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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDKpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
SUMARIO
"Se! em Quem Acrediteí"

UJ

O Os Silencios de Deus
t-
<s>
Ul Envelhecer Fracasso?... Sabedoria?

O
Pedro Jorge Frassati
v>

S "Urna Igreja de Batizados:


LU
Para Superar a Oposicáo Clérigos/Leigos"
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03

O
Livro em Estante
CC
O.

ANO XXXI AGOSTO 1990 339


rtKUUNIt t Htbr'UIMUtMblVlUb AGOSTO-1990
... Publicacao mensal
N&339

SUMARIO
DiretorRwponsável:
Estevao Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
"Sei em quem acreditei" 337
publicada neste periódico

Verificacáo crucial:
Diretor-Adminisirador:
Os Silencios de Oeus 336
D. Hildebrando P. Martins OSB

Problema? Plenitude?
Administraca~o e distribuicao:
Envelhecer: Fracasso?... Sabedoría? . 352
Edicoes Lumen Christi
Dom Gerardo. 40 - 5? andar, S/501
A santidade entre os jovens:
Tel.:(021) 291-7122
Pedro Jorge Frassati 361
Caixa Postal 2666
20001 - Rio de Janeiro RJ
Livro revolucionario:
"Urna Igreja de Batizados: Para
ImpressSo e Eneadern&cSo
Superar a Oposicáo Clérigos/Leigos",
por Réml Parent 373

Llvros am Estante 383


"MARQUES-SARAJVA"
GRÁFICOS E EDITORES S.A.
Tols.: (021)273-949$ - 273-94*7

NO PRÓXIMO NÚMERO:
Reencarnacfo e Cristianismo. - Castidade e Medicina. — Os teólogos e o Ma
gisterio da Igreja. - "A Cura pela Imposicao das Máos" (H. Back e P. Grisa).
- A Mística do Santo Oaime.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

ASSINATURA ANUAL (12 números): Cr$ 800,00- Número avulso:Cr$ 80,00

. Pagamento (á escolhal .

1. VALE POSTAL á agencia central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edicoes
"Lumen Christi" Caixa Postal 2666 20001 Rio de Janeiro - RJ.

2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edicoes "Lumen Christi" {enderego ácima).

3. ORDEM DE PAGAMENTO, no Banco do Brasil, conta N? 31.304-1 em nome do Mos-


teiro de Sao Bento, pagável na agencia Praca Mauá/RJ N? 0435-9. (Nao enviar através
de OOC ou depósito instantáneo - A identificacao é difícil).
JLBL
"Sei em Quem Acreditei" L£
(2Tm 2,12)
Pouco antes de morrer, encarcerado em Roma e abandonado por dis
cípulos, o Apostólo Sao Paulo escreveu sua última carta, a 2Tm. — Recorda
que é arauto da mais valiosa mensagem: "Cristo Jesús destruíu a morte, fez
brilhar a vida e a imortalidade" (2,10). Este ministerio, porém, Ihe custou
duros sofrimentos, que ele enumera em 2Cor 11, 23-29. Para seguir o Cristo,
Paulo deixou todos os seus títulos de genuino fariseu (Fl 3,4-11) e enfren-
tou os desafios da pregacao do Evangelho "loucura e escándalo" (ICor 1,
23). Foi, por isto, acusado de subversivo contra César (cf. At 17,7), nocivo á
industria dos ourives (cf. At 19, 23-40), prejudicial ao comercio dos adivi-
nhos (cf. At 16, 16-19), traidor da Lei de Moisés (cf. At 18, 12-17). Tao
abatido pela aparente "resposta" que Cristo Ihe dava, havia o Apostólo de
desdizer o Senhor Jesús? Nao se arrependeria de ter confiado no Cristo, que
havia orientado a sua vida missionária? - Nao. Apesar de tudo, Paulo
escrevia:

"Eis por qua tofro estas coisas. Todavía... sei em-quem acreditei, e es-
tou certo de que Ele é capaz de guardar o meu depósito até aquele Día"
(2Tm1,12).
"Sei em quem acreditei (pepíiteuka)". A forma do verbo perfeito gre-
go indica algo de estável e imutável; o Apostólo acreditou confiante em Cris
to, e continua a acreditar inabalavelmente. Ele se entregara nao a mero ho-
mem, nem a urna faccao poderosa, mas a Jesús Cristo. Sabia que nao seria
decepcionado, mas, ao contrario, o seu depósito Ihe seria guardado e entre
gue naquele Dia, no Dia do Juízo Final.

Deposito, parathéke em grego, era um valor entregue á custodia de


urna pessoa de confianca. Esta se comprometía, por um contrato bascado na
lei romana, a devolver esse valor logo que o depositante o solicitasse; o dever
de fidelidade do depositario era sagrado e sujeíto a sancao religiosa. Ora Pau
lo parece fazer alusáo a este costume do Imperio Romano: depositou confi
ante a sua vida, os seus talentos, os seus trabaIhos e sofrimentos ñas mábs de
Jesús Cristo e está certo de que todos estes bens estao em seguro, de modo
que Paulo, no último dia, receberia o que Ihe competía:
"Combatí o bom combate, terminai a minha carreira, guarde! a fé.
Desde já me está reservada a coroa da justica, que me dará o Senhor, justo
Juie, naquele Dia" (2Tm 4,7s).
As palavras e a atitude do Apostólo sao paradigmáticas para todo cris-
táo. Quem abraca o Evangelho, deposita ñas míos de Jesús Cristo toda a sua
vida; nao pertence mais a si, mas é selado como propriedade dele (cf. 2Cor
1, 22; Ef 1, 13s). Este gesto nao pode deixar de parecer arriscado. Todavia é
sumamente sabio. O cristao pode e deve dizer: "Sei em quem acreditei...!"
E.B.

337
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXXI - N? 339 - Agosto de 1990

Verificagáo crucial:

Os Silencios de Deus

Em sfntese: Os silencios de Deus desconcertam muitas pessoas: vSem o


mal campear no mundo, sem que Deus parece tomar parte na angustia dos
que sSo vftímas da violencia e da injustica. O presente artigo transcreve tes-
temunhos dos Profetas bíblicos e de autores modernos relativos a tal proble
ma. A guisa de esclarecimento, acrescentam-se algumas reflexoes teológicas
sobre o assunto: Deus n§o 6 um ser mudo; Ele se revelou e revelará;se Ele,
por vezes, parece calarse, Ele o faz sabia e providencialmente, como sao sa
bios e harmoniosos os silencios (as pausas) existentes numa sinfonía; esta
precisa nSo somonte de notas melodiosas, mas também de seus intervalos de-
vidamente compassados. Os "silencios de Deus" devem excitar o cristao a
criar novas antenas ou ouvidos interiores para perceber mais profundamente
o discurso de Deus que se desdobra no decorrer da vida do individuo ou do
género humano. Associando os fatos da historia entre si, o cristio neles des
cobre como que fragmentos de letras ou de palavras..., fragmentos que,
sabiamente combinados entre si, revelam bela e santa mensagem de Deus; o
discurso do Senhor se manifesta ao homem na medida em que este, longe de
ceder ao desánimo, vai caminhando na fé e realizando a vontade de Deus dia
riamente; é entSo que fragmento se junta a fragmento, letra a letra, palavra a
palavra e a mensagem final ressoa sabia e restauradora. "O justo vive da fé",
diz Salo Paulo (ñm 1, 17); "Quem perseverar até o fim, será salvo", acrescen-
ta o Senhor (Mt 10, 22).

Sempre pesou sobre a mente dos homens como doloroso misterio a


aparente indiferenca de Deus diante do desenrolar dos acontecimientos neste
mundo. A iniqüidade e a desonestidade campeiam na historia, solapando o
bem e os bons, sem que o Eterno intervenha para coibir a desordem e restau
rar a escala de valores. Os fiéis do Senhor senté m-se, por vezes, desanimados

338
OS SILENCIOS DE DEUS

e propensos a "fazer como todo o mundo faz", visto que ser reto e digno pa
rece custar muito caro e nao trazer proveito. — É obvio que tais conclusoes
nao podem ser verídicas. É preciso, porém, refletir sobre o problema. É o
que faremos ñas páginas subseqüentes.

1. A perplexidade

Para nao nos estender demais, partiremos das "queixas" dos homens
de Deus no Antigo Testamento.

1.1. No Antigo Testamento

1. Um dos depoimentos mais impressionantes é o do Profeta Jeremías


(secuto VI a.C). Este homem de Oeus cumpria a ingrata missao de anunciar
ao povo de Judá a próxima invasao dos babilonios e a ordem, proveniente
do Senhor Deus, de nao fazerem alianca com os egipcios para se defende
ré m. Isto parecia absurdo ao reí e aos cidadaos de Jerusalém, que, por causa
disto, maltratavam Jeremías portador de tais oráculos. Em consecuencia,
disse o Profeta certa vez:

"Tu és justo demais, Senhor, para que eu entre em processo contigo.


Contodo falarei contigo sobre questSes de direito. Por que prospera o cami-
nho dos impíos? Por que os apóstatas estSo empaz?

Tu os plantaste; eles criaram rafzes, vio bem e produzem fruto. Tu es


tás perto de sua boca, mas longe dos seus rins... Eles dizem: 'Deus nSo vé o
nosso futuro' " (Jr 12, 1-4).

As palavras de Jeremías nao obtiveram explicapoes da parte do Se


nhor. Este apenas pediu ao Profeta que se dispusesse a enfrentar maiores de
safios. Cf. Jr 12, 5: "Se a corrida com os caminhantes te cansa, como queras
competir com os cávalos?".

2. O Profeta Habacuc (sáculo VII/VI a.C.) assim se lamentava, por sua


vez:

"Até quando, Senhor, pedirei socorro e nSo ouvirás? Gritarei a ti:


'Violencia1.' e nSo salvarás? Por que me faxes ver a inlqüidade e contemplar a
opressSo? Rapiña e violencia estSo diante de mim... Por isto a lé¡ se enfra-
quece e o direito nunca mais aparece1. Sim, a ímpio cerca o justo;por isto o
direito aparece torcido1." (Hab 1, 2-4).

E qual a resposta?

339
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

"Vou ficar de pé em meu posto de guarda... e espreitar para ver o que


Ele me dirá... Entao Javé respondeu-me dizendo: 'Escreve a visio, grava-a
claramente sobre tábuas para que se possa ter fácilmente. Porque é aínda
urna visio porum tempo determinado... Se ela tarda, espera-a, porque certa-
mente vira, nSo falhará... O justo vivera porsua fidelídade" (Hab 2, 1-4).

Também desta vez nao foi elucidado ao Profeta o problema do "si


lencio de Deus".

3. A mesma perplexidade transparece no texto de MI 2 17 (sécu-


lo Va. C):

"Vos cansáis o Senhor com vossas palavrasl — Mas vos dizeis: 'Em que
o cansamos?' - Quando dizeis: 'Quem pratica o mal, é bom aos olhos do
Senhor;nestes ele se comprazV Ou entSo: 'Onde está o Deus da Justica?"".

4. 0 salmo 72 é também testemunho da angustia suscitada pela pros


peridade dos maus e provocadora do desánimo do próprio salmista. Este fi
nalmente reage á tentacao de imitar os i'mpios e encontra seu reconforto
em Deus:

"Por pouco meus pés tropecavam;um nada, e meus passos deslizavam.


Porque invejei os arrogantes, vendo a prosperidade dos impíos. Para eles nio
existem tormentos, sua aparéncia é sadia e robusta; a fadiga dos moríais
nio os atinge, nio sio molestados como os outros...

Refleti para compreender, e que fadiga era isto aos meus olhos1. Até
que entrei nos santuarios divinos: entendí entio o destino deles1. De fato, tu
os pdes em ladeíras, tu os fazes cair em rumas. Ei-los num instante reduzidos
ao terror, deixam de existir, perecem por causa do pavorl.. Sim, os que se
afastam de ti se perdem... Quanto a mim, estar junto de Deus é o meu
beml" (SI 72, 2-5.16-19.27s).

Este salmo, além de manifestar o desatino do justo, apresenta a inter-


vencao final de Deus, que distingue a sorte dos maus e a dos bons.

Como se vé, o Antigo Testamento faz eco vivo aos sentimentos dos
homens de bem desconcertados pelo silencio de Deus perante os desafios
dos impíos.

Passemos a outras facetas do problema.

340
OSSILÉNCIOSDEDEUS

1.2. Na literatura contemporánea

Atravessando os séculos, consideramos os dizeres de escritores dos


nossos tempos, em cujas obras se encontram veementes queixumes.atingin-
do as raías da blasfemia.

1. Tais sao, por exemplo, os dizeres que Nikos Kazantzaki, o escritor


grego,1 atribui a Zorba no seu romance "Alexis Zorba":

"Eu te digo, patrio, tudo o que acontece neste mundo é injusto, injus
to*. Bu, o verme da térra, a lesma Zorba, eu nSo o aprovo. Por que é preciso
que os jovens morram e que fiquem os velhos destroces? Por que as crian-
cinhas morrem? Eu tinha um menino, um pequeño Dimitrí, eu operdicom
tres anos e nunca, nunca (tu me ouves?) eu perdoarei isto ao bom Deusl No
dia da minha morte, se ele tiver a ousadia de se apresentar diante de mim, e
se é um Deus para vaier, efe tere vergonhal Sim, sim, ele terá vergonha dian
te de mim, a lesma Zorba1." (Alexis Zorba, Plon 1954, p. 272).

2. Eis agora o depoimento do jovem Elie Wiesel, judeu que esteve no


campo de concentra cao de Birkenau:

"Nunca esquecerei essa noite, a primeira noite do campo de concén


tralo, que fez da minha vida urna noite longa esete vezes afeminada.

Nunca esquecerei aqueta fu maca.

Nunca esquecerei os semblantes daquelas enancas cujos corpos eu vi


transformarse em ondas de fumaca sob um céu azul mudo.

Nunca esquecerei aquetas chamas que consumiram para sempre a mi


nha fé.

Nunca esquecerei aquele silencio da noite que meprivou para sempre


do desojo de viver.

Nunca esquecerei aqueles instantes que assassinaram o meu Deus e a


minha alma e os meus sonhos, que tomaram o semblante do deserto.

Nunca esquecerei essas coisas, mesmo que eu seja condenado a viver


tSo tongamente quanto Deus mesmo. Nunca'.

1 Nikos Kazantzaki ó o autor que inspirou Martín Scorcese na producSo do


filme "A Última TentagSo de Cristo".

341
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

Um día, guando voltávamos do trabalho, vimos tres postes erguidos na


Praca da Chamada, tres corvos negros. Fez-se a chamada. Os S.S.' em tomo
de nos estavam com as metralhadoras apuntadas; tal era a cerimdnia tradi
cional. Tres condenados acorrentados e entre eles o menino, o anjo de olhos
tristes.

Os S.S. pareciam mais preocupados, mais inquietos do que de costu-


me. Enforear um garoto diante de milhares de espectadores nao era coisa de
pouca monta. O chefe do campo leu o veredicto. Todos os olhos estavam fi-
xos na enanca. Esta, lívida, quase calma, mordía os labios. A sombra do
poste a recobria.

Dessa vez o Lagerkapo2 recusou o papel de carrasco. TrésS.S. osubs-


títuiam.

Os tres condenados sentaram-se simultáneamente ñas suas cadeiras. Os


tres pescocos foram introduzidos, ao mesmo tempo, dentro dos nos das res
pectivas cordas.

'Viva a liberdadel', gritaram os dois adultos.

O menino calava-se.

— 'Onde está o Bom Deus, onde está?, perguntou alguém atrás de


mim.

A um sinal do chefe do campo, as tris cadeiras foram sacudidas.

Silencio absoluto em todo o campo'. No horizonte o sol se punha.

— 'Descubram-sel', berrou o chefe do campo. Sua voz estava rouca.


Quanto a nos, chorávamos.

— 'Cubram-seY

A seguir, comeeou o desfile. Os dois adultos ¡á nao viviam. A sua Un-


gua estava de fora, inchada, azulada. Mas a terceira corda nao estava imó-
ve/; tSo leve, o menino vivía aínda...

Por mais de meia-hora, ficou assim a lutar entre a vida e a morte, ago-

1 5. 5. eram os agentes de Seguranea do nacional-socialismo.


1 Chefe do acampamento.

342
OSSILÉNCIOS'DEDEUS

nizando diante dos nossos olhares. E nos tfnhamos que considerá-lo bem de
frente. Aínda estava vivo quando passei na frente dele. A sua li'ngua aínda
estava vermalha, seus olhosnSo se tínbam apagado.

Atrás de mím, eu ouvia o mesmo homem perguntar:

- 'Onde está DeusT

E eu ouvia, em mim, urna voz que /he respondía:

- 'Onde está Deus? Ei-lo:ele está pendurado aquí a este poste1/

Na véspera de Roch-Hachanah... dez mil homens tinham vindo para


assistirao Oficio so/ene: chefes de bloco, Kapos, funcionarios da morte.

—'Bendizeio Eterno...'

A voz do oficiante fizera-se ouvír. Julguei primeiramente -que era o


vento.

- 'Bendito seja o nome do Eterno1.'

Milhares de bocas repetían) o louvor, prostravam-se como árvores na


tempestade.

- 'Bendito seja o nome do Eterno1.'

Por que, por que eu o bendiria? Todas as minhas fibras se revoltavam.


Porque ele fez queimar milhares de enancas ñas suas fossas? Porque ele fa-
zia funcionar seus fomos crematorios día e noíte, nos sábados e nos días de
festa? Porque, em seu grande poder, ele tínha criado Auschwitz, Birkenau,
Buna e tantas usinas da morte? Como /he poderla eu dizer: 'Bendito sojas
Tu, o Eterno, Senhor do universo, que nos esco/heste entre os povos para
sermos torturados día e noite, para ver nossos pais, nossas mies, nossos ir-
mios acabar no crematorio? Louvado seja teu santo Nome, Tu que nos esco-
Iheste para sermos estrangulados no teu altar?

Eu ouvia a voz do oficiante elevarse, poderosa e alquebrada ao mesmo


tempo, em meio ás lágrimas, aos solucos, aos suspiros de toda a assembléia:

- 'A térra inteira e o universo pertencem a DeusV

Ele parava a cada momento, como se nSo th/esse a forea para dar aos
nomes o seu conteúdo. A melodía se estrangulava na sua garganta.

343
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

E eu, o místico de outrora, pensava: 'Sim, o homem é o mais forte,


maior do que Deus. Quando foste decepcionado por Adió e Eva, tu os ex
pulsaste do paraíso. Quando a geracao de Noé te desagradou, mandaste o di
luvio. Quando Sodoma nio mais encontrou graca aos teus olhos, fizeste cho-
ver fogo e enxofre do céu. Mas esses homens que Tu engañaste, que tu dei-
xaste torturar, estrangular, envenenar pelo gas, calcinar, que fazem e/es? Re-
zam na tuapresencal Louvam o teu nomeV

Outrora o dia do Novo Ano dominava a minha vida. Eu sabia que


meus pecados contristavam o Eterno e implorava o seu perdió. Outrora eu
acreditava profundamente que de um só dos meus gestos, que de urna só de
minhas oracdes dependía a salvacio do mundo.

Hoje eu nao implorava mais. Já nao era capaz de gemer. Ao contrario,


eu me sentía muito forte. Eu era o acusador. E o acusado era Deus. Meus
olhos se tinham aberto, e eu estava só, terrivelmente só no mundo, sem
Deus, sem homens, sem amor nem compaixio. Eu nio era mais do que cin-
zas, mas eu me sentía mais forte do que o Todo-Poderoso, ao qual haviam li
gado a minha vida por tanto tempo. Em meio a essa assembléia de oracio,
eu era como um observador estranho...

Yom Kippur. 0 dia do Grande Perdió.

Eu nio jejuei. Primeiramente, para dar prazer ao meu pai, que me


proibira de o fazer. Depois, nio havia razio algumapara que eu jejuasse. Eu
nio aceitava mais o silencio de Deus. Engolindo a minha tigela de sopa, eu
vía nesse gesto um ato de revolta e de protesto contra Ele.

No fundo do meu coracio, eu sentía que se fizera um grande vazio"


(Elie Wiesel, La Nuh. Ed. de Minuit 1958. pp. 60. 103-105. 107-111).

E¡$ outro trecho tirado da carta de um anónimo, Wtima da guerra de


1939-1945 em Stalingrado:

"Em Stalingrado entregarse a Deus significa negar a existencia dele.


Isto, eu o devo dizer, caro pai, e sofro duplamente por dizé-lo. Desde que
mamié me fol retirada, tu sempre me educaste napresenca de Deus... é por
isto que lamento duas vezes essa declaracio da qual nio me arrependerei.

... Em tua última carta tu me falas da Verdade apenas, e daquilo que


os homens julgam ser a Verdade... Procure! Deus em cada buraco provocado
pelas bombas, em cada casa destruida, em cada esquina de rúa, junto a cada
colega, quando eu estava recolhido num funil... Procurei-o até no céu... E

344
OS SILENCIOS DE DEUS

Deus nunca se mostrou, embora o rneu coracio todo gritasse por ele. As ca
sas estavam arrazadas, os colegas eram tSo corajosos ou tSo covardes como
eu... Na térra só reinavam morticinio e fome; do céu derramavam-se bom
bas e fogo;somente Deusestavaausente1....

NSo, pa¡\ Deus nSo existe'.... Ou entSo, se existe um Deus, existe para
vos, nos Missais e nos cánticos, nossermSes cheios de devocSo dos Vigários e
dos pastores; Ele existe tatvez no ressoar dos sinos e nos vapores de incensó,
mas nSo existe em Stalingrado'." fLettres de Stalingrad, Ed. Buchet-Chastel,
Lettre 17, pp. 67-68).

As chapóes até aquí feitas bem evidenciam o problema, para o qual a


reflexao crista nao pode deixar de se voltar atentamente. Á luz da fé, eis o
que se há de dizer:

2. Refletindo cristamente...

Cinco proposicoes parecem ilustrar o problema.

2.1. Um Deus faino?

Á primeira vista, o silencio de Deus significa indiferenca ou displicen


cia do Criador diante das desgracas dos homens. - Ora a ¡mpressáo de que
Deus é omisso ou sádico é insustentável aos olhos da sa raza o: se Deus
existe, Ele há de ser necessariamente o Ser perfeito, no qual justica, amor,
providencia... se encontrem em grau sumo... Um Deus faino ou deficiente
nao é Deus; nao se combinam entre si a nocao de Deus e a de ¡mperfeicao.
É mais lógico nao crer em Deus do que crer num Deus culpado.

Por isto a sá raza o e a fé afirmam que Deus nao está ausente aos pro
blemas dos homens, nem pode pactuar com o mal. Os avancos da malvadeza
no mundo Ihe sao conhecidos; Ele os repudia (nao pode deixar de os repu
diar). Se, porém. Ele os permite, só o faz porque quer deixar que os homens
- criaturas Hvres - exercam a liberdade, com os seus possíveis desatinos.
Contudo a Providencia Divina jamáis permitirla os tropeóos da liberdade hu
mana se nao tivesse recursos para daf tirar algum bem ou mesmo bens maio-
res. Estas afirmacoes sao absolutamente certas ou verídicas nao só aos
olhos da fé, mas também aos da raza o humana.

Donde se segué que se faz mister

2.2. Sondar o sentido do sildncio de Deus

Nao é possível ao homem explicar cada qual das desgracas que afetam

345
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

a historia. Mas nem por isto o cristáo é obrigado a calar-se por completo
diante do problema.

Com efeito. O Deus que se cala, nao é um Oeus mudo. De um mudo


nao se pode esperar que fale. Ao contrario, o Oeus da fé crista é o Deus que
se revelou, ... que falou e que talará. Alias, a S. Escritura insinúa ao homem
algo de aparentemente paradoxal: é precisamente nos momentos de maior
desespero e perplexidade que Deus prepara as suas intervencoes mais retum
bantes. O prototipo deste procedimiento divino é precisamente a Páscoa cris
ta: em meio ao desatino e á decepcao dos Apostólos, que haviam presencia
do o "fracasso" de seu Mestre sem um sinal da parte do Pai, ressurgiu o Cris
to como o Kyrios, o Senhor da vida e da morte; a Luz brilhou ñas trevas que
dominavam a mente dos Apostólos; o silencio mais profundo cedeu á Pala-
vra mais significativa.

Outro exemplo típico deu-se por ocasiao da primeira Páscoa ou da


Páscoa dos israelitas: estes, certa vez, se viram imprensados entre o Mar Ver-
melho e o exército do Faraó que os perseguía; nao viam solucao e, por isto,
cairam no desánimo e na murmuracao; foi precisamente entáo que o Senhor
Deus interveio, além de toda expectativa. Tal é o relato de Ex 14, 9-16:

"Os egipcios perseguiram Israel com todos os cávalos e carros de Fa


raó, e os cavaleiros e o seu exército, e os alcancaram acampados junto ao
mar, perto de Piairot, diante de Baal Sefon. Quando Faraó se aproximou, os
filhos de Israel levantaram os olhos e eis que os egipcios vinham atrás deles.
Tiveram grande niedo. EntSo os filhos de Israel clamaram ao Senhor. Disse-
ram a Moisés: 'NSo havia talvez sepulturas no Eglto, e por isso nos tiraste de
lá para morrermos no deserto? Por que nos trataste assim, fazendo-nos sair
do Egito? NSo 6 isto que te diz/amos no Egito: Deixa-nos, para que sirvamos
os egipcios? Pois melhor nos fora servir aos egipcios do que morrermos no
deserto'. Moisés disse ao povo: 'NSo temáis; permanecei firmes e veréis o
que o Senhor fará hoje para vos salvar; porque os egipcios que hoje vedes,
nunca mais os tornareis a ver. O Senhor combaterá por vos e vos ficareis
tranquilos'.

O Senhor disse a Moisés: 'Por que clamas por mim? Dize aos filhos de
Israel que marchem. E tu levanta a tua vara, estende a mSo sobre o mar e di-
vide-o, para que os filhos de Israel caminhem em seco pelo meio do mar" ".

Toda a Tradicao crista explorou esses "paradoxos" da Providencia Di


vina, vendo precisamente nos silencios de Deus ocasioes para que o cristáo
crespa na fé e na confianca em Deus. Sim; os silencios de Deus obrigam o
fiel a apurar os seus ouvidos interiores e a criar novas antenas para tentar
compreender os desi'gnios do Criador. Pode-se dizer que os silencios de Deus

346
OS SILENCIOS DE DEUS 11

sao partes integrantes de uma melodia na qual, além das notas altamente so
noras, há os intervalos, que também contribuem para a beteza da música. É
preciso saber entender esses intervalos no contexto da melodia que se desen-
volve. Paralelamente é preciso que o cristáo nao se deixe submergir pela in
clemencia do momento, mas o considere no contexto da Providencia Divina
em sua vida.

Acrescentemos outra proposipáo.

2.3. Caminhar no silencio de Deus

Nao basta ref letir sobre o sentido das disposicoes de Deus sobre o ho-
mem. É necessário que o cristao nao pare na caminhada da vida por razoes
de surpresa e perplexidade. Caminhe "como se visse o Invisto!" (Hb 11,
27). Uma imagem ajuda a compreender esse caminhar:

Há jogos de enancas que constam de pecas de letras desmanteladas.


Pede-se á crianca que tente juntar esses fragmentos, combinando-os entre si,
de modo a descobrir a palavra que as respectivas letras formam. Á primeira
vista, podem essas pecas suscitar impaciencia e desdém; o quebra-cabeca pa
rece nao ter solucao... Todavía com perseveranca a crianca vai conseguindo
juntar fragmento com fragmento e descobre o sentido da charada desafiado
ra. O comeco do jogo é difícil, mas, na medida em que se vao combinando
as pepas, torna-se cada vez mais fácil. Pode-se dizer que algo de análogo se dá
com o plano de Deus: os acontecimentos da vida háo de ser ilustrados uns
pelos outros, para que se perceba a sua mensagem.

O cristao tem que so letra r a Palavra de Deus letra por letra; ninguém
sabe qual a letra que se seguirá áquelas que já foram li'das. Ninguém sabe qual
palavra as letras formarao. Mas é preciso fazer o jogo, tentar juntar as letras
e ir lendo... Nao espere o cristao que a Palavra esteja completa para comecar
a caminhar, sabendo para onde vai; quem assim espera, jamáis se pde a cami-
nho ou entra em acáo. Gustaríamos de encontrar o discurso de Deus pronto
e nítido ou um cami nho claramente t rapado. Todavía nao é este o designio
de Deus. É caminhando no claro-escuro que "fazemos Deus falar"; descubri
mos o discurso de Deus na medida em que progredimos.

Ainda outra ¡magem nos acode:

Consideremos um pontilhado, á primeira vista, ilegível, como o que


se segué:

347
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

• • • • •
• • •

• • * • •

• • •

Numa primeira abordagem, o leitor dirá que está diante de um pedapo


de papel manchado por pingos de tinta; ou estes sao apagados ou se joga fora
o papel assim "inutilizado", pensará ele. Todavia.se alguém tem a paciencia
de juntar entre si as "manchas de tinta" ou os borroes do papel, verifica que
tém significado grandioso ou sao portadores de rica mensagem:

mn É o nome de Deus revelado a Moisés - J H V H - que se depreende


desse pontilhado aparentemente insignificante ou que se depreende da con
juga cao dos diversos acontecimentos da historia; esta fala de Deus e de seu
sabio plano.

Fazendo a vontade do Senhor e caminhando dia-a-dia numa entrega


confiante á Providencia, o cristao vai compreendendo a sua mensagem santa
e sabia. Ela se paténtela aos fortes e corajosos.

2.4. Continuar a invocar a Deus

Se Deus parece calar-se, o homem nao tem o direito de silenciar diante


dele. Deus tem razoes providenciáis para nao se fazer ouvir como nos O qui-
séramos ouvir, mas o homem nao tem motivo para calar-se diante de Deus a
nao ser a perda de fé e confianca. Por conseguinte, o cristao continuará a re
zar, mesmo que o Senhor I he pareca distante; faca-o como pode, mesmo que

348
OS SILENCIOS DE DEUS 13

a sua prece Ihe pareca mal alinhavada ou descosida. Fo¡ o próprio Senhor
quem incitou a rezar sempre e nunca desfalecer (cf. Le 18, 1); foi Ele quem
prometeu que toda oragáo feita em seu nome seria atendida (cf. Jo 16, 23s).
Ele nao falta, todavía a hora de Deus nem sempre é a hora que os homens
Ihe querem predefinir: "Ele diz: 'No tempo favorável eu te ouvi. E no dia da
salvacao vim em teu auxilio' " (2Cor 6, 2; cf. Is 49, 8).

Só o fato de alguém perseverar na ora gao em meio á aridez e ao des


concertó da sua natureza é testemunho de que a graca de Oeus trabalha nes-
se cristao; o Senhor Ihe está muito presente e disposto a prestar-lhe o auxilio
necessário.

2.5. Silencio de Deus e covardia da criatura

Até aquí consideramos o silencio de Oeus que ocorre sem culpa do no-
mem. 0 Senhor Jesús, porém, e a Tradicao apontam casos em que Deus fala,
sim, mas a criatura nao Ihe dá ouvidos; é leviana, superficial ou mesmo... co-
varde. Ela entao queixa-se de Deus, quando deveria acusar a si mesma.

No Evangelho, por exemplo, léem-se as seguintes advertencias de


Cristo:

Le 8,18: "Cuidai do modo como ouvis!"

Jo 8, 37: "Minha palavra nao penetra em vos. Por isto procuráis ma


ta r-me".

Jo 5, 39s: "Vos perscrutais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida


eterna; ora sao elas que dao testemunho de mim; vos, porém, nao queréis vir
a mim para terdes a vida".

Jo 5, 45-47: "Nao penséis que vos acusarei diante do Pa¡; Moisés é o


vosso acusador, ele em quem pusestes a vossa esperanca. Se crésseis em Moi
sés, haveríeis de crer em mim, porque foi a meu respeito que ele escreveu.
Mas, se nao credes em seus escritos, como crereis em minhas palavras?".

Entre os antigos ascetas cristaos era costume procurarem os mais jo-


vens encontrar-se com os mais velhos no deserto, a fim de Ihes pedirem urna
palavra de orientadlo e de vida. A sentenca assim proferida pelos andaos era
altamente estimada como se fosse a Palavra do próprio Deus. Havia, porém,
casos em que os mais velhos se recusavam a falar aos seus jovens interlocuto
res, percebendo que estes ná*o estavam dispostos a seguir os ditames do ca-
minho da perfeica*o; faltava-lhes a docilidade e a liberdade de coracao.

349
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

Eis dois apoftegmas que referem tais episodios:

"Um irmSo foi procurar o abade Teodoro de Fermé e durante tres días
suplicou-lhe que Ihe dissesse urna palavra. Mas Teodoro nao Ihe responden.
O irmSo entao foi-se muito triste. O discípulo de Teodoro disse entao: 'Pai,
por que nada Ihe disseste? Ele se foi muito triste'. Respondeu o anciao:
'Acredita-me. Eu nada Ihe disse, porque é um traficante, que se quergloriar
com as palavras dos outros' ".

"Alguns irmaos foram procurar o abade Félix e Ihe pediram urna pala
vra. 0 anciSo se calava. Repetiram varias vezes o seu pedido. 0 anciio res-
pondeu-lhes: 'Agora já nao há palavras. Outrora, quando os irmSos interro-
gavam os anciSos e faziam o que estes mandavam, Deus ¡nspirava aos an-
ciSos a maneira de falar. Agora perguntam e nao poem em prática o que se
Ihes diz; por isto Deus retirou aos anciSos a graca da palavra e já nao sabem
o que dizer, porque nSo há quem o cumpra'. Ao ouvir tal resposta, os irmaos
puseram-se a chorar e disseram: 'Pai, reza por nos'" (Le% sentences de» Peres
du désert. Solesmes 1966. p. 177).

A superficialidade ou a falta de disposicoes interiores frente á Palavra


de Deus foi, certa vez, severamente comentada por Sao Joao Crisóstomo
{f 407), bispo de Constantinopla, em urna de suas homilías:

"Quem de nos se torna melhor depois de haver freqüentado a igreja


durante um mes? E isto que devemos terem vista. Pois, na verdade, mesmo
aquilo que parece ser urna boa afio, é apenas urna má acao quando nao sur
te o seu efeito. E se se tratasse disto somentel Na verdade, há algo de muito
pior. Dizei-me: Que proveíto tiráis das reunioes? Se tírásseis daíalguma van-
tagem, desde muito levaríeis urna vida auténticamente crista". Tantos profe
tas vos falaram duas vezes por semana; tantos apostólos, tantos evangelistas'.
Todos eles vos explicam as verdades da salvacá~o e vos expóem com muita
precisSo o que poderla fazer reinar a ordem na vossa vida" (Hom. sobre os
A tos dos Apostólos).

Verdade é que nao se pode avahar o crescimentó espiritual em termos


aritméticos, como se mede o crescimento de urna planta. "O justo vive da
fé", diz Sao Paulo (Rm 1, 17; GI3,11; Hb 10,38). Deus nao pede aos seus
fiéis Vitorias registradas e festejadas, mas pede a luta ardua e teimosa, susten
tada pela fé e a esperance inabaláveis do cristao. Por isto é difícil, em alguns
casos,perceber o progresso espiritual de alguém. Como quer que seja, resta
margem para suspeitar que, em nao poucos casos, haja indiferenca ou tibie
za, que impermeabiliza o cristao á penetracao da Palavra de Deus. Este entao
parece calar-se. A criatura reclama, quando na verdade Ihe competiría fazer

350
OS SILENCIOS DE DEUS 15

sincero exame de consciéncia e reavivar a sua fé e sua generosidade. Diz o


próprio Senhor através do salmista:

"Hoje, se ouvirdes a sua voz, nao endurecais os vossos coracdes co


mo... no deserto, guando vossos país me provocaram e tentaram, embota
vissem as minhas obras" (Hb 3, 7-10; cf. SI 94, 7-11).

Sao estas algumas ponderales que contribuem para que o cristao


aceite os silencios de Deus ou mesmo comece a perceber melhor a voz do
Senhor no aparente deserto em que julga estar. É absolutamente certo que
um Deus "omisso" ou "esquecido" nao é Deus. Se a criatura é solícita e
atenciosa, ela só o é porque recebeu do Criador Perfeito estes predicados;
Ele é a Fonte, da qual cada ser criado recebeu um filete...

(continúamelo dap. 372)

te com os médicos, a inexplicabilidade do evento e, conseqüentemente, a


' intervencao de Deus, que queria dessa maneira comprovar os méritos de Pe
dro Jorge Frassati.

Cónclusáfo

As ocurrencias até aqui relatadas tém em mira manifestar como em


nossos tempos pode um cristao, fiel á grapa de Deus, vivendo em pleno mun
do (militando na política, concorrendo no esporte, estudando na Universida-
de), pode chegar á santidade. A esta todos sao chamados por efeito do seu
Batismo, corroborado pela Eucaristía, qualquer que seja a vocacao pessoal
(leiga, clerical ou Religiosa) que Deus queira dar a cada um(a).

O exemplo de P.J. Frassati colocado ante os olhos do mundo após tan


tas pericias e tafo grande cautela da Igreja, desejosa de nao se engañar, é um
incentivo aos jovens e, em geral, aos cristáos de nossos dias para cultivarem
ciosamente a sua vocacao primordial, que é o chamado á santidade, mesmo
no torvelinho da vida mundana.

Aos jovens dirigia-se especialmente o Papa Joao XXIII nestes termos:

"O futuro do mundo está confiado á ¡uventude. Mas, onde os ideáis


nSo inflamam o coracSo e nSo formam a vontade. a(comeca'm a velhice e
a decrepitude".

Reciprocamente pode-se dizer que, onde os ideáis inflamam o coráceo


e firmam a vontade, continua perene a Juventude!

351
Problema? Plenitude?

Envelhecer: Fracasso?...
Sabedoria?

Em símese: A velhice é tida por mu¡tos como idade ingrata, entregue a


solidio e aos achaques. Na verdade, urna velhice vivida com Deus na perspec
tiva da vida eterna pode ser um período fecundo. Com efeito; o anciSo pos-
sui o cabedal da experiencia, que ele pode comunicar ás geragSes posteriores
(desde que nSo se feche en saudosismo lamurioso e na repeticio enfadonha
de historias passadas). Além disto, o anciSo, tendo ultrapassado as metas que
absorvem a atencSo dos mais jovens em sua vida profesional, deve poder rea
lizar com nitidez a auténtica escala de valores; os bens definitivos Ihe estSo
muito presentes, exercendo benigna influencia sobre o seu coracSo. 0 Apos
tólo SSo Paulo, em suas últimas cartas (1/2 Tm, TtJ, dé testemunho de
quanto o anciSo pode ser sereno e voltado para os mais nobres ideáis, mes-
mo sofrendo a inclemencia do seu tempo. importa que o anciSo aceite a sua
idade. NSo se engañe a propósito, como quem quer viver anacrónicamente
décadas passadas.

Todavía, para que a idade provecta possa ser assim serena e fecunda,
requer-se que a pessoa se prepare para ela precisamente nos anos em que ela
parece distante; é ñas fases de lucidez e plena maturidade que o cristSo deve
armazenar o cabedal espiritual de que ele desfrutará na reta final de sua exis
tencia terrestre; querer comecar a encarar o fim da vida quando se este se faz
sensivelmente presente, com seus achaques físicos ou mentáis, é tarefa difí
cil o de pouco éxito.

Nos tempos atuais, é maior do que outrora o número de pessoas que


chegam a ¡dade provecta, dado que os recursos da medicina protongam a vi
da humana além dos limites do passado. Para muitos, a velhice se torna um
fardo pesado, pois o anciSo nao raro sofre da solidao que os outros Ihe ¡m-
poem ou que ele ¡mpoe a si mesmo. Daf os sentí memos de melancolía e de
sánimo que podem invadir o coracao dos anciáos. Estes se dispóem a dizer
com o sabio do Amigo Testamento: "Sao anos dos quais nao gosto" (Ecl
12, 1).

352
ENVELHECER: FRACASSO? ... SABEDORIA? 17

Como se compreende, a experiencia da velhice e do termo desta vida


terrestre é diferente naqueles que tém fé, e naqueles que nao tém fé. Para
estes últimos, o fim da caminhada terrestre é simplesmente fim e naufragio,
após o qual nada existe — o que contraria violentamente o instinto natural
de autoconservacao e a aspiracáo de todo homem a viver. Para quem tem fé,
o caminhar para a dita "morte" é simplesmente caminhar para á plenitude
ou a consumacao da vida. Ñas páginas subseqüentes voltar-nos-emos para a
velhice tal como a consideram a sa razáo e o olhar da fé crista.

1. Compreender o sentido da velhice

Eis como o S. Padre Joao Paulo II apresenta a velhice:

"A velhice é urna fase da vida muito especial. Nela é elevado ao termo
e consumado tudo o que urna tonga vida tenha realizado. A velhice faz a co-
Iheita de tudo que foi aprendido, vivenciado e conseguido..., como também
a colheita de tudo o que foi sofrido e superado".

Um olhar retrospectivo do anciao sobre o seu passado tende a ver nes-


te facetas positivas e valores que nos momentos de tribulacao passaram des-
per cébidos. A Providencia Divina, que escreve direito por linhas tortas, apa*
rece mais nítidamente como a artesa que sabe tirar dos males maiores bens.
Em suma, urna visao global e desapaixonada dos acontecímentos permite
conceber otimismo em relacao aos anos de velhice: embora o anciao sinta as
forcas diminuirem e as molestias a acomete-lo, ele guarda a paz; tem a con-
viccao de que, afinal, tudo o que o acomete vem a ser um caminhar para
Deus; somente o pecado é incompatível com esse direcionamento. — Urna
paciencia cheia de confianca e esperanca dá estrutura a tal fase da vida.

A idade ancia, além disto, ajuda o homem a distinguir melhor o essen-


cial e o acidental na vida; o olhar se purifica, os horizontes se clareiam e a
pessoa percebe melhor o que merece empenho e o que nao vale a pena...
Muita coisa que outrora parecia importante e "empolgava ', aparece como
secundaria. Pode-se dizer que entao a pessoa cresce em sabedoria, ou seja, na
¡ntuicao do mundo como Deus o vé. A eternidade penetra mais desembara-
cadamente no presente do homem e projeta luz sobre a existencia terrestre.

Em conseqüéncia, o anciao que pela idade é impedido de tomar parte


na vida da familia e na vida pública como outrora, nem por isto se toma
urna pessoa inútil. Ele tem seu papel a exercer, comunicando aos mais jo-
vens suas experiencias de vida, abrindo-lhes o olhar para possíveis ilusóes e
pe rea I eos que sorrateira mente os ameacam. Os jovens háo de ter interesse
em procurar ouvir os mais velhos. Notemos, porém, que isto so será possível
se os mais velhos se abstiverem de contar sempre as mesmas historias, fecha-

353
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

dos num saudosismo que nao seja capaz de compreender o momento pre
sente. A tendencia dos andaos a reviver o passado, dando por vezes a ¡m-
pressáo de que o presente é simplesmente decadencia, contribuí para ¡sola-
los e impedir-lhes o exerci'cio da importante funcao de acompanhar os mais
jovens. Ora tal funcao é indispensável, como nota o S. Padre Joao Paulo II:

"Os mais Jovens e os mais velhos..., aqueles que hoje sSo velhos e os
que amanhS serao velhos, ... os sadios e os doentes, nos todos realizamos
¡untos a plenitude do Corpo de Cristo, e amadurecemos ¡untos em diregSo
dessa plenitude".

Embora o anciao nao possa aprovar tudo o que vé, ele nao deve ser um
mero arauto de críticas e contradicoes, mas, antes, procure ser um pacifica
dor e reconciliador; a sua idade, já isenta de certas paixoes, deve ajudá-lo a
atenuar os ánimos exaltados e amainar os afetos acalorados dos mais jovens,
sem detrimento da Verdade e do Bem.

2. Aceitar a idade

A perspectiva de envelhecer assusta muitas pessoas e suscita nelas a re-


je i cao da sua idade. Querem entao passar por individuos menos ¡dosos, to
mando atitudes artificiáis ou anacrónicas no vestir-se, no linguajar, na fre-
qüentacao de certos ambientes... Isto redunda nao raro em cenas ridiculas.
Além disto, a natureza pode levar o anciao a procurar poupar-se, guardando
tanto quanto possi'vel o que Ihe vai escapando; pode intensificar-se nele o
apego as peqenas coisas e aos objetos do seu uso - coisas que outrora ele
olhava com mais indiferenca porque sabia como recuperá-las caso as perdes-
se. Vém a propósito as ponderacoes de Emérico da Gama:

"O ¡ovem é um ser livre; está sempre pronto para partir; o velho de es
pirito envelhecido necessita de um número cada vez maior de pontos de
apoio, nSo só nos seus movimentos físicos, mas da alma. E esses pontos de
apoio sao outras tantas amarras que o prendem e podem amesquinhar. É cu
rioso como, contrariando as leis da lógica, quanto mais perto o homem está
de ter que deixar as coisas desta vida, mais costuma agarrarse a e/as. Faz
lembrar aquele que se queixava, Já perto do fim: 'E as minhas barras de ou-
ro, padre? - NSo vale a pena, meu filho, se vocé nSo se arrepender. NSo vale
a pena, porque se derreterSo todas' " (Posfácio do livro de Romano Guardi-
ni, As Idadesda Vida.p. 105).

Ora aceitar a idade é aceitar as restricoes que ela impoe; é aceitar a


aposentadoria e certa marginalizacao; é aceitar ser dependente dos outros,
sem, porém, os onerar mesquinhamente... É aceitar isto tudo com realismo
e magnanimidade. Quem o aceita, descobre também os valores da idade pro-

354
ENVELHECER: FRACASSO? ... SABEDORIA? 19

vecta; esta já nao é obnubilada pelo anseio de conseguir títulos, honras e vi-
tórias; isto tudo, que tanto solicita o jovem, impede-o por vezes de olhar
para os valores definitivos, que ficam além de todos os títulos e honras da
térra. O anciáo já nao tem o olhar embacado pela cortina de conquistas de
sua carreira terrestre; já nao é perturbado pelas paixoes que as competicoes,
as rivalidades, as rixas..., freqüentes nos decenios profissionais, suscitam em
muitos homens. Assim com o olhar mais perspicaz ou liberto do colorido
das metas terrestres ou ¡mediatas, o anciao tem o coracao mais livre para
considerar os valores definitivos e encaminhar-se para eles sem tantos entra-
ves; a mensagem da fe* pode falar-lhe mais eloqüente e persuasivamente do
que em outras fases da vida. Sao palavras de Emérico da Gama:

"Os andaos sabem muito bem que nao se aproximam do fim de tudo,
mas da definitiva rampa de lancamento. e por isto véem sentido em aumen
tar o caudal de sua prontídSo armazenada. Ou seja, percebem que tém muito
a fazer, talvez mais - e, sem dúvida, mais importante - do que tudo o que
já fizeram. Por isto se compreende que Sao Paulo tenha dito: 'Esquecendo o
que fica para tras, e avancando para o que me está adianto, corro em direcSo
á meta...' (Fl 3, 13s). O velho, segundo Sao Paulo, é alguém para quem o
passado nSo conta. exatamente como o jovem. E. como o jovem, corre, é
um ser que tem pressa" (ib., pp. 103s).

Em vez de perder sua generosidade e seus predicados juvenis de cora-


ge m e idealismo, o anciao que tem fé conserva em grau ainda mais elevado
tais valores. É o que se pode confirmar considerando a figura do Apostólo
Sao Paulo sobre o fundo de cena da filosofía pré-crista.

3. O testemunho do Apostólo

Em sua Retórica (II 12s), o grande filósofo grego Aristóteles (384-322


a.C), procurando caracterizar a juventude e a velhice da vida humana, afir-
mava que os jovens vivem para os valores moráis e artísticos; concebem um
ideal de virtude, mesmo de heroísmo, cuja beleza os atrai e ao qual se entre
ga m sem medir coeficientes de ordem material; gastam desmedidamente for
eas físicas e bens materiais na consecucao do seu ideal. Numa palavra: "vi
vem para o belo (pros to kalón), nao para o útil (pros to sympherón, o inte-
resse pessoal, egoísta)". A raza o disto, conforme Aristóteles, é que sentem
em si urna vitalidade ardorosa, que os leva a procurar o que o homem pode
conceber de mais nobre, o belo e o bem (moral) dos gregos; é justamente a
consciéncia de possuir a vida que neles desperta elevadas aspiracoes. — Con-
seqüentemente, para Aristóteles, os andaos, experimentando em si o defi-
nhar lento das forcas físicas, vivem nao mais para um ideal de bravura e bele
za, mas para o interesse particular; visam, antes do mais, baseados em cál
culos e especulacoes, a aquilo que Ihes possa trazer proveito físico e conser-

355
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

var a existencia; numa palavra: vivem nao mais para o be lo, mas para o útil,
o ¡nteresse pessoal.

Esta caracterizacao do anciao nao deixa de impressionar: significa urna


retorsao total da anterior, urna desdita ás aspiracoes mais espontáneas e no-
bres da natureza humana. É lógica, porém:a vida é o fundamento pressupos-
to a todo e qualquer ideal que o homem possa conceber. Ora Aristóteles e
seus contemporáneos, só conhecendo a vida neste corpo, julgavam que as
aspiracoes variam, chegando mesmo a deturpar-se e renegar-se de acordó
com o grau de vitalidade que o homem experimenta ñas sucessivas idades de
sua vida.

O quadro é triste. Pergunta-se, porém: estará, de fato, o homem desti


nado a renegar seus ideáis mais nobres?

O fato é que, tres sáculos mais tarde, um outro pensador, que tomara
conhecimentó profundo do Evangelho e da sua mensagem de ressurreigao e
vida ¡mortal, Sao Paulo, manifestava um modo de ver bem diferente. Para o
percebermos, basta dizer que o Apostólo escreveu treze epístolas, sendo as
tres últimas, ditas "Pastora¡s" (1/2 Tm, Tt), devidas a Paulo quase septuage
nario e, no caso da 2Tm, encarcerado em Roma, consciente de que estava
prestes a ser condenado á morte. Pois bem; ao passo que ñas dez epístolas
anteriores o Apostólo empregara vinte vezes o termo kalón (belo e bem mo
ral), ñas tres Pastorais ele o usou vinte e quatro vezes, e geralmente como
adjetivo aposto aos diversos substantivos com que delineava a vida crista. A
mente de Sao Paulo aparece assim impregnada pelo ideal da beleza, pelas as
piracoes supremas, na idade decrépita muito mais ainda do que no vigor dos
anos. Que contraste com o quadro anterior proposto pelo homem pré-cris-
tao, por muito sensato que este fosse! E qual a razio de ser deste contraste?
É que justamente Sao Paulo percebia o sentido que a morte tomou após
Cristo, sentido que o homem antes de Cristo nao podia perceber: enquanto
este a julgava termo da existencia humana, Paulo a vi a qual etapa ou passa-
gem para outra vida, muito mais rica e fecunda do que a terrestre; por isto
também, quanto mais próximo se achava da morte, tanto mais afirma va os
valores da mente humana, pois sabia que o seu definhar na vida terrestre era,
na realidade, um rejuvenescimentó para a vida verdadeira, eterna.

Eis como a morte, para o cristáo, importa em auténtico desabrochar,


em vez de extincao da personalidade. Ela pode e deve ser dita "transfigura-

1 Sá~o Pauto fala de urna bala luta (2Tm4,7), bela milicia (1Tm1, 18). bela
doutrina <1Tm 4, 67, belo testemunho (ITm 3,7), bela leí (ITm 1, 8), belo
fundamento (ÍTm 6, 19);belo ministro (de Cristo) (ITm4, 67...

356
ENVELHECER: FRACASSO? ... SABEDOR I A? 21

cao" do discípulo de Cristo. Conseqüentemente, a idade anda consciente de


tal sentido da morte nao pode deixar de se reconfortar, guardando um vigor
de alma juvenil dentro dosseus muitos anos de peregrinado terrestre.

4. Armazenar na juventude e na maturidade

É espontáneo ao ser humano afastar a nocao de que será velho e deve-


rá dizer Adeus a este mundo visível. Pensar nisto é, para muitos, um pesade-
lo. Por isto procuram viver urna idade que nao tém, como se a verdadeira vi
da fosse apenas a da fase juvenil e a da maturidade biológica. Na verdade,
porém, é precisamente quando o fim da vida parece distante que se faz mis
te r pensar nele, pois é sonriente com a inteligencia lúcida e a vontade dócil
que a pessoa pode armazenar as considera cóes e os propósitos que Ihe permi
tí rao enfrentar o dech'nio das forcas físicas e psíquicas; nao é quando estas
vio diminuindo (por motivo de molestias, como a arteriosclerose, a defici
encia visual, a auditiva, a paralisia...) que o individuo se pode dispor a enca
rar as exigencias da velhice; quem nao se preparou nos anos belos e sadios,
difícilmente se preparará quando comecar a sofrer os ataques da idade.

De resto, a juventude psicológica é mais importante do que a juventu


de biológica ou etária. Quem se habitúa, na idade juvenil, a viver para úm
grande ideal ou para causas nobres, enfrentando corajosamente os desafios
que daf resultam, pode entrar na velhice com o espirito jovem e conservar
urna perene juventude; seja durante a vida inteira fiel aos seus nobres propó
sitos e alimente o destemor necessário para cultivá-los, e terá o essencial da
juventude, mesmo dentro das limitacóes físicas impostas pela idade senil. É
jovem o anciáo que procura recuperar-se prontamente de suas feridas e que
faz dos obstáculos trampolim para ser magnánimo e generoso,... aquele que,
apesar das suas miserias, nao deixa de recomecar diariamente... Ao contra
rio, é velho quem. na década dos vinte anos, se entrega ao pessimismo e ao
desánimo.

Com outras palavras: nao envelhece tío fácilmente aquele que pensa
em servir mais do que em ser servido,... aquele que se mantém na atitude de
disponibilidade que tinha em suas primeiras décadas de vida. Essa disponi-
bilidade duradoura está ancorada no amor de Deus e no amor a Deus que
cada cristao deve trazer dentro de si. Diz S. Agostinho: "Quem é amado por
Deus, nao envelhece, pois traz dentro de si Aquele que é mais jovem do que
todos".

Sao precisamente estas verdades que os trechos subseqüentes, publica


dos á guisa de Apéndice, procuram ilustrar.

357
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

A propósito recomendase

ROMANO GUARDINI, As Idades da Vida. Ed. Quadrante, Rúa /pe-


roig 604, 05016 SSo Paulo (SP).

APÉNDICE

Á guisa de complemento, acrescentamos dois belos textos atinentes


ao assunto.

PERMANECERJOVEM

Anónimo

Ninguém ó velho únicamente por ter vivido um certo número de anos.


So ó velho quem abandona o seu Ideal. Os anos enrugam a pele do rosto.
Mas renunciar ao ideal enruga a alma. O aborrecimento, a dúvida, a falta de
seguranca, o temor, a falta de objetivos claros e o desespero ao lado do de
sánimo fazem inclinar a cabeca e ¿ocobrar o espirito.

A juventude nao ó um período da vida. É um estado de espirito. Con


siste ele numa certa forma da vontade, disposicab da imaginaca"o, forca das
emocSes, urna preponderancia da coragem sobre a timidez e a sede da aven
tura sobre o amor á oomodidade.

Ser jovem á guardar aos 40, 50, 60,70 e mais anos o amor ao maravi-
Ihoso, a admiracffo pelas coisas extraordinarias e os pensamentosbrilhantes,
o desafio intrépido lajicado aos acontecimentos, o apetite insactdvel da
crian ca (para quem tudo ó novo), o senso do lado feliz e alegre da existSncia.

És jovem, se voltas de teus trabalhos e saldas, calmo, tranquilo, com


os olhos inundados de luz, com os ouvidos cheios de melodías e o coracSo
malí dilatado, mais atento aos outros, mais penetrado de sua dignidade e
mais convicto da fraternidade que une todos os homens.

És velho, se nfib gostas mais de flores, nem de aVvores, nemde pássa-


ros, nem de melodías. Se na*o ris mais. Se nffo te interassas mais por nada de
novo, se nada mais queras empreender, nada mais queras melhorar. Se nffo
sabes mais aplaudir. Se tens inveja dos outros, em vez de admirar o que eles
realizam. Se te sentas á boira da estrada, maldizendo os transeúntes, em vez
de aceitar e estimular os homens que caminham, que buscam e quequerem
acertar. Se apagas a mecha que aínda fumega, e, ao Invós de semear boa

358
ENVELHECER: FRACASSO? ..'. SABEDORIA? 23

samanta, choras sobra os campos rassequidos, os jBrdins sem floras a os


pomares sem frutos.

És jovem, se ás d'sportível. Se sabes construir ilhas de paz emti e em


tomo da ti.

És valho, se constróis muros de egoísmo e ajudas a construMos entre


os que te carcam.

És tafo jovem quanto tua confianca, tifa valho quanto tua desconfían-
ca. Tafo jovem quanto tua seguranca, tío valho quanto teu temor. Táb jovem
quanto tua esperanca, tSo valho quanto teu desespero. És tío jovem quanto
tua f é, tffo valho quanto tua dúvida.

Permaneces jovam anquanto teu coracffo for capaz de recebar mensa-


gens de beleza, da ardor, de coragem, de grandeza e de ánimo... da térra... de
um homem... ou entffo, do cáu... do infinito.

Mas, quando todas as cordas do teu coracffo estiverem estracalhadas e


seu fundo ficar recoberto das naves do passimismo e do galo do cinismo,
entáto és valho. E entffo... pede a Deus tenha piedade de tua alma.

NAO CONTÉ OS ANOS!

Haber Salvador de Lima

Nío Importa quantos anos


vori completa em seu aniversario...
Vocé será sempre jovam
enquanto o Amor
f lorir em sua vida,
enquanto irradiar
Bolera,
Paz,
Esperanca,
Coragem, Otimismo,
a Pureza de olhar e de coracSo
para todos os que vivom
ao seu redor.

A continuidade da vida
nunca se rompe:

o rio corre e avanca sempre

359
24 "PERGUNTÉ E RESPONDEREMOS" 339/1990
_ _^_t ;

. . _. ató parder-sa de nossa vista;


mas, lá bem longa,
debaixo de outros ce°us
e em outros horizontes,
ale leva consigo as mesmas aguas
que recolheu em nossas térras.

Sao estas mesmas aguas do passado


que fertilizam
e fazam florescer nosso futuro.

Sao estas mesmas aguas


— o dia-a-dia, que vivemos —
as que dá"o testemunho
ao cáu, aos vales e ás montanhas,
a Deus, aos anjos, aos homens deste mundo,
testemunho de que o rio correu muito,
mas ná"o envelheceu!

Ná"o importa, portanto, quantos anos


vocé viveu até agora...
O importante ó saber
se ainda existe flor em sua vida:
Fe, Esperanca, Amor, Alegría, Otimismo...

O importante á saber
se está contribuindo
para tornar o mundo mais feliz
ao seu redor!

Prosiga, pois, sempre sorrindo,


como estas aguas marulhantes
em demanda do mar...

O rio nunca para nem olha para tras...


E, sobretudo, irmáb, nunca se esqueca:
um rio nunca envelhece!

360
A santidade entre os jovens:

Pedro Jorge Frassati

Em símese: Aos 20/05/1990 foi beatificado (proclamado bem-avon-


turado na gloria celeste e intercessor em favor dos homens) Pedro Jorge
Frassati, jovem italiano, que morrea em 1925 com 24 anos de idade. Nos
seus dois decenios e pouco de vida, partidpou, em cheio, da realidade do
seu mundo. Foi universitario, namorou, militou na política e pratícou o alpi
nismo com grande galhardia. Era um jovem de tempera forte, decidida, que
nao títubeava diante de metas nobres, aínda que arduas, conservando sem-
pre retidSo de carúter e pureza de intencSes. Após a sua mortéteve inicio
em 1932 o seu processo de Beatificacao; este, porém, foi interrompido du
rante trinta e tres anos porque se levantaram suspeitas sobre a dignldade de
comportamento de Pedro Jorge. A Igreja nSo quis proceder enquanto nio se
dissiparam todas as dúvidas ¡aneadas por vozes tendenciosas. Finalmente,
após longos e meticulosos exames dos feitos e dos escritos de Pedro Jorge,
após ausculta de numerosas testemunhas e após a verificacSo de auténtico
mi/agre reconhecido por peritos médicos e teólogos, o Papa JoSo Paulo II
houve por bem declarar a heroicidade das virtudes de Pedro Jorge e permitir
se/a venerado publicamente nos lugares em que viveu e trabalhou (o culto
dos Bem-aventurados na~o 6 praticado em toda a Igreja, mas restringe-se a de
terminadas regides, á espera da canonizado).

Há quem pense que ser leigo (nao clérigo nem Religioso) ou ser jovem
sao situapoes pouco propicias á santidade. Com efeito; o leigo vive no mun
do, lidando com afazeres profanos, e o jovem senté em si ardente fogo de
paixoes - o que parece criar obstáculo á fidelidade á Lei de Deus e ao cresci-
mentó espiritual. Por isto é com prazer que lemos noticias referentes a jo
vens leigos que deram testemunho de santidade no seu próprio ambiente se
cular. Tal é o caso de Pedro Jorge (Pier Giorgio) Frassati, falecido com 24
anos de idade em 1925 e beatificado pe lo Papa Joao Paulo II em 20/05/1990.

É interessante examinar sumariamente o currfculo de vida desse jovem


e os depoirrientos que a respeito tém sido prestados.

361
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

1. Trapos biográficos

1. Pier Giorgio nasceu aos 6 de abril de 1901 (Sábado Santo} em Tu-


rim, como filho de Alfredo Frassati, proprietário-diretor de La Stampa, um
dos maiores diarios da Italia, mais tarde Embaixador do seu país na Alema-
nha. Pai e mae eram profundamente católicos e deram aos filhos urna educa-
cao disciplinada, que marcaría sua personalidade por toda a vida.

Como menino, brincava Pedro Jorge normalmente com seus irmáos e


amiguinhos; quando estes empreendiam alguma falcatrua no jogo, Pedro Jor
ge perdía sua habitual serenidade e apelava para os socos. Nutrindo grande
respeito por pai e mae, o menino era dócil e obediente. Rezava com piedade
e fez a Primeira Común hao em 1911; foi crismado em 1915. Mostrava gran-
de interesse pelos pobres e marginalizados, nota esta que sempre o caracteri-
zou.

2. Urna vez terminados os estudos ginasiais, Pedro Jorge encaminhou-


se para a Universidade. Entrou no Curso de Engenharia, visando a tornar-se
engenheiro das minas; queria ir trabalhar com os mineiros, que, vivendo em
subterráneos, nao tém a alegria de contemplar os céus; devia levar-lhes pala-
vras de orientacao e amor.

Na Universidade Pedro Jorge apaixonou-se pela poli'tica. Em 1919 o


sacerdote Luigi Sturzi fundou o Partido Popular, que parecia corresponder
á Doutrina Social da Igreja. O jovem filiou-se a esta faccao, combatida pelos
liberáis, que governavam a Italia desde a Unif¡cacao da península em 1870,
pelos socialistas e comunistas assim como pelos fascistas... Estes tomaram o
poder em 1922 e extinguiram o Partido Popular, o que foi muito doloroso
para Pedro Jorge. A sua opcáo política revela o seu caráter: era reto e leal,
dedicado á causa de Cristo, custasse o que custasse; enfrentava os obstácu
los sem timidez.

3. Nao podendo mais militar na política, o jovem dedicou-se ainda


mais aos pobres na qualidade de vicentino {membro de urna Conferencia de
S. Vicente de Paulo): freqüentou assiduamente hospitais, asilos, orfanatos,
tugurios mórbidos; levava alegria, reconforto, conselhos a quantos careciam
de urna palavra amiga... Geralmente os colegas de Pedro Jorge tinham mais
dinheiro no bolso do que ele, filho de urna das familias mais ricas de Turim.
Verdade 6 que em casa os pais, seguindo um regí me de austeridade, nao
eram pródigos em dar-lhe dinheiro. Mas nem o necessário para tomar o bon-
de era guardado por Pedro Jorge, que dava as últimas moedas aos pobres e,
por isto, fazia longas caminhadas a pé para voltar á casa. Narra-se que na vés-
pera de sua morte, ou seja, aos 3/07/1925, os confrades vicentinos fizeram
sua reuniao habitual em ambiente de profundo sofrimento por saberem-no

362
PEDRO JORGE FRASSATI 27

muito doente; olhavam para o seu lugar vazio, quando um dos presentes
perguntou:

"Quem fez as visitas aos enfermos confiados a Pedro Jorge?"

Outro confrade respondeu apresentando um bilhete, que dizía com le


tra quase ¡legível (por causa das dores de Pedro Jorge, que a escrevera):

"Aquí estafo as in/'ecdes de Converso. A apolice é de Sappa. Esqued-


me déla. Renova-a por minha conta".

Todos ficaram ¡mpressionados por verificaren! a preocupacao de Pedro


Jorge gravemente enfermo.

0 seu zelo pela retidao de caráter e conseqüentemente pela renovacao


da sociedade de seu tempo levou-o a conceber grande admiracao por um
frade dominicano que bradava por reformas moráis no fim do sáculo XV:
Girolamo Savonarola, da Ordem dos Pregadores. Fez-se entao membro da
Ordem Terceira Dominicana com o nome de Fra Girolamo.1 Isto nao impli-
cou rebeldía da parte de Pedro Jorge, mas, sim, a afirmacao de absoluta fide-
lidade aos principios da fé e da Moral da Igreja.

4. Pedro Jorge nao falava em tornar-se sacerdote. Sabia ter vocacáo pa


ra ser apostólo no mundo; o casamento ás vezes Ihe parecia um entrave para
o desempenho dessa missao. Todavia certa vez em Berlim conheceu urna jo-
ve m universitaria, chamada Laura Hidalgo, provada pela desgraca e dotada
de grande candor e bondade, unidos a urna fé viva; sentiu-se atraído por ela.
Quando o revelou á sua mae, percebeu que o eventual casamento com essa
moca nao so mente desagradaría aos pais, mas provocaría desentendimento
entre eles por motivos muito particulares. Pedro Jorge confiou a situacao
ao seu confessor D. Cojazzi; este Ihe perguntou:

"EntSo entre ti e essa jovem pde-se de permeio o coracio dos país.


Pensas em passar além?

— NSo. De modo nenhum. Nunca.

A Ordem Terceira é constituida por leigos que, vivendo no sáculo, obser-


vam o espirito da Regra e das Constituicóes Dominicanas.
Girolamo Savonarola (1452-1498) foi frade dominicano em Florenca.
Envolveuse em lutas contra a decadencia de costumes da sociedade floren
tina; liderou a criacSo de urna república em Florenca. Foi excomungado
pelo Papa Alexandre VI.
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

— Lembro-te de que em consciéncia tens esse direito, pois ¡á chegaste


á maior idade.

— Já se¡; mas nao quero seguir esse caminho.

— Entio nSo te resta senSo a renuncia".

Pedro Jorge inclinou a cabeca em sinal de assentimento. Foi este um


sacrificio profundamente doloroso realizado por ele já no fim da sua vida.
Em carta posterior escrevia ele:

"Eu poderla desposá-la contra a vontade dos meus. Mas destruir urna
familia para constituir outra parece-me absurdo e coisa em que nem se deve
pensar. Serei eu o sacrificado; já que Deus assim o quer, se/a feita a sua von-
tadel"

Os amigos mais próximos, conscientes de quanto tal renuncia Irte cus-


tara, surpreendiam-se por vé-lo sempre a expandir um luminoso sorriso.

5. Como os jovens do seu tempo, Pedro Jorge praticava o esporte, es


pecialmente o alpinismo. Era apaixonado pelas montan has. Com os amigos
falava algumas vezes da beleza da morte sobre as montanhas. Antes de partir
em excursao, costumava dizer:

"É preciso estar sempre tranquilo de consciéncia, principalmente, po-


rém, quando partimos para as montanhas. Ninguém sabe o que podará acon
tecer".

Pelas suas condicoes financeiras e por seus dotes físicos, teria podido
fazer alpinismo "académico", entrando em grupos de privilegiados e procu
rando a gloria que nao Ihe faltaria. Mas preferiu um alpinismo mais modesto:
quería iniciar companheiros inexperientes, guiando-os e sustentando-os ñas
primeiras escaladas,-pois seguia a norma ditada pelo Senhor Jesús: "É mais
feliz dar do que receber!" (At 20, 35).

O alpinismo nao era, para ele, um objetivo fechado. Era, antes, um


meio de mobilizar energías juvenis, urna escola da vontade, da coragem, um
treinamento para tender ao que é grande, belo e forte.

Ñas montanhas nao deixava de rezar o terco com os companheiros,


prpcurava participar da S. Missa e incitava os amigos a louvar a Deus apreen-
dido através das maravilhas da natureza.

A última excursao de Pedro realizou-se aos 7/06/1925, menos de um

364
PEDRO JORGE F.RASSATI 29

mes antes da sua morte. Quis subir ao monte Luneile pela face mais abrupta,
isto é, pela Placea Santi, onde no ano anterior se tinha despencado o estu-
dante Royere. Foi feliz em seu empreendimento e, com os colegas de aseen-
sao, rezou pelo falecido.

Evitava as conversas obscenas. Quando os amigos as entabulavam, na


da dizia; mas, com muita seriedade, afastava-se. Os colegas de Pedro Jorge
sabiam disto, de modo que, quando na Universidade alguém convidava os
amigos para ver fotografías inconvenientes, diziam: "Venham todos, menos
o Senador!" Ele sorria ao apelido e aceitava a excecao.

Isto, porém, nao quer dizer que fosse um jovem retraído ou tímido.
Muito ao contrario; tomava parte nos movimentos estudantis que Ihe pare-
cessem justos e de boa inspiracao. Assim, por exemplo, entrou numa cam-
panha para a protecao do título de engenheiro, tendente a extirpar abusos e
diminuir o desemprego. Houve passeata pelas rúas de Turim; a policía ínter-
veio e prendeu um estudante; Pedro Jorge, tendo procurado defendS-lo,
também foi preso; protestou com palavras veementes contra a violencia dos
policiais... Finalmente foi soltó; mas, antes de voltar para casa, foi á redacto
do jornal La Stampa, onde formulou um protesto contra o procedimento
dos guardas.

Muito mais grave foi o confuto no qual Pedro Jorge se envolveu ñas
rúas de Roma em setembro de 1921, por ocasiao do Congresso Nacional da
Juventude Católica Italiana. O Governo italiano resolveu proibir as funcoes
religiosas programadas para o Col ¡seu assim como outras manifestacos pú
blicas. Os 50.000 rapazes da JUC nao se conformaram com isso e enfrenta-
ram a cavalaria e os guardas, enfurecidos. Um jovem que nao quería largar a
bandeira que ele trazia, foi ameacado á baioneta; Pedro Jorge foi procurar o
tenente e gritou-lhe o nome do seu pai Embaíxador Alfredo Frassati; o ofi
cial entao repreendeu o guarda agressor e disse á Pedro Jorge que poderia
ir-se em liberdade; Pedro Jorge, porém, nao quis serv¡r-se deste privilegio
enquanto nao foi posto em liberdade o colega portador da controvertida
bandeira.

6. Para desenvolver o alpinismo, Pedro Jorge dispunha de urna vontade


de ferro, que a prática do esporte fortalecía sempre mais. Por isto em familia
apelidavam-no Tostadura (Cabeca dura). Alias, toda a educacao que recebera
era austera, sem requintes na comida e no trajar. O vinho era proscrito a nSo
ser em raras ocasides; também o café, excetó nos últimos anos, quando pas-
sava parte da noite em estudo ou transcorría días em jejum. Desde enanca
habituara-se a tomar banho frió, de modo que suportava bem á agua gelada
dos lagos alpinos e rejeitava a calefacao do seu quarto no invernó. Desde pe-

365
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

queno sua máe o educara para suportar a dor com valentía, sem lamentacoes
de um temperamento amolecido.

Aos dezesseis anos de ¡dade, adoeceu de varióla, com mais de 40? de


febre. Certa noite a máe, que nao deixava a sua cabeceira, observou-lhe os
olhos mais febris do que de ordinario. Perguntou-lhe: "Filho, queres alguma
coisa?" Respondeu: "Tenho muita sede..." - "Por que nao me chamaste?"
— "Nao quis incomodar a Sra.; anda táo cansada... e dormía tao bem!"

Na primavera de 1920 foí, com um amigo, visitar a fábrica de Borgo


Dora, das minas de ferro piemontesas, onde os trabalhadores eram dos mais
agitados. Como sempre, levava na lapela o distintivo do Partido Popular (de
oríentacao católica). Quando chegaram ao primeiro pavilhao, o amigo Ihe
disse que era oportuno retirar o distintivo para evitar incidentes, nao raros
em outras ocasióes. Respondeu Pedro Jorge: "Verá que ninguém me dirá
coisa alguma". E, apesar da insistencia do amigo, Pedro Jorge se manteve
intrépido. A visita durou tres horas, estendendo-se a todas as seccoes da fá
brica. Pedro Jorge conversou amigavelmente com cerca de vinte operarios,
encontrando afável acolhida da parte de todos! O fato era realmente urna
excecáo, ... excecáo que a figura impressionante daquele jovem conseguía
obter.

A sua vontade firme, sustentada pela grapa de Deus, muito contribuiu


para o bom éxito de lutas que deve ter travado consigo mesmo para nao cair
nos desvios tao freqüentes na idade juvenil, especialmente em ambiente da
alta sociedade. Em carta a um amigo testemunhava Pedro Jorge:

"Pobre de mim\ Passam-se os días e eu, em vez de notar melhoras, vejo


persistir a besta, que na /uta vence o espirito. Só ñas oracoes dos amigos en
contró ajuda poderosa para tomar com vigor as rédeas da minha animalida-
de;por isto me confio especialmente as suas preces".

Em outra ocasiao escrevia, referindo-se ás lutas contra "o velho


homem":

"Meu caro, tenho realmente vergonha de falar de assunto tio desagra-


dável; Isto nSo por falta de confíanos em ti, mas porque a questSo está resol-
vida e ó melhor nSo falar déla, mas fechar para sempre este paréntesis de mi
nha vida. Certamente val-te espantar a llnguagem desta carta, mas deves en
tender que em mim alguma coisa mudou. NSo é obra minha, pois nSo apli-
quei nenhuma daquelas enérgicas medidas que te anunciei antes de partir de
Turím".

Estes dizeres lembram que os Santos se fizeram da mesma argila que

366
PEDRO JORGE FRASSATI 31

os ciernáis homens. Tivera m por heranca a mesma natureza desordenada, mas


com a grapa de Deus conseguiram burilá-la de modo a torná-la harmoniosa e
transparente para os valores transcendentais. A grapa, porém, nao extingue
as características da personalidade humana: um santo jovem do sáculo XXé
diferente de um Santo adulto e de um Santo anciáo; um Santo universitario,
esportista e político é diferente de um eremita ou de um clérigo, mas em to
dos eles resplandece a acao do Espirito Santo, que purifica e burila o inte-,
rior do cristao, configurando-o ao Cristo Jesús.

2. O fim de vida na térra

"Creio que o dia da morte há de ser o dia mais belo da minha vida",
dizia e repetía Pedro Jorge aos seus amigos.

Tal dia seria o sábado 4 de julho de 1925.

Na terca-feira anterior ainda visitou diversos amigos. Resolveram fazer


urna excursao de barco no rio Pó. Foi entáo que experimentou os primeiros
síntomas de sua doenca mortal: dores na espinha e grande cansaco. Essas do
res foram-se intensificando.

A avó de Pedro Jorge faleceu a 1? de julho - o que contribuiu para


tornar mais penosa a situacao na familia do jovem. Como as dores nao cessas-
sem apesar do tratamento prescrito pelo médico da familia, reuniu-se urna
junta de tres médicos, que diagnosticaram o seguinte: forma aguda as
cendente de poliomielite anterior, de accao infecciosa, molestia pouco co-
mum, que ataca de preferencia os jovens.

Os genitores de Pedro Jorge tentaram todos os recursos da medicina


da época; com toda a rapidez mandaram vir do Instituto Pasteur de Paris um
soro ainda nao existente no mercado. Os médicos lutaram, penalizados, con
tra a enfermidade, cientes do valor daquele jovem, em favor do qual nada
conseguiam no plano da ciencia.

Na sexta-feira, dia que Pedro Jorge dedicava aos pobres, estando ele
incapacitado de se mover, mandou chamar a irmá* Luciana: pediu-lhe
que fosse ao seu escritorio e Ihe trouxesse o casaco. Tirou do bolso a cartei-
ra, e desta tirou urna apólice; pediu á irma que Ihe desse urna caixa de inje-
coes e sobre um cartáo escreveu ao confrade Grimaldi, indicando o destino
desses objetos!

Visto que o mal progredia, o jovem pediu urna injecao de morf¡no; os


médicos porém, nao a julgaram oportuna. Entao a mae disse-lhe ao ouvido:

367
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

"NSo pode ser, fí/ho. Faz-te mal. Oferece a Deus o sofrímento de nio
poder dormir pelos teus pecados, se os tens;se nSo, pelos dos teus país".

Pedro Jorge fez com a cabega um resoluto sinal de aceitacao; e nada


mais solicitou nem se queixou mais... Ao capelao pediu que o pusesse sem-
pre a par do agravamento de seu estado... Em dado momento entao disse o
sacerdote:

"Pedro Jorge, e se toa avó te chamasse com ela ao paraíso?"

Os olhos cintilaram-lhe. Esbocou um sorriso. Pensava constantemente


nos seus, que o acompanhavam junto ao leito, desejando aliviar-lhes a dor.

Na noite de sexta para sábado, pediu que o ajudassem a fazer o sinal


da cruz, pois o braco direito comecava a paralisar-se. Perguntava: "Deus me
perdoará?" E murmurava: "Senhor, perdao!"

A paralisia ia subindo. As tres da madrugada, passou por gravísima


crise, em conseqüéncia da qual sua mae mandou chamar o sacerdote, que
Ihe administrou a Uncáo dos Enfermos e Ihe deu a béncao papal.

Aínda sobreviveu até as 19 horas. A familia estava junto ao seu leito e


o sacerdote rezava as orapoes pelos agonizantes, quando exalou o último sus
piro.

Assim terrninavam os 24 anos de existencia de Pedro Jorge neste mun


do. Morreu como o grao de trigo que, caindo na térra, dá fruto múltiplo (cf.
Jo 12, 24). Após a sua morteéqueos contemporáneos comecaram a perce-
ber a grandeza de alma daquele jovem e a influencia de seus exemplos e de
suas palavras. É o que declarou sua irma Luciana: "So depois da sua morte
é que descobrimos a sua plenitude crista".

O enterro, efetuado aos 6/7/1925 foi acompanhado por grande multi-


dáo de pessoas ancias e jovens, pobres e ricas.

3. A descoberta do cristao fiel

A fama das virtudes heroicas de Pedro Jorge persisttu através dos anos.
Por isto aos 2/7/1932, sete anos após a morte do jovem, o Cardeal Maurilio
Fossati, de Turim, mandou abrir o processo informativo ordinario, ou seja, o
exame dos escritos de Pedro Jorge e a ausculta das testemunhas.

Até 23/10/1935, em 232 sessoes, foram ouvidas vinte e cinco testemu


nhas em Turim. O material colhido foi enviado á Congregacao dos Ritos em

368
PEDRO JORGE FRASSATI 33

Roma, para ser ulteriormente analisado. Entre 1937 e 1939 seis Cardeais,
numerosos Bispos, Superiores de Institutos Religiosos, Reitores de Universi
dades, simples fiéis, homens e mulheres escreveram á Santa Sé pedindo a ca
nonizado de Pedro Jorge: seria um exemplo a propor aos jovens do sé-
culo XX.

Deu-se, porém, um incidente. Em dezembro de 1939 foi enviada á


Santa Sé urna comunicapao sigilosa e anónima: exprimia as dúvidas do remé
teme sobre o comportamento de Pedro Jorge em tres pontos: determinado
passeio feito pelo jovem em companhia de rapazas e mocas no Parque Valen
tino em Turim, as excursóes alpinísticas realizadas também com rapaces e
mocas; o relaciona mentó de Pedro Jorge com a Sta. Laura Hidalgo. - Trata-
va-se apenas de suspeitas, que nao se podiam corroborar com a descricáo de
um desvio moral concreto. Na década de 40, os fatos apontados podiam pa
recer mais graves do que hoje parecem, porque eram insólitos em certas re-
gióes.

A Congregado dos Ritos, que examinava as Causas dos Santos, to


mando conhecimento de tal comunicacao, mostrou-se hesitante: sete dos
membros da Comissao en car regada do caso de P.J. Frassati mostraram-se-lhe
favoráveis; cinco, porém, pediram revisao do processo, e um votou em con
trario. A Causa foi entao entregue a Pió XII; este, aos 4/06/1944 dispds que
fosse arquivada; o Papa confirmoua sentenca aos 15/11/1945 (nao é conve
niente, non expediré, dizia S. Santidade).

Passada a tormenta da Segunda Guerra Mundial, os amigos de P.J.


Frassati resolveram pesquisar melhor o caso. A sua irmá Luciana, entre 1949
e1951, conseguiu recolher 900 pecas (documentos, declaracoes, testemu-
nhos...}; enviou-as sob forma de vinte volumes á Santa Sé; Pió XII entao, aps
2/7/1951, mandou pedir a um perito da Congregacao dos Ritosqueexami-
nasse tal documentacao para averiguar se podia justificar a retomada do pro
cesso de P.J. Frassati. Encarregado de tal tarefa, o franciscano conventual
Pe. Caetaño Stagno concluiu a sua pericia aos 22/1/1953 com um laudo de
quarenta páginas datilografadas favorável & reabertura do processo; o jufzo
definitivo, dizia ele, só poderia ser proferido após a consulta de todos os do
cumentos relativos ao caso, documentos dos quais muitos aínda eram guar
dados sob sigilo.

Como quer que fosse, as pesquisas de Luciana Frassati e do Pe. Stagno


haviam bastado para dissipar as dúvidas levantadas sobre ó tal passeio no
Parque de Turim (havia cinco meninos e duas meninas, tendo Pedro Jorge
entao 14 anos de idade), sobre o amor por Laura Hidalgo (amor intenso,
mas nunca declarado áquela jovem) e sobre as excursóes alpinistas.

369
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

O processo ficou estacionario até 1965, quando, a pedido dos PP. Sa-
lesianos, o Cardeal Arcadio Larraona, Prefeito de Congregado dos Ritos, en-
carregou o jesuíta Pe. Paulo Molinari de fazer nova pesquisa do assunto; esta
conctuiu-se aos 17/4/1967, quando o Pe. Molinari apresentou ampia docu-
mentacao, que nao só desfazia todo impasse, mas ainda evidenciava a
riqueza espiritual e crista" de P.J. Frassati. Ficou averiguado que as suspeitas
levantadas provinham de porta-vozes malévolos e inexplicáveis, que, além do
mais, se estribavam na falsa alegacáo de que o cadáver de Frassati fora en
contrado em atitude de desordem e desespero dentro do seu caixáo.

O clima se aliviou. Mas nada de novo aconteceu até 1974. O Cardeal


Villot, Secretario de Estado naquele época, solicitou á Congregacao respec
tiva que reexaminasse o processo; dizia: "É desejo do Papa (Paulo VI)". Fo-
ram abortos todos os arquivos relativos ao caso, para que os estudiosos os
pudessem compulsar. De novo encarregado da tarefa, o Pe. Caetano Stagno
terminou sua investigacao aos 15/11/1976 com o seguinte laudo:

"O abaixo-assinado ó do parecer de que as pesquisas realizadas trouxe-


ram a luz necessária sobre as questoes suscitadas no caso; por isto ó dissipada
qualquer dúvida sobre a retidao moral de Pedro Jorge Frassatí. Conseqüente-
mente o mesmo abaixo-assinado nSo vé dificuldade que possa opor-se ao es-
tudo de urna causa cujo valor positivo foi reconhecido por tao numerosos e
abalizados testemunhos".

Cíente disto, Paulo VI, aos 20/1/1977, retirou a ordem de arquiva-


mentó emitida aos 4/06/1944 e mandou reabrir o processo (procedatur ad
ulteriora).

Assim, após 33 anos de estagnacao, a causa foi reativada, tendo a Sra.


Luciana Frassati e o Pe. Molinari como incentivadores. Em junho de 1977
a Acáo Católica Italiana assumiu o patrocinio da Causa.

A primeira etapa dessa nova fase desenvolveu-se em Turim entre


13/06/80 e 29/7/81: aos 31/3/81 foi aberta a sepultura de P. J. Frassati
por ordem da Comissao nomeada pelo Cardeal Ballestrero, arcebispo local;
narra um dos membros dessa Comissao:

"Encontramos ¡natos os selos colocados no caixáo antes que fosse


transportado para o cemitério de Pollone... O corpo de Pedro Jorge estava
íntato e em posicio tranquila; sobre os seus labios, esbocavava-se um sor-
riso".

Em Turim, a mencionada Comissao se reuniu 69 vezes, ouvindo cerca


de trinta testemunhas. Terminada a tarefa, entregou toda a documentacao á

370
PEDRO JORGE FRASSATI' 35

Congregacao respectiva em Roma. Já havia entao dois grossos volumcs sobre


o assunto, resultantes de meticuloso trabalho científico. Os Cardeais e teólo
gos prepararam, sobre esta base, um parecer positivo a ser entregue ao Papa
Joao Paulo II.

Em conseqüéncia, aos 23/10/1987, após o encerramento do Sínodo


Mundial dos Bispos sobre os Leigos, o Papa Joao Paulo II mandou lavraro
Decreto que proclamava a heroicidade das virtudes de Pedro Jorge Frassati,
que recebeu o título de "Venerável".

Para que o processo pudesse desenvolver-se ulteriormente, a Igreja es-


perava um sinal comprovante de Deus, ou seja, um mi I agre absolutamente
¡nexplicável pela ciencia. Ora aos 28/12/1988, Luciana Frassati descobriu
nos armarios da familia Frassati ampia documentacao sobre a cura de Do
men ico Sellan ocorrida milagrosamente aos 28/12/1933 (ver subtitulóse-
guinte).

Comecou entao o processo de investigacao desse mencionado fato por


tentoso aos 24/1/89 em Turim. Concluiu-se aos 30 do mesmo mes com o re-
conhecimento do milagre por parte do Cardeal Anastasio Ballestrero. O lau
do do Cardeal-arcebispo foi levado a Roma e submetido a nova pericia com
toda a documentacao respectiva: examinaram o caso os médicos aos 26/4/89,
os teólogos aos 30/6/89... Reconhecendo assim o milagre, os Cardeais da
Congregacao para as Causas dos Santos, aos 3/10/89 manifestaram seu acor-
do: Domenico Sellan recuperou a saúde de maneira rápida, total e inexplicá
vel pela ciencia, grapas á intercessao de Pedro Jorge Frassati, que ele havia in
vocado. Sendo assim, aos 21/12/89 foi assinado o Decreto que reconhecia o
milagre. Tin ha-se assim o sinal de Deus suficiente e necessário para que a
Igreja procedesse á Beatificacao de Pedro Jorge Frassati, a qual se deu real
mente aos 20/5/1990 em Roma. Nessa ocasiáo o S. Padre proferíu urna ho
milía, da qual vai aqui extraído o seguinte trecho:

"Por certo, á primeira vista o estilo de vida de Pedro Jorge Frassati,


um jovem moderno, cheio de vida, nada aprésente de extraordinario. Mas é
precisamente isto que faz a originalidade da sua virtude, que convida a refle-
tir e que leva á ¡mitacSo.

Nele a fé e os acontecimentos de cada dia se fundem harmoniosamen-


te; a adesSo ao Evangelhos se traduz em atendió amorosa aos pobres e aos
necessitados, num crescendo continuo até os últimos dias da doenca que Ihe
acarretou a morte. O gosto da beleza e da arte, a paixSo pelo esporte e pela
montanha, a atencSo prestada aos problemas da sociedade nSo ¡mpediram o
seu constante relacionamento com o Absoluto.

371
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

O seu dia-a-dia terrestre pode ser assim definido: todo mergulhado no


misterio de Deus e todo dedicado ao constante sen/ico do próximo".

Apresentamos todas as minucias do processo de Beatificacáo de Pedro


Jorge Frassati precisamente para evidenciar como a Igreja é cautelosa diante
de rumores de santidade e milagres. Ela sabe que pode haver clamorosas ilu-
soes nessa área; por isto nao se deixa convencer fácilmente; aplica os recur
sos humanos de pesquisa e aguarda a confirmacao de Deus antes de procla
mar alguém modelo de santidade e intercessor em favor dos homens na
patria celeste.

A Beatificacáo de Pedro Jorge Frassati deve seguir-se a Canonizacao,


que dependerá de outro milagre ou outro sinal que o Senhor Deus queira
realizar a fim de legitimar a declaracáo solene de santidade do jovem Frassati
e o seu culto de veneracao em todo o mundo.

4. Urna cura ¡mpossi'vel

Domenico Sellan, nascido em 1892 em Freul (Italia), foi ferido na co


luna dorsal durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Desde setem-
bro de 1933 tinha que ficar de cama por causa de graves lesoes da primeira e
da segunda vértebras lombares. Sofria do chamado "mal de Pott". O médico
assistente, Dr. Dionisio Sina, escreveu:

"Domenico Sellan perdeu por completo a sensibitídade dos membros


inferiores, com repetidas manifestares de meningismo, freqüentes pardas
da memoria e lancinantes dores de cabeca. Visitando-o, verifiquei o agrava-
mentó do mal de Pott associado á paralisia das pemas".

Na man ha de 28 de dezembro de 1933 Dom Pietro Martín, Vigário de


San Quirino, aldeia onde morava o enfermo, foi vé-lo e entregou-lhe urna es
tampa de Pedro Jorge Frassati. Horas depois ou no fim do dia, voltou a ter
oo m o para I ftico. Narra o sacerdote:

"Ele quis /mediatamente cohfessar-se e pediu a ComunhSo Eucarfsti-


ca sem demora. Sentía imprevistamente que as torcas Ihe voltavam e com fir
me convt'ccáb indicou como seu benfeitor Pedro Jorge Frassati. As pomas re-
cuperaram seu vigor. Vi-o depois freqüentemente subir e descer oseadas com
desenvoltura".

Depois de tal prodigio, Domenico Sellan gozou de boa saúde. Morreu


aos 17/01/68. Foram ouvidas testemunhas do fato e examinados documen
tos relativos ao mesmo para que finalmente a Igreja reconhecesse, juntamen-
(continua na o. 351)

372
Livro revolucionario:

Urna Igreja de Batizados: Para


Superar a Oposigáo
Clérigos/Leigos"

por Rtfmi Parent

Em si'ntese: 0 livro de fíémi Parent é falho a diversos títulos. Aborda


o tema "Igreja" a partir de principios meramente humanos ou sociológicos;
haveria na Igre/'a "luta de classes" e necessidade de que os leigos, reduzidosé
passividade, assumissem funcdes de comando. Assim os higos deixarSo de
ser leigos e os clérigos deixarSo de ser clérigos. Esta é cortamente urna visSo
caricatural da Igreja e, em geral, do Cristianismo; o autor faz questSo de
querer retocar todo o universo religioso, julgando que as próprías concep-
có~es c/ássicas relativas a Deus exaltam excesivamente a soberanía de Deusj
f¡cando ao homem principalmente a consciéncia do pecado. Em conseqOSn-
da, Rómi Parent propde que se reformule a própria Moral católica, permitir»-
do aos homossexuais e as pessoas divorciadas e de novo unidas que justifi
quen) e legitimem a sua posicSo. — O livro tambóm é falho por ignorar total
mente a ExortacSo Apostólica Sobre os Leigos, de JoSo Paulo II; o original
francés de R. Parent foi escrito antes da publicacSo deste importante docu
mento (datado de 30/12/1988); a traducSo brasileira, datada de 1990, nem
sequer o menciona em bibliografía.

Rémi Parent nasceu no ano de 1926, em Port Alfred (Canadá). Fez-se


sacerdote redentorista, e leciona Teologia na Universidade de Montréal; é
autor de diversos livros sobre a Igreja e os ministerios.

A obra que apresentamos nestas páginas,1 é das mais ousadas, pois


tem por linha central de pensamento a extincao da diferenca entre clérigos e

1 REMI PARENT, Urna Igreja de Batizados: para superar a oposicSo cléri


gos/leigos. TraducSo do francés por María Cecilia Duprat - Ed. Paulinas.
SSo Paulo 1990, 130x 200 mm, 186 pp.

373
38 "PERGUNTEE RESPONDEREMOS" 339/1990

leigos; esta tese, apresentada em todo o decorrer do livro, é formulada típi


camente na sua última frase: "Nao há mais clérigos nem leigos" (p. 186).

Examinaremos o conteúdo do livro e Ihe teceremos alguns comen


tarios.

1. O conteúdo do livro

O autor tenciona "questionar toda a estrutura de todo o universo reli


gioso" (p.11) e nao apenas o relacionamento entre clérigos e leigos. Para ele,
"a Igreja é piramidal e clerical" (p.21), marcada por urna hierarquizacab de
funcoes e membros, desiguais entre si, como se depreende do seguinte es
quema apresentado á p. 21:

Papa
Bispos
Padres
Leigos

Esta hierarquia, segundo R. Parent, é o eco de outra, aínda mais am


pia, assim descrita pelo autor:

DEUS PAI
JESÚS CRISTO
CLÉRIGOS
LEIGOS

R. Parent julga que a teología católica enfatizou demais o conceito


de dominacao em cada um dos tris degraus superiores da escala ácima:

1) Deus é tido como Soberano, Absoluto, afastado do universo, Causa


Primeira, da qual tudo mais (Cristo, clérigos, Eucaristía) sao efeitos "ou, se
sao elevados á condicao de causas, é por um salto na ordem da transcenden
cia absoluta" (p. 36). A conseqüéncia é que "Deus constituí o único sujeito
verdadeiramente ativo de tudo" (p. 36); os demais seres sao condenados á
passividade.

Tal nocao de Deus gera nos homens urna culpabilidade doentia: a de


"quem se senté culpado de ser limitado". Conseqüentemente o autor pleí-
teia mudancas na própria Moral católica: o homossexualismo, o divorcio, o
livre controle da natalidade... nao deverao ser julgados pela autoridade em
nome de Deus, mas, sim, pelas pessoas envolvidas em tais tipos de comporta-
mentó; quando isto se der, estarao legitimadas essas práticas que hoje a
Igreja condena "em nome de Deus" (cf. pp. 174s).

374
"UMAIGREJADEBATIZADOS..." 39

2) A dominado atribuida a Oeus fez que a teología católica levasse


menos em consideracáo a humanidade de Jesús. "Ele foi ressuscitado" pas-
sivamente. De modo geral, diz R. Parent, "tudo quanto Jesús pode decidir
como ser humano, o que pensou, viveu e disse, a historia de sua liberdade
pessoal e sua própria insercao na historia de seu povo, tudo nao passa de
objeto passivo, inteiramente entregue á intervencao direta de Deus" (p. 62).
— Os teólogos e os fiéis, conseqüentemente, se voltaram mais para a Divin-
dade de Jesús ou para o Cristo da Gloria, o Senhor soberano, cuja domina-
cao pesa sobre o povo de Oeus.

3) Quanto aos clérigos, é costume designa-los como aqueles que agem


"na pessoa de Cristo"; o padre é um outro Cristo. Participa da soberania de
Jesús, de tal modo que, por exemplo, celebra a Missa sem a participacao
ativa dos leigos. O autor chega a empregar a ironia, quando escreve: "Falam
de dar Jesús, de fazé-lo vir, e nao temem quantificar essa vinda (María deu
Jesús só urna vez, ao passo que o padre pode fazé-lo mil vezes)" (p. 82).

Rémi Parent se detém longamente sobre a celebracao da Eucaristía,


que é privilegio dos clérigos. Julga que isto é motivo para que muitos leigos
se afastem da Igreja. Para corrigir este mal, eré que a Missa deve ser "celebra*
cao sacramental de toda a vida..., quando, habitando plenamente seu inun
do, todos trabalham para a sua total libertacao. A Missa torna-se significan
te, retoma sentido e significacao, quando os fiéis Ihe retiram o monopolio
do culto em beneficio do único lugar digno do culto crista o: o mundo e sua
historia" (p. 122). Com estas palavras o autor insinúa que mais importante
do que a celebracao litúrgica é a atividade dos crístaos no campo sócio-polf-
tico? Há outros textos que parecem corroborar esta insinuacao.

A conclusao que de suas consideracoes deduz o autor é que "os cléri


gos deixarao de ser clérigos e os leigos deixarao de ser leigos" (p. 9; cf.
p. 186).

"Somente os leigos... que deixaram de ser leigos, somonte as comuni


dades que se desembaracaram finalmente dos clérigos poderio ajudar os pa
dres, os bispos e o papa a se libertarem das estruturas clericais que aínda
atrofiam suas existencias" fp. 122).

"No próprio processo onde os leigos vSo... deixar de ser leigos, vio
forear os padres, os bispos e o papa a deixar de ser e de se comportar como
clérigos" (p. 1201.

A frase final do livro é: "Nao há mais clérigos nem leigos" (p. 186).

375
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

O autor afirma que "o sacerdocio batismal é a plenitude da participa-


cao histórica no sacerdocio de Cristo... Nao pode haver, na historia, outro
sacerdocio cristao a nao ser o sacerdocio batismal" (p. 97).

Conseqüentemente Parent julga que "o presbiterato e o episcopado


devem estar a servico do sacerdocio batismal" (p. 99). "A plenitude do sa
cerdocio batismal é negada cada vez que urna pessoa ou um grupo se sitúa
ao lado dele "(p. 99). Sao os leigos que devem escolher seus clérigos, de tal
modo que Rémi Parent insinúa nao haver validade de ordena pao se nao hou-
ve participado ativa dos leigos na escolha dos seus ministros: "Episcopado e
presbiterato existem. quando as consciéncias crentes nao as fazem existir,
como sacramento particular a servico da Igreja-sacramento?" (p. 102).

Por isto Joao Paulo II escreveu um "infeliz texto", no qual afirma que
o sacerdote exerce a sua funcao ministerial na pessoa de Cristo (cf. p. 10)!

Em suma, o autor se estende tongamente sobre a "democratizacáo" da


Igreja recorrendo por vezes a caricaturas (cf. p. 44; 57s), a sofismas {cf.
p. 71), a afirmacoes passionais... O seu pensamento nem sempre é claro, tor-
nando-se, por vezes, pesada a leitura por causa das repeticoes. Parece-nos
muito grave o fato de que R. Parent ultrapasse a área da Eclesiotogia, preco
nizando que a Moral se torne libertadora ou permissiva de acordó com a
vontade dos homossexuais, dos divorciados unidos em segundas nupcias e
de pessoas envolvidas em outros pontos particulares (cf. p. 175). "A
Igreja provavelmente nao mantera mais as mesmas disposicoes quando seus
discernimentos forem realmente fato de Igreja e nao apenas do clero, daque-
les que permaneceram clérigos" (p. 175).

O contato com táo estranho livro suscita, sem dúvida, numerosas pon-
deracoes na mente do leitor, ponderacoes das quais se seguem alguns trapos.

2. Comentando...

Pode-se dizer que o livro de R. Parent, apesar das suas ambigüidades,


propSe a substituicao da Igreja por urna sociedade que já nao corresponde
ao que os Evangelhos e os escritos do Novo Testamento preconizam. O au
tor se deixa obcecar pelos conceitos sociológicos de democracia, nivelamen-
to, igualdade de todos... a ponto de ignorar ou distorcer textos da S. Escritu
ra e da Tradicao para "fundamentar" sua tese. Esta sugere as seguintes consi-
deracoes:

2.1. Igualdade fundamental

Nao há dúvida, todos os homens sao iguais entre si perante Oeus. O

376
"UMAIGREJADEBATIZADOS..." 41

Senhor nfio faz accepcao de pessoas (cf. Ef 6, 9; Cl 2. 25), de modo que as


próprias fungSes pastorais e administrativas na Igreja sao motivo, antes, de
santo temor do que de va gloria. É o que lembra S. Agostinho <f 430) citado
no fim do § 32 da Constituicao Lumen Gentium, que sintetiza nítidamente
essa igualdade fundamental de todos os cristaos:

"Um é o povo eleito de Deus: 'um so Senhor, urna só fé, um só batis-


mo' (Ef4, 5). Comum a dignidade dos membros peta regenerado em Cristo.
Comum a graca de filhos. Comum a vocacSo é perfeicSo. Urna só a salvacio,
urna só a esperanca e indivisa a earidade. Nao há, pois, em Cristo e na Igreja,
nenhuma desiguatdade em vista de raca ou ñafio. condicSo social ou sexo,
porquanto 'nio há ¡udeu nem grego, nao há servo nem Ib/re, nao há vario
nem mulher, porque todos vos sois um em Cristo Jesús' (Gl 3, 28; cf.
CI3, 11).

Se, pois, na Igreja nem todos seguem o mesmo caminho, todos, no en-
tanto, sao chamados á santidade e receberam a mesma fé pela justica de
Deus (cf. 2Pd 1,1¡. E, aínda que alguns por vontade de Cristo sejam consti
tuidos mestres, dispensadores dos misterios e pastores, em beneficio dos de-
mais, reina entre todos verdadeira igualdade quanto á dignidade e é acSo co
mum a todos os fiéis na edificacSo do Corpo de Cristo. Porquanto a distin
go que o Senhor estabeleceu entre os ministros sagrados e o restante Povo
de Deus, traz em si certa uniSo, pois os Pastores e os dentáis fiéis estío Inti
mamente relacionados entre si. Os pastores da Igreja, seguindo o exemplo do
Senhor, sirvam-se mutuamente a si e aos outros fiéis. Estes, porém, oferecam
com alegría sua colaborado aos Pastores e mestres. Assim na varíedade to
dos dio testemunho da admirável unidade existente no Corpo de Cristo.
Pois a própria diversidade das gracas, dos ministerios e trabalhos unifica os
filhos de Deus, porque 'tudo isso é obra de um só e mesmo Espirito' (1Cor
12, 11).

Os leigos, pois, assim como pela condescendencia divina tém como ir-
mSo a Cristo, que, sendo Senhor de tudo, veto nSo para ser servido, mas para
servir (cf. Mt 20, 28), assim também tém como irmSos os que, postos no sa
grado ministerio, ensinando, santificando e regando, pela autoridade de Cris-
to, apascentam a familia de Deus, de tal modo que seja cumpridopor todos
o mandamento novo da earidade. A estarespeito disse bolamente Santo Agos
tinho: 'Atemoriza-me o que sou para vos; consola-me o que sou convosco.
Pois para vos sou bispo; convosco sou cristSo. Aquilo é um dever;isto é urna
graca. O primeiro é um perigo; o segundo, salvacSo'" fLumen Gentium 32).

O que pode distinguir alguém diante de Deus, é a santidade ou o grau


de fidelidade e amor com que responde aos apelos de Deus. Esta verdade,
que R. Parent menospreza, é enfatizada pelo S. Padre Joáo Paulo II quando

377
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

escreve sobre a ordenacao sacerdotal das mulheres na sua Instruyo Sobre a


Dignidade da Mulher:

"Evite-se transferir é Igreja - também na sua qualidade de instituífSo


composta de seres humanos e inserida na historia — criterios de compreen-
sSo e de julgamento que nio dizem respeito á sua na tureza. Mesmo que a
Igreja possua urna estmtura hierárquica, esta se ordena integra/mente á san-
tídade dos membros do Corpo Místico de Cristo. E a santídade é medida se
gundo o grande misterio, em que a Esposa responde com o dom do amorao
dom do Esposo, e o faz no Espirito Santo, pois o amor de Deus foi derra
mado em nossos coracSes pelo Espirito Santo que nos foi dado. 0 Concilio
do Vaticano II, confirmando o ensinamentodetodaa tradicSo, recordou que
na hierarquia da santídade precisamente a mulher María de Nazaré é figura
da Igreja. Ela precede todos no caminho rumo á santídade" (n? 23).

Com outras palavras: as funpoes que alguém exerce, conferem-lhe cer-


to poder e honra, mas na verdade nada signif icam diante de Deus. O verda
dero valor da pessoa humana é a sua santidade; os santos sao os grandes he-
róis da humanidade, mas precisamente sao as figuras que menos procuram
gloria e poder; quando incumbidos de funcoes, apagam-se tanto quanto pos-
síve I no exercício das mesmas.

2.3. Os leigos na Igreja

A tese de R. Parent so se sustenta na base da ignorancia - voluntaria


ou involuntaria - de documentos oficiáis da Igreja. Assim, por exemplo, lé-
se á p. 117 do livro:

"JoSo Paulo II acaba de dizer, a seu modo, que o laicato só se define


pela negativa e eclesialmente nada é".

Ora seria preciso que R. Parent citasse o documento onde ele terá lido
tal declaracáo de Joao Paulo II. Por certo nao o encontraría. Ademáis o ori
ginal francés da obra de Parent data de 1987; 6, pois, anterior á Exortacá"o
Apostólica Chrlitlfldalai Laiel sobre a vocacío e missáo dos Leigos na Igre
ja e no Mundo, datada de 30/12/1988; nem a traducá~o brasiteira do livro de
Parent, publicada em 1990, faz a mínima referencia a este documento — o
que é urna falha, pois significa repeticao desatualizada por parte da Editora
brasileira.

Apraz-nos citar um trecho do n? 2 dessa Exortacao Apostólica, no


qual Joao Paulo II se refere primeramente ao Sínodo dos Bispos realizado
em 1987 sobre os Leigos na Igreja e no Mundo:

378
"UMAIGREJADEBATIZAOOS..." 43

"Nessa Assembléia de Bispos esteve presente urna qualificada represen-


tacio de fiéis leigos, homens e mulheres, que deram um precioso contributo
aos trabalhos do Sínodo, como publicamente foi reconhecido na homilía de
encerramento: 'Demos gracas pelo fato de que, no decorrer do Sínodo, pu-
demos nSo só alegrar-nos pela participacSo de leigos ^auditores e aud¡tricasA
mas ainda mais porque o desenvolvímentó dos debates sinodais nos permi-
tiu escutar a voz dos convidados, os representantes do falcado, provenientes
de todas as partes do mundo, dos diversos Países, e nos permitíu aproveitar
as suas experiencias, os seus conselhos, as sugestoes que promanam do seu
amor pela causa comum'.

De olhos postos no pós-Concílio, os Padres sinodais puderam consta


tar como o Espirito tem continuado a re/uvenescer a Igre/a, suscitando no
vas energías de santidade e de participacSo em tantos fiéis leigos. Proya-o,
entre outras coisas, o novo estilo de colaborado entre sacerdotes. Religiosos
e fiéis leigos; a participacSo ativa na Liturgia, no anuncio da Palavra de Deus
e na catequese; a multiplicidade de servicos e de tarefas confiadas aos fiéis
e por e/es assumidas; o radioso florescimento de grupos, associacoes e movi-
memos de espiritual¡dade e de engajamento dos leigos;a participacSo cada
vez maior e significativa das mulheres na vida da Igreja e o progresso da
sodedade" (§ 2).

Como se vé, um estudo sobre os leigos na Igreja nao pode prescindir


da Exortacao Apostólica Christif¡deles Laici, como faz R. Parent.

Em particular, com referencia as mulheres diz a Exortacao:

"O novo Código de Direito Canónico contém múltiplas disposícoes so


bre a participacSo da mulher na vida e na missSo da Igreja:sSo disposicdes
que precisan) de ser mais comumente conhecidas e postas em prática, embo-
ra segundo as diversas sensibilidades culturáis e oportunidades pastorais,
com maior celeridade e resolucSo.

Vejase, por exemplo, a participacSo das mulheres nos Conselhos pas


torais diocesanos e paroquiais, assim como nos Sínodos diocesanos e nos
Concilios particulares. Nesse sentido, os Padres sinodais escreveram: 'As mu
lheres partidpem na vida da Igreja sem discriminacSo alguma, também ñas
consultas e na elaboracSo das decisSes'. E ainda: 'As mulheres, que ¡á tém
tanta importancia na transmissSo da fé e naprestacSo de sen/ico de toda es
pecie na vida da Igreja, devem ser associadas é preparacSo dos documentos
pastorais e das iniciativas missionárias e devem ser reconhecidas como co
operadoras da missSo da Igreja na familia, na profissSo e na comunidade ci
vil'" (n? 51).

379
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

Acrescentemos agora o seguinte tópico:

2.3. Hierarquia e missSo

Como em toda sociedade organizada, deve haver na Igreja urna auto-


ridade com suas diversas funcoes de governo; sem isto, dá-se o caos. Todavía,
á diferenca das sociedades meramente humanas, a autorídade na Igreja nao é
transmitida pelo povo aos seus representantes e governantes, mas vem de
Deus por cañáis que Ele mesmo escolhe. Isto se depreende claramente de
textos do Evangelho:

Assim, por exemplo, em Mt 18, 18 Jesús instituiu os doze Apostólos


como portadores de autoridade cuja eficacia é garantida pelo próprio Deus:

"Em verdade eu vos digo: todo o que ligardes sobre a térra, será ligado
no céu. E todo o que desligardes sobre a térra, será desligado no céu".

Dentre os doze Jesús escolheu um Apostólo, ao qual quis confiar ¡sola-


damente a mesma autoridade que confiou aos doze:

"Em verdade te digo: tu és Pedro, e sobre essa pedra edifícarei a minha


Igreja, e as portas do inferno nao prevalecerSo contra ela. Eu te dareias cha
ves do Reino dos céus; e o que ligares sobre a térra, será ligado no céu e o
que desligares sobre a térra será desligado no céu" (Mt 16, 18s¡.

Isto quer dizer que a Igreja é mais do que urna sociedade de fiéis uni
dos entre si pelo mesmo ideal. Ela é um Corpo cuja cabeca é Cristo, que, por
meío de seus membros visfveis, vive e transmite urna vida que nao é simples-
mente a dos homens, mas a do próprio Cristo; cf. 1Cor 12, 12-27. é o que
ensina também a imagem da videira: a seiva do tronco Jesús Cristo passa por
cada um dos seus ramos e dá os frutos da graca ou da vida de Cristo existen
te em cada ramo ou em cada cristao; cf. Jo 15,1-9.

Jesús se refere também á missáo que Ele confere a seus Apostólos e


que, como homem, Ele recebeu do Pai:

"Como o Pal me envlou, também eu vos envío" (Jo 20, 21).

"Quem vos ouve, a mim ouve. Quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem
me rejeita, re/eita Aque/e que me enviou" (Le 10, 16).

"Quem vos recebe, me recebe; e quem me recebe, recebe Aquele que


me enviou" (Jo 13, 20).

380
"UMA IGREJA DE BATEADOS... " 45

Há, portanto, urna hierarquia, há urna transmissao de cima abaixo.


Nessa escala, porém, receber urna funcao e exercé-la por delegacao nada tem
de desonroso; ao contrario, é altamente dignificante. A grandeza do cristáo
está precisamente em exercer urna atividade que Ihe é outorgada pelo pro-
prio Deus e o faz colaborador do Altíssimo, retirando-o dos limites da sua
mesquinha ¡rradiaclo. As funcoes (ministerios) nao sao todas iguais entre si,
nem o podem ser, pois um Corpo precisa de matos, pés, olhos, ouvidos...;
todavia nenhuma funcao é desprezível, como diz o Apostólo, tendo em vis
ta rivalidades e rixas mesquinhas existentes na comunidade de Corinto:

"NSo pode o olho dizeré mió: 'NSo preciso de ti', nem tampoueopo
de a cabera dizer aos pés: 'NSo preciso de vos'. Pelo contrario, os membros
do corpo que parecem mais fráeos, sá~o os mais necessários;e aqueles que pa-
recem menos dignos de honra, sio os que cercamos de maior honra" (ICor
12, 21-23a}.

Qualquer funcao honesta exercida pelo cristáo no mundo é santa e


santificante. 0 fato de alguém vi ver e trabalhar no mundo, como acontece
aos leigos, nao é pecaminoso, ao contrario do que insinúa R. Parent quando
diz:

"A especificidade do laicato defínese a partir do lugar (= mundo) on


de nasce inevitavelmente urna culpabilidade patológica e mórbida. Será,
pois, de admirar que, assim sendo, os leigos vivam constantemente a sua vida
com a marca de traicio á Moral oficializada, como infidelidade absoluta
mente condenável, visto ser, em seus fundamentos, infidelidade ao absoluto
do próprio Deus?" fp. 44).

Esses dizeres surpreendem. Nao parecem provir da pena de um teólo


go. 0 cristáo que exerce urna atividade honesta neste mundo, no qual Deus
o coloca, nao se polui necessariamente, mas pode mesmo tornar-se sal da
térra, fermento na massa e santificar-se.

2.4. A celebracSfo da Eucaristía

R. Parent insiste em dizer que os clérigos monopolizaram a celebracao


da Eucaristía. Ao fazé-lo, usa expressoes ambiguas como sao:

"Simplesmente nSo existe o culto cristíío onde individuos écoletivi-


dados neto trabalham pela libertacio histórica <do mundo. Podemos nos con
siderar cristios se, erando na filiacSo divina e na fratemidade universal, nio
trabalhamos para libertar as situaedes concretas onde nio sio reconhecidas
- quando nio negadas — a dignidade e a responsabilidade de todos, sua vo-
cacio de fifhos de Deus e de irmios universais? Seria como dizer que o cul-

381
46 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

to, para ser cristffo, deve antes de tudo reconhecer o mundo, seus limites e
mesmo seu pecado, como uma de suas condicoes de possibilidade, ¡sto é,
aquilo sem o qual o culto deixa de set vistamente possi'vel.

Mas podemos crer nesta afirmacio, conservando as relacoes costumei-


ras na missa e, em particular, descuidando de saná-la de sua nao-historicida-
de? Esta é duplamente nefasta. Ela preserva a missa de toda contaminacSo,
subtraíndo-a dos riscos que o mundo (limites e pecado incluidos) a faria cor
rer, mas a custo de uma queda na nao-pertinencia e na insignificancia histó
ricas. De outro lado, a conservado da missa na grandeza de seu isofamento
impede que seja vivido, dito e celebrado o sentido eucarfstico do próprio
mundo" (p. 121).

Que significam estes dizeres? — A transformacao social do mundo


seria o culto por excelencia do cristao? A Missa seria a celebracao da vida e
do trabalho do homem, e nao a celebracao do sacrificio de Cristo ou a per-
petuacao, sobre os altares, do sacrificio da Cruz?

O fato de que só os clérigos celebram a Missa, se deve a uma instituí-


cao divina: Jesús chamou apenas os Apostólos para a última Ceia, na qual
instituru a Eucaristía, e somente a estes disse: "Fazei isto em memoria de
mim" (cf. Le 22,19; 1 Cor 11, 24s).

De resto, como dito, nao é o exercício de determinada funcSo que faz


a verdadeira grandeza de alguém, mas, sim, a sua capacidade de amar a Deus
e ao próximo ou a sua santidade. Alguém pode exercer determinado cargo
com uma personalidade selvagem; desaparece entao o seu valor; muito mais
digna de estima é a personalidade burilada e santa que nao exerce comando..

3. ConclusSo

Em suma, o livro peca por uma visáo de Cristianismo inspirada por


principios heterogéneos ao Evangelho; a Igreja seria uma sociedade na qual
criterios meramente humanos prevalecem, voltados para a conquista do po
der; os leigos estariam disputando com os clérigos o dominio sobre bens es-
pirituais e temporais. Tem-se assim uma caricatura de Igreja.

Esta só pode ser entendida á luz da fé, que vé na Igreja um sacramen


to, ou seja, um dom de Deus, no qual o Senhor age em prol da santif ¡cacao
dos homens mediante os instrumentos que Ele livremente escolhe; estes nao
tém mérito algum por exercerem determinada funcao. Se falham (como é
possível ás criaturas falhar), isto nao destrói a identidade da Igreja, pois
Deus sempre quis realizar sua obra mediante o que é vil e desprezivel (cf.
1 Cor 1,26-29).

382
"UMA IGREJA DE BATIZADOS..." 47

De resto, ninguém é meramente pasivo na Igreja; os leigos sao colabo


radores do Reino d.e Deus juntamente com os clérigos, realizando mutua
complementacáo, na qual todos sao necessários. É o que ensina Sao Pedro:

"Todos vos, conforme o dom que cada um recebeu, consagrai-vos ao


sen/ico uns dos outros, como bons dispensadores da multiforme greca de
Deus"(1Pd4, 10). Ver 1Cor 12, 1-11,4, 1s.

É de crer que Rémi Parent teria escrito diversamente se tivesse conhe-


cido a Exortacao Apostólica Christifideles Laid (sobre os Leigos na Igreja),
que so foi publicada depois da redacao do livro em foco. Nao se entende,
porém, que urna Editora traduza e publique essa obra no Brasil dois anos
após tal Exortacao, sem fazer a mínima referencia á mesma. Este fato desa
bona o livro e tira-lhe a sua atualidade; além do qué, a varios outros títulos
atrás apontados, a obra de R. Parent é tendenciosa e falha.

Estévffo Bettenoourt O.S.R

Livros em Estante

Falar com Deus. Meditac3es para cada día do ano,por Francisco Fer
nández Carvajal. Vol. I (Advento, Natal, Epifanía) e vol. II (Cuaresma Se
mana Santa, Páscoa). - Ed. Quadrante, SSo Paulo 1989 (vol. I) e 1990 (vol
II), 130 x 200 mm, 269 pp. (vol. I) e 499 pp. (vol. II).

Pedidos é Editora Quadrante, Rúa Iperioig 604. 05016 SSo Paulo


(SP). Fone.fOII) 2634750.
Sis os dois primeiros tomos de urna coléelo de sete volumes, destina
dos e fomentar a vida de oracSo pessoal atreves das diversas fases do ano li
túrgico. Vém apresentados ao público brasileiro em traducSo a partir dos
origináis espanhóis, devida a Luiz Fernando Cintra (vol. I) a Ricardo Pimen-
tel Cintra (vol. II). Para cada día do ano o autor oferece cerca de cinco pá
ginas de reftexffes sobra o Evangeiho da Missa ou o tema litúrgico, enriqueci
das por citacSes de dizeres d TradicSo crista"; nota-so a intencSo de impreg
nar a vida do orantB com o mentó forte da Palavra de Deus, aplicada ás
circunstSna'as da /ornada de um cristSo que quer viver fielmente a sua voca-
ció neste mundo.

383
48 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 339/1990

A necessidade de um sustentáculo para a meditacao 6 evidente, dado


que o ser humano é, por sua natureza mesma, dispersivo ou voltado para as
coisas sensi'veis. Santa Teresa de Ávila, a grande doutora da oracao, o obser
va numa passagem valiosa, colocada logo no inicio do volume I, passagem
que vem a ser a melhor recomendacSo dos dois volumes elaborados com
profundidade e piedade por Francisco Carvajal:

"Tar-mo-ia sido impossíval, creio, perseverar na oracSb durante os de-


zoho anos que passei... em grandes securas, por náb poder, como digo, dis
correr com o entendimento. Em todos essesanos, a n!b ser quando acabava
de comungar, jamáis o usa va co macar a oracffo sem um livro... Com este re
medio, que era como urna companhia ou um escudo em que aparava os gol
pes dos muitos pensamentos, andava consolada. Porque a secura nao era o
ordinario, mas vinha sempre que me faltava livro, pois logo se desbaratava a
alma. Com ele, comecava a recolher os pensamentos dispersos e, como por
afagos, recolhia o espi'rito. Acontecía freqüentemente que, só com ter o li
vro á máb, ná*o era preciso mais. Algumas vezes lia pouco, outras multo, con
forme a mercfl que o Senhor me fazia" (Vida, IV, 9).

De resto, a Editora Quadrante tem-se esmerado por oferecer ao públi


co excelentes espécimens literarios da espiritualldade contemporánea. Ela
o faz particularmente através do "Círculo de Leitura": o interessado paga
urna taxa anual, que Ihe confere o direito de recebar mensa/mente um vo
lume de cerca de cem páginas, de conteúdo substancioso e bem assimilável
por quem deseja fortalecer sua vida de oracSo e seu testemunho cristio.

Palavra, Parábola, , por Rómulo Cándido de Souza. - Ed. Santuario,


Aparecida, 1990, 170 x 245 mm, 316 pp.
O autor percorre textos do Antígo e do Novo Testamento, detendo-se
em certas palavras, cuja etimología ele estuda. Mediante esse exame filológi
co, Rómulo Cándido quer dizer que toda a interpretag&o da Biblia até boje pro-
posta é falsa; os crístSos estaríam envolvidos em ilusóes. - Deter-nos-emos
mals profundamente sobre esta obra num dos próximos fascfculos de PR. Por
ora interessa apenas lembrar como é erróneo o procedimento do autor; com
efeito, há vocábutos procedentes de determinada raiz ou nocSo, que nao tem
mais nenhum significado na linguagem moderna; assim, porexemplo, calcular
vem de cálculo, pedrinha, pois na antigüidade se faziam contas mediante pe-
drinhas. Mas quem atualmente quisesse dizer que, ao usar o vocábulo calcu
lar, estamos pensando em pedrinhas ou usando seixos, estaría totalmente
engañado; quem calcula hoje, nao se recorda de pedrinhas, mas pensa, mui-
tas vezes, em calculadora eletrónica. É, pois, de lamentar o surto de tal obra,
fadada a perturbar leitores desprevenidos. E.B.

384
RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA PARA 1990

Cr$ 800,00

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" ANO 1989:

Encadernado em percalina, 590 págs. com índice de 1989.


(Número limitado de exemplares) CrS 1.500,00

NOVIDADES:

1. PERSPECTIVAS DA REGRA DE S. BENTO


Irma" Aquinata Bockmann OSB

Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72, 73 da Regra Bene-


ditina - Traducáb do alemáb por D. Mateus Rocha OSB

A Autora é profes&ora no Pontificio Ateneu de Santo Anselmo em Roma


(Monte Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao so na Alemanha, Ita
lia, Franca, Portugal, Espanha, como também nos Estados Unidos, Brasil,
Tanzania, Coréia e Filipinas, por ocasiá"o de Cursos e Retiros. - 364 págs.

2. COLETÁNEA (Tomo I) - publicado da Escola Teológica da Congrega-


c36 Beneditina do Brasil, organizada por D. Emanuel de Almeida e
D. Matías de Medeiros.

Este livro contém 16 estudos sobre os mais diversos ramos do saber (His
toria, Biblia, Teología Dogmática, Teología Ecuménica, Liturgia, Direito
Canónico, Pedagogía e Literatura). Os temas desta obra tém por autores
varios professores de Teología, entre ex-alunos e admiradores, publicados em
homenagem a D. Esteváio Bettencourt por ocasiao de seus 70 anos de vida. A
obra apresenta tambám urna lista completa dos livros e artigos de D. Esté-
vao. - 332 págs.

3. MAGISTERIO EPISCOPAL (Escritos Pastora¡s)


de D. Clemente José Carlos Isnard OSB
Bíspo Diocesano de Nova Friburgo
Coletánea sobre os mais variados temas vividos durante os seus trinta
anos de vida episcopal.
Volume de 540 págs. Cr$ 2.500,00

4. SUMA CONTRA OS GENTÍOS (Livros I e II), de Santo Tomás de Aquí-


no, traducá*o de D. OdilaTo Moura OSB, edicáb bilingüe, Formato
30x21 -CrS 3.000,00
1590 - O MOSTEIRO DE SAO BENTO - 1990

IV Centenario de fundagao

Como nem todos podem vir ao Rio de Janeiro ou penetrar na clausu


ra, poderáo contudo admirar a beleza arquitetónica desse monumento co
lonial do inicio do sáculo XVII, adquirindo o grande Álbum em estojo, en-
titulado O MOSTEIRO DE SAO BENTO.

Contém 18 fotografías artísticas (preto-e-branco) por Hugo Leal,'o


mesmo que fotografou O uro Preto e Salvador (BA) - Texto portugués-
Inglés por D. Marcos Barbosa, - Formato: 38 x 29.

Prego do exemplar: CrS 3.000,00

EDIQÓES "LUMEN CHRISTI"


MOSTEIRO DE SAO BENTO
Rúa Dom Gerardo 40,-59 andar - Sala 501
Caixa Postal 2666 - Tel.: (021) 291-7122

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