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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarñ)
APRESENTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razio da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.' visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
i_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
i dissipem e a vivencia católica se fortaleca
' no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar. este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.
Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
t/5

3 SUMARIO

"Exercita-te na piedade"

uj As dificuldades para a fé hoje


O
i- O Carmelo de Auschwitz

Castidade:Queé?

SSo Cipriano Mago

Taró e Numerologia

S Os misterios da Cabala
UJ
-i "Operacao Cávalo de Tróia"
oo
O Encontró com o Pe. Armando Bandera O.P.
ce
a.

ANO XXXI JANEIRO 1990 — 332


PERGUNTE E RESPONDEREMOS JANEIRO- 1990
* Publicacáo mensal N? 332

Diretor-Responsável: SUMARIO
Estevao Bettencourt OSB
"Exercita-te na piedade" 1
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico Um balanco sincero:
As dificuldades para a fé hoje 2
Diretor- Adm inisirador: Será deslocado?
D. Hildebrando P. Martins OSB O Carmelo de Auschwitz 8
Nova concepcáo?
Administrado e distribuicao:
Castidade: que é? 19
Edicoes Lumen Christi
Dom Gerardo, 40 - 5? andar S/501 Quem foi... ?
Tel.: (021) 291-7122 Sáb Cipriano Mago 24
Caixa Postal 2666 Em voga:
20001 - Rio de Janeiro - RJ Taró e Numerologia 29

fmpressfio e Encadernaf áo
Penetrando em...
Os misterios da Cabala 36

Alta ficcao:
"Operaeao Cávalo de Tróia" 44
••MARQVES-SARAIVA" Encontró com o Pe. Armando Bande
GRÁFICOS £ EDITORES S.A.
ra O.P 47
Tais.: (021)273-9498 -273-S447

NO PRÓXIMO NÚMERO:

333- FEVEREIRO-1990

Está próximo o fim do mundo? — Os terrores do ano 1000. — "Amanhecer"


(projeto de expansao protestante). - "Um Sentido para a Vida" (Viktor
Frankl). - "Um Homem Perplexo" (M. de Franca Miranda).

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

ASSINATURA ANUAL (12 números): NCzS 130,00 - Número avulso: NCzS 13,00
Pagamento lá escolha)

1. VALE POSTAL á agencia central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edicóes
"Lumen Christi" Caixa Postal 2666 20001 Rio de Janeiro - RJ.

2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, afavorde Edicoes"Lumen Christi" (enderecoácima).

3. ORDEM DE PAGAMENTO, no Banco do Brasil, conta N? 31.304-1 em nome do Mos-


teiro de Sao Bento, pagável na agencia Praca Mauá/RJ N? 0435-9. I Nao enviar através
de DOC ou depósito instantáneo - A identificacao é difícil).
"Exercita-te na Piedade..."
(1Tm4,7)
Certa vez o Apostólo Sao Paulo recomendou a seu jovem discípulo
Timoteo: "Exercita-te na piedade" (1Tm 4, 7). Estes dizeres tém mais densi-
dade do que á primeira vista parecem ter.

Gymnaze seautón pros eusébeian. O verbo grego gymnaze lembra a gi


nástica, o exercício físico, o atletismo, que Sio Paulo mais de urna vez evoca
para ilustrar o que seja o treinamento espiritual do cristSo (cf. 2Tm 2,4).
A ginástica era, para os gregos, cultores da estética, um exercício típico e
compendioso, que implicava o cultivo das artes ou da técnica e urna certa sa-
bedoria...; em suma, era tida como indispensável á saúde do corpo e á gran
deza humana do individuo. Os gregos chegavam a atribuir ao exercício físico
um significado religioso: teria sido inventado pelos deuses, de modo que os
jogos atléticos na Asia Menor (Turquia de hoje) eram considerados cerimó-
nias religiosas; a violacao das regras do esporte era tratada como sacrilegio.

0 Apostólo exorta Timoteo á "ginástica" depois de I he dizer que rejei-


te as fábulas ímpias de pessoas caducas. O discípulo, portanto, nSo se deixa-
rá levar pelo delirio e a caducidade de doutrinas levianas, mas há de manter
a forma... nSo no plano físico, e sim no da eusébeia ou da piedade. Este é
outro vocábulo caro a SSo Paulo, que o utiliza dez vezes ñas epístolas pasto-
rais (1/2Tm, Tt): significa mais do que a prontidá"o á oracao; designa, sim, o
crescer na intimidade com Deus, a familiaridade com o "misterio da pieda
de" (1Tm 3,16). Frente aos erros que ameacavam a Igreja quando o Apostó
lo escrevia a Timoteo, o treinamento na familiaridade com Deus seria a sal
vaguarda e a defesa dos discípulos.

Corroborando a exortagao. o Apostólo continua: "O exercício (gym-


nasfa) corporal é útil a pouca coisa" (1Tm 4,8). Com efeito; o Apostólo re-
conhece os enormes sacrificios que faz um atleta para desenvolver a muscu
latura e desempenhar-se galhardamente na corrida e no pugilato (cf. 1Cor 9,
25-27); mas verifica quSo exiguos sao os frutos de tal treinamento: a coroa a
ser conquistada é perecível, os aplausos humanos sao efémeros, o corpo es
tará sempre sujeito á molestia e á morte. Ao contrario, a eusébeia produz
frutos preciosos: "6 proveitosa a tudo, pois contém a promessa da vida pre
sente e da futura" (1Tm 4,8).

É com estas palavras do Apostólo ante os olhos que iniciamos um


novo ano... Novo ano que nSo significará envelhecimentó, mas, ao contrario,
um vigoroso rejuvenescer, se, no decorrer dos seus doze meses, soubermos
exercitar a piedade, a procura incessante de Deus e dos valores definitivos; o
treinamento espiritual há de ser fonte de fortaleza na vida presente e penhor
de inextinguível alegría na futura! e.B.

1
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXI - N9 332 - Janeiro de 1990

Um balando sincero:

As Dificuldades para a Fé Hoje

Em símese: O Cardeal Joseph Ratzinger expde algumas dificuldades


que se opoem é profissao e a vivencia da fé em nossos dias: tratase de pro
blemas antropológicos {o corpo considerado como objeto sobre o qual a
vontade tem plena liberdade de uso), problemas de formacao da consciéncia
(esta é considerada como autónoma ou independente de normas), problemas
de noció de natureza, criacao e evolucao (apagase a nocao de Deus Criador,
que fala pela natureza e suas leis), problemas de Cristologia (Cristo é consi
derado como mero homem ou liberal burgués ou marxista revolucionario)
e problemas de escatologia (a consciéncia de vida postuma se debilita face a
urgencia que o marxismo imprime é solucao dos problemas sociais, como se
esta fosse a resposta cabal para os anseios do homem).

O autor termina propondo a restauracao da pura fé crista como a al


ternativa entre liberalismo burgués e marxismo materialista. Donde se vé a
responsabilidade que pesa sobre os cristaos em nosso tempo.

As proposites da Moral católica parecem entrar em choque com cer


tas tendencias do pensamento e da conduta do homem contemporáneo. Daí
a dificuldade, para muitos, de professar e viver em sua pureza a fé católica.
A verificacío deste fato leva-nos a procurar as suas causas. Foi o que fez o
Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregacao para a Doutrina da Fé,
DIFICULDADESPARAAFÉ

em magistral palestra proferida diante dos Presidentes das Comissoes de Fé e


Ooutrina das Conferencias Episcopais da Europa em junho pp. Apresenta-
mos, a seguir, urna símese do conteúdo dessas ponderales, que certameme
tém profundo significado também para o Brasil.

1. O problema

Quatro pontos de confuto serví rao como fundamento para a reflexao:

1) o Na~o ao ensinamento da Igreja relativo aos anticoncepcionais e á


limitacao artificial da natalidade; admite-se qualquer meio que impeca a fe-
cundidade, ficando a criterio da consciéncia individual escolher o que mais
pareca convir;

2) a plena liberdade sexual, inclusive entre pessoas do mesmo sexo,


desde que as experiencias sexuais sejam efetuadas "por amor'.' e "com
amor" ou, ao menos, sem prejudicar o próximo;

3) A admissao de pessoas divorciadas e unidas em nova uniao aos sa


cramentos, especialmente á Eucaristia;

4) a ordenacSo sacerdotal das mulheres, tida como expressáo normal


do feminismo contemporáneo.

Embora se trate de quatro pontos diferentes entre si, eles se reduzem á


Moral sexual (os dois primeiros) e á doutrina sacramentaría da Ordem e do
Matrimonio (os dois últimos). Poderíamos mesmo reduzir os quatro proble
mas aos dois seguintes: a nocao de ser humano e de sua liberdade.

Com efeito; a mentalidade contemporánea reivindica liberdade para o


uso da sexualidade. Este deveria depender exclusivamente da consciéncia
dos individuos interessados,... consciéncia que estaria isenta de qualquer de-
terminacao proveniente de fora; conseqüentemente os meios para limitar a
prole, o recurso ao divorcio e a novas nupcias, o homossexualismo estariam
sujeitos únicamente ao alvitre da consciéncia individual. Doutro lado, a
noca*o de igualdade entre homem e mulher nao somente emanciparía a mu-
Iher de tabus que a sociedade Ihe ¡mpQe, mas também Ihe permitiría o acesso
ao sacramento da Ordem.

A consciéncia moral sería dotada de plena autodeterminacao, ficando a


cada individuo a faculdade de decidir, dentro da sua situacao, o que seja me-
Ihor ou mais conveniente para ele. O conceito de "norma" assumiria assim
um sentido antipático e negativo.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

A liberdade de consciéncia se exerceria especialmente nos assuntos re


lacionados com o corpo humano. Este vem a ser considerado como "pro-
priedade" do homem, da qual ele se pode servir como queira. O homem nao
ausculta mais o seu corpo e as leis ou mensagens que dele provenham, mas
decide soberanamente a respeito; pouco importa que seja masculino ou
feminino. Em conseqüéncia, as nocdes de sexualidade e fecundidade sao dis-
sociadas urna da outra, grapas, em parte, á pílula anticoncepcional e ás expe
riencias avanpadas da Engenharia genética; esta permite a manipulacao genéti
ca e a producao do ser humano em laboratorio, sem que naja compromisso
consciente e voluntario entre o homem e a mulher.

Quem aceita tais idéias, já nao vé distincao moral entre heterossexuali-


dade e homossexualídade, entre relacoes sexuais dentro do casamento e fora
do casamento. O corpo humano é encarado qual mero organismo carente,
a cujos impulsos é lícito satisfazer de acordó com as conveniencias do mo
mento.

Pergunta-se agora: quais as razdes pelas quais tais proposicoes e a práti-


ca daí decorrente se tornaram tao freqüentes em nossos dias? - Há, sim, al-
gumas nocoes ainda mais profundas que estao subjacentes a essa revolucáto
de ordem moral. Podem condensar-se sob tres títulos: as nopoes de natureza
e criapSo; a figura de Jesús Cristo; a esperanpa escatológica ou a sorte final
do homem. — Examinemos cada qual de per si.

2. Natureza e críacao

A fé professa que este mundo nao é eterno, mas foi criado por Deus,
que pode ter comunicado á materia as leis da sua evolupao. Todavía nos últi
mos tempos alguns teólogos tém-se mostrado reticentes sobre este assunto,
substituindo a doutrina da críapao por vagas considcracóes de filosofía exis-
tencial.

Esta reserva contribuí, de certo modo, para dessacralizar o universo;


apaga-se o relacionamento da natureza com um Ser Transcendente, que
exprimiría a sua sabedoría e potencia através das criaturas. Alguns pensado
res materialistas chegam a atribuir ao acaso ou a urna grande explosao cega o
surto do mundo e da natureza; haveria, pois, algo de irracional na origem do
universo e na evolupSo da materia. O homem, no caso, só se preocuparía
com o detectar as leis que regem o mecanicismo da materia e, mediante cál
culos matemáticos, procuraría contribuir para melhorar as condipdes de vida
sobre a Térra. Ao homem tocaría manipular e dominar a natureza, em vez de
auscultar a sua mensagem,... mensagem proveniente da Sabedoria Infinita
do Criador.
DIFICULDADES PARA A FB

A consciéncia do homem, no af§ de reger a historia e fazé-la mais


"simpática", precisa de um órgao que formule diretrizes, no plano coletivo
ou para a sociedade. Tal 6rg3o vem a ser o Partido político; este, desligado
de qualquer instancia anterior ou superior a ele mesmo (como é lógico em
tal contexto), se julga absoluto ou ditatorial, exigindo a plena subordinacao
dos c¡dada*os ás suas normas.

No plano individual, a consciéncia se torna a expressao da autonomía


do sujeito.

Ora a perda do senso do Transcendental nao beneficia o homem. Ela


ocasiona o desespero da humanidade contemporánea, que se dissimula atrás
de fachadas de otimismo oficial. A esperanca do homem só poderá ser iss-
taurada se a nocao do Transcendental for recuperada. É disto que devem
tratar urgentemente os bons cristaos em nossos días: ponham em evidencia o
significado da criacao realizada por Deus com sabedoria. Disto se seguirá ou-
trossim a restauracSo da nocao de consciéncia moral; na"o é um cálculo ou
planejamento coletivista ou individualista, mas é urna "ciencia com" Deus
ou um saber ligado a Deus Criador que salvará o homem; perceber-seá entao
que a grandeza do homem nao consiste na autonomía mesquinha de um
anao que se proclama senhor todo-poderoso, mas no fato de que sua nature-
za está aberta a urna sabedoria superior ou á própria Verdade; e tanto maior
é o homem quanto mais ele permite que se expanda em sua vida a mensagem
do Criador. Tornar-se-á evidente que seguir as normas da natureza criada por
Deus nao significa limitacao da liberdade, mas é a expressao da nossa
racionalidade e da nossa dignidade.

Também o corpo recuperará a sua nobreza, deixando de ser coisa "uti


lizada" para viver a sua auténtica condicfo de templo da dignidade humana
e do próprio Deus. Será reconhecida outrossim a igualdade do homem e da
mulher, precisamente pelo fato de serem diferentes; apagar essa diferenca
equivale n3o a construir, mas a destruir a grandeza do ser humano.

3. A figura de Cristo
A perda da nocSo de criaca"o acarreta conseqüéncias para a própria
Cristologia. Com efeito; provoca o esquecimento da Sabedoria Criadora ou
do Verbo que no principio era Deus e por quem tudo foi feito (cf. Jo 1,
1-3). Despojado da sua dimensáo transcendental, Jesús Cristo é reduzido ao
tamanho de um simples Jesús humano, peregrino pelas estradas deste mun
do; o seu relacionamento com o Pai já nao é o de Filho, mas o de Mandata
rio ou Representante (Stellvertreter). Esse Jesús, confinado aos limites da
historia, assume duas modalidades entre autores contemporáneos - a liberal
e a marxiste. Com efeito.
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

- ou se torna um pregador liberal e burgués, avesso a todo legalismo e


aos representantes da ordem instituida; donde se origina o Cristianismo de
sociedades hedonistas e consumistas (que pleiteiam o amor livre em todas
as suas modalidades),

— ou é o subversivo arauto da luta de classes, que ele simboliza.

Em conseqüéncia disto, apaga-se o misterio da Cruz salvífica e se me-


nospreza a Ressurreicao; em suma, a obra de Páscoa de Jesús se desvirtúa.
Sim; para o Cristianismo liberal, a Cruz é apenas um equívoco, um acídente
produzido pelo legalismo estrito dos fariseus; nao deveria ter existido e po
de ser tranquilamente removida. Na perspectiva marxista, ao contrario, Je
sús é o revolucionario que fracassou; pode servir de símbolo ás classes opri
midas e assim ajudá-las a caminhar; desta maneira o marxismo atribui á Cruz
um significado, sim, mas radicalmente oposto áquele que o Novo Testamen
to Ihe reconhece. Mas tanto na concepcio liberal-hedonista como na marxis
ta fica um elemento comum, a saber: nao é pela Cruz, mas é da Cruz que de-
vemos ser libertados. Expiacao e perdSo seriam conceitos equívocos, dos
quais o Cristianismo se deveria desfazer.

Vé-se, pois, que os dois pontos essenciais da Cristologia do Novo Tes


tamento e da Tradicao crista - a filiacao divina e o misterio pascal de Jesús
Cristo - sSo esvaziados no pensamento contemporáneo. É evidente que este
fato repercute em outros aspectos do Cristianismo: a compreensao da Igreja,
a Liturgia, a espirituatidade..., prejudicando a catequese e a pregacfo; estas,
nao sendo fiéis ao genuino pensamento cristá"o, deixam marcas profundas no
povo de Deus, mais do que a literatura estritamente teológica.

4. A escatologia (a sorte final do homem)

Há outro setor da fé seriamente ameacado de reducionismo ou de de-


pauperamento: o da escatologia (estudo da sorte final do homem).

Pode-se dizer que a proposicSo de vida eterna tem presenta muito fra-
ca na pregapSo da fé atualmente. Há quem negué a existencia do inferno; ou
tros negam a do purgatorio e mais outros aínda negam a da própria bem-
aventuranca celeste, alegando que devemos procurar a felicidade na térra
mesmo. Se tais negacdes ná"o sSo freqüentes, nota-se ao menos urna certa ti
midez diante da temática do Além.

Isto se explica, em parte, como sendo urna reac5o á censura dos mar-
xistas segundo os quais os cristáos se apoiaram na pregacao da vida eterna
para justificar as injusticas da vida na térra. Além disto, os problemas socio-
DIFICULOADES PARA A FÉ

económicos atuais sao de tal monta que requerem todo o empenho dos cris-
taos. Nao se pode esquecer, porém, que precisamente a consciéncia de que o
Reino de Deus, concluido no Além, comeca no aquém é urna das mais for
tes motivapSes para que o cristao se esforcé por instaurar um mundo mais
justo.

Todavía este esforco ná"o pode levar ao esquecimento de que existe


urna outra vida, melhor do que a presente; se nao fosse tal certeza, o cristao
perdería o estímulo para trabalhar neste mundo, pois aqui toda realizacao
sócio-economica será sempre ameacada pelo pecado e a infidelidade dos
homens. A utopia de um mundo melhor ou perfeito seduz muitos cristaos,
suscitando idealismo e facanhas heroicas, mas nao raro substituí a auténtica
nocao de Reino de Deus e é de frágil consistencia. Pode despertar em muitos
o desejo de usufruir do presente, em vez de se sacrificaren! por um futuro
incerto; daí o declínio para as drogas e o libertinismo em varios casos.

Por isto é perígoso dar predominancia á fraseología do mundo melhor


ñas fórmulas de oragao e pregacao, pois assim se substitui a fé por um pla
cebo.1

Conclusao

O Cardeal Ratzinger encerra suas consideragoes observando que pode-


rá parecer negativo demais. Nota, porém, que sua ¡ntencá"o nao era oferecer
um panorama da situacSo da Igreja de hoje com seus aspectos positivos, mas
apenas tinha em vista rea lea r alguns obstáculos que se opoem á fé e á sua vi
vencia em nossos dias. E mesmo no desempenho deste propósito reconhece
que nao foi completo; quis tao somente detectar os fatores profundos dos
quais decorrem os problemas particulares em materia de fé.

"O homem moderno possui urna sensibilidade profunda, que impede o


acesso á fé antes que se discutam certos temas. Somente se compreendermos
essa sensibllidade, poderemos vencer os impasses da fé. Somente en tío pode-
remos apresentar a fé como a alternativa que o mundo espera após o naufra
gio da experiencia liberal e da experiencia marxista. Tal é a oportunidade do
Cristianismo de hoje;é al também que se sitúa a nossa seria responsabilidade
de cristSos nos tempos atuais" (Ver L'Onervatore Romano, ed. francesa de
11/07/89, p. 6).

1 Placebo é a forma verbal latina que significa agradarei. Nome dado a todo
remedio falso ou inocuo que sugestiona o paciente no sentido de Ihe fazer
crer que está melhorando.
Será deslocado?

O Carmelo de Auschwitz

Em sfntese: No campo de concentracSo de Auschwitz-Birkenau {Polo


nia), foi fundado um Mosteiro de Carmelitas em 1985, a fím de lá orar pelas
v¡timas e seus carrascos. Os judeus pleiteiam a remocio dessa casa católica
para fora do campo de concentracSo, pois a ¡ulgam ofensiva aos sentimentos
israelitas. Após seria pressao judaica urna Comissao de Cardeais da Igreja se
comprometeu em 1987 a prover á transferencia do Carmelo. Todavía varios
obstáculos se tém oposto á realizacao desse designio: o Governo polonés
nSo o favorece e também a populacao polonesa nao o aceita, poisjulga que
Auschwitz interessa nSo somente aos judeus, mas também aos cristaos e aos
poloneses, que tiveram muitos parentes e amigos lá massacrados.

As páginas subseqüentes publicam documentos relativos a essa contro


versia, que a Santa Sé deseja dirimir com o cumprimento da palavra dada aos
judeus em 1987.

Já em PR 328/1989, pp. 395s, ao noticiar a passagem do Cardeal lan


Willebrands pelo Brasil, abordamos a questáo do Carmelo de Auschwitz, que
se tornou pomo de discordia entre judeus e católicos. A imprensa vem-se re-
ferindo ao assunto e suscitando a curiosidade da opiniáo pública, que se tor
nou desejosa de ¡nformacSes mais precisas. Em vista disto, seguem-se alguns
documentos relativos ao diálogo que se tem instaurado sobre o Carmelo de
Auschwitz.

1. Um Carmelo em Auschwitz: por qué?

É de notar que, a pedido do próprio Governo polonés, a UNESCO em


1979 colocou o campo de concentracSo de Auschwitz-Birkenau na "Lista
do Patrimonio Mundial": considerado como Museu, nSo poderia ser destruí-
do nem alterado, a fim de servir á memoria dos pósteros.

Em 1985 as Carmelitas - monjas de severa observancia - fundaram


no local um Mosteiro, com a aquiescencia do Arcebispo de Cracovia, em cu-

8
CARMELO DE AUSCHWITZ 9

ja arquidiocese fica o campo de exterminio. As razSes e as circunstancias


desta fundacSo vém explicadas pelo próprio Arcebispo de Cracovia, Cardeal
Franciszek Macharski ém alccucao datada de 14/01/1986:'

"1. O Convento das Carmelitas em Auschwitz é urna das maneiras pe


las quais a Igreja na Poldnia quer responder ao desafio lancado pelo campo
de exterminio nazista de Auschwitz-Birkenau. Em sua homilía proferida aos
7 de junho de 1979 no territorio do antigo campo de Birkenau, o S. Padre
Joá*o Paulo II apresentou o conteúdo principal dessa resposta. Pos em relevo
a sua importancia para a humanidade inteira assim como a dimensao espiri
tual e religiosa que Ihe é própria.

2. Trata-se, antes do mais, de lembrar o massacre de Auschwitz. A sua


lembranca deve marcar, de maneira sempre nova, a dimensao espiritual das
consciéncias. Deve ser constantemente reavivada, porque, na medida em que
o tempo passa, alguns tentam conscientemente apagar ou alterar esses fatos
terrfveis. Se chegassem a ser esquecidos, já nao haveria advertencia nem
acaute lamento.

Um lugar sagrado para a humanidade

3. O exterminio de Auschwitz foi urna tragedia para toda a humanida


de. Urna tragedia para numerosas nacóes.

O antigo campo de Auschwitz-Birkenau é, em certo sentido, um novo


'lugar sagrado', que pertence indistintamente a toda a humanidade e a cada
povo. Joao Paulo II, em seu discurso de 1979, pronunciado em Birkenau,
mencionou tres povos entre muitos outros: o judeu, o russo, o polonés. A
tragedia do povo judeu 6 terrificante nao so por sua dimensao quantitativa,
mas também pelo fato de que o racismo nazista condenara esse povo ao ex
terminio ¡mediato e total (somente os ciganos tiveram um tratamento sen»
Ihante). Os símbolos mais condecidos desse exterminio sao os campos de
concentracao de Majdanek e de Birkenau: paradas ferroviarias, cámaras de
gas, fornos crematorios, amontoamento de cadáveres. Nada disto pode ser
esquecido.

Os povos eslavos estavam condenados pelo racismo nazista á escravi-


dáo e á decadencia cultural e biológica, iniciada durante a guerra. Para os
poloneses, Auschwitz 6 sinónimo de sofrimentos e exterminio, que afetaram
a maioria das familias. Os antigos prisioneros, marcados com as suas matrf-

1 Texto traduzido do francés como foi publicado em La Documentaron


Catholique, n? 1914. 16/03/1984, pp. 322$.

9
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

culas em tatuagem, aínda vivem entre nos. Existem numerosos escritos a res-
peito, que compreendem memoriais e estudos científicos (principalmente os
Fascículos de Auschwitz da Associacio Polonesa de Médicos, que publicou
o seu 25? número em 1985).

4. A trágica problemática do campo de exterminio de Auschwitz-


Birkenau torna-se aínda mais complexa se se considera o fato de que foi
obra da Alemanha nazista. Auschwitz é sinónimo do massacre realizado pe
la Alemanha também contra o povo polonés. É igualmente um lugar de pere-
grinacao para os alemáes: assim deve ser para que a geracao mais antiga nio
esqueca e a geracao mais jovem possa conhecer a verdade. É particularmente
um lugar de encontros entre poloneses e alemaes, encontros nos quais sao
sempre estimuladas as tentativas de entendimento e reconciliacio.

5. O campo de exterminio é também um testemunho da guerra, isto


é, do odio, da crueldade e da destruicao. é o mais eloqüente convite para a
paz. Auschwitz-Birkenau ocupa lugar entre duas outras cidades: Hiroshima
e Nagasaki. Todos esses centros dao testemunho das maiores catástrofes da
humanidade provocadas pela guerra. A Igreja proclama hoje em Auschwitz,
da maneira que Ihe é própria, o tema da paz, opondo-se á guerra e defenden-
do o homem.

Maximiliano Kolbee Edith Stein

6. A Igreja Católica também venera muito profundamente o sacrificio


de quatro milhoes de pessoas de diversas religioes e filosofías de vida: ho-
mens, mulheres, criancas. Estamos certos da existencia de numerosos he-
róis sem nome, que, pelo seu senso humanitario, obtiveram a vitória sobre o
sistema que negava a dignidade e os direitos do homem.

Entre as numerosas vítimas cujos nomes conhecemos, a Igreja Católica


venera duas pessoas através das quais Ela presta homenagem a todas as ou
tras. A primeira é o Pe. Maximiliano Kolbe, sacerdote polonés, frade francis
cano. Deu voluntariamente a sua vida no 'fortim da fome', para salvar um
pai de familia. Morreu, sim, naquilo que se chamava a 'barraca da morte',
após mu ¡tos dias de sofrimentos provocados pela fome, e golpeado por urna
injecao de fenol. O Pe. Kolbe foi beatificado em 1971 e canonizado em
198Z

A segunda pessoa é Edith Stein, judia alema, filósofa ilustre. Religiosa


carmelita. Presa na Alemanha, foi morta no campo de concentracao de Bir
kenau. O seu processo de Beatif ¡cacao está em curso.'

Edith Stein ¡á foi beatificada a 19/05/1987 (Nota do tradutor).

10
CARMELO DE AUSCHWITZ 11

7. A idéia de estabelecer um Convento de Carmelitas em Auschwitz


nao é nova. Já existen) Conventos perto dos campos de concentrado e dos
lugares de execucao, como, por exemplo, Dachau na Alemanha Ocidental.
As Religiosas polonesas da Ordem das Carmelitas Descaigas desejavam de
modo particular assim exprimir a sua comunhao com a sua Irma Edith Stein.

Segundo a sua Regra, elas vivem em clausura, entregando-se á oracio e


ao sacrificio, em expiacao dos crimes cometidos no campo de Auschwitz-
Birkenau e em favor da paz e da unidade do mundo. É preciso reconhecer
objetivamente a grandeza espiritual da decisao dessas Religiosas, pela qual
elas se condenam, em certo sentido, a urna permanencia continua junto ao
lugar onde se cometeu o horrível genocidio. A sua presenca servirá para
mostrar que o amor é possfvel e que 6 mais forte do que o mal. Estas razóes
foram submetidas tanto ao exame das autoridades governamentais quanto
ao da comunidade dos fiéis da arquidiocese de Cracovia.

8. Em 1984, as Carmelitas obtiveram a permissao das autoridades para


fundar o seu Convento em Auschwitz, fora do antigo campo de concentra-
cao. Pediram a licenca de poder fundar o seu Convento perto da Barraca 11,
onde se encontrava o 'fortim (Bunker) da fome', lugar da morte de numero
sas vítimas, entre as quais Sao Maximiliano Kolbe. Encontraran) um edificio
construido antes da primeira Guerra Mundial, chamado 'o Velho Teatro',
que podía servir a finalidade das Religiosas depois de adaptado. Desde 1914
essa construcao nunca tivera funcao precisa e durante dezenas de anos foi
utilizada como depósito. No exterior nao devia sofrer modificacao alguma.

O Convento se estabeleceu nessa casa no outono de 1984. O Arcebis-


po de Cracovia informou a respeito a Arquidiocese por carta de 20 de se-
tembro de 1984.

9. É numa reflexao ampia, mas nao esgotada, sobre a complexa pro


blemática do campo de concentracáo de Auschwitz-Birkenau que se encon-
tram as razoes que levaram as Carmelitas a instaurar seu Convento em Aus
chwitz e o Arcebispo de Cracovia a Ihes dar o seu apoio. Estas razóes expli-
cam também a nossa maneira de compreender as grandes tarefas dos católi
cos diante da heranca que nos foi deixada pelos campos de concentracáo. O
Convento das Carmelitas 6 um símbolo dessas tarefas: lembra que a Igreja
Católica na Polonia e no mundo deve assumi-las servindo-se dos diversos mé
todos pastorais".

• As razSes aduzidaspeloCardeal Macharski sao plenamente justificadas:


trata-se, no Carmelo de Auschwitz, de oferecer a Deus expiacao pelos muí-
tos pecados cometidos no campo de concentracáo assim como oracóes pelas

11
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

vi'timas e seus carrascos. Eis, porém, que o fato desagradou aos judeus e a
alguns católicos, como se poderá ver a seguir.

2. Por que Nao ao Carmelo?

A noticia da fundagáo do Carmelo causou desgosto aos judeus. Em


conseqüéncia dos protestos que levantaram, o Pe. Bernard Dupuy, Secreta
rio do Comité para as Relacoes com o Judaismo na Franca, publicou o se-
guinte Comunicado com a data de 05/12/1985:'

"Acaba de chegar-noi a noticia da que um Convento de Carmelitas es


tá em formacao em Auschwitz. Sem dúvida, este projeto é inspirado pelo de-
sejo de desagravo. Outras interpretares poderao ser formuladas. Como quer
que seja, tal ¡nformacao é, á primeira vista, desconcertante. Sinal ou contra-
si nal.

Se a barbarie nazista se abateu naquele lugar sobre muitos homens,


mulheres e criancas que nao eram todos judeus, é um fato que o campo de
Auschwitz-Birkenau se tornou para a opiniáb mundial, e ficará na historia,
o lugar do testemunho mais flagrante do desencadea mentó da Shoah (Holo
causto), isto é, da tentativa de exermínio dos judeus porque eram judeus.
Tal provacSo conferiu ao povo de Israel, atrevas dos seus mártires, uma dig-
nidade que é a sua riqueza própria.

Pertencendo a um país que abriga em seu seio a segunda comunidade


judaica da Europa, temos consciencia da insuficiencia da reflexáo moral so
bre a Shoah. Cabe-nos a obrigacüo imperiosa de nos dedicar a essa tarefa.
Apelamos para os cristaos a fim de que tomem conscidneia do debate que
seria preciso instaurar e que torna mais urgente ainda o relacionamento com
os judeus no nivel mais profundo. Um tal encontró poderia abrir o caminho
a um diálogo verídico, náb perturbado por lamentáveis mal-entendidos".

Com outras palavras: os judeus julgam que Auschwitz-Birkenau é pa


trimonio ou lugar sagrado do povo israelita, de tal modo que os cristaos lá
nao deveriam estabelecer santuarios nem transformar uma parte sequer do
campo em recinto de oracüo. O territorio respectivo terá sido execrado pela
violencia injusta, de modo que deve permanecer execrado, segundo tal modo
de ver.

1 Texto traduzido do francés como foi publicado por La Documentaron


Catholique, o? 1911, de 02/02/1986, p. 179.

12
CARMELO DE AUSCHWITZ 13

3. Os encontros judeo-cristaos

3.1. Em Genebra (22/07/86)

Aos 22 de julho de 1986, representantes judeus e católicos reuniram-


se em Genebra a fim de debater a fundacáo do Carmelo de Auschwitz. Desse
encontró resultou a DeclaracSTo de Auschwitz com a sua Introducto abaixo
transcrita:

"Abriu-se o diálogo. Benef ¡ciando-se da hospitalidade das autoridades


suicas, os participantes Judeus e cristáos expuseram sucessivamente os seus
pontos de vista e os ssus sentimentos. Por fim, redigiram conjuntamente a
DeclaracSo de Auschwitz, que assinala o seu desojo comum de levar em con-
ta a incontestada realidade do caráter simbólico dos campos de exterminio
de Auschwitz, monumento e memorial da Shoah.

Foram definidas as primeiras medidas concretas em tal sentido. O diá


logo deve continuar para que sejam definitivamente estabelecidas providen
cias satisfatórias em respeito a esse lugar único em territorio polonSs.

Cada qual e chamado a participar desse esforco de respeito mutuo e de


compreensáb mediante a reflexáb, o recolhimento e, no caso de ter fé, me
diante a oracffb do coracáb.

a) Cardeal Godfried Danneels, Arcebispo de Malines-Bruxelles; Cardeal


Albert Decourtroy, Arcebispo de L¡á"o; Cardeal Jean-Marie Lustiger, Arcebis
po de Paris; Cardeal Franciszek Macharski, Arcebispo de Cracovia, assistido
por Jerzy Turowicz e Pe. Stanislas Musial.

Sra. Tullia Levi, Presidente das Comunidades Judaicas Italianas; Sr.


René-Samuel Sirat, Gráb-Rabino de Franca; Sr. Marcus Pardes, Presidente da
Comissffo de Coordenacffo das Organizares Judaicas da Bélgica; Sr. Prof.
Ady Steg, Presidente da Alianca Israelita Universal; Sr. Theo Klein, Presi-
denterdo CRIF.

DECLARACÁO DE AUSCHWITZ

Aos homens e ás mulheres do nos» tempo, aqueles e áquelas dos tem-


pos futuros.

As localidades de Auschwitz e Birkenau sao hoje reconhecidas como


os lugares simbólicos da solucSb final em nome da qual os nazistas procede-

13
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

ram ao exterminio (Shoah) de seis milhdes de judeus, dosquais um milhao e


meio de crianzas, pelo fato mesmo de serem judeus.

Morreram no abandono e na indiferenca do mundo.

Recolhamo-nos na recordacao da Shoah e no silencio do nosso coracao.

Possa a oracáfo procedente de nossos labios mudos ajudarnos hoje e


amanhá a respeitar melhor o direito á vida, á liberdade e á dignidade dos
outros, de todos os outros.

Lembremo-nos de que cada um daqueles que foram assassinados em


Auschwitz-Birkenau - judeus, poloneses, ciganos, prisioneiros de guerra
russos - poderia exclamar com o Profeta Sofonias (1,15):

Um día de ira, aquele día!


Oia de angustia e de tribulacao,
Dia de devastacao e de destruicá*o,
Dia de trevas e de escuridáo!"

3.2. Acontecí mentos posteriores

Aos 22/02/87 foi assinado um acordó pelos mesmos Cardeais e por re


presentantes judeus, que estipulava a remocao do Carmelo de Auschwitz até
a data de 22/02/89. Duas dificuldades, porém, se opuseram á realizacao de
tal plano, como notava o Cardeal lan Willebrands em sua alocucao no Semi
nario Arquidiocesano do Rio de Janeiro: 1) o Governo polonés, marxista
como era, nao favoreceu a construcao de novo Carmelo como seria desejá-
vel; 2) a sensibilidade do povo polonés resistiu á reivindicacao dos judeus,
que consideravam Auschwitz preponderantemente como lugar de massacre
de israelitas, sem levar na devida conta que também cristSos e mesmos ateus
ná"o israelitas foram vítimas em Auschwitz. Estes fatores explicam que a par
te católica tenha pedido a dilatacSo, até 22/07/89, do prazo para a remocao
do Carmelo. Explicam outrossim o posterior adiamento da execucáfo do pro
jeto (na"o cumprido em julho pp.) e até mesmo o desejo, da parte de repre
sentantes poloneses, de que se faca urna revisSo do acordó de 1987, conside
rando mais detidamente os pontos de vista poloneses.

No decorrer do ano de 1989 registraram-se pronunciamentos diversos


de católicos pleiteando tal revisao, como também insistindo no cumprimen-
do do acordó judeo-cristá"o. A Santa Sé, em setembro de 1989, declarou es
tar disposta a propiciar este último, de modo a se manter a palavra empenha-
da por seus prelados em 1987. Da parte dos judeus, varias manifestares de

14
CARMELO DE AUSCHWITZ 15

impaciencia, acusacóes e difamacSes ocorreram, agravando a tensa o e ferin-


do os sentimentos patrióticos e religiosos dos poloneses.

Aos 24/07/89, por exemplo, o Grao-Rabino da Franca, René-Samuel


Sirat, levou um grupo de judeus em peregrinado a Auschwitz, proferindo
entao as seguintes palavras: "Todos juntos, fagamos nossas as palavras do
Salmista: 'Para Ti, Senhor, o silencio é oracao' (SI 64/5,2), pois ao silencio
de ontem — o de Deus e o dos homens — so pode responder o silencio dos
vivos". - De outra feita, houve mesmo invectivas violentas dos judeus con
tra o Carmelo, tesando o respeito ás Religiosas e á sua dignidade humana e
crista; invasores do Convento tentaram apoderar-se dele, violando a paz da-
quele lugar sagrado.

A título de ¡nformacSo e ilustracao, publicamos, a seguir, dois pronun-


ciamentos de personalidades polonesas atingidas pelos acontecimentos.

4. Falam poloneses...

Procurando guardar objetividade, transmitimos abaixo a palavra do


Cardeal Jozef Glemp, de Varsóvia, e a de um católico leigo polonés. Por úl
timo, publicaremos um prohunciamento de prelados signatarios do acordó
de 22/02/87.'

4.1. O Cardeal Jozef Glemp

O Cardeal J. Glemp, Arcebispo de Varsóvia e Primaz da Polonia, con-


cedeu urna entrevista ao jornal italiano La Repubblica, edicao de 02/09/89,
da qual extraímos os seguintes tópicos:

Repórter: "V. Em.cia disse que as reivindicacóes dos judeus concer-


nentes a Auschwitz sá"o excessivas".

C. Glemp: "Sim, pois á escandaloso querer rechacar as Irmas do seu


Convento. Que devoremos fazer? Mandar as Religiosas para habitar em ten-
das? NSo se compreende bem que as Irmas estejam cometendo urna ofensa
por estarem razando junto ao muro do campo de concentracffo. O terreno no
qual elas estío, 6 o lugar onde foram martirizados fiáis católicos, ou, mais
amplamente, cristaos. Náb se compreende bem a razao por que elas devam
ser transferidas para outro local... Nossos fiéis nSo a compreendem. Ao con
trario, ó preciso que os judegs entendam que o consagrar-je a Deus numa vi-

1 Textos todos colhidos no joma/ L'Homme Nouveau de 17/09/89. donde


foram traduzidos para o portugués.

15
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

da de oracao junto a um lugar onde foram martirizados tantos cristaos na*o


deve ofender os seus sentimentos".

Repórter: "Ao invés, os católicos poloneses se sentem ofendidos por


ter que deslocar o Carmelo em quinhentos metros?"

C. Glemp: "Sim; isto é ofensivo, porque 6 um gesto irracional. Supo-


nha que eu vá á sua casa e Ihe diga: 'Vocé tem que deslocar esse armario'.
Vocé me respondería com muita razáo e surpresa que o assunto é da sua
aleada".

Estas palavras exprimem típicamente os sentimentos de muitos polo


neses diante da questao. Segue-se o depoimento de um leigo.

4.2 Um leigo

O Sr. Maciej Giertych é membro do Conselho Social do Primaz da


Polonia e participou do Sínodo Mundial dos Bispos sobre os Leigos em 1987
na qualidade de ouvinte leigo. Escreveu urna carta a respeito do Carmelo de
Auschwítz, da qual apresentamos a seguinte traducao:

"O Cardeal Decourtray prometeu aos judeus, num Encontró realizado


em Qenebra no más de fevereiro de 1986, que as Ir mis deixariam o seu Con
vento adjacente ao campo de concentracüo de Auschwitz. Visto que agora
nos dizem que é tempo de respeitar tal compromisso, seja-me lícito fazer al-
gumas observacóes:

1. A* palavras do Cardeal Decourtray mostram claramente que a sua


ComísséTo enearregada de dialogar com análoga Comisslo judaica nao agiu,
de modo nenhum, por mandato do Vaticano. Foi urna ComissSo que se au-
todesignou ela mesma.

2. As Carmelitas (de urna Ordem contemplativa) nao foram represen


tadas no 'Acordó' de Qenebra com os judeus, e a Comissao nao tem jurisdi-
cío sobre elas. Desejam apenas que sejam deixadas em paz.

3. O acordó que pede ás Carmelitas abandonem o seu Convento, nao


manifesté concessSo alguma nam algum compromisso formal da parte da
Comissao judaica. Por conseguinte, nfib se trata da um 'Acordó', mas de
um Diktat (= imposicao). A historia da Polonia está cheia de exemplos de
Diktats semelhantes, da parte de potencias estrangeiras. Nossa resposta tra
dicional, e quase instintiva, é a resistencia.

4. O objeto principal da controversia ó urna Cruz adjacente ao Con-

16
CARMELO DE AUSCHWITZ

vento. Dizem que a sombra dessa Cruz se projeta sobre o campo de concen-
tracfo e assim perturba a paz de que precisam as vítimas do holocausto. Na
Polonia, cada vez que urna Cruz é deslocada pela forca, aquele lugar se torna
símbolo que manifesté nossa fidelidade a Cristo. E o pedido de se recolocar
a Cruz no mesmo lugar é permanente.

5. Auschwitz ná"o é somante o símbolo do martirio judaico, é também


a maior necrópole polonesa. Muito antes que os deportados judeus comecas-
sem a chegar a Auschwitz em 1942, numerosos poloneses, inclusive Safo Ma
ximiliano Kolbe, lá tinham morrido. Entre 1940 e 1945 meio-milhao de po
loneses lá perderam a vida.

6. Se os judeus quisessem construir urna sinagoga, um monumento ou


outro memorial em Auschwitz, estou certo de que nao haveria objecio da
parte dos poloneses. Mas, enquanto sei, nenhum pedido foi formulado neste
sentido.

7. O que quer que acontece, continuaremos a rezar por nossos mortos


como por todas as almas das vftimas náb cristas e de seus assassinos fora e
dentro do campo de concentracao de Auschwitz. Possam os judeus, os ale-
maes e todos os homens unir-se a nossa oracao a fim de que o Senhor nos
proteja contra a desumanidade do homem".

5. A palavra de Cardeais

Segue-se o Comunicado de tres Cardeais signatarios do compromisso


de 22/02/87, que parece fazer eco ás intencdes oficiáis da Santa Sé desejosa
de que se cumpra a palavra dada aos judeus em 1987:

"Se a delegacSo judaica nos Encontros de Genebra, chefiada pelo Sr.


Theo Klein, entao Presidente do Congresso Judaico Europeu, nao é compe
tente, quem o poderá ser?

E, se quatro Cardeais, entre os quais os quais o Arcebispo de Cracovia,


nao sab'qualificados para representar a parte católica, quem o poderia ser?
O campo de Auschwitz fica na diocese de Cracovia. Segundo o Direito
Eclesiástico, o Arcebispo local 6 o primeiro a lá exercer autoridade plena. Os
Cardeais que se Ihe associaram, pertencem as nacoes que, no Ocidente, fo-
ram as principáis vftimas da barbarie hitlerista.

Os acordos foram paciente e sinceramente estudados durante dois


anos. Os signatarios católicos comprometeram-se a nffo fazer pesar o finan-
ciamento sobre a diocese de Cracovia e, aínda menos, sobre a Polonia.

17
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

O Cardeal Glamp exprimiu-se a título astritamante pessoal quando fa-


lou de uma revisáb dos acordos da Genebra. Tanto mais que até entao ele
sampre declarara que o Cardeal Macharski era ó único responsável e que a
ConferSncia Episcopal da Polonia, aos 09/03/89, se comprometau dando seu
apoio a execucfo do acordó.

Os compromisos assumidos devem ser cumpridos; reconhecem a le-


gitimidada do Carmelo de Auschwitz em Oswiecin, fora do perímetro do
campo de concentracío, que a UNESCO, considerando o seu valor excep
cional e universal, inscrevau na lista do Patrimdnio Mundial Cultural em ou-
tubro de 1979, a pedido do Governo polonés de entáo.

3 de setembro de 1989

Cardeal Albert Decourtray


Presidente da Dslegacao Católica

Cardeal Godfried Oanneels


Arcebispo de Malines-Bruxelles

Cardeal Jean-Marie Lustiger


Arcebispo de París".

Como dito, este último pronunciamento é o que mais corresponde aos


anseios oficiáis da Igreja. Os poloneses tém suas razóes para resistir á transfe
rencia do Carmelo... Mas, uma vez empenhada a palavra, é preciso cumpri-la
(a menos que se trate de um pecado, o que nao é o caso). Aguarda-se o
desfecho dos acontecimentos, que esperamos nSo tenha graves conseqüén-
cias para a boa amizade entre católicos e judeus. Na verdade, o Carmelo de
Auschwitz, sendo um lugar de oragSo e expiacao, nao pode ser tido (objeti
vamente falando) como motivo de ofensa aos judeus; estes, baseando-se ñas
próprias Escrituras, há"o de reconhecer o valor da oracSo e da satisfacao pe
los pecados. As Carmelitas, e os católicos em geral, respeitam os judeus e as
demais pessoas vi timadas em Auschwitz-Birkenau: só fazem pedir a Deus
que receba as suas almas, assim como as de seus carrascos, e dé ao mundo
dias de mais paz e amor fraterno.

18
Nova concepcao?

Castidade: Que é?

Em síntese: 0 folheto O Domingo de 2/7/89 pubticou um artigúete


sobre a castidade, que causou espacie. Apresentando-a como a imitacao de
Deus, que nada possui, mas entregou tudo ao homem, dá a entender que tu-
do é lícito em materia de refacoes sexuais, desde que urna pessoa nao queira
possuir a outra. - Ora tal concepcao é errónea a varios títulos: 1) Deus tudo
possui, nem pode deixar de possuir, pois, por defínicSo, é o Criador e o Se-
nhor de tudo; 2) o amor verdadeiro éode benevolencia, que sabe respeitaro
próximo, sem se servir dos semeihantes. As páginas que se seguem, propdem
outrossim a auténtica noció de castidade como sendo a continencia (para
pessoas solteiras) ou o reto uso das funcoes sexuais (para pessoas casadas).

Em tempos recentes, fo¡ publicado, em folheto de grande circulacao,


um artigo sobre a castidade, que causou surpresa... O autor reduzia a casti
dade a nato possuir,... nao possuir o outro. Feita esta ressalva, parecía ensinar
que "tudo vale a pena, se a alma nSo é pequeña" (Fernando Pessoa) ou,
apoiando-se em S. Agostinho: "Ama e faze o que quiseres". Em conseqüén-
cia, na*o haveria mais normas nem reservas para o uso da sexualidade, desde
qué o individuo faca como Deus fez: Ele nSo quis guardar nada para si:
"Criou tudo e entregou tudo á humanidade". Entregou até o seu próprio
Filho... "Assim Deus é a castidade absoluta":

"Deus nSo possui nada, porque deu tudo. Castidade é essa punza de
ser puro dom, entrega, presante. Deus criou o universo inteiro, e nSo fícou
com nada para si. Tornou-se pobre. Nato bastasse isso, deu-se a si mesmo.
Se efe, Deus, fez isso, o que nos, sua imagem e semelhanca. somos convida
dos a fazer? Darmo-nos também. Aprender que as flores nao precisam ser
apanhadas no jardim. Elas ¡é estao se dando" (Ivo Storniolo, 0 Domingo
de 2/7/89).

Estes dizeres sugerem algumas observapSes...

19
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

1. Considerares gerais

Antes do mais, devemos notar que os dizeres atrás transcritos realizam


um jogo de palavras vazias ou urna vi dialética, pois na verdade Deus tudo
possu¡;éo Criador e o Senhor de todas as coisas e pessoas. Certamente Ele
dá, e dá divinamente, mas sem perder o senhorio que Deus (por ser Deus
mesmo) nao pode perder. Disto se depreende quanto é precaria a argumenta-
gao do articulista. - Passemos agora a particulares.

Nao respondemos por Fernando Pessoa, mas, a respeito de S. Agosti-


nho, devemos afirmar que entendeu o amor que tudo legitima, como amor a
Deus e adesSo incondicional ao plano do Senhor; ora é claro que a pessoa
que assim ama, ná*o se entregará a desmandos, mas praticará o autodominio
e o controle de suas paixSes, pois Deus quer que as criaturas subordinem
seus afetos a sa razao e á fé, sem se entregar ao libertinismo. Quem ama a
Deus, ama o próximo respeitando as leis do Criador.

Está claro que "possuir alguém" no sentido de "dominar outra pessoa


e manipulá-la" é um grande mal (que Deus nao comete), mas isto nao basta
para constituir a castidade. Esta é algo de grande e nobre, que descreveremos
mais adiante.

É obvio também que "darse a outrem" é muito belo; Deus nos apre-
sentou o exemplo deste gesto. Mas há diversas maneiras de dar se: existe,
sim, o dar-se em agáps (amor benevolente, nao cobicoso, nao interesseiro),
como Deus se deu a nos, em total gratuidade. E existe o dar-se em eros ou
em amor cobicoso, interesseiro e manipulador — coisa que Deus nlo faz.
Por conseguinte, ná"o é suficiente dizer que devemos dar-no»; esta locuelo é
ambigua, pois os prostitutos e as prostitutas se oferecem ou se dao, contra
riando a Lei de Deus. Vé-se, pois, como a palavra "amor", hoje tao freqüen-
temente utilizada, pode ser ilusoria: nao raro significa o amor egoísta, apro-
veitador, meramente instintivo, e nao o amor cristSo, que é "querer cons
truir o outro", em vez de "querer o outro construido".

Examinemos agora

2. O sentido da castidade

Chama-se cattidade o reto uso das funcSes sexuais. Estas existem no


ser humano, por designio do Criador, a fim de proporcionar ao homem e á
mulher complementacao mutua, da qual a prole é muitas vezes a expressao
natural.

20
CASTIDADE:QUEÉ? 21

O Senhor Deus quis anexar ás funcdes da natureza um prazer, que tem


o papel de estimular o exercício das mesmas. Assim á 31111161113(90. indispen-
sável para a conservacSo do individuo, se liga um atrativo espontáneo. Tam-
bém a vida sexual, necessária para a conservacao da especie, é incentivada
por um prazer anexo. Tal prazer, porém, é um concomitante, e ná"o a finali-
dade das funcdes naturais. Acontece, porém, muitas vezes que o individuo pro
cure apenas o prazer, com exclusáo da finalidade do mesmo — o que pode re
dundar em degradacáo da pessoa humana; tal é o caso de quem come só pelo
prazer de comer, e também o de quem recorre á sexualidade apenas pelo
prazer erótico. Quem se entrega a tal prática, fácilmente se torna escravo de
paixdes violentas, que humilham a pessoa; as paixdes fazem capitular a ra-
záo. Recorda S. Agostinho, talando ao Senhor: "Adolescente muito misera-
vel, sim, miseravel no limiar mesmo da adolescencia, eu Vos pedirá a casti-
dade. Dissera: 'Dai-me a castidade, a continencia, mas nao ma deis de ¡me
diato'. Sim; eu receava que, se me atendésseis logo, me curareis dessa doen-
ca da concupiscencia, que, em última instancia, eu queria alimentar mais do
que dominar" (ConfissSes VIII 7). Depois de certo tempo, as paixdes eno-
jam o individuo, sem que veja como libertar-se de tal situacao. É Sao Tiago
quem diz: "Cada qual é tentado pela própria concupiscencia, que o arrasta e
seduz"(Tg1,14).

A castidade nao é a primeira das virtudes; a primeira, a que está na ba


se da vida crista", é a fé. A consumagfo desta é a caridade, que Sao Paulo cha
ma "o vinculo da perfeicao" (Cl 3, 14). A castidade, porém, suscita o clima
necessário para que estas duas virtudes desabrochem e, com elas, as demais.
Isto é evidente no que concerne a fé: muitas vezes os afetos desregrados pre-
judicam o modo de pensar da pessoa; diz muito sabiamente o ditado popu
lar: "Quem nao vive como pensa, acaba pensando como vive"; S. Agostinho
observa que, enquanto cedia ás paixdes, nao conseguía encontrar a verdade
(Confissoes X 41). Também a caridade (o amor) se ressente da falta de casti
dade, pois o homem carnal se torna egoista, manipulador, fechado aos inte-
resses alheios. A vida casta é bela, pois permite a manifestacá*o do especifi
co humano, ou seja, permite a elevacSo das funcdes vegetativas e sensitivas
ao plano espiritual; sem ser sufocadas, tais funcdes entram na construcáo de
alguém que foi feito á imagem e semelhanca de Deus.

3. Graus de castidade

Distinguem-se diversos graus e modalidades de vida casta: a pré-matri-


monial, a matrimonial, a consagrada a Deus e a pos-matrimonial.

1) A castidada pro-matrimonial consiste na abstencSo do uso do sexo.


Verdade é que o individuo durante a vida inteira é marcado pelas caracteris-

21
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

ticas masculinas ou femininas do seu sexo (timbre de voz, tipo de pele, de


maos...), das quais ele ná"o se pode ¡sentar; mas nem por isto está obrigado
ao exerci'cio da sexualidade, que se chama "a genitalidade". Sem dúvida,
há quem julgue que este é obrigatório desde que desperté o apetite sensual
no adolescente; tal concepgSo é falsa; ao contrario, está comprovado que a
continencia pré-matrimonial é fator de saúde e penhor de fidelidade e felici-
dade no casamento. Para conseguir viver a castidade pré-matrimonial, o jo-
vem há de estabelecer a hierarquia dos valores, nao se deixando levar pela er
rónea conceppao de que a castidade é um imperativo inexorável; convenca-se
do contrario, e terá éxito, pois a mais poderosa "glándula sexual" do no-
mem é o cerebro, com o qual pensamos e com o qual concebemos imagens
e fantasías. A vitória sobre as paixSes desregradas requer também o treina-
mento da vontade, que deve ser bastante forte para dizer Sim e dizer Náb
quando o bom senso o exija. A propósito muito se recomenda o livro de
Joao Mohana: Vida Sexual dos Solteiros e Casados. Ed. O GLOBO, Porto
Alegre-Rio de Janeiro.

2) A castidade matrimonial consiste em que os cónjuges pratiquem a


genitalidade em respeito mutuo, sem concessao a afetos desordenados, e em
conformidade com as leis da natureza. Em conseqüéncia, o sexo oral, o sexo
anal e o homossexualismo, por serem aberracñes que ferem a natureza, sSo
rejeitados pela Lei de Deus. Todavía nao é vedado aos esposos desejosos de
evitar filhos manter relacSes sexuais quando a própria natureza é estéril; nis-
to ná"o há derrogacsto ás normas do Criador, que propiciam periódicamente
ao organismo feminino um repouso necessário á saúde.

3} A castidade consagrada, nos casos femininos, é chamada virgindade


consagrada (embora.possa existir após a perda, voluntaria ou involuntaria,
da virgindade física). Nos casos masculinos, é o celibato. Consiste na entrega
de todo o ser humano com seus afetos diretamente ao Senhor e ao servico
do seu Reino. Corresponde a urna vocacSo especial e supñe um dom próprio
do Senhor (cf. 1Cor 7,7); nao implica menosprezo do matrimonio, que é
santificado por um sacramento, mas, de carto modo, vem a ser baliza ou re-
ferencial para todos os cristaos, pois todos, direta ou indiretamente, sao cha
mados a se consagrar ao Senhor e aos interesses do seu Reino.

4) A castidad* pos-matrimonial ou da viuvez também é bela; tem seu


prototipo na figura bíblica de Judite, a viúva fiel ao Senhor, que salvou seu
povo, munida de um dom especial. SSo Paulo, em suas epístolas pastorais,
atribuí ás viúvas na Igreja funcSes próprias, correspondentes á sua experien
cia de vida (cf. 1Tm 5,3-16).

*»?
CASTIDADE:QUEÉ? 23

Conclusao

A castidade é preciosa especialmente em nossos dias, quando muitas


pessoas, impelidas pelo erotismo, se tornam vítimas do vazio e da frustracáo,
e nao véem mais sentido para a sua vida; as drogas e o suicidio as ameacam.
A prática da castidade é um sinal que chama a atencao, pois mostra que al-
guém pode ser plenamente feliz e realizado atendendo a outros apelos que
nao os das paixSes desregradas; manifestam-se assim outros valores que o
Senhor Jesús apregoou e o Apostólo Sao Paulo explanou muito enfática
mente (cf. Mt 19,12; 1Cor 7,25-35). É em Deus e na fidelidade incondicio
nal aos seus designios que a criatura encontra a sua consumacao.

Para poder viver a castidade, recomendam-se tres elementos muito im


portantes: 1) a educacao da vontade (como dito atrás), sem a qual ninguém
atinge meta alguma; é ilusorio crer que, dizendo Slm a todos os impulsos,
alguém possa conseguir felicidade e auto-realizacáo; 2) o pudor, que é o res-
peito pelo corpo, templo de Deus; é também a delicadeza de ánimo, que re-
conhece o sentido transcendental das fungdes que o homem tem em comum
com os outros viventes na térra; 3) a oreca*o, fonte de forca e nobreza de
ideal para todos os homens; nunca pode faltar na vida de um cristSo, pois é a
alavanca que o ajuda a sair de toda fossa e encruzilhada e the comunica o in
di zfvel sabor da presenca de Deus, muito mais atraente do que qualquer
outro.
* » *

(continuacao da p. 48):
Non hay cosa semejante en los veinte siglos de cristianismo. Somos unos ver
daderos privilegiados. Por esse estamos mas obligados a unas celebraciones
dignas, realizando lo que la competente jerarquía de la Iglesia ha dispuesto
para el bien espiritual de los fieles. No debemos hacer nuestros caprichos.
Somos ministros de un orden establecido. Hemos de realizar ese servicio,
esa diaconia, con mente y corazón. Asi, contribuiremos al acrecentamiento
de la vida cristiana." O Pe. Bandera recomendou, também, o estudo que o Pe.
Garrido faz da IV OraeSo Eucartstica, sua preferida, no número 542 da mes-
ma revista (pág. 124), do qual transcrevo aquí o primeiro parágrafo de intro-
ducSo: "La Plegaria Eucaristica IV es verdaderamente maravilhosa. Es lásti
ma que se utilice tan poco por ser algo más largo. Es cierto que desde el
principio se dijo que era un texto litúrgico muy conveniente para las misas
en reuniones de fieles que tienen un conocimiento profundo de la Sagraba
Escritura. Toda ella es una síntese de la historia de la Salvación".

SOBRE D. LEFEBVRE E O CISMA: "O. Marcel Lefebvre profería de-


claracoes públicas muito graves sobre pontos fundamentáis do Concilio do
1 (continua na pág. 43)

23
Quem fo¡...?

Sao Cipriano Mago

Em tíntese: A figura de Sá~o Cipriano mago ó lardaría. Deve ter sido


criada no sáculo IV e na Asia Menor para ¡lustrar um tema caro aosantigos:
o do feiticeiro que vende a sua alma ao diabo, mas se converte a Cristo. A fi
gura de Cipriano mago a landa associou a de Justina, virgem e mártir, tam-
bém para ¡lustrar um tema muito estimado pelos cristaos: o da virgem que
supera as armadilhas do homem que a querseduzir. O autor da lenda deu
ao mago convertido o nome de Cipriano, que era o de famoso bispo de Car-
tago martirizado em 258. O recurso a este nome obteve mais estima e crédi
to para a lenda, que na Idade Media foi corroborada pela introducSo de S.
Cipriano e S. Justina no calendario litúrgico faos 26/09). O "Livro poderoso
de S. Cipriano" tem seu núcleo já no sáculo IV, quando se difundiam as
"Preces de Cipriano", utilizadas quase como fórmulas mágicas.

Popularmente fala-se muito de um Sao Cipriano, mago, que terá deixa-


do um "Livro Poderoso": "lido para a frente, lido para tras", esse livro pro
vocaría fenómenos estranhos: as vacas parariam de dar leite, os animáis adoe-
ceriam, os homens seriam prejudicados. Daí as perguntas: quem foi S. Cipri
ano mago? Quando viveu? Que Livro Poderoso deixou? — É o que vamos
examinar.

1. SSo Cipriano e seu Livro

A historia conhece um S. Cipriano que foi bispo de Cartago, no Norte


da África entre 249 e 258. Deixou numerosos escritos teológicos, hoje em
dia editados, que nada tém a ver com magia ou ocultismo. Gozou de grande
fama e estima após a sua morte, pois foi um mártir heroico, que marcou a
Igreja do seu tempo. A sua festa é celebrada a 16 de setembro.

Aos 26 de setembro o Martirologio Romano (= Catálogo de Mártires)


assinalava a festa dos mártires S. Cipriano e S. Justina. A historia dessas figu
ras é narrada em grego, latim, sirio, árabe, etíope, copta e páleo-slavo - o

24
SAO CIPRIANO MAGO?

que bem mostra quanto os antigos valorizavam esses dois personagens. Essas
varias versSes nao coincidem sempre entre si; ao contrario, divergem por ve-
zes. A mais antiga délas, a grega, refere o seguinte sob o título abaixo:

1.1. "Conversio da Sao Cipriano"

No cometo do século IV, em Antioquia da Siria o diácono Prailio pre-


gava as verdades da fé, quando urna jovem chamada Justa o ouviu a partir de
urna janela e ficou impressionada. Ela contou o fato á sua mSe Cled&nia,
que, por sua vez, o relatou a seu marido Edésio. A familia ficou perplexa,
sem saber o que faria; todavía na noite seguinte apareceu-lhes Jesús Cristo
com seus anjos e Ihes disse: "Vinde a mim e eu vos darei o reino dos céus".
Em conseqüéncia, chegado o dia, pai e mae levaram a filha ao diácono Prai
lio, que os apresentou ao bispo Optato. Este os batizou e ordenou sacerdo
te Edésio, que era pontífice de um culto pagSo. Edésio morreu dezoito me
ses depois; Justa entrementes f reqüentava assiduamente a igreja, onde um jo
vem, de nome Agía idas, a via muitas vezes passar e se apaixonou. por ela.
Pediu-a em casamento; mas Justa recusou-se, dizendo que queria permanecer
virgem. Entfo Aglafdas, acompanhado de amigos, colocou-se no seu cami-
nho, vedando-lhe a passagem; queria raptá-la. Mas as mulheres que acompa-
nhavam Justa, puseram-se a gritar tanto que os servidores e vizinhos acorre-
ram, pondo os agressores em fuga.

Aglafdas nao desistiu do seu intento. Sabia que existia um mago pode
roso chamado Cipriano; foi pr.ocurá-lo, prometendo-lhe dois talentos (gran
de quantia), caso conquistasse o coracao de Justa para o seu preténdante. Ci
priano entáo evocou um demonio... Este Ihe entregou um veneno, que devia
ser espalhado em torno da casa da moca. Quando esta se levantou para rezar,
sentiu o ataque do Maligno; mas logo fez o sinal da Cruz sobre si e sobre a
casa e orou fervorosamente ao Senhor. Á vista disto, o demonio comunicou
a Cipriano que a tentativa fora malograda. O mago, querendo salvar sua fa
ma, chamou outro demonio, mais poderoso; também este foi vencido, mas
nSo quis revelar a Cipriano o artificio que o desbaratara.

O mago, ainda mais ardoroso, evocou o pai dos demonios, que Ihe apa-
receu, prometendo-lhe entregar a moga dentro de seis dias. Apresentou-se o
tentador a Justa sob a aparáncia de urna jovem... Esta declarou a Justa que
Jesús Cristo a enviara para levar com Justa urna vida perfeita. E acrescentou:
"Que recompensa esperas recebar por guardares a virgindade? Vejo-te esgo-
tada pelos jejuns". Ao que Justa respondeu: "O fardo é leve, mas a recom
pensa é enorme". Prosseguiu o Maligno ainda disfarcado: "No comeco Deus
abenpoou Adá*o e Eva, dizendo-lhes: 'Crescei, multiplicai-vos, e enchei a tér
ra'. Parece-me que, se perseverarmos na virgindade, desprezaremos a palavra
de Deus e seremos tratadas como rebeldes no dia do jui'zo final'. Justa sen-

25
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

tiu-se abalada por esta observacao, mas recuperou-se e, fazendo o sinal da


cruz com oraipao, soprou sobre o demonio, que fugiu.

Cipriano entao pediu ao Maligno que Ihe dissesse por que e como fora
derrotado. O demonio so consentiu em falar depois que Cipriano Ihe jurou
que permanecería sempre fiel ao demonio. Confessou, pois, que o poder do
sinal do Crucificado ultrapassava o poder das trevas. Isto enfureceu Cipria
no, que tratou o diabo de mentiroso; mandou-lhe que se retirasse; quando o
Maligno quis pular sobre Cipriano para sufocá-lo, Cipriano o repeliu fazen
do o sinal da Cruz. A seguir, foi procurar o bispo Anti'mio, a quem pediu
que o instruisse na fé crista e, ao voltar para casa, destruiu os seus ídolos.

No dia seguinte, que era Sábado Santo, Cipriano voltou á igreja, onde
ouviu leituras sagradas e a homilía do bispo. No momento em que o diáco
no Astério convidava os catecúmenos para se retirar, Cipriano ficou na igre
ja para grande surpresa do diácono, que insistiu dizendo: "Cipriano, levanta-
te e sai".1 Replicou Cipriano: "Tornei-me servidor de Cristo e tu me expul
sas!" EntSo o bispo, informado do caso, batizou Cipriano. Oito dias depois,
deu-lhe o ministerio de leitor; vinte e cinco dias mais tarde, fé-lo ostiario e
subdiácono; cinqüenta dias depois, diácono e, finalmente, no fim do ano,
presbítero. Passados dezesseis anos, Antímio estava para morrer e obteve
que Cipriano Ihe sucedesse na funpSo episcopal. Feito Bispo, Cipriano terá
promovido a jovem Justa ao cargo de diaconisa; trocou seu nome pelo de
Justina e a fez Superiora de urna comunidade monástica. O resto da vida de
Cipriano terá sido dedicado a combater as heresias.

A narracSo da Conversao de S. Cipriano tem na literatura antiga dois


complementos, de índole grotesca, como sSo a "Confissfo de Cipriano" e
"Paixfo de Cipriano". Eis o seu conteúdo:

1.Z A "Confissao de Cipriano"

A "Confissao de Cipriano" é urna ampliacáo infeliz da "Conversao".


Nesse relato Cipriano toma a palavra para explicar seu relacionamento com
o demonio, as feiticarias e os encantamentos que praticava. O autor da nar-
racffo acumula as historias de artes mágicas e ás vezes caí no ridículo; assim,
por exemplo, refere que Agía idas tomou a forma de um pássaro que se colo-
cou sobre um telhado a fim de espreitar Justina; todavia, logo que conseguiu
ver a moca, perdeu a qualidade de pássaro (que ele adquirirá por feiticaria);

1 Na Igreja antiga, os catecúmenos eram as pessoas que se preparavam para o


Batismo; só Ihes era lícito participar da Liturgia da Palavra. — O relato apre-
senta aquí corta incoerSncia, pois no Sábado Santo é que se costumava mi
nistrar o Batismo aos catecúmenos.

26
SAO CIPRIANO MAGO? 27

retomou a sua condicSo de homem e experimentou muita dificuldade para


descer do telhado.

1.3. A "Paixío da Cipriano"

Esta narracao responde á necessidade de terminar os relatos anteriores.


O autor recorreu a traeos comuns de narrapSes anteriores. Refere, por exem-
pío, que Cipriano e Justina foram presos por ordem do Conde Eutólmio e le
vados para Damasco. Após um interrogatorio, Cipriano foi dilacerado por
unhas de ferro, enquanto Justina era chicoteada ferozmente. Contudo per-
maneceram ¡nsensfveis. Levados de novo ao tribunal, foram condenados a
morrer numa caldeira de óleo fervente; este, porém, se tornou para eles oca-
siaTo de um banho reconfortados ao verificá-lo, um sacerdote pagáfo acusou-
os de magia e aproximou-se do fogo da caldeira, que ¡mediatamente o devo-
rou. Finalmente o juiz terá enviado os dois mártires para Nicomédia, onde
residía o Imperador Oiocleciano. Este mandou que fossem decapitados; o
carrasco executou a sentenca juntando a Cipriano e Justina um certo Teoc-
tisto, que passava por peno. Os seus cadáveres foram expostos ás feras, que
os deixaram intatos. Seis dias depois, marinheiros cristSbs levaram os corpos
para Roma, onde urna certa Rufina Ihes deu honrosa sepultura.

Eis o que se narra a respeito de S. Cipriano mago e mártir. Vejamos


qual a credibilidade destes relatos.

2. Ponderacoes críticas

1. Tais narracoes sao, pelos historiadores modernos, unánimemente ti-


das como lendárias. Na verdade, deve-se observar que

a) ñas listas dos bispos de Antioquia ná~o se encontram nem Optato,


nem Antímio, nem Cipriano.

b) O culto dos mártires sempre esteve ligado aos túmulos respectivos.


Ora nao se conhece na antigüidade ou na arqueología o sepulcro de S. Ci
priano, bispo de Antioquia, e de S. Justina, virgem e mártir. O autor da "Pai-
xSo de Cipriano", para fugir i objecSo de que n3o há sepultura de S. Cipria
no em Antioquia, imaginou que o corpo do herói tenha sido trasladado para
Roma; todavia em Roma ná*o se conhecia túmulo de S. Cipriano na antigüi
dade. Somente na Idade Media julgaram os cristaos ter encontrato as reli
quias de Cipriano e Justina em Roma, perto do Batistério do Latrao; foi en-
ta*o que a festa dos dois "mártires" foi introduzida na Liturgia de Roma.

2. Negada a historicidade dos relatos, pergunta-se: por que e como ti-


veram origem?

27
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

Tais narrapdes retomam dois temas caros aos amigos cristSos: o do fei-
ticeiro que vende a sua alma ao diabo, mas se converte, e o da virgem que
triunfa do homem que a quer seduzir. Os amigos se compraziam em ouvir
ou ler relatos desse tipo; daí a confeccáo da estória de Cipriano mago con
vertido, e Justina, virgem vitoriosa. Essa estima da temática fez que a lenda
encontrasse logo grande aceitaplo, de mais a mais que utilizava nomes famo
sos (misturados anacrónicamente num só relato): Optato era um bispo do
Norte da África, citado ñas Atas das Santas Mártires Perpetua e Felicidade;
Antímio era um bispo mártir de Nicomédia; Cipriano foi um grande bispo
de Cartago (anterior aos outros bispos citados); Edésio foi um filósofo. To
dos esses parsonagens eram famosos em Antioquia no sáculo IV (apoca em
que se julga tenha tido origem a "ConversSo de Cipriano"). Também Justa e
Justina eram nomes assaz difundidos na antigüidade. Os outros nomes dos
relatos encontram-se todos em obras da literatura dos primeiros sáculos.

Muito contribuiu para dar valor á estóriarem pauta a confusSo feita de


Cipriano mago com S. Cipriano, bispo de Cartago, caro á Igreja antiga. Hou-
ve relatos, hoje perdidos, que tentavam fundir a "vida de Cipriano mago"
com a historia real de S. Cipriano de Cartago, como se este tivesse sido feiti-
ceiro. S. Gregorio, bispo de Nazianzo, na Asia Menor, proferiu um sermao
em 379, no qual se servia das narracSes espurias relativas a S. Cipriano, bis
po de Cartago e mago; pouco depois, o poeta latino Prudencio se deixou le
var pela mesma ilusao.

Aos poucos o crédito dado a essas versoes todas fez que os nomes de
Cipriano e Justina constassem dos Martirologios antigos a partir do sáculo
IV. A contar dessa época foram também aparecendo "Preces de Cipriano",
utilizadas como fórmulas quase mágicas; deste núcleo fez-se aos poucos o
"Livro Poderoso de S. Cipriano mago", que nada tem que ver com dados
históricos nem com a fá católica. Se algum efeito extraordinario ocorre por
ocasiao da leitura do "Livro Poderoso de S. Cipriano", isto se deve única
mente ao poder da sugestao; quem acredita que tal Livro produz efeitos
portentosos, predispSe>se a "vé-los", "experimentá-los" ou mesmo "produ-
zi-los"...

Em conclusá"o: 1) distinga-so de S. Cipriano, bispo de Cartago (t258),


grande escritor cristSo, o lendário personagem dito S. Cipriano mago; 2)
a magia e a feiticaria nao se coadunam com a mensagem crista, que recorre á
oracao em atitude humilde e confiante, sem fórmulas ou receitas "todo-po
derosas".

A propósito ver "Vio des Saints et Bignheureux" par les RR. PP. B6-
nédictins de París, tome IX. Septembre, pp. 327-338 e 529-534.

28
Emvoga:

Taró e Numerologia

Em síntese: O Taró consta de 22 Cartas (Arcanos Maiores), que tém


cada qual um símbolo. Esses símbolos, combinados entre sí por técnicas do
Taró, oferecem oráculos e terapias muito procurados hoje em día; até mes-
mo a Psicanálisg é, em alguns casos, praticada na base do sorteio de cartas
do Taró. Acontece, porém, que nem todos os especialistas interpretan) do
mesmo modo os símbolos do Taró - o que revela arbitraríedade e fantasía
no recurso a essa técnica.

Em todos os tempos os homens combinaram entre si letras e números,


procurando deduzir oráculos ou mensagens destes sinais. A interpretacio de
letras e números é sempre subjetiva e um tanto fantasista; por isto, há diver
sas chaves de ¡nterpretacSo, das quais se originam diversos sistemas, dos
quais emergem o Tar6, a Cabala, o I CHING... A Numerologia {ou o discurso
sobre os Números) está em todos estes sistemas. - Vamos, pois, dedicar-nos
ao estudo desse mundo das letras e dos números simbólicos ñas páginas que
se seguem.

1. Taró: que é?

1. Nao se conhece bem a etimología da palavra Tard. Há quem diga


que vem do egipcio, compondo-se de Tar (estrada) e ro (vida). 0 Taró seria
a "Estrada Real da Vida"; as suas 22 cartas (Arcanos Maiores) seriam o anti-
go livro de Toth, destruido ñas rumas dos templos egipcios. Toth era um
faraó primitivo, considerado o inventor místico da linguagem e dos hierógli-
fos.

Outros, entre os quais Eliphas Levi, preferem dizer que o Taró é um


alfabeto sagrado e oculto dos hebreus, revelado misteriosamente a Enoque,
filho mais velho de Cafm (cf. Gn 4,17s); Levi encontrou no Tard a base da
Cabala.

29
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1090

Outros aínda dizem que as cartas do Taró tém origem indiana ou mes-
mo chinesa, coreana...

2. Em que consiste o Taró?

Há varios tipos de Taró, dos quais o mais popular ó o de Marselha


(Franca) ou de Grimaud. Consta de cartas, distribuidas em duas series: a
dos Arcanos Maiores e a dos Arcanos Menores. Aqueles sao 22 cartas que
apresentam verdades reveladas por Deus, como se diz, e compSem um livro
sagrado, como a Biblia, o Talmud e os Vedas (segundo os discípulos do Ta
ró). Os Arcanos Menores sao cartas cuja simbotogia foi criada pelo homem
para revelar o futuro; sao 56 cartas, compostas de quatro figuras e dez nú
meros, ás vezes reproduzindo sinais astrológicos e planetas. Os Arcanos Me
nores tém origem posterior á dos Maiores, que sá*o os que nos interessam
propriamente.

Os 22 símbolos das cartas dos Arcanos Maiores sSo os seguintes:1

1) O Mago. Tem a figura de um homem em pé com a mao esquerda


voltada para o cha*o e a mao direita para o céu. 'Asua frente há urna mesa,
com urna espada, urna moeda e um copo. - Significa que o homem deve sa
ber equilibrar o trabalho (espada), a luxúria (moeda), o prazer (vinho).

2) A Sacerdotisa. Tem os traeos de urna mulher sentada com um livro


aberto sobre os joelhos. - O livro representa os misterios da vida; a sacerdo
tisa os conhece, pois é cheia de sabedoria.

3) A Imperatriz. Mulher sentada com o escudo na mao esquerda, o ce


tro do poder na direita e a Luaaos seus pés. - Simboliza a mulher forte, que
sabe defender-se (escudo); é decidida e justa (cetro), sensual (Lúa).

4) O Imperador. Um homem encostado com o escudo na mao esquer


da e o cetro na outra má"o. — Significa o homem poderoso e justo (cetro),
autoritario e definido (escudo).

5) O Papa. Bispo sentado com o cetro na mito esquerda; com a direita


aponta para duas criancas sentadas aos seus pás. — Significa religiosidade,
moralidade e orientacSo.

1 Os dados que se seguem, sio extraídos do livro: 'Taró. Um Caminho" de


Marisa Mattos ¡Edifóes Hipocampo). As ¡ndicagdes da autora nSo sSo sem-
pro darás e compreensfveis.
TARO E NUMEROLOGIA 31

6) O» Namorados. Um anjo portador da flecha do amor aponta para


dois jovens. — Simboliza a uniao amorosa e a escolha de um caminho.

7) O Carro. Um jovem guiando urna carruagem puxada por dois cáva


los. - Significa que o jovem tem a forca para dominar os conflitos represen
tados pelos dois cávalos.

8) A Justica. Urna mulher sentada com urna espada na mío direita se


gura urna balanca com a esquerda. — Simboliza a justica, que é o resultado
de forca e equilibrio.

9) O Eremita. Um ancilo de barba traz um lampeao na mao direita e


um cajado na esquerda. - Representa a sabedoria dos anciáos, adquirida pe
la luz do conhecímento e a prudencia do caminhar.

10) A Roda da Fortuna. Urna roda movida por tres animáis, que re-
presentam as trSs idades do homem: o nascimento, o crescimento e a morte.
— Simboliza a mudanca dos tempos, as fases da vida.

11}A Forca. Urna mulher segurando o leSo pela boca. - Representa a


coragem, a forca que domina as emocSes e os temores.

12) O Enforcado. Um jovem pendurado pelos pés, de cabeca para ba¡-


xo. - Os pés presos significam a ligapáo com as coisas materia is e a ambicao,
que enforca o ser humano.

13) A Morte. Urna caveira com urna foice na máo e cabecas cortadas
aos seus pés. - Representa a inevitabilidade da morte e a necessidade de cor
tar e perder durante a vida.

14) A Temporánea. Urna mulher com asas, segurando dois vasos, der
rama agua de um lado para o outro. — O movimento da agua representa o
movimento da paciencia, e a mulher com asas representa o aspecto religioso
e virtuoso da paciencia.

15) O Diabo. Um demonio grande acorrentado a dois demonios pe


queños: o feminino e o masculino. Com a má*o direita segura urna tocha, e
com a esquerda aponta para o céu. - Representa a atracSo sexual entre os se
res humanos e a luxúria, da qual o homem se torna escravo. Os dedos que
apontam o céu, significam a salvacao do homem.

16) A Torre. Vé-se urna torre que desaba e dois homens a cair no
chao. — A torre, desabando, significa a ruina de urna estrutura nSo bem
construida; os homens, caindo no chao, representam a perda da identidade.

31
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

17) A Esperance. Uma mulher nua derrama agua num río; atrás déla,
véem-se estrelas e borboletas. - é uma imagem de paz. A agua que volta ao
rio donde fo¡ tirada, significa a devoluclo do que foi desviado ou a restau-
rapao da ordem. As estrelas significam o futuro e as novidades.

18} A Lúa. Aparecem dois lobos uivando para a Lúa cheia e um escor-
piao saindo de um rio. - Tanto o lobo quanto a Lúa cheia sao símbolos an-
tigos de emocao, sentimentos e ciclos. O escorpiSo que sai de um rio, repre
senta o perigo de uma emocao muito forte, de um excesso de sensibilidade
ou de uma traicSo.

19) O Sol. Duas criancas abracadas debaixo de um grande sol. - As


criancas simbolizam a fraternidade dos homens e o Sol representa a felicida-
de que déla decorre.

20) O Julgamento. Este Arcano apresenta tres figuras importantes: a


figura superior é a de um anjo que anuncia a vontade de Deus, a do meio é
a de um homem a sair da Térra para atender á vontade ou ao chamado de
Deus; a figura inferior consta de um homem e uma mulher em posicao de
prece e adorapao a Deus — Significam que só aquele que está pronto para re
nunciar á vida, a pode recebar de volta.

21) O Mundo. Esse Arcano consta de cinco figuras principáis: na parte


superior há um anjo ao lado de uma águia, símbolo oriental da paz; no cen
tro, vé-se uma coroa; em baixo, dois animáis sagrados. — Representa-se assim
o paraíso, onde Deus está no centro e as criaturas em torno de Deus existin-
do em harmonia.

22) O Loueo. Um jovem com mochila ñas costas, seguido por um ani
mal. - O jovem representa a independencia; por viajar, significa, a revolta, a
fuga; o animal significa a solidSo entre os homens.

2. Aplicacao do Taró

As cartas do Taró com seus símbolos sSo utilizadas para explicar os es


tados psíquicos (depressao, ira, alegría...) de quem as tira ou para indicar aos
mesmos o caminho ou a orientacao de vida que devem seguir. Assim o Taró
se aproxima da psicanálise, á qual ele quer servir. Os seus símbolos podem
ser combinados com os da astrologia, do I Ching, da Cabala, de modo que
assim se multiplicam as ¡nsinuacdes e novas interpretares e oríentacóes s5o
possibilitadas.

Antes de exemplif ¡car o jogo de cartas do Taró, notemos que entre os


símbolos dos Arcanos Maiores, alguns se dispSem em posicao de confuto ou

32
TARO E NUMEROLOGIA 33_

antagonismo: assim os namorados (6) e a Morte (13), a Imperatriz (3) e a Sa


cerdotisa (2), a Forca (11) e a Temporánea (14)... Vejamos agora como se
jogam as cartas do Tard.

Método Pergunta e Resposta n? 1:

Tiram-se quatro cartas, e faz-se urna pergunta. As tres primeiras repre-


sentam a análise da pergunta; a última propde a resposta:

Y
análise da pergunta resposta

Método Pergunta a resposta n? 2:

Tiram-se quatro cartas, que s3o dispostas em losango; a leitura segué o


esquema abaixo:

| 3 | modo de agir

Vocé [T] [T] problema


\4\ resultado (resposta)

Método Pergunta e Resposta n? 4:

Tiram-se 16 cartas, que s3o dispostas em quatro filas de quatro cartas


cada urna e fez-se a leitura seguinte:

IVocé □ □ □ □

2 Seu problema [_J | | | | | |

3Conselho |~[ | | f~| I I

4 Resultado [~| I II II I
33
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

Método Solucáo:

Tiram-se sete cartas e colocam-se seis em duas colunas de tres cada


urna. A carta n? 7 é a solucSo:

Solucao 3? | e[ | f |

Problema 2? fcj fd! | g | resultado

Vocé1? |~a"| |~b~|

Eis alguns casos de aplicacao do Taró á psicanálise:

Caso n° 1: Método 4 cartas

Urna paciente de 37 anos, advogada, rectamava da sua depressao. Ti-


rou as seguintes cartas, aplicando o Método 4 cartas:

oc
O
O O
< Q
oc OC
o
UJ
O oc
o.
o
tn u.

Que significam?

O Imperador é a figura masculina, que pode representar o pai ou o


marido.

A Sacerdotisa representa a consu lente e a sua relapao com a figura


masculina.

A Forca significa o esforco que ela faz para manter o equilibrio entre
o seu desejo e a repressao que a afeta.

A Lúa é o estado depressivo em que ela se encontra.

34
TARÓENUMEROLOGIA 3£

Conclusao: Tanto o pai quanto o marido eram figuras autoritarias e a


depressao era o resultado da atitude passiva da consulente (sacerdotisa), que
se esforcava por manter ceno equilibrio de conduta.

Caso n? 2:

Um jovem de 24 anos reclamava de indefinicao profesional; tirou as


seguintes cartas:

Enforcado = Papa Resposta

O Sol significava o desejo de alegría e felicidade do rapaz. O Enforca


do representava o sentir-se rejeitado. O porqué desse confuto é oferecido pe
la carta Papa, que significa a moralidade e a culpa. Portanto, o psicanalísta-
taroi'sta dirá que muito do confuto do jovem provinha de um sentimento de
culpa. A solucao do problema consistiría em romper o enforcamento e satis-
fazer seus desejos.

Esta simples análise dos principios e da aplicacao do Taro evidencia


bem quanto esta tática é arbitraria e ilusoria. Pode-se perguntar: qual é o ne
xo lógico que existe entre cada figura do Taró e a simbologia que Ihe é atri
buida? Tal nexo nao existe: a assocíacao é feita segundo criterios pessoais e
subjetivos; por isto os próprios mestres do Taró reconhecem que a interpre-
tacao dos símbolos tem variado através dos séculos.

O Taró, portanto, vem a ser urna forma irracional e imaginosa de tra


tar pessoas carentes. Pode lograr algum resultado tao somente por via de su-
gestao; incutindo sugestoes, o Taró pode bloquear ou desbloquear o psiquis-
mo dos clientes e assim influir no seu comportamento.

(continuado da pág. 46)

locada no rol daquelas que alimentam a síndrome de suspeicáo de que fala


Umberto Eco (ver PR 331/89, pp. 545s); é, sim, obra que pode avivar no
leitor a suspeita de que há misterios ocultos, reservados a iniciados, e de alta
importancia, mesmo onde só haja realidades lisas e chas. O sucessoda obra
de Benítez está em saber estimular a fantasía e as emocSes, com detrimento
da razao e do sadio senso crítico.
Estevao Bettencourt O.S.B.

35
Penetrando em...

Os Misterios da Cabala

Em sfntese: A Cabala 6 urna córrante de pensamento judaica que se


diz detentora de urna doutrina esotérica revelada por Henoque ao Patriarca
Abraao e que passou para Moisés. Este a redigiu em estilo simbólico, servin-
do-se da Ifngua egipcia, e entregou de viva voz os segredos da interpretado
a homens de sua confianca. Tais sabios seríam os iniciados que formam a
tradifio cabalística. Esta funde entre si elementos bíblicos, traeos de neo
platonismo pantefsta e outros dados "místicos" do Oriente antigo. Detém-
se especialmente na interpretacio dos números, números que muitas vezes
resultam das letras constitutivas de nomes, adjetivos, verbos... — A Cabala
é altamente imaginosa; consegue, porém, penetrar no grande público, por
sua promessa de conhedmentos ocultos e preciosos.

Cabala vem do hebraico qaballah (= tradicao ou transmissao). Designa


a doutrina esotérica dos judeus, que se foi formando aos poucos desde o ini
cio da era crista e no sáculo XII d.C. atingiu a sua configuracao mais elabo
rada. Resulta da fusao de genuínos elementos bíblicos (o texto sagrado é bá
sico ñas especulacSes cabalísticas) com o neoplatonismo pan teísta e outros
elementos "místicos" da antiguidade e da Idade Media.

1. Que ó a Cabala?

Os cabalistas assim explicam a origem da Cabala:

Henoque (cf. Gn 5,21-24) ensinou ao Patriarca Ábralo (séc. XIX a.C.)


urna doutrina oculta, que Abraao transmitiu oralmente a seus filhos e netos.
No sáculo XIII a.C. Moisés redigiu por escrito esses ensinamentos no livro da
Lei ou no Pentateuco.

Acontece, porém, que Moisés fora iniciado nos misterios do Egito. Por
isto escreveu em estilo simbólico servindo-se da Ifngua egipcia, Ifngua que
havia chegado ao mais alto grau de perfeicao. Moisés previa que a sua mensa-

36
CABALA 37

gem, pura como era, nao se conservarla ñas maos do seu povo, que peregri-
nava pelo deserto.' Por isto, tencionando evitar falsas interpretacdes, confiou
as chaves do entendiniento de seus escritos a homens seguros, ds fidelidade
comprovada;, entregou-lhes de viva voz os esclarecimentos necessários para
urna auténtica com preensao da Tora (Lei).
■ i:-!-f-:.i ■ ;■•

Os discípulos de Moisés confiaram esses ensinamentos secretos a ou-


tros homens, que os passaram adíame. Assim, de geracao em gerapao, chegou
até nos essa doutrina esotérica ou oculta que os rabinos chamam Cabala.

Moisés tinha acesso ao templo egipcio de Tebas, que continha os ar-


quivos sacerdotais da extinta rapa vermelha ou atlántida e os da seita de
Ram, que tinha sede na India. Moisés, portanto, foi iniciado em todos esses
conhecimentos, como também nos misterios da rapa negra, guardados no
templo de Jetro, seu sogro, que foi o último sobrevivente dos sacerdotes
dessa rapa (cf. Ex 3,1). Assim a tradipao oral que Moisés deixou aos seus dis
cípulos continha o essencial de todos os ensinamentos ocultos que exLtiam
na face da térra.

Oizem também os cabalistas que Moisés escreveu em caracteres Vat-


tam; todavia no século VI a.C. o sacerdote Esdras os substituiu pelos carac
teres hebraicos atualmente utilizados. Isto deve ter criado distancia entre o
texto primitivo e o texto atual do Pentateuco. A genuína interpretapáo des-
te foi entregue por Moisés nao á tribo sacerdotal (levítica), mas a comuni
dades leigas de profetas e videntes, das quais a principal foi a dos essénios.

Para se conservar inalterado o texto sagrado, os profetas davam nor


mas aos leitores e copistas, normas que se derivavam do esoterismo de Israel
e que hoje se chamam a Massorah. Esta, juntamente com outras tradigoes se
cretas (Michná, Gemará, Targum), constituí a Cabala judaica.

A Cabala pode ser teórica ou prática.

A Cabala teórica ensina algo sobre o misterio da Divindade, a criapao e


a queda dos anjos, a origem do mundo em sete dias, a criapao e a queda do
homem, os caminhos para a restaurapao deste... O seu livro principal é o
Zohar ou Livro do Esplendor, escrito por Simeao ben Jochai sob ordem vin-
da do Alto.

A Cabala prática ou mágica é conservada nos manuscritos chamados


Clavículas de Salomáo. Procura orientar o comportamento humano, obser
vando símbolos sagrados, especialmente as letras hebraicas, as quais é atri
buido valor numérico e valor qualitativo. Em conseqüéncia, fizeram-se ba-
ralhos ou series de cartas, portadoras de imagens simbólicas e números; essas

37
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

cartas, tiradas segundo certas regras, devem definir o caráter e o comporta-


mentó das pessoas interessadas. O mais importante de tais baralhos é o Taró,
que consta de 22 símbolos (Arcanos Maiores).

As Clavículas de Salomao tém 36 talismas e 72 figuras análogas ás do


Taró. Examinemos isto de mais perto.

2. O significado das letras

Eis como a Cabala define o valor das letras do alfabeto hebraico:

Aleph (A), sendo o primeiro som que a enanca articula e.a primeira
letra do alfabeto, significa unidade e principio; designa causa, poder, esta-
bilidade. Tem o valor numérico 1.

Beth (B) significa a paternidade, o Criador. Valor numérico: 2.

Ghimel (G) é o si nal de organismo ou do corpo com seus órgaos e suas


funcoes. Valor numérico: 3.

Daleth (D) designa abundancia, nutricio. Valor numérico: 4.

He (H) é símbolo de fólego, principio vivificante, alma, espirito. Valor


numérico: 5.

Vau (V) é o símbolo da luz do intelecto e da clareza de conceitos. Va


lor numérico: 6.

Zain (Z) designa a tendencia a um fim determinado e a causa final. Va


lor numérico: 7.

Heth (Ch) exprime equilibrio e trabalho. Valor numérico: 8.

Teth (T) indica teto, abrigo, refugio e os dois principios (o bem e o


mal). Valor numérico: 9.

Jod (J) simboliza a Divindade; é a imagem da eternidade e do poder


ordenador. Valor numérico: 10.

Khaph (K aspirado) é o símbolo de afinidade, coesao, molde, modelo.


Valor numérico: 20.

Lamed <L) designa extensao, expansao, possessáo. Valor numérico: 30.

38
■<H5ñJ\CS<. CABALA 39

¡Mem (M)indica fecundidade, maternidade, agua, líquido. Valor numé


rico: 40. i* O?t*'•";■'.

Nun (N) é símbolo de filho, fruto, geracao. Valor numérico: 50.


■ ■ i íí,U3l •íí'li'íS ti* •-.
Samekh (S) simboliza o movimento circular, a circunferencia, o uni
verso. Valor numérico: 60.

Ayin (OE) significa ruido, vento, o que é confuso, falso. Valor numé
rico: 70. v

Pe (P ou PH) representa o pensamento, a palavra, a boca. Valor nu


mérico: 80/

Tsade (Ts) simboliza vontade, ordem, sugestao. Valor numérico: 90.

Koph (K ou Q) designa golpe, ferida, daño; também escrita e letra.


Valor numérico: 100.

Resh (R) designa a cabeca, a origem, a repeticao. Valor numérico:200.

Shin (Ch) é a imagem do movimento, da transformapáo, da duracao


relativa. Valor numérico: 300.

Tau (Th) é o sinal dos sinais; simboliza a abundancia, a protepao e a


perfeipao. Valor numérico: 400.

Como se vé, o simbolismo das letras é assaz vago e flexível, prestándo


se a conclusoes e aplicapoes múltiplas, de acordó com o modo de ver subjeti
vo do leitor ou do intérprete. Mas nem todos os autores cabalistas concor-
dam entre si ao explicar o simbolismo das letras.

A Cabala ensina também que existe urna influencia dos céus sobre a
térra, influencia que é designada pelas 22 letras do alfabeto hebraico. Por
conseguinte, distinguem os cabalistas tres segmentos no alfabeto:

1) Da letra Aleph á letra Jod, é designado o Mundo Invisível ou Angé


lico, as inteligencias soberanas, que recebem as influencias da Luz Eterna.

2) Da letra Kaph ató Tsade, designam-se os anjos que habitam o mun


do visCvel e regem os astros existentes no espapo cósmico. Recebem luz da
Sabedoria Divina, que criou os corpos celestes.

39
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

3) Da letra Koph ao Tau, é simbolizado o mundo elementar ou o mun


do dos homens, cuja sorte é regida também por anjos.

Cada letra do alfabeto hebraico corresponde a um tipo de inteligencia


superior ou de anjo. Examinemos agora como a Cabala joga com letras e nú
meros.

3. Exercícios cabalísticos

Na base de que letras e números correspondem entre si, a Cabala reali


za diversas operacoes, das quais destacamos a adicao e a reducao.

A adicao consiste em somar todos os algarismos que compóem um nú


mero superior aos nove primeiros; por exemplo, 12, numa adicao cabalísti
ca, dá 1 + 2 = 3.

A reducao consiste em achar o número pequeño que resulta da adipao


progressiva; por exemplo 365 reduz-se a 5, porque 365 = 3 +6 + 5= 14, e
14=1+4 = 5. Vejamos como estas operacóes podem levar a descobrir
coincidencias, definir temperamentos de pessoas e sua conduta (conforme a
Cabala). Por exemplo,

1) Pai em hebraico diz-se AB. Ora AB é A (= 1) e B (= 2); donde 3.

Mae em hebraico diz-se AM. Ora AM é A (= 1) e M (= 40).

Somando pai e máe, vamor ter: 1+2


1 +40

44

Mas 44 é 4 + 4 = 8. Ora 8 é também a soma dos valores numéricos


de leLeD1, geragao. Com efeito, I = 10, L = 30, D = 4. Donde 10 + 30
+ 4 = 44. E 44 = 4 + 4 = 8.

Donde se vé, conforme a Cabala, que existe urna correspondencia en


tre pai-mae e geracao.

2) Também o nome de Deus (IHVH) reduz-se ao número 8. Com efei


to, I = 10; H = 5; V = 6; H = 5. Donde 10+ 5 + 6 + 5 = 26. E 26 = 2 + 6
= 8.

1 Notemos que as vogais nSo eram escritas pelos hebreas, de modo que nao
as contavam.

40
CABALA 41

Conclui-se entao que a geracao se liga nao somente a pai e mae, mas
também a Deus.

3) 0 ano dos amigos era lunar, tendo 355 dias. é o que parece indicar
o próprio nome hebraico ShaNaH = ano. Sim; Sh = 300; N = 50; H = 5.
Donde 300 + 50 + 5 = 355.

4) A primeira palavra da Escritura Sagrada é Be Re A SH Y TH = no


principio. Consta de seis consoantes ou semiconsoantes: B, R, A, SH, Y, TH.
Ora essas seis consoantes correspondem as seis fases (ou aos dias) da criacao
do mundo, conforme Gn 1, 1-2, 4.

5) O nome de Deus (IHVH) pode ser escrito também sob a forma


IEVE (deformacao de Javé). Ora os cabalistas dispunham essas quatro letras
de modo artificioso ou triangular, a saber:

A seguir, faziam a soma:


1 = 10 10
IE = 10 + S 15
IEV= 10 + 5 + 6 21
IEVE = 10 + 5 + 6 + 5 26

Dai' dizer-se que 72 anjos ou genios presidem as 72 divisdes do céu, ás


72 partes do corpo humano. Os 72 genios tém, a partir do primeiro, respec
tivamente os seguintes nomes: Vehuiah, Jebiel, Sitael, Elemiah, Mahastah,
Lelahel, Acaiah, Caetmel...

A correspondencia entre números e letras faz-se atualmente também


ñas Ifnguas de alfabeto diferente do hebraico ou ñas Ifnguas modernas.1 As-
sim, por exemplo, dizem os cabalistas do século XX:

O navio Titanio foi destrufdo por um bloco de gelo aos 14/04/1912,


perecendo entáo centenas de riqufssimos passageiros. Ora o nome TITÁNIC
tem o seguinte valor numérico: T = 100; I = 9; T= 100; A = 1;N = 40;

1 EmPortugués, temos:a= 1;b = 2;c= 3;d=4... ¡ (j,y) = 9;...n=40..


u (v, w) = 200... z = 400.
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

I = 9; C = 3. Donde a soma é 262. E 262 = 2 + 6 + 2 = 10. O número 10


corresponde ao arcano X do Taró, cujo significado é: "Ele vaca o dos humil
des e queda dos orgulhosos". Pois bem; o TITANIO estava cheio de gente or-
gulhosa. Por isto naufragou!

Mais:a data do naufragio também era azarenta, conforme a Cabala: 14


de abril (4? mes) de 1912. Somando tais números, vamos ter: 14 + 4 + 1912
= 1930. E 1930 é1 +9 + 3 + 0=13. Pois bem; 13 é o número do Arcano
da Morte no Taró!

Aínda outro jogo pode ser feito. Somando-se os algarismos contidos


na data 14/04/1912, tem-se: 1 + 4 + 4 + 1 + 9 + 1 + 2 = 22. Ora 22 é o nú
mero do Arcano da Loucura ou da catástrofe final no Taró.

4. Nocoes complementares

A Cabala admite a reencarnacao, necessária para que a alma humana se


possa purificar e atingir a felicidade celeste, que consiste na plena uniao com
Deus. Acredita também que no inicio da historia houve o que se chamaría
"pecado original" ou urna desobediencia do homem a Deus; movido pela
serpente da tentapao ou a concupiscencia, Adam-Kadmon (= o Homem pri
mitivo) cedeu ao amor egoísta de si, abandonando a divindade.

Para voltar a esta, o homem conta com práticas mágicas ou com a ma


gia branca, que atrai a influencia de espíritos superiores. Todos os seres hu
manos sao dotados de faculdades mágicas em graus diferentes; todavía nao
costumam cultivá-las. Existe também a magia negra, que utiliza as forcas in-
visíveis para cometer o mal; é condenável, porque os demonios que ajudam
o mago negro na execucao das suas práticas abomináveis, o levamá perdícao.

O mago pode entrar em comunicacao com os esp fritos superiores para


recebar deles ¡nstrucoes e sabedoria. Para o conseguir, deve passar por urna
preparacSo mística, isolar-se do mundo e, com o auxilio do sagrado tetragra-
ma (JHVH), entrar em estado de ¡nspiracSo mediúnica. A Cabala reconhece
curas mágicas ou magnéticas, a influencia dos astros e dos talismas, os fenó
menos hipnóticos, a licantropia (a acao de um homem-lobo ou lobisomem),
e o sabbath das bruxas (os demonios teriam cópula com mulheres na noite
de sábado para domingo).

ConclusáTo: vé-se que a Cabala é um tecido de propostcoes imaginosas,


destitufdas de fundamento histórico, literario ou científico. Abrange a Nu-
merologia, a astrologia, a magia, a comunicacao com os esp fritos do além, o
curandeirismo... Há quem tencione, na Cabala, diagnosticar doencas, detec-

42
CABALA 43

tar a personalidade de alguém, predizer o futuro, orientar o comportamento


dos clientes, etc.

Comparando entre si os autores cabalistas, verificamos que nem sem-


pre concordam entre si ao indicar o significado dos números e das letras do
alfabeto. A interpretapao destes sinais é altamente subjetiva e pessoal. pois
ao mesmo sinal se podem atribuir mensagens diferentes ou mesmo contradi-
tórias. Embora táo frágilmente construida, a Cabala atrai muita gente, por
que parece oferecer solucoes prontas e eficientes por vias sobre-humanas a
pessoas que estao cansadas ou céticas em relacao á ciencia e pen'cia dos ho-
mens, ou também a pessoas que p6em a razio de lado para atender á fanta
sía desenfreada.

É para desejar que todo homem, ao receber urna mensagem "maravi-


Ihosa", exerca urna crítica sadia e pergunte quais as credenciais de tal men
sagem ou em que fundamentos lógicos e objetivos se apoia... E verá que mui
ta fantasía se dissipará.

(continuacio da pág. 23)

Vaticano II, Isto é urna afronta grave feita publicamente contra o Magisterio
da Igreja. é claro que nato se pode, nem deve, acompanhar o prelado em seus
erros nem aderir a seus atos de desobediencia, seus ou dos que o seguem,
mas é preciso ter grande caridade para com ele e os que o acompanham nes-
se cisma. A consciéncia de cada pessoa é impenetrável e nunca se sabe quais
os fatores psicológicos que a levam a determinados atos. NSo participar dos
erros, mas nao cortar os lagos de amizade com tais pessoas.

Para poder ouvir a voz da Igrefa em toda a sua pureza e nitidez, é ne-
cessário que purifiquemos nossos coracoes e retifiquemos nossa vontade; te
to é. nos desapegaremos de nos mesmos, de nossos gostos pessoais, de nossos
hábitos, de nossas opinides, para ouvir mais pura e nítida a voz do Espirito
Santo, que nos fala pela boca da Esposa de Cristo, assim como Ele próprío
estabeleceu".

Quando contei ao Pe. Bandera que, há dez anos atrás, em 1979, nos
no Brasil nos debatamos com urna crise parecida com a dos tradicionalistas
franceses, e que eu, e mais alguns amigos de Gustavo Corpáb, escolhemos
obedecer a nosso bispo. Pe. Bandera, muito emocionado, me disse: "Voces
receberam, entSo, urna grande grapa, es asombroso! É preciso agradecer a
Deus muito, muito. Eu também o agradepo".
Grapa Pierotti

43
Alta ficcao:

"Operagáo Cávalo de Tróia"

por J.J. Benítez

Em sfntese: J.J. Benítez escreve o Diario ficticio de um Major norte


americano que em 1973 tena conseguido recuar quase dois mil anos, ou seja,
aos tempos de Cristo; o autor terá acompanhado Jesús nos últimos dias de
sua vida terrestre e descrito pormenorizadamente os episodios dos sucessivos
momentos desses dias. Em tal descricSo impera a fantasía exuberante do au
tor, que concatena as cenas do Evangelho a seu modo, acrescenta algumas
novas, formula conjeturas, etc. Do ponto de vista doutrinário, desvíase da
reta norma, ao professar que Jesús teve irmaos filhos da mesma mae, ao insi
nuar que a ressurreicao de Jesús nio foi corpórea, ao apresen tar cenas pouco
decorosas direta ou indiretamente relacionadas com Jesús.

A obra "Operagao Cávalo de Tróia"1 consta de tres volumes, dos


quais o primeiro vai, a seguir, brevemente comentado. Deve-se a J.J. Bení-
tez, autor espanhol, que se tem dedicado a escrever livros sobre Discos Voa-
dores (OVNIs) e temas de misterio. Nesta obra imagina um Major da Forga
Aérea norte-americana, que no fim da vida confia ao autor J.J. Benítez do
cumentos que pretendem revelar o desenrolar de urna Operagao (proeza) da
NASA, dita "Cávalo de Tróia"; esta experiencia teria consistido em recuar
quase dois mil anos no tempo a fim de permitir ao Major acompanhar, lado
a lado, os últimos dias de Jesús Cristo antes da sua morte, ou seja, de 30 de
margo (quinta-feira) até 9 de abril (domingo) do ano 30 da era crista. Esta
Operagao teria ocorrido em 1973, ficando tudo registrado num Diario,
que Benítez publica, após ter descrito como ele mesmo conseguiu decifrar a
mensagem do Major que Ihe indicava o esconderijo desse Diario.

O livro é altamente fantasioso (é isto que Ihe merece o apreco de boa


parte do público). As suas primeiras 86 páginas (decifracao de segredo) tém

1 Traducao do espanhol por Herminio Tricca. - Ed. Mercuryo, SSó Paulo


1987, 136 x 208 mm, 555 pp.

44
K ;P "OPERACAO CÁVALO DE TRÓIA" 45

o estilo de um romance policial. Os seguintes capítulos parafraseiam, de ma-


neira ¡maginosae ás veres grotesca, os episodios desde a entrada de Jesús
em Jerusalém até a ressurreicSo do Mestre, fazendo acréscimos, concatenan
do dados esparsos no texto do Evangelho, construindo a bel-prazer certos
outros tópicos... •,

0 enredó pode ter seus trechos interessantes e ilustrativos, pois contri


buí cá ou lá para reconstituir a topografía da vida de Jesús e alguns dos cos-
tumes da época. Mas prepondera no leitor a impressao do fantasioso, nem
sempre reverente e ortodoxo. Sejam salientados, entre outros, os seguintes
pontos:

1) O autor Taz questao explícita de dizer que Jesús teve irmaos, filhos
da mesma mae (cf. pp. 494s. 497); pretende mesmo saber que urna das irmas
de Jesús se chamava Rute (cf. p. 496). - Ver a propósito E. Bettencourt,
Diálogo Ecuménico, Caixa postal 2666 - 20001 Rio (RJ).

2) Ao referír-se á ressurreicao de Jesús, o autor nao é claro; ao contra


rio, fecha-se em expressBes lacónicas (cf. pp. 555-557). A p. 200 escreve:
"Os fariseus acreditavam que, na ressurreicao, os corpos se levantavam física
mente. E Jesús, em suas afirmacSes, ná"o se referiu a este tipo de ressurrei
cao". - Ora a fé professa que, para Jesús e todos os homens, há a ressurrei-
cSo física. Diz Sao Paulo, referindo-se a esta: "Se Cristo nao ressuscitou, va-
zia é a nossa pregacao, vazia também é a vossa fé... Se Cristo nao ressuscitou,
ilusoria é a vossa fé; ainda estáis nos vossos pecados" (1 Cor 15,13-17).

3) Há cenas indecorosas: note-se, por exemplo, a maneira lasciva como


é tratada a mulher adúltera a p. 205 (quando Jesús se depara com a adúltera
em Jo 7, 53-8, 11, os personagens estao longe de assumir o comportamento
descrito por Benítez). A p. 229 Jesús aparece quase desnudo a tomar um
banho de bacia frente aos seus seguidores.

4) O nome Jeová retorna freqüentemente (ver, por exemplo, pp. 202.


210...) para designar o Deus que se revelou no Antigo Testamento. — Ora os
judeus no tempo de Cristo nao utilizavam este nome; é de origem medieval;
resulta da combinacao das consoantes de JAHVEH com as vogais de ADO-
NAY:1

J H V H
e o a

1 O A de Adonay 6 mudo. Ové semiconsoante.

45
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

5) Ás pp. 204-211 o autor descreve o tratamento infligido a urna mu-


Iher apreendida em suspeita de adulterio, conforme a Leí de Moisés (cf. Nm
5, 11-31). A Leí mandava que a mulher fosse submetida á ordália ou ao jul-
gamento de Deus; no caso, davam-se-lhe a beber agua* amargas; se Ihe cau-
sassem danos, a mulher era tida como culpada; se escapasse ¡lesa, era consi
derada inocente. Que aguas amargas sao essas? O texto bíblico nao o expli
ca. J.J. Benftez, porém, o sabe: era urna solucSo, diz ele, resultante da ebuli-
cao de añil, carbonato de potássio, sulfeto amarelo de arsénico, cal viva e go
ma arábica pulverizada... Acrescenta Benítez que tal combinacao era anacró
nica nos lempos de Moisés (século XIII a.C.) e de Cristo, pois o ácido arse
nioso e sua funesta acao sobre o organismo so sSo citados em documentos a
partir do século IX da nossa era. Daí as perguntas do autor:

"Se os israelitas nao foram os descubridores ou criadores de semelhan-


te fórmula, quem foi? A conclusao ¡mediata só pode ser urna: Jeová. Mas,
aceitando tal hipótese, quem era este Jeová, capaz de transmitir fórmulas quí
micas tao precisas, adiantando-se, além de tudo, aos tempos? B, sobretudo,
por que um ser que se autodefinia como Deus, estabelecia procedimentos tao
injustos e horrorosos na hora de dilucidar a culpabilidade de urna pessoa?"
(p.210),

A propósito observamos:

a) A ordália ou o julgamento de Deus nao tem origem na Lei de Moi


sés, mas era costume esparso entre os povos antigos para dirimir dúvidas a
respeito da inocencia de alguém.

b) Israel adotou essa praxe... Deus quis responder ás convencSes das


. ordálias, como quis comunicar-se aos homens por meio de sonhos, embora
nao tenha obrigacSo de o fazer. Hoje em dia as ordálias já nao sao praticadas
no povo de Deus, pois os trámites judiciários evoluem.

c) A Biblia Sagrada nSo especifica o que eram as "aguas amargas"; de-


viam ser aguas que pudessem fazer mal ou ná*o. Ná*o podiam ser aguas vene
nosas nem mortíferas como aquelas que Benítez descreve no seu livro, pois
em tal caso nao se poderia ¡amáis deduzir a inocencia da pessoa acusada. Be
nítez terá depreendido a fórmula das aguas amargas em algum ritual nao bí
blico, fautor de vinganca preconcebida, e nSo de justica. Em conseqüéncia,
na*o há por que lancar as duas ¡nterrogacfies que Benítez formula no texto
atrás citado; o Senhor Deus nao pode ser fonte ou incentivador de represa
lia vingativa, cega e injusta.

Em suma: a obra de Benítez destina-se a suscitar sensacionalismo ás


custas da verdade objetiva, até mesmo das verdades da fé. Bem pode ser co-
(continua na pág. 35)

e.fí
Encontró com o Pe. Armando
Bandera O.P.
A Profa. Grapa Pierotti enviou á Redapao de PR a seguinte comunica-
pao, resultante de um coloquio que teve com grande teólogo espanhol. - De
bom grado publicamos o seu texto, que será útil á compreensSo do Concilio
do Vaticano II, ao mesmo tempo que agradecemos á Profa. Grapa a sua im
portante colaboracao.1

O Padre Armando Bandera O.P. é muito conhecido nos meios católi


cos, tanto por artigos publicados em revistas de varios pai'ses, quanto por
obras magistrais, entre as quais nove versando sobre a Igreja: La Iglesia mis
terio de comunión - El sacerdocio de La Iglesia - La Iglesia imagem de Cris
to - La Iglesia sacramento del mundo - La Iglesia ante el processo de libe
ración - Comunión eclesial y humanidad - La vida religiosa en el misterio
de la Iglesia, Concilio Vaticano II y Santo Tomás de Aquino -Teologiade
la vida religiosa, la renovación doctrinal del posconcilio - La vocación cristi
ana en la Iglesia, e outras sobre a vida mística,da qual é professor no Institu
to Teológico de Salamanca. É outrossim diretor da revista La Vida Sobreña-
tual, fundada em 1921 pelo Pe. Arintero O.P., que foi muito amigo do Pe.
Garrigou-Lagrange O.P.

Entre nos o Pe. Bandera colabora na reviste Pergunte e Responde


remos.

Estando em Lisboa, quis aproveitar a proximidade de Salamanca e


para lá seguí, numa viagem de nove horas de trem, um tanto desconfortável,
para conhecer e, principalmente, ouvir o Pe. Bandera, expondo-lhe alguns
pontos de controversia dolorosa entre nos.

Eis aqui as respostas confortadoras do Pe. Bandera:

SOBRE O CONCILIO VATICANO II: "É a voz do Espirito Santo pa


ra os homens do nosso tempo. é a voz do Magisterio da Igreja. Nada há nos
seus textos que deva ser alterado ou retocado. A grande clarídade do Conci
lio aínda nos ofusca e, porisso, aínda nio o podemos compreender melhor.
A maneira de viver dos homens mudou muito nesses últimos quarenta ou

1 Graca Pierotti é autora do Catecismo "0 que precisamos saber". Editora


Presenca. Rúa do Catete 204. Gr. 302. 22230 Rio (RJ). Fone: (021)
225-1947. A obra muito se recomenda.

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48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 332/1990

cinqüenta anos, a facilidade dos meios de comunicado trouxe situacBes no


vas, problemas até entSo ignorados, de sorte que a igreja tem o dever de se
abrir a esses problemas e dar-lhes respostas; a Igraja tem por missSo fa/ar a
todos os homens e se fazer compreender por todos. Como qualquer organis
mo vivo, a Igreja nSo é estática; desenvolve-se incessantemente para ser cada
vez mais santa, una e universal, com santidade crescente, unidade e universa-
lidade crescentes neste mundo.

Assim como Cristo, Sffo Paulo foi ao encalco das ove/has perdidas, des
garradas e afastadas; assim também a Igreja, imitando seu Fundador e o
grande apostólo, deve ir procurar as ove/has afastadas nos dias atuais".

SOBRE O DOCUMENTO DA LIBERDADE RELIGIOSA: "í docu


mento perfeitamente católico, escrito em linguagem diferente para os leito-
res deste sáculo, onde nada há a ser corrígido. A Igreja a f afirma que os ho
mens tém o dever de procurar a verdade, mas de modo algum afirma que na
ja um dimito ao erro (condenado por Pió IX). O documento afirma que es-
sa verdade, que os homens tém o dever de procurar, está depositada por
Deus na Igreja eé por ela oferecida, aos homens. Oferecida, mas nSo imposta.

Em Assis, o Papa rezou junto com autoridades de outras reiigioes, mas


nao com suas fórmulas. Diante do ateísmo reinante, tanto do lado comunis
ta como na sociedade liberal do Ocidente, este ato de reconhecimento públi
co da soberanía de Deus tem um valor incalculével para toda a humanidade".

SOBRE A IGREJA: "Aíestá o nó do problema, tanto para progressis-


tas como para tradicionalistas. A verdade sobre a Igreja, eis o que nosso Papa
nos pede aprofundar (ver o Motu Proprio Ecclesia Dei de 2/7/88). A Igreja
é a Esposa de Cristo, e O ama como uma esposa ama apaixonadamente o seu
esposo. O mais ardente amor entre esposos humanos nio é senao um pálido
reflexo do amor entre Cristo e a Igreja (verSSo Paulo, Ef5,21-32). Ela de-
fende seu Esposo e se dedica com ardor, trabalhando incansavelmente para
a realizacSo dos planos e desejos do seu Esposo. Quais sSo eles? A salvacao
de todos os homens. B preciso crer no misterio da Igreja "antes que el enten
dimiento lo comprenda", é isto a Fé, "rendarse a um misterio" e vivá-lo em
uníSo, em comunhao. Sim, a Fé deve ser vivida em comunhéb, porque 6 o la-
co mais forte que pode haver para unir os homens entre si".

SOBRE LITURGIA: Sobre este assunto o Pe. Bandera recomenda o


texto de condusSo do Pe. Manuel Garrido Bonaño O.S.B., especialista na
materia, autor da obra Iniciación a la Liturgia de la Iglesia, publicado em La
Vida Sobrenatural (n? 544 julho/agosto 1989, pág. 317) que aquí transen-
vemos no original espanhol, fácilmente compnensfvel aos leitores brasilei-
ros: "Es un gran gozo espiritual toda la renovación litúrgica posconciliar.
(continua na pág. 23)

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EDIQOES LUMEN CHRISTI
A PALAVRA DO PAPA:

Vol. I JoSo Paulo II e o espirito beneditino. Carta apostólica,


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Vol. 11 O corpo humano e a vida, escatologia e eutanasia. Co
mentarios de D. Estévao Bettencourt, OSB NCz$ 13,00
Vol. III Vida e missSo dos religiosos: acSo e contemplacSo. . NCz$ 17,00
Vol. IV Joao Paulo II aos jovens. Alocucóes. 78p NCz$ 17,00
Vol. VA Liturgia das Horas. Texto completo da instrucSo ge-
ral sobre a Oracao do Povo de Deus NCz$ 22,00
Vol. VI Constituicao Sacrossanctum Concilium. Bilingüe . . NCzS 40,00

VIDA MONÁSTICA:

A REQRA DE SAO BENTO - 3a. edicáo em latim-portugués, com ano-


tacSes por D. Joao Enout. Acaba de aparecer esta nova ¡mpressao, após
varios anos esgotada. A Regra que Sa*o Bento escreveu no sáculo VI
continua viva em todos os mosteiros do nosso tempo, aos quais nao fal-
tam vccagoes para monges e monjas.

O HUMILDE E NOBRESERVIQO DO MONGE,TRECHOS


ESCOLHIDOSdas cartas aos Mosteiros da congregacao deSu-
biáco. D. Gabriel Brasó. Traduzido por Alceu Amoroso Lima
e suas filhas. 1983, 232 p NCzS 50,00
APOFTEGMAS, a sabedoria dos amigos monges do deserto.
Breves sentencas sobre a oragao e ascese. Traduzido e anota
do por D. EstévSo Bettencourt. 1972 NCzS 37,00

HISTORIA:

OS MONGES BENEDITINOS NO BRASIL, esbogo histórico.


Dom Joaquim Grangeiro de Luna OSB. 1947, 162 p NCzS 60,00
A ORDEM DE SAO BENTO NO BRASIL QUANDO PRO
VINCIA, (1582|-1827),'240 p NCzS 91,00
FREÍ DOMINGOS DATRANSFIGURACÁO MACHADO,o
restaurador da CongregacSo. 1980 NCzS 78,00
HISTORIA DE SAO BENTO E SEU TEMPO, D. Alfredo Car-
deal Schuster. 468 p. 1956 NCzS 142,00
O MOSTEIRO DE SAO BENTO, Texto de D. Marcos Barbo
sa e desenhos em bico de pena por Bruno Pedrosa (Álbum) . NCzS 69,00

(Prego sujeito a alteracao).


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Encadernado em percalina, 590 págs. com índice de 1989.
(Número limitado de exemplares) NCz$ 360,00

ACABA DE SAIR:

SAO BENTO E A PROFISSAO DE MONGE, por D. Joao Evangelista


Enout O.S.B. - 190 págs.

O genio, pu seja a santidade de um monge da igreja latina do sáculo VI


(480-540) — SAO BENTO — transformou-o em exemplo vivo, em mestre e
em legislador de um estado de vida crista, empenhado na procura crescente
da face e da verdade de Deus, espelhada na trajetória de um viver humano
renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o discípulo de S. Bento
ouvé o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissao de monge".

RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA, D. Cirilo Folch Go


mes, OSB. Comentario ao "Credo do povo de Deus", á luz
do Vaticano II. 1981. 2? ed. 692p NCz$159,00
O MISTERIO DO DEUS VIVO. Pe. Albert Patfoort, OP.,
traducao e notas de D. Cirilo Folch Gomes, OSB. Tratado
de "DEUS UNO E TRINO", de prientaclo tomista e de ín
dole didática. 230 p NCz$ 60,00
QUADROS MURÁIS, Formato grande. Para aulas, círculos,
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DIÁLOGO ECUMÉNICO: Temas controvertidos - 3a. edicto, com acrésd-


mo de quatro capítulos - 304 páginas NCz$ 78,00
Seu Autor, D. Estévao Bettencourt, considera os principáis pontos da clássi-
ca controversia entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a dis-
cussSb no plano teológico perdeu muito de sua razio de ser, pois nao raro,
versa mais. sobre palavras do que sobre conceltos ou proposicSes.
Cap. I O Catálogo bíblico: Livros canónicos-e Libros apócrifos. - II Soman
te a Escritura? - III Somente a Fe? Nffo as obra? - IV A Santíssima Trin-
dade: Fórmula pagS? - V O Primado de Pedro - VI Eucaristía: Sacrificio
e Sacramento - Vil A ConfissSo dos pecados - VIII O Purgatorio - IX As
Indulgencias - X Maria, Virgem e Mae - XI Jesús teve irmSos? - XII O
Culto aos Santos - XIII E as imagens sagradas? - XIV Alterado o Decálo
go? - XV Sábado ou Domingo? - XVI 666 (Ap 13,18) - XVII Vocé sabe
quando? - XVIII Seitas e espirito sectario - Apéndice geral: A era Constan-
tiniana - Epílogo - Bibliografía.

Atende-se pelo reembolso postalJ(Preco sujeito a alteracfo).

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