental da reali-


dade do «aqui e agora» sem recurso a conceitos lógicos ou
mentáis. Ensina a «pensar o nao pensar», isto é, a suprimir o
fluxo de conceitos e raciocinios da mente — o que equivale a
urna «meditagáo sem objeto»; a meta final deste processo é a
iluminacáo da mente ou satori, algo de semelhante ao samadlii
da Raja-Yoga. Para receber esta iluminagáo, a mente deve
comportar-se como um espelho isento de qualquer mancha
ou imagem: «O espelho carece, por completo, de eu e de
preocupacóes. Quando se apresenta urna flor, ele reflete a flor.
Quando se apresenta um pássaro, ele o reflete. Mostra que um
objeto belo é belo e que um objeto feio é feio. Tudo nele se
reflete como é. O espelho nao tem mente que discrimine nem
consciéncia de si» (Z. Shibayma, On Zazen Wasan, Kyoto
1967, p. 28).

O Zen recomenda, como postura do corpo, o zazen, isto é,


a posicáo sentada e a respiracáo controlada, que favorecem o
esvaziamento da mente.

A figura mais representativa do zen é o Dr. Daisetz


Teitaro Suzuki, professor de Filosofía Budista na Universidade
Otani de Kyoto durante muito anos. Suzuki manteve diálogos
interessantes com personalidades do mundo ocidental, como
Cari Gustav Jung e Thomas Merton; varios de seus livros e
artigos foram traduzidos do japonés para línguas ocidentais.

1.5. Movimientos independentes

Há outras correntes de espiritualidade hindú que nao se


reduzem a alguma das anteriores. Tém por referencial um
gurú, que cria o seu sistema próprio, servindo-se de elementos
orientáis mesclados, por vezes, a dados da cultura e da ciencia
ocidentais.

Dois desses mestres merecem particular atencao:

1) Krishnamurti. Nascido no Sul da India, foi educado na


Inglaterra; tornou-se o fundador do «estilo independentista»
na década de 1920. Passa por um Sócrates moderno, que nao

— 288 —
MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL 45

quer ser chamado mestre nem sabio; nada pretende ensinar


de sistemático, mas percorreu a América, a Europa e a Asia
recorrendo á técnica do diálogo que chega a propor aos inter
locutores perguntas para as quais eles nao tem resposta; assim
Krishnamurti leva os ouvintes a .um silencio intuitivo.

2) Bhagwan Shree Rajneesh. Nasceu de familia janita


(budista) em Madya Pradesh no ano de 1931. Diz-se que aos
20 anos conseguiu chegar a iluminagáo, isto é, a intuigáo do
Absoluto que é o termo da via yoghi. Ensinou Filosofía em
Bombaim durante quinze anos e finalmente em 1947 fundou
em Poona um ashram (= mosteiro) capaz de receber milhares
de pessoas.

As técnicas ensinadas por Rajneesh sao sincretistas,


compreendendo elementos dos antigos Vedas, do Zen, do
gnosticismo cristáo, do sufismo mugulmano, do taoísmo, da
psicología das profundidades... Rajneesh também nao quer
ser chamado mestre nem fundador de escola, pois horroriza
qualquer codificagáo ou institucionalizagáo.

Em junho de 1981, Plajneesh causou enorme susto aos


monges do ashram de Poona, pois desaparece» sem se despedir
previamente. A noticia espalhou-se através da imprensa, sus
citando as mais diversas explioagóes: Rajneesh teria fúgido
com o cofre cheio de milhóes de dólares,... teria viajado para
ser operado da coluna vertebral,... teria saído para procurar
levar vida anónima,... teria abandonado tudo para usufruir
do seu harem particular...! Na verdade, parece que o funda
dor comprou terrenos ñas proximidades de Nova Iorque para
fundar ai novo ashram. Quanto ao de Poona, foi-se desmante
lando de modo que os seus membros se espalharam em diáspora
'pelo mundo.

Passemos agora ao exame das

2. Tentativas de diálogo e síntese

As reagóes dos cristáos aos movimentos de espiritualidade


oriental nao tém sido uniformes.

Há quem as recuse como alienantes ou destituidas de


compromisso social ou como narcisistas interessadas em
procurar a satisfagáo pessoal dos seus adeptos ou ainda como
formas de falsa mística.

— 289 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2G3/1932

Todavía nao tém faltado vozes que procurará o diálogo


e a eventual conciliacáo entre as escolas hinduístas e a espiri-
tualidade crista. A propósito podem-se citar

1) a Declaragáo Nostra Aetate do Concilio do Vati


cano n, que se manifestou em termos genéricos sobre as
religióes nao cristas:

"As demais religISes, que se encontram por todo o mundo, esforgam-se,


de diversos modos, por ir ao encontró da inquietado do espirito humano,
propondo caminhos, isto é, doutrinas e regras de vida, como também ritos
sagrados.

A Igreja Católica nada rejeita do que há de verdadeiro e santo nessas


religióes. Considera com sincera atengáo aqueles modos de agir e viver,
aqueles preceitos e doutrinas. Se bem que em multos pontos estejam em
desacordó com os que ela mesma tem e anuncia, nao raro, contudo, refletem
lampejos daquela Verdade que ilumina a todos os homens. Anuncia e vé-se
ela de fato obrigada a anunciar incessantemente o Cristo, que é caminho,
verdade e vida, no qual todos os homens podem encontrar a plenitude de
vida religiosa e no qual Deus tudo reconciliou consigo" (n<? 2).

2) A Federacáo das Conferencias Episcopais da Asia


(FABC) reunida em sua segunda assembléia plenária de 19 a
25 de novembro de 1978, houve por bem pronunciar-se sobre
a oracáo nos seguintes termos:

"O Espirito impele as Igrejas da Asia a integrar no tesouro da nossa


heranca crista'o que há de melhor ñas nossas (da Asia) tradicionais formas
de oracáo e de culto. A Asia tem multo que dar a auténtica espiritualidade
crista: um método de oragáo desenvolvido, que solicita a pessoa ¡nteira na
sua unidade de corpo-psique-espirito; urna oracáo de profunda interioridade
e imanéncia; tradicóes de ascese e renuncia; técnicas de contemplacao que
se encontram ñas antigás rellgldes orientáis como o Zen e o Yoga; formas
simplificadas de oracáo, como o man-Japa e o bhajans, e outras expressoes
populares da fé e da piedade da parte de quantos, na sua vida cotidiana,
voltam verdaderamente para Deus os seus coracóes e a sua mente" (trans
crito de "La Civlltá Cattolica" 3159, 6/02/82, p. 254).

3) Sabe-se também que nos últimos tempos se regis-


traram encontros inimagináveis há cinqüenta anos atrás;
assim os Papas tém recebido patriarcas do budismo da Tailan
dia, do Laos e do Japáo, o Dalai Lama, chefe do budismo
tibetano, além de gurús e swamis da India e do Tibe. Também
se tém realizado encontros de monges católicos e monges do
Oriente nao cristáos, a fim de compartilhar experiencias e
estilo de vida.

4) É preciso salientar também os autores católicos que


tém escrito livros resultantes de sua vivencia em contato com
monges e mlestres hinduístas:

— 290 —
MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL 47

— um dos primeiros é o Pe. J. M. Déchanet O. S. B., que


em 1956 publicou «La voie du silence» (A via do silencio).
Detém-se sobre os exercícios de Hatha-Yoga e a sua aplicacáo
á meditagáo crista;

— o Pe. Enomiya Lassalle S. J. foi o primeiro pensador


católico a entrar em diálogo com o Zen do Japáo. O seu livro
«Zen: um caminho para chegar á própria identidade» veio a
lume em 1965 e foi traduzido para oito línguas. Procura mos
trar como se aplicam as técnicas do Zen á meditacáo crista.
Em outra obra — «O Zen» —, o autor compara a linguagem
do Zen com a dos místicos católicos;

— os monges beneditinos Henri Le Saux (Swamí


Abhishiktananda) e Beda Griffiths sao fundadores de núcleos
monásticos na india que procuram a aculturagáo, ou seja, a
adosáo de elementos da tradigáo mística hindú dentro de um
contexto de vida monástica e de oracáo cristas. Na obra «Yoga
e contemplagáo», Griffiths apresenta urna experiencia de
oracáo hesiquiasta concentrada sobre a repeticáo do nome
de Jesús;

— o jesuíta Anthony de Mello é autor do livro «Sadhana»,


no qual propóe varias técnicas de meditacáo inspiradas nos
moldes hinduístas e destinadas ao aprofundamento das ver
dades da fé crista;

— Thomas Merton, monge trapista, é outro notável par


ticipante do diálogo com o hinduísmo. Faleceu precisamente
aos 10/12/1968 durante o primeiro Congresso dos Superiores
monásticos do Extremo Oriente em Bangcoc. Deixou, entre
outras obras, «O Zen e os pássaros do desejo», coletánea de
diálogos de Merton com o Dr. Suzuki. Em sua última carta a
respeito do monaquisino budista tibetano escrevia:

"Multas mosteiros, sejain da Tailandia, sejam do Tibe, parecem viver


o mesmo género de vida adotado em Cluny na Idade Media: os monges
sao estudiosos, bem formados, tomam parte freqüentemente na liturgia e
nos ritos sagrados. Mas também sao especialistas na meditafáo e na con-
templacao. lito é o que iríais me atrai".

Procuraremos agora salientar as características da medi


tacáo crista para mostrar como esta se diferencia da budista
por suas concepcóes teológicas. Por último examinaremos até
que ponto as técnicas hinduístas sao valiosas para o cristáo
que ora.

— 291 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

3. Meditagao crista: características

Eis os quatro pontos que vém ao caso:

1) Encontró com Deus pessoal: Pai, Filho e Espirito


Santo. O adjetivo «pessoal» nao significa o que á primeira
vista insinúa, isto é, um Deus configurado ao homem, com
rosto, barba, máos e pés... «Pessoal», no caso, quer dizer: um
Deus dotado de conhecimento e amor, distinto do mundo e do
homem como o Criador (= Aquele que é por si) é distinto da
criatura (= aquilo que é por outrem). O Deus do Cristianismo
nao se identifica com o mundo nem com o homem: nao é urna
substancia neutra, que se condense em seus «avatares» ou que
se parcele em cada homem ou que espalhe centelhas pelas
criaturas; tal é a concepcáo hinduísta, panteísta, á qual se
opóe a concepcáo monoteísta do Cristianismo. Quando o cris-
táo ora, dirige-se a Deus, que é Pai. Este Pai é transcendente,
inefável e indizível, mas também intimamente presente as cria
turas pelo fato de que as sustenta continuamente na existencia:
«Superior summo meo, intimior intimo meo. — Elevado ácima
do que tenho de mais elevado, mais íntimo do que o meu
íntimo», dizia S. Agostinho (t 430). Nota-se que por vezes as
preces hinduistas apresentam um diálogo com a Divindade; ora
numa concepcáo panteísta estrita tal diálogo nao teria sentido;
ele só é viável pelo fato de que no panteísmo hinduísta ficaram
vestigios do politeísmo primitivo e da mitología da India.

O hinduísta espera chegar, na etapa final de seus exer-


cícios, á fusáo com o Todo, a Energía Universal..., o que
implica extingáo da personalidade (do eu, do tu, do ele) e
mergulho na Realidade. — A concepcáo crista, do seu lado,
tem em vista a uniáo crescente com Deus, urna comunháo de
vida cada vez mais intensa e íntima com o Pai, o Filho e o
Espirito Santo, mas salvaguarda sempre os traeos típicos do
eu humano; Deus nao absorve nem extingue a identidade da
criatura; esta, pelo fato mesmo de ser criada, nunca se poderá
fundir com o Criador.

2) MediagSo de Jesús Cristo. Deus se fez homem em


Jesús Cristo, de tal modo que por Jesús homem o cristáo terá
acesso a Deus Filho, e por Deus Filho a Deus Pai. Esta yer-
dade implica, para o cristáo, urna concepcáo positiva e otimista
da historia; esta é o cenário no qual Deus se revela ao homem;

— 292 —
MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL 49

ela vem a ser mesmo o discurso de Deus ao homem, que teve


o seu auge na plenitude dos tempos ou na encarnagáo do
Verbo. Por isto o crístáo estima a historia e as criaturas que
sao os agentes ou a moldura da historia; esta se encaminha
e dilata como um cone para a plenitude da verdade, da vida,
do amor..., quando Cristo, encabecando toda a humanidade,
entregará o Reino ao Pai (cf. ICor 15,24).

Outro é o conceito hinduísta de historia. Esta, em. tal


caso, parece algo de cíclico e monótono, destituido de signifi
cado. Consta de sucessivas reencarnagóes de homens trans-
gressores das leis do bem e apegados iá materia; o grande afá
do hinduísta é libertar-se do corpo, da materia é, por conse-
guinte, da historia.

A meditagáo crista é voltada para Cristo, «o caminho, a


verdade e a vida» (cf. Jo 14,16). É na procura da intimidade
com Cristo que o cristáo comega sua ascensáo aos cumes da
perfeigáo e á contemplagáo face-a-face da Beleza Infinita ou
do próprio Deus (cf. Uo 3,ls; ICor 13,12). Urna passagem do
Apocalipse exprime nítidamente a agáo mediadora de Cristo
na vida mística do cristáo: «Eis que estou á porta e bato; se
alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua
casa e cearei com ele, e ele comigo» (Ap 3,20). As técnicas
da meditagáo podem ajudar a abrir a porta ao Cristo, que
exercerá a sua agáo santificante e transformadora no discípulo
dócil e disponível.

3) Ora$áo e graga, A oragáo é graga ou dom de Deus


ao homem. Nao é este quem, por seus esforgos, conquista a
perfeigáo espiritual ou a uniáo com Deus, a semelhanga de um
faquir, que por seu treinamento físico e espiritual consegue
realizar proezas estupendas. É Deus quem tem a iniciativa de
amar a criatura e, por conseguinte, de se dar ao homem: «Ele
primeiro nos amou», diz o Apostólo (Uo 4,19), ou aínda: «É
Deus que produz em nos o querer e o agir segundo o seu
beneplácito» (Fl 3,13). Esta prioridade da agáo divina em
nos está longe de excluir a resposta livre e generosa do homem;
mas, na verdade, nao é Deus quem responde ao homem, e, sim;
é o homem quem responde a Deus. Estas afirmagóes da fé
crista, á primeira vista muito lógicas, sao de difícil aceitagáo,
pois tiram ao homem a presungáo de conquistar o beneplácito
divino e a perfeigáo espiritual em virtude do seu «gigantismo»
espiritual.

— 293 —
50 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Outra é a posigáo do orante hinduísta. Já que nao conhece


a nogáo de um Deus distinto do homem, nao pode conceber a
graga de Deus que venha em auxilio da criatura frágil e lhe
prepare a salvagáo. O hinduísta seria, aos olhos do cristáo, um
pelagiano ou um dos monges sequazes do cristáo Pelágio, para
quem a natureza humana era suficiente para prover á sua
salvagáo.._

4) Psicoterapia ou renuncia © convcrsao? Nao raro as


técnicas de meditagáo orientáis sao apresentadas e utilizadas
como fatores terapéuticos psicossomáticos; quem as pratica,
procura alivio ou bem-estar do corpo e da alma. — Ora reco-
nhecemos que a oragáo crista pode produzir tais efeitos ', mas
é preciso afirmar que ela tem, antes do mais, um caráter reli
gioso ou o significado da procura de uniáo com Deus; esta
implicará sempre conversáo interior, renuncia, mortificagáo.
Nao há santificagáo sem aceitagáo da cruz. Mais: é mister dizer
que mesmo urna oragáo realizada na aridez e na noite escura
da mente ou dos sentidos tem pleno valor; ela resulta da fé
viva, que nao busca compensagáo nem consolo, mas se aplica
á procura de Deus exclusivamente por causa de Deus. Nao há
dúvida de que quem assim procede está também atendendo á
sua plena realizagáo e felicidade, nao, porérn, em termos
sensiveis e imediatos.

5) Técnicas de meditacS» e amor. A oragáo crista nao é


urna técnica, mas urna questáo de amor a Deus. É o encontró
religioso do Deus vivo (At 14,15) com e no Filho do Deus
vivo (Mt 16,16). Esta assergáo decorre do conceito cristáo de
Deus; se Deus nao é urna forga neutra nem a Energía Cósmica,
mas um Tu que tem a iniciativa de dialogar com o homem,
está claro que a uniáo com Deus nao se fará propriamente na
base de receitas ou fórmulas técnicas, mas na proporgáo do
amor que o eu do homem dedique ao Tu de Deus; a oragáo
será sempre o relacionamento variegado e multiforme de filnos
com o Pai. Em conseqüéncia, as técnicas tém o seu valor, para
o cristáo, na medida em que o ajudem a disciplinar a memoria,
a fantasía, os sentidos e afetos..., valor de instrumento ou

iAs obras de Norman Vincent Peale e as de alguns autores católicos


apresentam quase exclusivamente a oragáo como fator pacificador da alma,
silenciando o significado primeiro da oragáo, que é o de adorar e agradecer
a Deus.

— 294 —
MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL 51

meio que pode e deve ser flexivel ou adaptável ao tipo de cada


personalidade; essas técnicas poderáo mesmo ser mais e mais
postas de lado na medida em que o cristáo se vir íntima
e espontáneamente unido a Deus.
Ao contrario, ñas escolas hinduístas de meditagáo, cujo
conceito de Deus é impessoal (=Forca Cósmica), as técnicas
se revestem de importancia capital, pois vémj a ser quasé fór-
muías de biología e bioquímica sem as quais nao se capta a
Energía almejada. Tenha-se em vista, por exemplo, que
Maharishi Mahesh Yogi se apresenta como arauto da «vía
mecánica» do encontró com Deus (cf. p. 286 deste artigo).
Este adjetivo «mecánico» decorre do panteísmo professado
pela Meditagáo Transcendental e pelas escolas congéneres.
6) Oracáo a Deus e amor ao próximo. A oracáo crista é
inseparável de amor ao irmáo, pois, se alguém ama a Deus,
deve necessariamente fazer transbordar esse amor sobre os
demais filhos de Deus. Por isto, a capacidade de doar-se aos
semelhantes enfermos, sofredores e abandonados será sempre
pedra de toque da autenticidade da oragáo de um cristáo.
O mesmo nao ocorre nos círculos de meditagáo hinduísta.
Estas, em virtude do seu conceito mesmo de historia e vida
temporal, nao se surpreendem com a miseria e a fome do
corpo, pois importa que o orante se desvincule da materia e
dos seus lagos o que provoca certo desinteresse pelo bem-
-estar material dos semelhantes.

4. Métodos hinduístas: vantagens e desvantagens


Ao enunciar as características da meditacáo crista, indica
mos também as diferencas desta em relagáo as escolas de
oracáo orientáis.
Interessa-nos agora por em relevo os eventuais beneficios
que do contato com o Oriente possam resultar para a oracáo
crista, como também os perigos e as desvantagens que decor-
ram dessa aproximagáo.

4.1. Vantagens

Enumeraremos dois pontos principáis:


1) Harmonía de corpo e alma. As técnicas orientáis toca
o grande mérito de por em relevo o papel e a funcáo do corpo
na vida de oragáo. O ser humano nao medita nem ora só com

— 295 —
K| «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

a mente; queira-o ou nao, o corpo integra a pessoa e participa


de tudo o que esta faz. Ora as técnicas orientáis apresentam
diversas vías para harmonizar o corpo em sintonía com o
espirito ou para fazer a unificacáo (Yoga) do ser humano;
sejam entendidas nesta perspectiva as posturas do corpo do
orante, os exercícios de respiracáo, as dietas e receitas de
alimentagáo... que os orientáis praticam. Numa linguagem
crista, diríamos ainda: sejam assim compreendidas e abracadas
asi práticas de ascese, o jejum, a abstinencia de carne, a sobrie-
dade de porte, a disciplina da lingua, a pureza da mente...
táo recomendadas pela Tradigáo crista. Sena dúvida, o contato
dos cristáos com o Oriente há de contribuir para avivar nos
discípulos de Cristo a consciéncia do valor de tais práticas;
estas sempre foram usuais na Igreja e sao indispensáveis em
todos os tempos a qualquer pessoa (crista ou nao crista) que
se queira aproximar de Deus, pois contribuem para amainar as
paixóes e libertar a mente desejosa de se aplicar a oragáo.

Em nossos tempos, a ascese tem sido silenciada e esquecida


por certas escolas de espiritualidade ocidental; a debilidade das
saúdes, a agitacáo da vida' mbderna, o sopro do hedonismo, a
influencia do freudismo... tém contribuido para tanto, com
detrimento para a genuina vida de oragáo e a espiritualidade
em geral. Possa esta lacuna ser de novo preenchida pela
influencia da espiritualidade oriental!

Mesmo um ateu que se sujeite a um regime de vida sobria


e sadia só poderá ser beneficiado por este na formagáo de sua
personalidade e na descoberta de Deus, que se faz sempre
presente a quantos com sinceridade procuram o bem, a retidlo
e a pureza da mente. Numa época como a nossa, em que as
pessoas tanto se entregam a medicamentos e drogas para
alcanzar serenidade e paz, o recurso as técnicas orientáis
aparece como vantajoso substitutivo de tais produtos farma
céuticos. _

2) Inefabilidad^ de Deus. O contato com as correntes


orientáis de espiritualidade é apto a lembrar ao cristáo a inefa-
bilidade e transcendencia de Deus. O pensamento ocidental,
propenso ao uso e abuso da razáo (donde o racionalismo),
tende, por vezes exageradamente, a compreender Deus e as
coisas de Deus em discursos lógicos e silogismos. Será preciso
recordar com a Tradicáo crista grega que é mais fácil dizer o
que Deus nao é do que afirmar o que Ele é. Ora os orientáis
nao cristáos podem avivar nos cristáos a consciéncia desta
verdade. ■

— 296 —
MÉTODOS DE MEDITACAO ORIENTAL 53

A experiencia ensina que a adogáo das técnicas orientáis


de oragáo acarreta, para o cristáo, dois perigos:

4.2. Perigos

1) As técnicas supóem e sugerem freqüentemente a filo


sofía panteista que inspirou os seus primeiros praticantes
indianos. Em alguns casos, logo de inicio os mestres hinduístas
revelam claramente aos discípulos ocidentais as suas concepgóes
filosóficas e religiosas; assim, por exemplo, na Haré Krishna,
Em outros casos, porém, tal manifestagáo se faz indireta e
ocasionalmente; embora o mestre nao tenha a intengáo1 de
transmitir nog5es de filosofía, estas, nao obstante, transpare-
cem aos poucos através das suas instrugóes; tais instrugóes se
acham intimamente ligadas com as premissas filosóficas que
moveram os seus criadores. Em conseqüéncia, muitos cristáos,
desejosos de guardar fidelidade aos seus principios religiosos,
se encaminham para a Hatha-Yoga, por exemplo, no intuito
exclusivo de praticar ginastica e técnicas corporais; tem acon
tecido, porém, que paulatinamente váo absorvendo concepcóes
incompatíveis com as do Cristianismo a ponto de terem que
optar por sua fé originaria ou pela cosmovisáo panteista que
Ihes foi subliminarmente comunicada. Deste fato decorre a
necessidade de que cada cristáo saiba discernir claramente
técnicas de meditagáo e principios filosóficos hinduístas, assu-
mindo aqueles (se o quiserem) e deixando de lado a filosofía
panteista. Tal discernimento é plenamente viável, como o
demonstram as obras de Déchanet, Griffiths, Lasalle... atrás
citadas.
2) As técnicas orientáis praticadas de maneira exagerada
ou sem acompanhamento médico, em vez de beneficiar, tem
prejudicado os seus adeptos no plano psíquico como também
no físico. Tais efeitos negativos tém ocorrido também quando
as pessoas se orientam apenas por escritos ou livros de medi
tagáo sem interpretacáo oral da parte de um perito. Também
se devem mencionar charlatáes e mestres pouco habilidosos,
que tém prejudicado seriamente os seus seguidores, como o
demonstra o testemunho de dois praticantes da meditagáo
transcendental publicado em PR 232/1981, págs. 190-197.

Concluscto

O estudo dos métodos orientáis de meditagáo leva a


entrever ai um panorama assaz complexo, que requer, da parte
do cristáo, a virtude do discernimento ou da prudencia. O

— 297 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Cristianismo tem-se enriquecido em contato com tradicóes e


culturas nao cristas; será preciso, porém, que os discípulos de
Cristo saibam descobrir com sabedoria o que nelas é conciliável
com a verdade revelada, e o que a esta contraria. As palavras
«mística, oragáo, meditacáo, encontró com o Absoluto...» sao
suscetíveis de sentidos diversos, de acordó com a filosofía de
quem as profere; faz-se, pois, mister que o cristáo nao se
precipite ao encalgo de qualquer proposta de «mística», mas,
antes, examine racionalmente e á luz da fé crista a mensagem
que lhe é oferecida, a fim de que possa crescer homogéneamente
na intuigáo do Senhor Deus que se revelou aos homens através
do Evangelho.

Nao raro os cristáos procuram fora da espiritualidade da


Igreja o que Esta tem a lhes comunicar em abundancia,
simplesmente porque nunca foram iniciados na mística crista.
Esta conta seus grandes mestres e suas escolas com métodos
próprios de meditagáo: o inaciano, o sulpiciano, o beruliano, o
carmelita, o afonsiano..., além da longa e densa tradicáo
ascético-mística do monaquisino, que tem suas origens nos
padres do deserto (século IV) e se ramificou sob diversas
formas até os nossos dias.

A propósito sejam citados:


BALLESTER S J.. M,. Le tecnlche di meditazlone oriéntale di fronte
alia meditazlone cristiana, em «La Civiltá Cattolica" n? 3159. 6/02/82,
págs. 246-261.

ÍDEM, Oración profunda, camino de integración. Madrid 1979.

BERGONZI, M., Inchiesta sul nuovo misticismo. Roma-Barl 1980.

HAUSHERR, I., Priere de vie, vie de priére. París 1964.

AUTOR DESCONHECIOO, A nuvem do Desconhecido. Sio Paulo 1981.

PENNINGTON, B. M., Deus ao alcance das máos. Experiencias reli


giosas praticas. Sao Paulo 1980.

— 298 —
Dez edigóes em dezessele meses!

"O poder infinito da sua mente"


por Lauro Trevlsan

Em síntese: O livro em foco aprésenla o poder da auto-sugestao e


dos condicionamentos mentáis, que podem realmente obter para o individuo
auténticos sucessos, pols o libertam de bloqueios e o predispóem a agir
com facilidade e desembarazo. As doencas, psicossomáticas como sio.
exigem do paciente confianca e otimismo para que as possa superar. Tais
verdades sao indlscutíveis. Acontece, porém, que o autor do livro exagera
o seu alcance, afirmando que alguém se pode tomar rico, sadlo ou feliz
em seu casamento... se o quer ou se concebe disposicSes de otimismo.
Mais (e Isto é multo grave): o autor utiliza expressoes francamente pan-
teístas, identificando o homem com a própria Divindade — o que nao se
coaduna com a doutrina crista. A Divindade nao é parte do homem nem o
homem é uno com ela, como professa L. Trevisan. O autor concebe a
Divindade como energía cósmica ou onda poderosa com a qual o individuo
tem que sintonizar para apreender os efeitos benéficos dessa energía. Em
conseqüéncia, o livro parece fadado a atrair muitos leitores pelo otimismo
que comunica, mas iludirá a quantos nao perceberem que estio sendo
levados para concepcóes panteistas.

Comentario: O livro de Lauro Trevisan é mais um, dos


que procuram ensinar a descoberta da felicidade através do
controle da mente. Chega a usar a expressáo «estado alpha»
(= de concentragáo), muito freqüente nos cursos e escritos do
Silva Mind Control (cf. PR 256/1981, págs. 221-223). Daí o
grande éxito que vem obtendo. Na verdade, L. Trevisan propóe
sucessos estupendos a quem saiba orientar e controlar seu
subconsciente. Todavía a leitura do livro suscita interrogagóes
e hesitacóes no plano filosófico a quem o perscrute atenta
mente. Sao estas indagacoes que as páginas subseqüentes ex-
poráo, depois de referir sucintamente a tese do autor.

1. O conteúdo do livro

1.1. Onipoténcta da mente

L. Trevisan estabelece o principio de que «pensar é poder»


(cf. págs. 29-31). Mais precisamente: pensar é «programar» ou
enviar projetos ao subconsciente; se esses projetos forem nítidos

— 299 —
gg cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

ou isentos de qualquer oscilacáo, eontradicáo ou medo, o


subconsciente se encarregará de materializar tais concepcóes,
dando realidade concreta ao que era apenas idéia mental. O
sujeito nao se deve preocupar com os meios necessários para
fazer do seu sonho urna realidade; basta que sonhe e acredite
nos seus sonhos, convencendo-se de que se tornaráo realidade.
Repita mesmo freqüentemente de si para si, projetando em sua
tela mental a imagern do objeto desejado: «Um dia terei um
belo apartamento» (p. 26) ou «Possuirei um carro, embora nao
saiba como o hei de pagar» (p. 26) ou «Farei um casamento
feliz» (p. 155), e na verdade tais previsóes aconteceráo.

Eis algumas passagens típicas do livro:

"Um método eficiente para vocé alcancar o que deseja, é o seguinte:


coloque-se numa posicao confortável, relaxe, feche os olhos, respire profun
damente, ritmadamente, algumas vezes, e acalme a sua mente. Agora crie
um pequeño filme mental.

Se vocé deseja ter um Amor na vida e casar, crie o seu filme mental,
vendo-se colocar a alianca no dedo de sua amada. Forme urna cena nftida
e vivida na sua tela mental; veja-a agora, colocando a alianca no seu dedo.
Passe este filmezlnho para o seu subconsciente á nolte, quando val dormir,
já deitado na cama. Repita-o algumas vezes por dia.

A Imagem aceita pela mente consciente se grava de forma mais pro-


funda no subconsciente e a repeticao ajuda a reforjar com mais vigor a
grava$So mental.

O resultado desejado acontecerá.

A tel Irreslstível da atracáo e da materlalizacáo da Idéia Imaginada


Ihe oferecerá a grata alegria de um grande Amor e um belo casamento"
(p. 155).

"Tudo o qué é pensável, é realizável. Tudo o que é desejável, é


realizavei. Inclusive seus sonhos" (p. 25).

O autor nos diz ainda o seguinte: «Tudo o que um ser


humano pode, todos os outros podem» (p. 22). Por conse-
guinte, se alguém pode ser rico de bens materiais, se outra
pessoa pode gozar de boa saúde, se um terceiro é capaz de ser
bem sucedido nos negocios, se um quarto individuo pode ser
feliz no casamento, isto quer dizer que todos, indiscriminada
mente todos, podem ser simultáneamente ricos, sadios, prós
peros nos negocios, bem sucedidos em seu casamento... Se
nem todos conseguem todos esses bens, nao culpem outras

— 300 _
«O PODER INFINITO DA SUA MENTE» 57

pessoas, nem a inflacáo, nem as leis do Governo, mas saibam


que sao responsáveis pessoalmente por nao terem aproveitado
as energías do subconsciente que os levariam a conquistar
todos esses beneficios.

1.2. Preces e fé

O estado de oracáo seria estado de concentragáo mental


atrás descrito. Chega a citar textos do Evangelho que incutem
a eficacia da oracáo, para demonstrar que o condicionamento
mental é sempre infalível; cf. p. 32 (Mt 7,7: «Pedi e recebe-
reis»); p. 35 (Mt 9,29: «Seja feito conforme credes»); p. 48
(Le 11,9; Mt 6,5-7); p. 50 (Jo 14,12; 11,41).

O estado de oracáo sería estado de concentragáo mental


em nivel alpha. Donde se vé que oracáo, no decorrer do livro,
nao é o que sempre em linguagem crista se entendeu por tal
conceito (adoragáo, louvor, expiagáo, súplica a Deus, que é
Pai), mas é simplesmente urna tomada de consciéncia ou um
estado psicológico. Tenha-se em vista o seguinte trecho:

"Quanto mais profunda a sua concentracSo e mals passiva estlver a


sua mente consciente, mals fortemente vocé gravará no subconsciente o
seu pensamento.

Como em estado de profundidade mental diminuem as reaedes con


trarias da mente consciente, com mais facilidade e seguranca, voce CRs
QUE VAI ALCANQAR...

Este é mais um requisito para o atendimento: crer que, pelo fato de


pedir, Já está alcanzando.

Crer é ter certeza. Quando vocé duylda, está mandando duas ordens
contrarias ao subconsciente: urna é a ordem daqullo que vocé deseja e
pede, e outra é o sentimento hesitante de que talvez seja atendido" (p. 49).

Tem-se assim a impressáo de que a oragáo nao é propria-


mente um diálogo com o Pai ou o grande Tu do homem, mas
é um processo mecánico, cujo segredo ou cuja fórmula des-
conhecida é preciso descobrir e aplicar fielmente. Quem se
condiciona devidamente em seu íntimo, está infalivelmente
obtendo o efeito almejado. Para ilustrar esta afirmacáo, o
autor propóe exemplos tirados do plano da mecánica ou da
realidade físico-química de seres impessoais.

— 301 —
58 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

"Acreditar é aceitar definitivamente urna coisa como verdadelra.

Vocé, por exemplo, acredita que a agua molha e nunca Ihe passou
pela cabeca qualquer especie de dúvida quanto a isso. O pedreiro acredita
que, fazendo urna mistura de areia, agua, cimento e pedras, o resultado
será urna massa forte de concreto. Sua fé nesse resultado é táo definitiva
que nem espera para ver se vai dar certo ou nao.

A cozinheira acredita que, colocando um ovo no fogo, o ovo endurece,


ao passo que a manteiga, em contato com o fogo, se derrete. Este é um
principio sobre o qual a cozinheira nao duvida.

A mente também tem as suas leis e os seus principios que nunca


falham, quando usados corretamente; por exemplo, o pensamento cria, o
desejo atrai e a fé realiza. Isto quer dizer que tudo o que vocé pensa,
deseja e acredita que vai acontecer, acontece obligatoriamente. O Mestre
Jesús, que conhecia todas as leis universais, ]á há dois mil anos ensinava
este principio, quando dizia: 'Pedi e recebereis'" (p. 32).

2. De quanto foi dito, depreende-se que também o con-


ceito de fé nao corresponde ao da teología clássica («adesáo
a Deus que se revela ao homem»), mas é simplesmente «a
certeza de que o seu pensamento é verdadeiro» (p. 32). O
autor raramente aprésenla o homem em relacionamento
pessoal (de eu a tu) com o Pai do céu. Os exemplos de oragáo
que oferece, sao simplesmente fórmulas declaratorias, como a
que se segué:

"Se vocé orar com conviccio absoluta esta prece afirmativa: 'A Pre
senta Infinita que está em mim e que sabe tudo sobre tudo e sobre todos,
me guia e 'me protege', entao nada de ruim pode acontecer-lhe" (p. 39;
cf. págs. 30. 95.150).

Por isto a fé é caracterizada como a única «forma de


acionar o Poder Divino» (p. 32): «Quando vocé acredita em
alguma coisa, o seu pensamento se dirige apenas nessa diregáo,
e entáo aciona o Poder Infinito, que está dentro de vocé, e o
Poder Infinito cumpre» (p. 36).

A nogáo de «acionar o Poder Divino» é nítidamente ins


pirada pelas concepgóes da eletricidade e da eletrónica. É por
isto talvez que no livro se encontra algumas vezes a expressáo
«oragáo científica» (cf. p. 150). Apenas esporádicamente o
autor apresenta fórmulas de oragáo concebidas como diálogo
(cf. p. 98).

L. Trevisan explica melhor a sua nogáo de fé quando


escreve:

— 302 —
tQ PODER INFINITO DA SUA MENTE» 59

"A lé é urna forca Irresistfvel imánente em vocé; no fundo é a própria


Forca Divina existente em vocé. Esta Forca age, nfio movida por aparatos
exteriores mas pelo seu pensamento. Lembre-se que acreditar é aceitar o
seu pensamento como verdadeiro, quer ele seja, de fato, verdadeiro ou
nao" (p. 36).

Passamos assim ao conceito de Deus.

1.3. Deus

Predomina no livro a nogáo panteísta de Deus ou da


Divindade, nogáo que identifica Deus com o homem e a
natureza. É precisamente esta concepcáo panteísta que permite
ao autor apresentar a oragáo e a fé como fatores mecánicos;
se Deus é a Energia Cósmica, há meis «científicos» de captar
tal energia; quem utiliza esses meios, certamente apreende o
que procura e os respectivos beneficios. Eis alguns textos dos
mais significativos:

"O espirito do homem é parte do Espirito infinito, do qual procede"


(p. 22).
"Eu e Deus somos urna so unidade todo-poderosa; por isso estou em
paz e irradio paz para todas as pessoas" (p. 30).
"Vocé nunca abrangerá toda a extensao da sua mente, porquanto
chega a um ponto em que ela se confunde com a própria Divindade" (p. 25).

"Deus é o océano e vocé urna gota do océano, mas essa gota é o


océano, contém a esséncia do océano"i (p. 104).

"Vocé é uno com o Pal, que é Deus, que é a perfeicáo, a saúde..."


(p. 107).

«Vocé nasceu perfeito e continua a ser sempre perfeito, porque a sua


vida é o seu espirito e no espirito nao existe ¡mperfeicáo. O seu espirito é a
própria Presenca Divina, por isso ele é eterno e perfeito" (p. 104).

"Se vocé nao ama a si mesmo, nao conseguirá amar a Deus nem ao
próximo Na verdade, os tres sfio urna unidade apenas; Deus está em vocé
e o próximo é a outra parte de vocé; portento, se vocé está na pior, colocará
na pior os outros dois" (p. 146).

"Vocé é o próprio Deus manifestado no mundo" (p. 48).

Ao lado de tais expressóes encontram-se outras, que falam


do «Poder infinito existente dentro do homem» (págs. 30,50).

Por isto também o autor nao diz que Deus atende as


oragóes dos fiéis, mas é a fé (o poder mecánico do homem)
que conquista efeitos benéficos mediante sintonía assumida
em relagáo á Divindade e ao universo:

— 303 —
eO «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

"Nao é a religiao... que produz os resultados; é a fé que voce tem


de que esse objeto ou essa religiSo ou essa frase ou essa oracBo ou essa
imagem produzem o resultado, que fará com que acóntela" (p. 35).

Verdade é que o autor fala também da criacáo do mundo


por parte de Deus — o que supóe o conceito monoteísta de
Deus ou a nogáo de Deus distinto do mundo, preexistente a
este... Mas nao é esta nocáo bíblica monoteísta que inspira
as afirmacóes do autor do livro referentes á oracáo.

Alias, L. Trevisan cita era apoio de suas afirmacóes Joseph


Murphy, autor do livro «O Poder do Subconsciente», que é
certamente urna obra de fundo panteísta; cf. p. 159 e PR
222/1978, págs. 263-270.

Quando se refere a Jesús Cristo, Trevisan usa locucóes


estranhas ou ambiguas. Assim por exemplo:

"Jesús sentia-se ¡mensamente feliz, uno com a natureza e o universo"


(p. 102).

"Como pode ser considerado pobre quem é Filho Oeus, uno com o
Criador do mundo?" (p. 101).

A tese de que Jesús era uno com Deus e uno com o uni
verso, nao será mais urna afirmacáo de panteísmo? Note-se,
porém, que nao se coaduna com o panteísmo a nogáo de
criacáo do mundo; esta, no caso, é substituida pela de emana-
cáo, como alias, ocorre á p. 491 do livro: «Quem vé voce, vé o
Pai, porque o seu espirito emana do Espirito de Deus, por isso
voce é parte de Deus, é uno com Deus». E que significa «Filho
Deus»? Dever-se-ia ler «Filho de Deus» suprindo a deficiencia
de eventual erro tipográfico?

Os milagres de Jesús sao todos explicados por efeito das


forgas do subconsciente, o que equipara Jesús simplesmente a
um grande mestre que faz o que todo homem bem exercitado
pode fazer:

"Jesús dizia: Eu e o Pal somos um. Havia absoluta InteracSo entre


á sua mente consciente e subconsciente, dal o Poder Infinito do Mestre,
capaz de realizar milagres a qualquer momento" (p. 24s).

Eu e o Pai seriam simplesmente o consciente e o subcons


ciente de Jesús?

— 304 —
«O PODER INFINITO DA SUA MENTE» 61

Alias, os títulos atribuidos a Jesús nao sao senáo os de


grande sabio: «sabio dos sabios» (p. 110), «mestre que conhe-
cia todas as leis universais» (p. 32), «o grande sabio Jesús
Cristo» (p. 17).

Inesperadamente, porém, L. Trevisan afirma de passagem


a ressurreigao de Jesús: «Jesús esteve enterrado tres dias,
após os quais ressuscitou» (p. 173). Como entender a ressurrei-
cáo de Jesús nesse contexto panteísta?

1.4. Doengas

Julga o autor que é mais fácil ter saúde do que ter doenoas
(cf. p. 104). Pouco importa a idade: sete anos, setenta anos
ou setecentos anos; na verdade, o corpo de qualquer criatura,
pelo menos teóricamente, tem um ano de idade (cf. p. 105).
O segredo para ter saúde, conforme o autor, é conservar a paz
da mente. Se alguém incide em molestia, o processo de cura é
muito simples:

"Tres passos importantes vocé deve dar para alcancar a cura da sua
doenca: em prlmelro lugar, remova da sua mente todo sentimento negativo
de medo, de dúvida, de desconfianca e de desarmonia; em segundo lugar,
substitua esses pensamentos negativos por pensamentos de harmonía, de
perfeicio, de saúde, de interacáo entre a sua mente e a Mente Divina; em
terceiro lugar, faca um quadro mental do corpo plenamente saudável. Daqul
para frente so existirá esta verdade: seu corpo restabelecido, em ordem e
saudável, funcionando maravilhósamente bem.

A cura é infallvel, pois toda a imagem verdadeira e univoca enviada


ao Pai, que habita o subconsciente, se transforma em realidade física"
(p. 107).

Neste texto transparecem: 1) simploriedade; as doengas


funcionáis ou nervosas podem, sim, ser curadas pelo desblo-
queio da mente e pela predisposigáo mental á saúde física, mas,
mesmo assim, tais curas nao sao radicáis, pois nao tocam o
ámago ou a raiz do bloqueio psíquico; 2) panteísmo; a cura
seria obtida mecánicamente, como se obtém efeitos luminosos
desde que se enviem ao receptor adequado (= o Pai que habita
o subconsciente) a corrente necessária.

As oragóes em favor de um enfermo sao concebidas como


emissoras de energía (p. 124), o que mais urna vez reflete a
concepcáo mecanicista da vida espiritual. Neste particular,
podem-se reconhecer nogóes de espiritismo e esoterismo:

— 305 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

"Tome os remedios com a máxima fé, entendendo que foram feitos


por urna mente ligada na Mente Cósmica Divina. Portante, abra todos os
cañáis Internos para que o fluxo da saúde Jorre através do médico, do3
remedios, da operacSo, da prece, da fé, da Forca Divina e da energía
espiritual de outras pessoas" (p. 120).

O espiritismo e o esoterismo acreditam que um copo dágua


colocado junto ao aparelho de radio as 18 horas, por ocasiáo da
Ave-María, é impregnado de poder ou fluidos salutares, de tal
modo que recomendam beber a agua assim beneficiada. — Os
conselhos de L. Trevisan assemelham-se a tal receita!

O Cristianismo nao eré em ondas benéficas ou maléficas


provocadas pela oracáo. O cristáo sabe que Deus é Pai e que
Ele atende nao por causa da pujanga ou do requinte dos arti
ficios do orante, mas, sim, por causa da dedicacáo filial do
coragáo de quem ora..., e atende como um Tu que se dá a
outro tu e nao como urna corrente eletro-magnética que cega-
mente produz seu efeito quando «científicamente» acionada.

1.5. Outros tópicos

Aínda se pode notar que o autor nega a existencia dos


demonios (cf. p. 37) — o que contradiz á tradigáo bíblica, e á
fé da Igreja. Admite ter sido Nostradamus «um grande adivi-
nho» (p. 178) — afirmagáo esta pouco científica e crítica.

A p. 172 encontram-se receitas para evitar acidentes...


Quem prevé algum acídente de carro, por exemplo, poderá
emitir energías que; afastem o perigo, de tal modo que o
desastre previsto nao ocorra!

Pergunta-se agora:

2. Que dizer?

2.1. Panteísmo

As maravilhosas promessas do livro em foco carecem de


fundamento, porque o panteísmo que elas supóem, é insusten-
tável aos olhos da sá razáo.

Com efeito; o panteísmo, admitindo que a Divindade, o


universo e o homem sejam urna só substancia, identificam entre
si o Absoluto (a Divindade) e o relativo (o mundo e o homem),
o Necessário e o contingente, o Eterno e o temporal, ou, em

— 306 —
<tQ PODER INFINITO DA SUA MENTE» 63

última instancia, o Sim e o Nao; na verdade, o Absoluto é o


que nao depende de outrem, ao passo que o relativo é essencial-
mente o que depende de outro; ora nao posso afirmar e negar,
ao mesmo tempo, o mesmo predicado a propósito do mesmo
sujeito; nao posso dizer que o mesmo objeto é, ao mesmo
tempo e sob o mesmo aspecto, preto e nao preto.

Deus há de ser essencialmente distinto do mundo e do


homem, embora se faga presente a toda criatura pelo fato
mesmo de a conservar na sua existencia; nenhum ser criado
continuaría a existir se nao fosse sustentado por um perma
nente ato criador de Deus.

O panteísmo tem fascinado varias correntes do pensamento


moderno (tenham-se em vista a Rosa-Cruz, a Logosofia, a
Teosofía, a Antroposofia...); em última instancia, bajula o
homem, porque lhe promete grandes coisas ou poderes divinos,
ilimitados — o que falsifica a auténtica nocáo do homem e o
próprio conceito de Deus.

O homem é grande, porque tem uma alma espiritual que


o faz imagem e semelhanca de Deus, dotado de capacidade de
Infinito; o homem foi feito para Deus ou para o Bem absoluto,
de tal modo que nenhuma criatura lhe satisfaz plenamente.
Nao obstante, o homem nao deixa de ser urna realidade con
tingente, dependente do Absoluto para existir. Quando se diz
que a mente é algo de divino dentro do homem, entenda-se
que ela é aberta para o Infinito de Deus, embora nao seja uma
parcela da Divindade. Deus nao se pode retalhar ou parcelar,
porque nao tem extensáo; tudo o que é extenso se compóe de
partes finitas; ora a soma de parcelas finitas nao leva ao
Infinito, mas a um total finito (como as suas parcelas).

2.2. Sugestáo

As recomendacóes do livro em foco podem ser eficazes na


medida em que sugestionem o individuo, desfazendo-lhe os
bloqueios psicológicos e predispondo-o a se comportar como
quem vai vencer na vida. A sugestáo é, sem dúvida, fator
poderoso, apto a modificar o comportamento de alguém. As
técnicas que L. Trevisan prop5e, sao todas baseadas nesse
poder da sugestáo.

— 307 —
64 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Deve-se recomendar a todo homem urna atitude otimista


em relacáo ao mundo e á vida, sem afirmar, porém, que esse
otimismo possa ter efeitos mecánicos sobre o ambiente que
cerca o homem.

Quanto ao Silva Muid Control, ensina técnicas que podem


ser úteis e que certamente sao menos fantasistas e menos im
pregnadas de filosofía do que as normas de L. Trevisan.

Como dito, o livro de Trevisan tem certa afinidade com o


de Joseph Murphy: «O poder do subconsciente», obra esta que
reconhecidamente nao é crista.

Até mesmo a oracáo é concebida no livro como elemento


sugestionante — o que diminuí a grandeza da oracáo. Esta é,
antes do mais, encontró da criatura com o Criador, distinto
do ser humano e do mundo; nesse contato, o cristáo adora,
agradece, pede perdáo e impetra o pao de cada dia... É certo
que tais atitudes nao podem deixar de implicar paz e bem-estar
espirituais no orante; todavía este efeito é secundario; toda
auténtica oracáo é teocéntrica ou voltada para Deus e nao
antropocéntrica.

2.3. Eficacia da oracáo

Sem dúvida, nao há oracáo inútil ou destituida de atendi-


mento da parte de Deus. Todavía o olhar de Deus nem sempre
coincide com o do homem. Este pode julgar que determinado
objeto lhe seja conveniente, quando na verdade nao o é; por
isto, quando o objeto de nossas preces nao corresponde ao
plano d& Deus e ao riosso verdadeiro bem, a Providencia Divina
nos concede algo de equivalente ou melhor, mas nao nos atende
segundo a letra do nosso pedido. Dissipa-se assim qualquer
concepcáo mecanicista de oracáo. Ninguém pode constranger
a Deus, que é Pai e Amor soberanamente livre. É mesmo me
lhor' que Deus nao conceda ao homem todos os objetos de seus
desejos, pois freqüentemente as inclinacóes do homem se
voltam para bagatelas e falsos bens; Deus, que é inteligencia
e amor, sabe melhor o que convém ao orante; alias, quem ora
comí Jesús Cristo, dirá sempre: «Faca-se, porém, a tua vontade,
ó Pai, e nao a minha» (Me 14,36), certo de que quem assim
— 308 —
«O PODER INFINITO DA SUA MENTE» 65

ora, é sempre atendido. Somente numa concepgáo mecanicista


e panteísta de Deus se pode apresentar a oragáo como um
recurso infalível para obter a realizagáo de todos os desejos
do homem.
Mais: L. Trevisan mésela, no seu livro, concepgóes bíblicas
e concepcóes panteístas. Isto pode iludir ou deixar perplexo o
leitor. Dir-se-ia que a sua tese decorre de urna genuína inter-
pretacáo do Evangelho e do pensamento cristáo. Ora tal nao
se dá; as alusóes do livro a verdades cristas tém peso secun
dario, visto que a mensagem do livro é estritamente panteísta.
Eis por que nao se pode considerar a obra em pauta como
obra crista, cujas orientagóes se conciliem com a doutrina do
Evangelho.
• « •

A Missa parte por parte, pelo Pe. Luiz Cechinato. — Ed. Vozes,
Petrópolls 1981 (5? edicto), 135 x 208 mm, 179 pp.
O Pe. Luiz Cechinato, da diocese de Sao Carlos (SP). tem escrito
livros de catequese de nivel medio e linguagem muito acesslvel; entre
outros destaca-se a sua explanacio da S. Missa. Logo de inicio, o
autor explica "por que ir á Igreja". A seguir, percorre as sucessivas
partes da S. Missa a fim de expor o seu sentido; termina com urna
exposicSo do que seja o Ano Litúrgico, que vem apresentado em gráfico.
Cada capitulo é acompanhado de perguntas, que servem para testar a
aprendizagem do aluno. O livro oferece sólida doutrina a respeito do
ato central da vida crista; merece ampia difusáo, especialmente em esco
las e paróquias.
Niríguém ama o que nao conhece. Para estimar, portante, a S. Missa,
é preciso conhecer o seu significado e a sua historia. Ora é a este
objetivo que tende o livro em foco. Parabéns ao autorl
O sacramento da conftnnaca'o, pelo Pe. Luiz Cechinato. — Ed. Vozes,
Petrópolis 1982, 136 x 208 mm, 133 pp.

O livro tem por subtitulo "Estudo da Crisma para crismandos e cris


mados". Aborda nSo só o sacramento da Crisma, mas também a funcáo
do Espirito Santo na vida da Igreja e do cristáo. Muito valioso é este
estudo, ao qual deve tocar larga dlvulgacao em nossos colegios e paróquias.
• • •

(Conlinuacao da pág. 332)


o problema do sofrimento e da morte (pp. 30-33), o dos traumas da
infancia (pp. 94-96). o das Idéias políticas dos jovens (pp. 109-112), o
das leituras, que nao de ser adequadas (pp. 63s. 84-86)... A orientacáo
dada é segura, proveniente da experiencia de um dinámico pastorallsta de
juventude, que bem conhece a psicología dos jovens e os problemas dos
pais. O livro n§o pretende ser um catecismo, mas incita os pais a estudar
e se atualizar permanentemente para preencher a sua nobre missSo den
tro da "igreja doméstica" (= o lar).

_ 309 —
Em trinta e tres fascículos:

"Iniciacáo á Teología
pelo "Centre Salnt-Dominique"
L'Arbresle

Em sfntese: A obra "Iniclacáo á Teología", em duas series e trlnta


e tres fascículos, tenciona servir ao público de media cultura. Como em
toda colecao, os respectivos fascículos nao sao todos do mesmo valor.
Alguns sao multo positivos, procurando comunicar ao leitor urna visio sadia
e equilibrada das verdadess da fé. Outros, porém, assumem posicdes um
tanto destoantes da doutrina oficial da Igreja, baseando-se em hlpóteses e
teorías de autoridade discutivel; isto ocorre, por exemplo, nos fascículos
referentes a Jesús Cristo (5, 6 e 7), ao pecado (fascículo 16), á Moral
e á Vida Crista II (fascículo 14), á Existencia Crista I (fascículo 17), á
Escatologla (fascículo 15)... Eis por que nao se pode recomendar a obra
como manual de iniciacao teológica.

Comentario: O «Centre Saint-Dominigue», da Franca,


oferece ao público tonga colegáo de fascículos que perfazem
urna Iniciagáo á Teología para cristáos de certa cultura, em
linguagem clara e compreensivel. Tal obra aborda grandes
tratados, de teología dogmática ou sistemática bem como
alguns de teología moral e de liturgia; é notoria, porém, a
falta de estudo explícito sobre María SS. e seu papel na obra
da salvacáo, assim como a da consideragao dos anjos bons e
maus. A publicagáo da obra em portugués está a cargo das
Edigóes Paulinas, Sao Paulo, 1979 e seguintes, sendo tradutora
de muitos dos fascículos a Irma Isabel L/eal Ferreira.

A propósito apresentaremos algumas ponderacóes de


ordem geral, seguidas de urna análise de tópicos dos fascículos
mais discutíveis da primeira serie.

COMENTANDO...

A obra em foco foí concebida em termos de divulgacáo de


nivel superior. Tenciona oferecer «pontos de partida indispen-
sáveis e as articulagóes necessárias de urna reflexáo sobre esta
ou aquela questáo» (p. 12). Utiliza os recursos da exegese

— 310 —
«INDICACAO Á TEOLOGÍA» 67

bíblica moderna e ilustra seus diversos tratados mediante textos


de autores dos nossos tempos, dando características de vivaci-
dade e atualidade as reflexóes apresentadas; tenha-se em vista
na p. 7 do vol. 7 o texto dos Jesns Freaks (loucos de Jesús),
que em portugués foi divulgado sob o título «Procura-se...»
Muitas e muitas páginas sao caracterizadas pela fluencia do
estilo e a profundidade da materia abordada.

Todavía, na variedade dos diversos fascículos de 60-70


páginas cada qual, observam-se explanac.5es de valor desigual.
Enquanto algumas estáo ácima de qualquer restricáo teológica,
outras sao questionáveis, pois assumem posicóes que direta ou
indiretamente ou em grau maior ou menor entram em conflito
com a doutrina oficialmente ensinada pela fé. No intuito de
criticar concepcóes ou práticas imperfeitas dos fiéis católicos
de épocas passadas e do presente, os autores exageram por
vezes as suas posicóes críticas e nem sempre «consertam»
devidamente o que rompem ou quebram. Além disto, nota-se,
nos fascículos em questáo, grande preocupacáo com as obje-
cóes que a mentalidade moderna dessacralizada e seculansta
levanta contra a mensagem transcendental do Cristianismo;
precisamente para nao contrastar demasiado com tal secularis-
mo os autores cá e lá silenciam traeos típicos e importantes
da mensagem crista, procurando dar-lhe feicóes mais «huma
nas» e menos sobrenaturais; também acontece fazerem oon-
cessóes indevidas, que reduzem ou minimizam o conteúdo, rico
e pujante, da doutrina crista. — É o que ocorre na abordagem
da figura de Jesús Cristo, na do culto cristáo, na da Vida
Religiosa, na do casamento, como se depreenderá da breve
análise que passamos a fazer.

1. Fascículos 5, 6 e 7, 1* serie: «Redacao «los Evan


gelhos», «Jesús Salvador I», «Jesús Salvador II».

1 Este conjunto trata de Jesús Cristo tal como revelado


pelos Evangelhos e proclamado pela Tradicáo crista até nossos
dias. Muito insiste na aplicacáo da técnica moderna de exegese
bíblica chamada «O método da historia das formas».

Em conseqüéncia, os autores destes fascículos distinguem


entre o Jesús da historia e o Jesus da fé, ou seja, Jesús como
realmente existiu e se comportou durante a sua vida terrena,
e Jesus como foi entendido e proclamado pela fé das comuni-

— 311 —
68 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

dades cristas do século I na Palestina, na Siria, na Asia Menor,


na Grecia... Tal distingáo é válida, pois, nao há dúvida, os
Apostólos e os primeiros cristáos consideraram a vida terrestre
de Jesús sob o claráo de Páscoa e nos transmitiram urna
imagem de Jesús penetrada pela teologia ou pela consciéncia
que os cristáos tinham de que Jesús era mais dó que um
homem santo ou um profeta. Baseados nesta premissa, os
exegetas modernos procuram através do texto do Evangelho
reconstituir a imagem de Jesús pré-pascal ou as paiavras e as
atitudes que se podem tranquilamente atribuir a Jesús pere
grino e mortal. Esta tarefa nao é contraria aos principios da
fé católica; todavía vem a ser extremamente delicada e sujeita
a intuigdes subjetivistas e pessoais; para uns estudiosos, tal ou
tal trago nao será conciliável com a figura e a pregacáo de
Jesús mortal, enquanto outros nao teráo dificuldade em
admiti-lo.

2. Ora os autores dos fascículos em foco se dedicam a


tal emprendimento. Além disto, estáo muito interessados em
enfatizar a plena e genuína humanidade de Jesús, em oposicáo
a concepgóes monofisitas (mais interessadas pela Divindade do
Senhor). Estes objetivos levam tais estudiosos a afirmativas
que nao podem ser provadas como erróneas, mas sao hipoteses
mais ou menos verossímeis apresentadas ao leitor como sen-
tengas definitivas; sim

o suor de sangue e a presenca de um anjo no horto


das Oliveiras (Le 22,43s) sao tidos como «imagens que refle-
tem a cultura do Evangelista». Significariam que «Jesús foi
submetido a urna terrível provagáo, mas nao foi abandonado
pelo Pai» (fase. 5, p. 44s). Pergunta-se: nao terá Jesús podido
suar sangue?

os quarenta días que, conforme At 1,3, teráo ocorrido


entre a ressurreigáo e a ascengáo de Jesús, nao háo de ser
tomados ao pé da letra, mas podem corresponder a dois^ tres
ou quatro anos; ter-se-áo protraído até o ano da conversáo de
S. Paulo em cerca de 32-35; cf. fase. 6, p. 14;

— a triunfal entrada de Jesús em Jerusalém nao terá


ocorrido quatro dias antes da sua prisáo, mas cerca de seis
meses antes, quando Jesús fizera urna viagem a Jerusalém;
cf. Me 11, 1-11;

— 312 —
«INDICACAO A TEOLOGÍA» 69

as aparigóes do Ressuscitado nao foram imaginarias


ou nao foram produzidas pela imaginagáo dos discípulos, mas
também nao foram fenómenos objetivos; cf. fase. 6, págs. 14s.

3. Sobre a ciencia e a oonsciéncia psicológica de Jesús,


os autores insistem na maneira progressiva de conhecer que
caracteriza todo homem e deve ter caracterizado Jesús. Por
conseguinte, dizem, Jesús deve ter sido discípulo, de Joáo
Batista (fase. 6, p. 38); aos poucos foi descobrindo que o
último dos profetas seria ele, Jesús, e nao Joáo (fase. 6, p. 40);
Jesús acreditava que, como profeta, seria lapidado, nao cruci
ficado (fase. 6, p. 27). As profecías referentes á ressurreicáo
de Jesús nao procedem dos labios de Jesús (fase. 6, p. 63).
Este era indeciso (fase. 7, p. 13); era inseguro quanto á sua
identidade (fase. 7, p. 36); «Jesús jamáis se proclamou
Messias» (fase. 7, p. 28); mesmo que se tivesse reconhecido
como Messias, «tal título nao possuia para ele o significado
pós-pascal que Marcos lhe atribuí» (fase. 7, p. 28). Em suma:
«Jesús ignorava...; sua consciéncia... amadureceu progessi-
vamente ao longo das experiencias, dos contatos, da oragáo.
Ela caminha as apaipadelas, no lusco-fusco de certezas mistu
radas com incertezas. Sua atividade milagrosa a principio lhe
causa espanto... A experiencia do fracasso da sua pregacáo
as multidóes desconcerta-o e leva-o, pouco a pouco, a com-
preender o destino do profeta mártir que lhe coube. Ele espe-
rava ser lapidado; e foi crucificado. Pensava que sua prisáo
acarretaria também a de seus discípulos; nada disto aconteceu.
Aguardava com confianga a ressurreicáo prometida ao Justo
mártir, mas ignorava que teria um sentido mais fulgurante
aínda. Tantos exemplos... manifestam as incertezas de sua
consciéncia» (fase. 7, p. 38).

Mais: o autor admite que Jesús tenha realizado curas


milagrosas, mas julga que «nao está de acordó com o ensina-
mento bíblico estabelecer como principio que o milagre contra
ria as leis da natureza» (fase. 6, p. 41, nota 16).

4. Que dizer a propósito?

a) Como dito, a tarefa de discernir no texto canónico


do Evangelho os tragos e dizeres de Jesús pré-pascal apresen-
tados dentro da visáo pós-pascal dos evangelistas é assaz
subjetiva e pessoal... Em conseqüéncia, os autores que a
empreendem devem, por razóes de honestidade, expor os
porqués de suas sentencas,... sentengas que ora seráo moral-

— 313 —
70 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

mente certas, ora muito verossimeis, ora pouco verossímeis;


tal exigencia de porqués é especialmente premente numa obra
de vulgarizagáo, destinada a leitores pouco peritos na materia
e, portante, pouco aptos a distinguir os matizes das teses dos
eruditos. Quem sabe matizar suas hipóteses e senteneas, pode
dizer o que julgue verossímil sem langar confusáo na mente do
grande público; ao contrario, quem nao matiza, perturba os
leitores nao preparados.

b) Quanto á consciéncia psicológica de Jesús, tem-se


escrito copiosamente a respeito nos últimos decenios. O proble
ma se póe com especial cuidado desde que se queira abstrair
da realidade divina de Jesús. Na verdade, porém, nao se pode
entender a humanidade de Jesús abstraindo da Divindade deste,
pois em Jesús a natureza humana e a divina nao formavam
compartimentos estanques (embora nao se confundissem nem
se misturassem), mas comungavam entre si na unidade de
um só eu ou de tuna só pessoa divina; estavam unidas entre
si hipostaticamente ou por terem o mesmo sujeito, que era a
segunda Pessoa da SS. Trindade; esta era o suporte de tudo o
que era divino e de tudo o que era humano em Jesús. Mais:
é de notar que o Filho de Deus, ao assumir a natureza humana,
nada perdeu do que era da Divindade; por consegtünte, a
pessoa de Jesús Cristo dispunha da onipoténcia do Filho de
Deus ou da segunda pessoa da SS. Trindade. Em vista disto,
nao se pode reduzir o saber de Jesús aos limites do meramente
humano.

A temática assaz delicada e sutil tem sido considerada


pelos teólogos modernos em termos técnicos. Citaremos, a
seguir, urna passagem de Michael Schmaus, que certamente é
autor de valor:

"Parece estar mais de acordó com a unidade de Jesús Cristo afirmar


que o pessoal, ou seja, a subsistencia do Logos divino, penetra na cons-
ciéncla do eu do homem Jesús, de modo que a sua consciéncia do eu
abrange tanto o centro humano de acSo como a subsistencia divina. Assim
a consciéncia do eu em Jesús teria carnadas que nao se fragmentarían! em
dualidade ou pluralidade. Trata-se de urna consciéncia composta e, entre
tanto, unitaria. Nela está incluida tanto a consciéncia de ser um verdadeiro
homem como a de subsistir na subsistencia do Logos divino. Desse modo
continua de pé a tese do Calcedonense a respeito da nSo-separacáo e
nSo-mistura. Sob o aspecto de sua humanidade, o homem Jesús nunca pode
sentir-se Deus, tampouco pode ter consciéncia de ser urna pessoa humana.
Se Ele se Interpretasse como urna pessoa humana, seria vitima de llusSo
ontológlca.

— 314 —
«INDICACAO A TEOLOGÍA». 71

Ao falar de urna consciéncia composta do eu, novamente devemos


levar em conta que nao se trata de justaposicáo de elementos heterogéneos,
pois o divino e o humano de Jesús se compenetran), ainda que sem se
suprimir mutuamente, sem se transformar um no outro. Também se deve
advertir que o divino tem a supremacía, de modo que na consciéncia do
eu em Jesús o principal é ter consciéncia de ser Filho de Deus, pois Ele
possui um conhecimento vivo de subsistir na subsistencia do Logos Divino.

Precisamente aqui, porém, devemos voltar a Insistir em que, com isso,


nSo flca supressa nem atenuada em Jesús a consciéncia de ser um verda-
deiro homem. Jesús se conhece como um homem total e verdadeiro,
onerado com o destino de todo o mundo, chamado a urna vida autentica-
mente humana, até a morte e morte de cruz. A consciéncia simultánea de
ser Filho de Deus, do Pal celeste, nio so nio oculta esse conhecimento,
mas contribuí poderosamente para manté-lo despertó. Nessa consciéncia
composta, Jesús é homem completo, real e concreto" (A fé da Igreja,
vol. 3, p. 186s).

c) Quanto á índole dos fenómenos milagrosos, verifica-se


hoje em dia a tendencia a julgá-los fenómenos enquadráveis
dentro das leis da natureza ou obras que nao contrariem
a estas.

Ora tal concepcáo nao corresponde á clássica nogáo de


milagres, que nao há motivo para abandonar em nossos dias.
Com efeito; o milagre nao tem outra finalidade senáo a de ser
um discurso de Deus aos homens mais eloqüente do que o
habitual. Ora, se o milagre pudesse ser confundido com um
fenómeno contido ñas potencialidades da natureza, já nao seria
identificável como discurso. de Deus, pois poderia ser urna
reacáo meramente natural das forcas criadas. O milagre é
necesariamente um fato que sobressai ácima do comum dos
acontecimentos; representa um salto em relagáo a estes, de tal
modo que nao deve haver fenómenos intermediarios entre o
milagre e os fatos mais comuns ou mais freqüentes. Assim
urna cura milagrosa deve ser instantánea, ocorrente em quadro
de doenga orgánica, com alteracóes anatómicas irreversiveis.
A subitaneidade é característica importantíssima do milagre,
pois é ela que faz de tal fato um salto ou algo que sobressai
ácima da evolugáo ordinaria dos processos patológicos. É a
subitaneidade ou o caráter de excecáo que torna o fato por
tentoso sinal ou palavra mais significativa do Senhor.

Nao se diga que derrogagóes as leis da natureza sao


indignas de Deus. O Criador, após haver fixado a natureza das
criaturas e as suas leis, continua sendo o Senhor de tais cria
turas, de modo que lhes pode modificar o curso desde que,
para tanto, naja razóes plausíveis ou proporcionadas. Ora a

— 315 —
72 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

necessidade de urna revelagáo dé Deus ao homem mais nítida


e significativa em determinadas ocasióes é certamente razáo
suficiente para que Deus chame a atencáo do homem para o
Criador mediante um sinal de todo portentoso. Assim, quando
Deus quer credenciar algum enviado seu, entende-se que derro-
gue as leis da natureza.

Procedendo de tal modo, Deus nao se torna um «tapa-


buraco» do homíem, pois a teología ensina que Deus nao faz
milagres para atender a qualquer veleidade do homem, mas
únicamente quando isto condiz com os sabios planos da
Providencia divina.

Sao estas algumas reflexóes que a leitura dos fascículos


5, 6 e 7 da colegáo em foco nos sugeriu.

2. Fascículo 16, 1* serie: «Pecado, recondliacao»

O pecado original ai é apresentado em termos um tanto


vagos (cf. págs. 61-65), sem mengáo de quanto foi definido
pelo magisterio da Igreja a respeito. Nao há referencia á
justiga original, aos dons sobrenaturais e preternaturais do
estado paradisíaco; o tentador (= demonio) nao é mencionado.
O pecado original aparece como o pecado do mundo no qual
nascemos. Ora tal materia nao pode ser abordada únicamente
do ponto de vista filosófico, mas, sendo assunto de fé, há de
ser colocada sob a luz de quanto a Igreja tem definido a pro
pósito nos Concilios de Orange II (529) e Trento (1545-1563).

Também é de notar que «a confissáo privada regular e


freqüente (chamada «de devogáo») é tida ai como algo que
desaparecerá na Igreja, quando na verdade os Papas Pió XH
e o próprio Concilio do Vaticano II estimularam tal praxe.
Assim, por exemplo, exorta este último os sacerdotes (e,
conseqüentemente, todos os fiéis):

"Unem-se os ministros da grasa sacramental intimamente a Cristo


Salvador e Pastor pela recepcio frutuosa dos sacramentos, especialmente
no ato freqüente e sacramental da Penitencia, pois este, preparado pela
revisio cotidiana da consciéncia, dá impulso á necessária conversao da
vontade ao amor do Pal das misericordias" <Presbyterorum ordlnis n? 18).

Veja-se outrossim: Pió XII, encíclica Btystici Corporís


Christi n* 87 (29/06/1943).

— 316 —
cINDICACAO A TEOLOGÍA» 73

O próprio conceito de pecado pessoal nao é explanado


segundo as necessárias distingoes de pecado leve e pecado
grave ou pecado venial e pecado mortal; tais distingoes sao
indispensáveis para a reta formagáo da consciéntía e a orien-
tagáo de vida de cada cristáo.

3. Fascículo 14, 1- serie: «Moral e Vida Crista (II)»


Ao referir-se á leí natural, o autor redu-la ao alvitre da
razáo em oposigáo as leis da natureza, que sao as mesmas em
todos os homens e tém fundamentacáo na constituigáo biológica
do ser humano. O autor respectivo estabelece antítese entre
o procedimento conforme as leis da natureza e «as exigencias
de um amor encarado segundo todas as suas dimensóes»
(p. 61). «O natural humano é racional e livre» (p. 59); por
conseguinte, «a ética só aparece com o natural humano, isto é,
com a inteligencia e o amor» (p. 60); nao há de ser deduzida
dos fatos biológicos, que sao cegos ou infra-racionais.

Esta tese sugere as seguintes ponderagóes: o «racional e


livre» do ser humano está situado na corporeidade, que tem
suas leis biológicas; portanto, a razáo humana, ao pronun-
ciar-se, nunca pode abstrair de tais leis biológicas ou naturais,
sem as quais a razáo nao seria humana, mas angelical. Com
outras palavras: nao se estabelega dualismo entre a razáo
humana, de um lado, e o corpo com as suas leis biológicas, de
outro lado. Compete á razáo humana «promover a pessoa
humana», sim,... pessoa, porém, que nao é algo de desencar
nado, mas algo que só existe na corporeidade, de tal modo que
respeitar as leis biológicas é respeitar a própria personalidade.

4. Fascículo 17, V serie: «A Existencia Crista (I)»

No tocante ao casamento, o autor preconiza a defesa da


instituigáo matrimonial, mas afirma a possibilidade de haver
verdadeiros casamentes entre batizados (católicos, como se
deduz do contexto) que nao sejam deeorrentes de celebragóes
sacramentáis. Eis a ambigua passagem:

"Cada um dos balizados deverá poder realmente casar-se, dando a seu


matrimonio a significacao mate próxima posslvel do sentido sacramental. Ve
remos entáo surglrem 'celebracSes' que nao serfio necessarlamente sacra
mentáis, mas que, nem por isso, seráo em grau menor celebrares de
verdadeiros casamentos, que conservem a referencia á comunidade érente"
(p. 31).

— 317 —
W «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

Será que o autor se refere a unióes de pessoas já casadas,


que nao sao aptas a contrair novas nupcias sacramentáis e que
as vezes recebem urna «béncáo»?

Tal «béncáo», ilegitima como é, nao vem de Deus, mas é


urna pantomina ou urna «palhacada» realizada pelos homens.

O livro se cala a respeito do divorcio — o que é estranho —,


como a propósito do amor livre e de outros aspectos da^ida
social hoje ligados ao amor.

Quando aborda a Vida Religiosa consagrada a Deus pelo


celibato, a pobreza e a obediencia, o autor propóe logo de inicio
as seguintes ponderacóes:

"Descobrlndo melhor as exigencias de urna fé que afirma tanto a


crlacfio como a encarnacSo, há quem chegue a fazer a estranha pergunta:
'Pode-se continuar sendo cristSo depois que se é monge?' (B. Besret).
Trata-se de urna pergunta que tem sua razáo de ser, só ó paradoxal na
aparéncla" (p. 56).

A seguir, o autor justifica o celibato por motivos antropo


lógicos, sem levar em conta a bela proposicáo de Sao Paulo
em ICor 7,25-35. Mostra-se contrario á existencia de grandes
comunidades; também nao é favorável as pequeñas comuni
dades existentes em apartamentos (págs. 63-65). Mas pouco
diz de positivo no tocante á maneira de ser da Vida Religiosa,
especialmente da vida contemplativa. Nao cita documento
algum da Igreja a propósito da Vida Religiosa consagrada
quando existe grande número de pronunciamentos dos Papas
e dos Concilios a respeito. Em suma, a abordagem é de todo
insuficiente, vaga, mais crítica e questionadora do que positiva
e construtiva.

5. Fascículo 18, 1' serie: «Existencia crista (II)»

A primeira parte, dita «A aventura espiritual» (págs.


15-39), é valiosa, pois discorre com profundidade e acertó sobre
a necessidade da vida interior, do silencio, da oragáo, da expe
riencia de Deus... Todo cristáo, ou mesmo todo homem de
bem, há de lucrar pela leitura de tais consideracóes.

— 318 —
«INDICACAO A TEOLOGÍA» 75

A segunda parte, intitulada «A festa e a celebragáo da


esperanga» (págs. 41-59), ao lado de páginas belas, aprésente
outras demasiado influenciadas pelo secularismo e a dessacra-
lizagáo. O autor afirma que «nada é sagrado» (p. 52); por
isto faz restrigóes aos templos consagrados a Deus ou igrejas,
aos vasos e alfaias do culto sagrado, ao hábito religioso
(págs. 50s). O autor nao cita a Constituigáo «Sacrosanctum
Concilium» do Vaticano II; propóe a festa crista como celebra-
Cáo da esperanza — o que tem caráter antropocéntrico mais
do que teocéntrico. As concepgóes de Harvey Cox, em «A festa
dos folióes», estáo muito presentes ao autor, por mais que
H. Cox (um dos «teólogos da morte de Deus») diste do pen-
samento oficial da Igreja expresso em ampio documentário
relativo ao culto sagrado e á Liturgia.

Observe-se: o sagrado ou as coisas e as pessoas consa


gradas a Deus nao podem desaparecer dentre os cristáos. O
vocábulo hebraico qodesch, santo, deriva-se de um radical
semita que significa cortar, separar. O santo ou sacro é, pois,
a realidade cortada do uso profano, separada para Deus só.
No Antigo Testamento as coisas santas nao podiam ser tocadas
por qualquer individuo; quem, as tomasse em máos, devia
preencher condigóes de «pureza ritual»; eram sinais da majes-
tade do próprio Deus. Ora tal nocáo persistiu na Tradicáo
crista, de tal modo que as igrejas (edificios dedicados ao culto
de Deus) e os utensilios litúrgicos sao «separados» do uso
profano para servir a Deus só; também há pessoas separadas
da vida «profana» para servir a Deus só; tal é o clero e tais
sao os Religiosos consagrados por votos. Alias, note-se que
a palavra kleros em grego significa heranca; o kleros (= clero)
é, pois, a heranca, a partilha, a propriedade exclusiva do Senhor
Deus. Isto nao quer dizer que os fiéis leigos nao sejam santos
ou sagrados pelo batismo (Sao Paulo chama todos os cristáos
«santos»; cf. ICor 1,2; Ef 2,19; 3,8), mas significa que há
diversos graus de consagracáo a Deus dentro do povo do
Senhor, que, como tal, é um povo sagrado ou de santos, como
atestam os dizeres de S. Pedro: «Sois a raga eleita, o sacerdocio
real, a nacáo santa, o povo de sua peculiar propriedade»
(lPd 2,9; cf. Ef 2,21).

— 319 —
76 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 263/1982

REFLEXÁO FINAL

De modo geral, reoonhecemos páginas de grande mérito


na obra em pauta. Mas julgamos que a sua inspiragio crítica
nao é suficientemente justificada; vem a ser um tanto genera-
lizadora. Tal fato e as posicóes cá e lá destoantes da doutrina
comum da Igreja tornam esses escritos nao recomendáveis a
catequese ou á iniciagáo teológica. A introducáo á Teología
coloca bases sólidas e abre pistas seguras para o estudioso
incipiente, e nao o póe, logo de inicio, diante de hipóteses
discutíveis e pouco seguras.

A respeito do fascículo 15 «Eu fago novas todas as coisas»


já foi publicado um comentario em PR 257/1981, págs. 237-247.

BEM-AVENTURADO ANDRÉ DU MONT-ROYAL

Os fiéis cristáos do Canadá, da América e, em geral, do


mundo inteiro se aiegram pelas honras tributadas ao Ir. An-
dré du Mont-Royal aos 23/05/1982, quando foi proclamado
"Bem-aventurado" em Roma pelo S. Padre Joáo Paulo II.
O Ir. André santificou-se na vida de operario e, depois, como
religioso da Congregagáo da Santa Cruz (que existe no
Brasil desde 1945). Devoto e apostólo de Sao José Operario,
consagrou a vida aos infelizes, aos enfermos, aos margina-
lizados... Canadense, construiu em Montréal no Canadá um
santuario grandioso dedicado ao Esposo de María, que hoje
é um dos mais célebres lugares de peregrinagáo da América
do Norte.

Por ocasiao da beatificagáo do Ir. André, a diregáo do


PR se congratula com a Congregacao da Santa Cruz, da
qual é membro o Pe. Paul-Eugéne Charbonneau, mencionado
no artigo final deste fascículo.

— 320 —
Um livro notável:

"0 homem a procura de Deus"


por Paul-Eugéne Charbonneau

£m 8¡ntese: O Pe. Charbonneau oferece ao público um llvro Impor


tante: mostra como a dimensSo religiosa é congenita ao homem; todavía,
por efelto de um antropocentrlsmo cada vez mals acentuado, tal dimensSo
cedeu nos dols últimos sáculos ao ateísmo e ao agnosticismo; houve pen
sadores que chegaram a proclamar a morte de Deus — o que leyou final
mente a proclamar também a morte do homem; alguns filósofos últimamente
t6m concebido a Impressao de que o homem é um absurdo condenado a
urna existencia absurda. Simultáneamente, porém. reglstra-se estranho re-
crudesclmento das ciencias ocultas, da astrologia, da magia..., ou se]a,
de manlfestacdes Irraclonals da mística congenita do homem. Tal recrudes-
cimento é síntoma de que o homem nSo dispensa a fé em Deus. Esta se
apresenta de novo ao homem como objeto de Interesse; na verdade, Deus
reconhectdo pela inteligencia e afirmado por fé esclarecida é a grande e
única resposta aos inatos anseios do homem h verdade, ao amor, a vltórla
sobre a morte. O autor Ilustra esta sua tese mediante sólido raciocinio e
Interessantes cltacSes de autores do nosso tempo, crlstSos e ateus; tais
cltacoes dio especial valor ao llvro, pois evldenclam multas vezes as
aspiracSes religiosas daqueles mesmos que dizem nio ter fé.

Comentario: Em 1981 o Pe. Charbonneau, conhecido


por suas obras de ética conjugal, publicou importante livro
intitulado «O homem á procura de Deus»». Deixando a sua
habitual temática, o autor se volta, em termos filosófico-teoló-
gicos, para a questáo do teísmo e do ateísmo na historia da
humanidade e, especialmente, no mundo contemporáneo;
procura mostrar como, após variadas peripecias, o homem de
nossos dias encontra de novo a sua grande resposta em Deus.
O livro assim concebido merece especial atencáo dos estu
diosos.

i Editora Pedagógica e Universitaria Ltda., Sao Paulo 1981,140 x 210mm,


B24 pégs.

— 321 —
78 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

1. O conteúdo do livro

1.1. Senso religioso ¡nato

Charbonneau comeca por salientar que a dimensáo reli


giosa é congénita no homem desde os inicios da historia:

«A adesóo a Deus... tal como a raza o a pratica, investi


gando a existencia e ultrapassando-se num olhar incisivo... é a
marca viva da razáo» (p. 26).

«A consciéncia humana é religiosa em sua esséncia. Deve-se


admitir isso como um fato... A necessidade de crer em alguma
coisa... Essa necessidade é, para nos, como a necessidade de
respirar» (p. 26%).

«A razfio explora o mundo, descobre os seres, sobre cuja exis


tencia passa a interrogar. Até o momento em que ela desemboca
sobre si mesma, procurando suas próprias causas, desejando tor-
nar-se explicável e explicada. O desejo de existencia torna-se entáo
o desejo do próprio Deus, único que pode corresponder á razao
para que ela nao se encontré desnorteada como a agulha de urna
bússola sem polo. O apelo á fé nao é, nessas condicoes, um
recurso extrínseco, urna criacao gradativa e artificial. £ o estouro
do espirito sobre si mesmo. O que nos permite afirmar, em prin
cipio, com Varillon, que desde que o homem é homem é o desejo
de Deus que o torna homem» (p. 28).

O autor julga que o politeísmo é a forma primitiva do


senso religioso congénito do homem. Neste ponto distancia-se
da escola antropológica de Viena (Austria), que admite, na
base de ampias pesquisas etnológicas, que o monoteísmo seja
a forma inicial da religiáo entre os homens primitivos. O poli
teísmo, segundo Charbonneau, terá cedido finalmente ao
monoteísmo, sendo o Cristianismo a expressáo suprema da
ascensáo religiosa do homem:

«O homo chrístianus seria o melhor, o mais audacioso e o


mais vigoroso promotor do homo sapiens. Entre um e outro nao
existe sequer paralelismo, mas simbiose. Quanto mais e melhor o
homem por cristao, mais e melhor se tornará humano» (p. 49).

—322 —
«O HOMEM A PROCURA DE DEUS> 79

O Cristianismo esteve, e está, intimamente ligado á cons-


trugáo de um mundo nao somente mais humano, mas também
mais civilizado:

«O crisfao deve estar presente em todos os esforcos da cidade


temporal, quando ela procura construir um mundo mais humano.
Se há omissao por parte do cristao ou recusa por parte da cidade,
será a morte do hornem, como teremos a oportunidade de mos
trar» (p. 52).

1.2. O antropocentrísmo que expulsa Deus

Eis, porém, que no decorrer da historia comiecou a se


impor nova atitude filosófica: o antropocentrismo, que provo-
cou a rejeigáo de Deus. Charbonneau se detém tongamente na
descrigáo das etapas por que passou o pensamento moderno
desde o sáculo XVI: refere-se a Descartes (t 1650), que inau
gura a era do racionalismo, a Baruch Spinoza (t 1677) e ao
sáculo das Luzes ou do Iluminismo (sáculo XVTH), em que o
homem fazia de sua razáo um criterio absoluto da verdade,
negligenciando os valores transcendentais da Revelagáo crista.
Sobreveio o sáculo XIX com o positivismo de Augusto
Comfce (t 1857), o ateísmo, o antiteísmo... No sáculo XX, os
pensadores chegaram ao agnosticismo e indiferentismo no to
cante a Deus. O brado de Nietzsche (t 1900): «Deus morreu!»
foi retomado no sáculo XX por diversos filósofos, que desta
maneira prepararam a morte do próprio homem. É o que
observa sabiamente o filósofo estruturalista contemporáneo
Michel Foucault:

«Em nossos dios, e Nietzsche aínda indica ai de longe o ponto


de inflexáo, nao é tanto a ausencia ou a morte de Deus .que é
afirmada, mas o fim do homem...; descobre-se entao que a morte
de Deus e o último homem estao estreitamente ligados» (Les mots
et les choses 1967, p. 369, citado á p. 185).

Verifica o psicanalista Erich Fromm em nossos dias:

«No século XIX o problema era a morte de Deus; no século XX


o problema é a morte do homem» (O dogma de Cristo, 1964, p. 85,
citado á p. 184).

Essa morte do homem ocorre de varias maneiras. Char


bonneau, apoiado por diversos observadores da atualidade,
verifica que estáo associados entre si Governos totalitarios,
sufocadores do homem, e ideología atéia:

— 323 —
80 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

«Na realidade, é na negacáo teórica ou prática de Deus que


se enconlra a raíz de todos os totalitarismos. Bernard-Henry Lévy,
após longo período de cegueira, viu e disse bem claramente:
'... De Robespierre a Mao nao há totalitarismo sem essa refe
rencia insistente, doentia, obsessiva á condenacao á morte do Deus
Único e Soberano» (p. 193, nf 79).

O pensador ateu Camus faz eco a tais observares:

«Se o horneen se quer fazer Deus, ele se arroga o direito de


vida ou de morte sobre os outros. Fabricando cadáveres e sub-ho-
mens, ele próprio é sub-homem e nao Deus, mas servidor ignóbil
da morte» (L'homme révolté, París 1951 p. 302).

«Tao logo proclamada a morte de Deus, o homem se instala


em seu lujgar e se arroga, sobre seus semelhantes, o direito de
vida e de morte» (Joseph Mault, Camus révolté et liberté. París
1965, p. 74).

Sem Deus o homem se vilipendióla; a filosofía moderna se


compraz em desfazer a dignidade e a nobreza naturais do ser
humano, apontando-o principalmente como um ser absurdo,
condenado a unía existencia absurda:

«Por se ter recusado a ser esse peregrino do Absoluto que Bloy


dizia que ele era, o homem tornou-se o peregrino do Absurdo, do
qual Sartre se fez lúgubre defensor, o triste corifeu» (p. 189).

«As ¡déias que Chabanis trocava com Garaudy sao plenamente


justificadas: 'A filosofía do Absurdo e do nada espreita cedo todos
os ateísmos' (Roger Garaudy, apud Christían Chabanis, Dieu existe-
Non. París 1973, p. 389)» (p. 190).

«Sem transcendencia para assegurar o sentido de sua viagem,


sem o Infinito como polo de seu périplo, o homem que já nau-
fiagou em si mesmo descobre a impossibilidade de qualquer forma
de humanismo. Na cova de Deus só há lugar para o cadáver do
homem. Sartre, num raio de lucidez e de honestidade, nao deixa
pairar dúvida a esse respeito: 'humanismo estéril e ¡manéncía pura.
Humanismo de inferno' (Saint Genet, Comedien et Martyr, 1964,
p. 203)» (p. 191).

Essa consciéncia de que o homem é um absurdo decorre


do fato de que, sem o Absoluto, o ser humano já nao vé o
sentido da sua existencia:

— 324 —
tO HOMEM A PROCURA DE DEUS» 81

«O gosto da existencia se perde quando o seu sentido se


desvanece. £ que '... o segredo da existencia humana consiste
nao apenas em viver, mas também em encontrar um motivo para
viver' (Dostoievski, Les fréres Karamazov, París 1962, t. I, p. 299) >
(p. 234).

Outro titulo de destruicáo do homem nao raramente


averiguado pelos autores contemporáneos é o feto de que, se
Deus nao existe, tudo é permitido ao homem, inclusive o
homicidio. Sao palavras de Dostoievski:

«Que será do homem sem Deus e sem ¡mortalidade? Tudo é


permitido, conseqüentemente tudo é lícito» (Les fréres Karamazov,
París 1962, t. II, p. 231). Citado a p. 242.

E Sartre:

«Tudo é permitido, é forcoso confessar, já que Deus nao existe


e nos morremos» (Situations, París 1947, p. 103). Citado á p. 243.

Jean Cau escreve no romance La pitié de Dieu:

«Se Deus nao existe, eu nao acho grata em vocé, meu amigo,
meu irmáo, meu semelhante e meu próximo. Se Deus nao existe,
meu amigo, meu irmao, meu semelhante e meu próximo, vocé me
enche o saco. Homem, vocé nao passa de um excremento tagarela»
(París 1961), p. 21). Citado.á p. 243.

É ainda a filósofa atéia Simone de Beauvoir, que acom-


panhava Jean-Paul Sartre, quem escreve:

«Como queréis que vivamos quando descobrímos que nenhum


fim na térra merece o menor esforco?!» (Quand prime le spirituel.
París 1979, p. 225). Citado á p. 274, n. 181.

«Esse sentido que ela (a minha vida) havia perdido no dia em


que eu havia perdido Deus»... (ib., p. 228). Citado á p. 274,
n. 181.

1.3. O paradoxo de nossos días

O quadro de nossos dias ainda é caracterizado por um


fenómeno paradoxal: a grande voga das ciencias ocultas e da
astrologia; tendo abandonado o Deus uno da Revelacáo bíblica,
o homem cria seus substitutivos para preencher (suposta-
mente) o vazio deixado pela ausencia de Deus:

— 325 —
fB «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

«Quando Garaudy afirma .que nao é o ateísmo que caracteriza


nossa época, mas antes a supersticao, tem toda a razao. A prova
disto está no pulular infra-racional dos ocultismos, das parapsico
logías, das astrologias, dos espiritismos, dos cultos mistagógicos, etc.
Tantas panacéías que pretendem salvar o homem do absurdo. Este
é táo virulento, ameaca táo profundamente o ser humano que contrra
ele todos os recursos parecem ser bons. De tudo isto depreende-se
urna verdade: o homem contemporáneo nao agüenla mais suportar
o Absurdo. Todos os meios Ihe parecem bons para lutar contra
ele» (p. 249).

«Um duplo fenómeno marca a nossa civilizacao, sobretudo nes-


tes últimos anos: o renascimento do misticismo religioso e o renasci-
mento das ciencias ocultas. Existe indubitavelmente o que Edgar
Morin, após muitos outros, assinala como urna persistencia e ressur-
géncia, por exemplo, da astrologia» Ip. 248, n* 109).

1.4. Ressurgimento do senso religioso

Precisamente este misticismo irracional e primitivo de


nossos dias é o sintoma de um ressurgimento do senso religioso
do homem contemporáneo.

Em últinta instancia, ouve-se em ampias regióes da huma-


nidade a interpelagáo que o ateu André Gide dirige aos seus
leitores:

«A ti é difícil, dizes, afirmar que Deus existe. Mas dize-me se


nao te é mais difícil ainda afirmar que Deus nao existe!?» (Journal
1889-1939. París 1948, p. 646). Citado á p. 511.

O ateísmo nao responde as grandes interrogagñes que


todo homem, queira-o ou nao, concebe em seu coragáo: Qual
o sentido desta vida? Qual o fim desta existencia terrestre?
Onde estáo os verdadeiros valores? Existe o Absoluto ou algo
que nao seja transitorio, limitado e vazio como tudo o que
aparece ao homem? Existe o Ultimo e Definitivo Valor?

Pensadores de renome váo reconhecendo que somente


Deus — e Deus afirmado de maneira inteligente pela razáo e
por urna fé esclarecida — pode dar resposta a tais perguntas.

«Para compreender a amplidao desse retorno a Deus no mundo


moderno, basta ver o número impressionannte de pensadores que
centralizam o seu esforco de reflexáo na questao religiosa. O fato

— 326 —
«O HOMEM A PROCURA DE DEUS> 83

é tño notável que prende a ctencao, como um fato maior da nossa


época, conforme testemunha o fascinante diálogo trovado por dois
grandes sabios da nossa época: um oriental, o outro ocidental. Cf.
Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, Choisis la vie, un dialogue» París
1981, 409 págs.» (p. 291, n* 227).

Entre outros, é de notar a propósito o depoimento de


Roger Garaudy, o comunista que abracou a fé:
«Acreditar en Deus é afirmar que a vida, o mundo e sua his
toria tém um sentido. Acreditar em Deus é escolher a liberdade
como alicerce supremo da realidade. Acreditar em Deus é acreditar
no homem, no qual ele habita» (Appel aux vivants. París, 1979,
p. 314, citado á p. 291).

1.5. Que é a fé?

O Pe. Charbonneau se detém longamente na definicáo do


ato de fé, procurando enfatizar que a fé é o pleno desenvolvi-
mento da razáo (págs. 301-304; 306-311): «Nada é mais peri-
goso do que urna religiáo que pretende privar-se da razáo. Ela
chega ao fanatismo,... ao obscurantismo» (Jean Daniélou,
citado á p. 307s). A fé é um valor da razáo (págs. 364-391).
Isto nao quer dizer que a fé esvazie ou compreenda o misterio
de Deus; Este ficará sendo sempre o Indizivel, Aquele que é...
Mas é pelo caminho da inteligencia que o homem conhece a
Deus e ilustra, na medida do seu possível, o misterio de Deus.
Isto significa ainda que a fé'náo se opóe ao cultivo da inteli
gencia e da ciencia, mas, ao contrario, revela ao homem o
sentido e o valor das mais altas expressóes do saber humano.
O livro termina, pois, de maneira otimista. Depois de
haver descrito o desatino das mais recentes geracóes humanas
afastadas de Deus pretensamente em nome da razáo, mostra
que a própria razáo indica ao homem o Ser Absoluto que é
Deus como sua grande resposta. Alias, esse Ser Absoluto é
também o Amor absoluto, que convida o homem ao consorcio
da sua vida, superando a própria morte (págs. 478-480).

2. Unía avállaselo

Tres sao as observacóes que nos ocorrem a propósito:

1) A concepeáo do livro é altamente oportuna e elogiável:


o Pe. Charbonneau quis apresentar ao homem inquieto de hoje
a única resposta cabal, que é a da fé, recorrendo a método

— 327 —
84 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

sólido e estruturado. A documentagáo farta e abalizada em que


apoia suas afirmagóes, merece o aplauso do leitor; este precisa
de saber que o anseio de Deus nao é experiencia própria de
um escritor católico, nías é também a de ateus e agnósticos.
Procure, pois, o leitor do livro perceber o itinerario ou a linha
diretriz da obra e compreenderá quáo sabio é tal volume.
Assim o livro se faz recomendável especialmente as pessoas que
nao tém fé, ou a tém adormecida; será também útil aos estu
diosos e estudantes de Teología em seus diversos niveis. Mas
nao deixará de suscitar grande alegría também aos cristáos
que vivem conscientemente a sua fé e a desejam enriquecer ou
fortalecer. Sem dúvida, o livro de Charbonneau vent preencher
urna lacuna da nossa bibliografía teológica.
2) O próprio autor reconhecerá, sem dificuldade, que foi
prolixo. Poderia ter exposto seu raciocinio em menor número
de páginas. As repetigóes, nao raras no livro, podem tornar a
leitura cansativa; o leitor, as vezes, gostaria de passar adiante
em vez de ter que repisar a mesma temática; tenha-se em vista,
por exemplo, p. 105s. Nao diríamos ao autor que retire algu-
mas das citacóes ou transcrigóes de textos que faz; estas sao
muito interessantes e valiosas. Mas sugeriríamos mais concisáo
na exposicáo do pensamento.
3) O que mais se pode discutir na obra de Charbonneau
é o recurso que faz as concepgóes e ao vocabulario de Teilhard
de Chardin, quando se refere á historia do género humano:
biogénese, biosfera, noogénese, noosfera, amorizagáo, comple-
xidade cerebral, consciéncia... A p. 65 o primeiro parágrafo
torna-se complicado e obscuro, porque a linguagem teilhardiana
prejudica a expressáo do pensamento. A p. 201 lé-se: «A ma
teria tendo-se feito espirito...», o que nao se entende, visto
que o espirito nao é um derivado da materia, mas é algo
radicalmente diverso da materia. A p. 4, está dito: «Nao há
no hornean a dualidade corpo e espirito», o que parece mal for
mulado; sim, o próprio autor reconhece, poucas linhas antes,
que o homem «é espirito num corpo»; por conseguinte, dis
tingue entre corpo e espirito, ou seja, admite a dualidade entre
corpo e espirito; o que Charbonneau quer excluir, nao é a dua
lidade (=o fato de serem dois, distintos um do outro), mas
o dualismo (=o antagonismo ontológico entre materia e
espirito).
Talvez a maioria dos leitores nao esteja familiarizada com
o pensamento de Teilhard de Chardin, mas nem por isto se
sentirá prejudicada pelas referencias teilhardianas do livro.
Todavía aos estudiosos de Filosofía e Teología poderá parecer

— 328 —
cQ HOMEM A PROCURA DE DEUS> 85

discutível ou mesmo supérflua a adogáo do pensamento tei-


Ihardiano para exprimir a bela e grandiosa tese de Char-
bonneau, Na verdade, Pierre Teilhard de Chardin S. J. nao
foi propriamente nemum filósofo nem um teólogo, mas um
místico e, por isto, um poeta (dado a linguagem metafórica e
neologista); este poeta místico foi miovido durante toda a sua
vida por preocupagóes apologéticas ou missionárias, pois quería
mostrar aos incrédulos como se podem harmonizar entre si os
dados da ciencia e os da fé. Daí a síntese que Teilhard propós
abrangendo toda a realidade desde o átomo até o Cristo, Ponto
culminante da historia; o sabio jesuíta quis mostrar como urna
certa unidade perpassa todas as criaturas, levando o estudioso
naturalmente até a descoberta de Cristo no ápice dos seres.
Tal síntese, como se compreende, teve que se contentar, por
vezes, com afirmagóes genéricas, imprecisas, metafóricas...,
que podem ter significado para quem aborde pela primeira vez
a temática, mas que certamente deixam o filósofo e o teólogo
insatisfeito porque lacunosas ou omissas. Ora o nivel elevado
da obra do Pe. Charbonneau nao se coaduna bem com a utili-
zacáo da síntese de Teilhard; com efeito, esta nao tem a pre-
tensáo de rigor filosófico-teológico que, de resto, caracteriza
o estudo de Charbonneau.

Fazendo tais observagóes, nao tencionamos depreciar o


trabalho que analisamos; as alusdes á síntese de Teilhard nao
sao tais que ponham em xeque o valor da obra, realmente
notável e benemérita.
Estevas Bettencourt O.S.B.

* * *

livros em estante
O Filho de Deus velo ao mundo. Para vocfi entender os relatos da
Infancia de Jesús, por Eleonora Beck. Traducáo de D. Mateus Ramalho
Rocha OSB. ColegSo «Entender a Biblia" n? 7. — Ed. Paulinas, Sao
Paulo 1982, 183 X 223 mm, 206 pp.

Este livro faz parte de urna colegio destinada a tornar acessívels


ao grande público as conclusdes da recente exegese bíblica, multo inspi
rada pela pesquisa dos géneros literarios e da historia das formas.

A autora apresenta sucessivamente as expectativas de Israel em


torno do Messias (cap. II) e o contexto histórico em que Jesús nasceu
(cap. III); a seguir, dedica sua atencio á figura de Jesús como descrita
nos Evangelhos da Infancia de Mateus e Lucas (cap. IV-VII). Encerra a
obra com um capitulo de reftexSo teológica (cap. VIII). A obra obedece
aos principios da critica bíblica contemporánea, mostrando que os Evan-

— 329 —
86 «tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 263/1982

gelhos da infancia foram redigldos segundo o género literario do midraxe,


Isto é: narram fatos históricos de tal modo que o leltor perceba o sen
tido teológico dos mesmos (á p. 81 a autora define o que é midraxe).
Eleonora, Beck n§o nega a historicidade dos eventos da infancia de Jesús
(cf. p. 106, a adoracSó dos magos; p. 108; Jesús nasceu em Belém;
p. 102, María é Virgem e M§e...). Tenciona, porém, evidenciar que tais
fatos foram descritos de modo a fazer eco a textos e profecías do Antlgo
Testamento; desta forma, o evangelista quis por em relevo a messianidade
de Jesús e o papel do Senhor na historia da salvacáo.
A tese é aceitável dentro dos parámetros da exegese católica. Os
|udeus recorriam, sim, ao género literario midraxe, que punha em relevo
o significado teológico dos aconteclmentos; nada há, pois, de estranho na
perspectiva de que os Evangelhos de Mateus e Lucas assim procedam
nos seus pols primelros capítulos respectivamente. Nem há, para um
leltor católico, por que recusar de anlemáo tal perspectiva. Dito Isto, é
de notar que nem tudo o que Eleonora Beck afirma ou sugere no decorrer
do seu trabalho exegético é igualmente verídico: certamente a autora
formula conjeturas e hipóteses, cujos fundamentos o leitor tem que pro
curar e ponderar; toca ao leitor aferir o valor das proposicoes de E. Beck,
em vez de aceitar na Integra as suas formuiacoes como se fossem a
palavra conclusiva da exegese. Tais advertencias valem para a leitura de
qualquer estudo inspirado pelo Método da Historia das Formas.
A p. 71 merece especial atencSo a frase: "Nenhum dos redatores
dos qualro llvros atuals (do Evangelho) pertencia ao circulo dos discí
pulos de Jesús ou teve um contato direto com Ele". Ao fazer esta
assercSo, E. Beck supóe que os quatro livros do Evangelho (Mt, Me, Le
e Jo) se|am obras, cada qual, de urna escola: a escola de Mateus,... a
escola de Joáo. Na orlgem de cada qual destas escolas estaría o res
pectivo evangelista; todavia o remate final teria sido dado a cada livro
do Evangelho nSo pelo próprio evangelista, mas por um discípulo deste,
memoro da respectiva escola. Tal afirmativa nSo pode ser provada, como
também nSo pode ser refutada; é conjetura expressa em termos genera
lizados ou nao matizados, que podem perturbar o leitor despreparado,
mas que nSo devem ser tidos como palavras Incontestes e definitivas.
Felfas estas observacSes, eremos que o livro em pauta pode ser útil
aos estudiosos devldamente Iniciados na exegese bíblica moderna.
Introducáo ao Novo Testamento, por Werner Georg Kümmel. Colé-
efio "Nova CoiecSo Bíblica" n<? 13. Traducño de Isabel Fontes Leal Fer-
relra e JoSo PalxSo Neto. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1982, 130 X 210 mm,
797 pp.
Esta obra corresponde á 17? edicto, Inteiramente refundida e aumen
tada, da "Introdugao ao Novo Testamento" dé Paúl Feine e Johannes Behmn.
Após tres parágrafos preliminares de Índole bibliográfica e metodológica,
Kümmel segué a ordem dos escritos do Novo Testamento, estudando con-
teúdo, autor, objetivos, lugar e data de composiefio de cada um dos
mesmos. A seguir, aprésenla a historia do canon e do texto do Novo
Testamento.
Pode-se dizer que a obra é completa no seu género, com excecáo,
porém, do que se refere aos Evangelhos: o problema sinótico é abordado,
mas nfio se encontra, como serla para desejar, um estudo explícito do
Método da Historia das Formas e da teoria da Enbnythologislerung (Des-
mitlzacfio) de Rudolf Bultmann. — W. G. Kümmel, sem dúvlda, conhece
a problemática e os autores do MHF e cita freqüentemente R. Bultmann

— 330 —
___^ LIVROS EM ESTANTE 87

(ver o longo índice Onomástico da obra); mas nfio apresenta, como se


poderia esperar, um capítulo sobre os temas em pauta (por isto tam-
bém estes nSo ocorrem no índice de Materias do livro em foco). A boa
didáttca, ao menos em ambiente brasileiro. teria exigido urna explícita
considerado dos principios filosóficos que regem essas teorías exegé-
ticas modernas.
Todavía, com esta observacSo, nSo queremos depreciar a obra em
pauta que é sólida e segura. O autor discute cada problema, expondo
ao leitor as posslvels solucoes com os seus "pros" e "contras" e optando
pela sentenca que Ihe pareca mais verosslmil; assim no tocante á autoría
de Ef, de Hb, de Tg, de 2Pd... Esta última (2Pd) é atribuida ao
sequndo quarto do século II como sendo o último dos escritos do Novo
Testamento em ordem cronológica (cf. p. 571). Esta tese poderá sur-
preender pela data tardía que prop8e, mas coaduna-se com a assercao
da Constituicao "Dei Verbum" do Concilio do Vaticano II, que nio quis
dizer como antes se dizla: "A Revelacáo Divina se encerrou com a
morte do último dos Apostólos", mas asseverou que em Cristo se con-
sumou a Revelacáo de Deus aos homens de modo que nenhuma reve-
lac§o pública se deva esperar após Cristo (cf. n? 4); essa Revelacfio
foi redigída por escrito mediante "os Apostólos e os varees apostólicos
que sob a inspiracSo do Espirito Santo escreveram a mensagem da sal-
vacáo" W> 7).
O livro se recomenda a todos os estudiosos de S. Escritura por seu
teor abrangente e Informativo; é especialmente notável o acervo biblio
gráfico af citado.'
Ensinamenlos de Joáo Paulo II. — Ed. Loyola, Sao Paulo 1978,
155 X 220 mm, 383 pp.
As Edicoes Loyola, em colaborado com a Librería Editrice do Vati
cano e a Editorial A. O. de Braga (Portugal), publica as alocucóes do
S Padre Joáo Paulo II proferidas de 22 de outubro a 31 de dezembro
de 1978 ou seja, nos primelros .meses do seu pontificado. Trata-se de
59 discursos, 14 reflexóes ao Ángelus, 10 homilías, 10 mensagens e
9 alocucSes de audiencias de quarta-feira, a versar sobre os mais diver
sos assuntos: Deus, a familia, o ecumenismo, a paz mundial, a ciencia
e os estudos, as competlcoes desportivas... Os diversos setores da ativi-
dade humana sao perpassados pela mesma visfio de fó, que Ihes con-
fere um sentido novo e profundo, como se depreende de quanto dizla
S. Santídade aos dirigentes, técnicos e Jogadores da equipe de futebol
do Bolonha aos 9/12/1978: ■
"Vos sabéis como os jovens sio objeto da predilecSo da Igreja e
do Papa, a quem apraz encontrár-se com eles para dar e receber entu
siasmo e torga. Mas vos, jovens desportistas, ocupáis um lugar parti
cular, porque ofereceis, de modo eminente, um espetáculo de forca, de
lealdade e de autodominio e aínda porque tendes, de modo pronunciado,
o sentido da honra, da amizade e da solidariedade fraterna: virtudes
estas que a Igreja promove e exalta.
Continua!, queridos jovens, a dar o melhor de vos mesmos ñas
competieres desportivas, recordando-vos sempre de que a luta despor-
tiva embora táo nobre em si, nao deve ser fim a si mesma, mas subor
dinada ás exigencias, multo mais nobres, do espirito. Por conseguinte,
ao repetir-vos 'Sede bons desportistas', digo-vos também 'Sede bons
cidadáos na vida familiar e social e, mais ainda, sede bons cristáos',
que sabem dar um sentido superior á vida" (p. 265).
— 331 —
88 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 263/1982

Sem dúvlda, é surpreendente a capacldade de trabalho da caris-


mática pereonalldade do Pontífice, cujas palavras tém merecido o respelto
de grandes e pequeños em nossos tempos.

Um camtnno de Hberdade. Ensato de teología espiritual, por Andró


Manaranche. Traducio de Rita Luedeck. — Ed. Loyola, Sao Paulo 1981,
138 X 208 mm, 178 pp.
O autor já é conhecido no Brasil por sólidas obras de teologia.
Desta vez apresenta valioso compendio de espiKtualidade, no qual consi
dera os temas fundamentáis da vida crista, como a sede de Deus
(pp. 31-36), a oracao (pp. 36-76), a conversSo (pp. 78-115), a morte e
a ressurreicáo (pp. 125-159)... O conteúdo é profundo, enriquecido por
citacSes de filósofos e pensadores diversos. Torna-se oportuno haja obras
de nfvel elevado para quem procura urna reflexáo mais densa sobre a
teologia da vida espiritual. Tenha-se em vista o Inciso final do llvro, em
que o autor faz o retrato do santo de nossos tempos, e conclui: "O que
é imposslvel ao homem, nao o é para Deus. Eis urna boa noticia que
vem a calhar" (p. 178).

Inicio de Loyola funda a Companhia de Josus, por André Ravler S. J.


TraducSo do francés (tradutor anónimo). — Ed. Loyola, Sao Paulo 1982,
140 X 210 mm, 503 pp.

Nlnguém mais Indicado do que um membro da Companhia de Jesús


para apreciar um livro de um jesuíta sobre S. Ináclo e a fundacSo da
Companhia. O fato, porém, é que o llvro ácima, destinado ao grande
público, fala também aos nao jesuítas. É esta a ImpressSo que o leltar
colhe ao se dedicar á leitura da obra do Pe. Ravler. Independentemente
dos traeos que dlzem respelto diretamente á estrutura e á historia da
Companhia de Jesús, o Pe. Ravler propóe o perfil de S. Inácio de Loyola
e da sua esplrltualidade; era homem de profunda oracáo, férrea forca de
vontade e dinamismo atuante, perfil este que vem a ser estímulo elo-
qüente para quem Ihe quelra dar atencSo, pois na verdade todo crlstSo
é, segundo o Apostólo, um soldado militante de Cristo (cf. 1Tm 1,18;
2Tm 2,3s).

Especialmente interessante é o capitulo sobre a mental idade de Inácio


de Loyola, no qual o Pe. Ravler traga urna quase biografía do santo,
pondo em relevo a acSo da grapa da conversao em sua alma (pp. 405-418).
O llvro também é rico em historiografía Jesuíta do século XVI, mostrando
as origens e as llnhas Inspiradoras da Companhia de Jesús, patrimonio
da Igreja Universal.

Eduque seu filho para Deus, por José Fernandos de Olivelra (Pe.
Zezinho SCJ). — Ed. Santuario, Aparecida do Norte (SP), 135 X 207 mm,
119 pp.

O Pe. Zezinho continua a se dedicar á juventude e, precisamente


por Isto, acaba de publicar mais um livro, desta vez, destinado aos pais
que desejam transmitir a mensagem crista aos filhos, mas nistto encon-
tram embaracos: ora exageram em seu zelo, ora omltem-se... O autor
coletou trlnta e tres pontos ou aspectos do problema, que ele aborda em
linguagem simples, procurando deixar aos pais urnas pistas para enfrentar
as perguntas ou as crises religiosas dos seus filhos: assim, por exemplo,

(Continua á p. 309)

— 332 —
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A edicao acha-se consideravelmente modificada, com atualizacao da bibliografía e


varias nocdes novas em seus 12 capítulos. Trata-se de um Comentario ao CREDO
DO POVO DE DE US, no qual, após 90 págs. de Teologia Fundamental que estu-
dam a Fé e as razoes de crer, o Autor passa a analisar os artigos do Credo. A lingua-
gem procura ser amena e acessível a pessoas que se iniciam na Teologia. Ao mesmo
tempo sao fornecidas, em numerosas notas de rodapé, as referencias para aproíun-
damento ulteriores. Na apreciacao de um recensor espanhol (G. Ginonés), estamos
ante "urna das mais acabadas sínteses de teologia dogmática de nossos días". Já alias
a 1? ed. tivera diversas recensSes muito favoráveis. Prego: Cr$ 1.500,00.
Do mesmo Autor:

"ADOUTRINADATRINDADE ETERNA", 1980,400 págs.


Esta obra compreende 3 partes. Na 1? estuda a problemática moderna quanto á
doutrina trinitaria. Na 2? examina os dados bíblicos, documentadlo do Magisterio,
a reflexao escolástica. Na 3? parte defende a conveniencia do uso, em nossos dias,
da expressáo "tres Pessoas", que alguns autores pretenderam criticar. Conforme
apreciacao de A. Perego (em "Divus Thomas"), "a obra é de vivaatualidade, porque
trata de modo sereno e documentado urna doutrina sempre segura". Preco: Cr$850,00

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