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TEOLOGIA PAULINA

Samuel Martins, 2003-04-18


TEOLOGIA PAULINA
Samuel Martins
PAULO
A interpretação mais notável acerca do significado da pessoa e do trabalho de Jesus é aquela
que é feita pelo fariseu convertido Paulo.
Paulo era um homem de três mundos: o judaico, o helénico e o cristão. Embora nascido na
cidade grega de Tarso, foi criado num lar judeu, segundo os costumes do judaísmo e que se
orgulhava da sua ascendência judaica . Paulo declara ter vivido como fariseu, em obediência
estrita à Lei , e que tinha um zelo extremado pelas tradições orais dos círculos farisaicos .
Ainda que alguns possam refutar que Paulo não teria chegado a ser ordenado rabino,
sabemos, pelo menos, que ele aprendeu na escola do rabino Gamaliel e que pensava e
argumentava como um rabino judeu.
Ele estava também muito familiarizado com o mundo grego, e fundou a sua missão
estendendo a Igreja através do mundo greco-romano e em interpretar o evangelho de uma
forma perceptível à cultura grega. Paulo era conhecedor da língua grega, e as suas metáforas
literárias reflectiam a vida urbana. O seu estilo é muitas vezes parecido com a diatribe
(dissertação crítica filosófica) estóica e usava palavras como consciência (syneid?sis, Rm
2:15), natureza (physis, Rm 2:14), coisas que não convêm (m? kathekonda, Rm. 1:28), e
outras que pertenciam, distintamente, ao mundo do pensamento grego. Apesar de utilizar
outras expressões que estariam associadas à religião dos mistérios (mistério, perfeito, etc.),
Paulo usa-as de forma distinta.
Claro que, com a sua conversão, Paulo não esvaziou a sua mente de todo o conhecimento
prévio, ou de ideias religiosas que possuía, por isso mesmo temos de interpretar as ideias de
Paulo, numa base muito diversificada, para que entendamos as influências históricas que o
modelaram para que se tornasse no primeiro teólogo cristão.
A conversão de Paulo só pode ser explicada pela confrontação real com o Jesus ressuscitado,
mas não é em Damasco que ele recebe a sua teologia completa, nem podemos limitar as
origens do pensamento Paulino ao Antigo Testamento e à doutrina de Jesus. Pelo contrário,
parece-nos que Paulo estava preparado, como teólogo judeu, a pensar, sob a orientação do
Espírito Santo, nas implicações do facto de que o Jesus de Nazaré crucificado era de facto o
Messias e o Filho de Deus ressurrecto e elevado ao céu. Claro que isto levou-o a conclusões
radicalmente distintas das que possuía enquanto judeu, entre as quais a mais notável é a sua
nova interpretação do papel da Lei (perspectiva esta nada judaica).
Aos longos dos tempos os teólogos têm tentado classificar o pensamento judaico de Paulo,
mas compreenderam não poder isolar tipos distintos, tais como o pensamento rabínico
(farisaico), o apocalíptico e o judaísmo disperso (diáspora).
Daquilo que nos é revelado podemos apenas dizer, com certeza, que o próprio Paulo afirma
ter recebido uma educação teológica rabínica antes de tornar-se cristão, daí que podemos
interpretar o pensamento Paulino com bases judaicas e com a possibilidade de algumas
influências helenistas.
PAULO ENQUANTO JUDEU
A sua ascendência judaica pode ser observada em várias expressões e convicções que Paulo
expressa:
- monoteísta inflexível (Gl 3:20; Rm 3:30)
- rejeitava a religião pagã (Col 2:8), a idolatria (I Co 10:14,21) e a imoralidade (Rm 1:26 e
ss).
- menciona o Antigo Testamento como a Sagrada Escritura (Rm 1:2; 4:3), e como a Palavra
de Deus, divinamente inspirada (II Tm 3:16).
O método interpretativo do Antigo Testamento que Paulo usa é o mesmo da tradição do
judaísmo rabínico.
Sem dúvida que Paulo partilhava da fé judia na centralidade da Lei. Mesmo enquanto cristão,
ele sempre afirmou que a Lei é espiritual , santa, justa e boa ; nunca questionou a origem
divina e a autoridade da Lei.
O judaísmo tinha perdido o sentido de revelação oral de Deus através dos profetas, daí que a
doutrina judaica da revelação centralizava todo o conhecimento de Deus e da Sua vontade na
Lei Escrita. A tradição oral era a que vinha de Moisés e da Lei escrita. O Torah era a revelação
completa e final, não consideravam necessária uma revelação progressiva.
Vemos nos escritos de Paulo, como cristão, que Saulo, o judeu, participava da esperança
tardia da vinda do Messias, que de uma forma ou de outra destruiria os seus inimigos,
redimiria Israel e estabeleceria, definitivamente, o seu reino neste mundo.
Por isto mesmo, como rabino zeloso pela Lei, Saulo tinha como objectivo de vida o extermínio
daquele novo movimento religioso que exaltava a memória de Jesus de Nazaré. Este zelo
deve ser encarado como um reflexo do seu zelo pela Lei e seu cumprimento. Afinal, para os
fariseus, a Lei era tudo e o ministério de Jesus havia sido um desafio a tudo aquilo que os
fariseus representavam. Ele havia quebrado a Lei, associava-se a homens que não a
cumpriam e alegava ter autoridade divina para desafiar o fundamento da religião judaica. A
comunidade que surgiu, seguindo Jesus, afirmava que este era, de facto, o Messias e eles
eram o povo do Messias. Ambas as afirmações têm que, obviamente, em premissas judaicas,
ser falsas.
Para os judeus Jesus não podia ser o Messias, pois estava escrito que este derrotaria os seus
inimigos. Logo, se tal não aconteceu, todo o fundamento do judaísmo, como religião da Lei
era inválido. Assim, a própria existência da Igreja, afirmando ser o povo do Messias, era uma
ameaça ao judaísmo. Saulo o rabi, estava seguro de estar a cumprir a vontade de Deus,
mantendo-se firme à Palavra de Deus, ao tentar exterminar este movimento.
PAULO, O CRISTÃO
Na conversão de Paulo este e as suas opiniões sofreram uma transformação completa, senão
façamos uma análise aos três factos mais característicos da sua missão apostólica:
- proclamou o Cristo, que antes ele havia perseguido
- estava convicto de que era a sua missão particular levar o evangelho aos gentios
- pregou a justificação pela fé em contraste e sem levar em consideração os trabalhos da Lei.
Parece-nos que esta completa inversão dá-se quase instantaneamente aquando da sua
conversão a caminho de Damasco, não é algo gradual.
Claro que em termos humanos é muito difícil explicar a experiência de conversão de Saulo.
Alguns tentam identificá-lo como um ataque epiléptico, ou uma ruptura devido a um intenso
conflito interior, que Saulo experimentava como judeu (desde o apedrejamento de Estêvão),
podendo por isso mesmo ser interpretada através da psicologia religiosa; mas a interpretação
psicológica é refutada pelo próprio Paulo, de que a sua devoção à Lei era uma fonte de
orgulho e ostentação e estava reconstruída não tanto em base de evidência textual como de
suposta necessidade psicológica. Pelo testemunho de Paulo vemos que não existia um fundo
de angústia, desespero ou vacilação das suas convicções judaicas. A sua conversão foi uma
inversão abrupta da sua atitude anterior perante Jesus, os seus discípulos e a Lei, daí que
apesar das nossas mentes não conseguirem compreender e explicar na totalidade a
experiência de Paulo, aceitamo-la tendo como base o seu próprio testemunho.
O próprio Paulo insiste que o que aconteceu em Damasco foi uma aparição de Jesus
ressurrecto, glorificado, que lhe deu uma revelação; afinal, que outra coisa teria mudado o
coração daquele homem, convencendo-o de que Jesus era na realidade o Messias, o Filho de
Deus?
Aquilo que comummente chamamos de conversão não é o termo correcto a utilizar em
relação a Paulo, já que este não estava a deixar uma vida de falta de religião, nem mesmo
estava a mudar de religião pois para Paulo o Cristianismo era o verdadeiro judaísmo. Ele foi
convertido de um entendimento de rectidão para outro – da sua própria rectidão para a
rectidão de Deus pela fé . A aparição de Jesus provou a Paulo que a proclamação cristã
estava correcta: Jesus havia ressuscitado, e por isso era o Messias, e mais o Filho de Deus.
Se repararmos nos relatos da sua conversão vemos que Jesus diz-lhe que Saulo o estava a
perseguir, isto na pessoa do Seu povo, logo este movimento era o do verdadeiro povo do
Messias. Mas, se um povo que não observava a Lei da mesma forma que os fariseus era
chamado de "o povo do Messias", então a salvação não podia ser encontrada através da Lei;
ela era uma dádiva do Messias. Como sequência lógica, se a salvação messiana havia sido
outorgada aos judeus aparte da Lei, então esta salvação tem de ser universal, na sua
essência, e ser a dádiva de Deus a todos os homens. Eis aqui a lógica interna adjacente ao
apelo de Paulo para ser o apóstolo dos gentios, que lhe chegou através do Jesus ressurrecto.
Foi tudo isto que levou Paulo à certeza de que Cristo era o fim da Lei, como caminho para a
rectidão . Assim, toda a essência da teologia de Paulo – Jesus como o Messias, o evangelho
para os gentios, a justificação pela fé contra os feitos da Lei – está contida na sua experiência
a caminho de Damasco.
O entendimento de que Jesus era o Messias esperado e prometido no Antigo Testamento
exigiu que Paulo revisasse o seu entendimento acerca da história da redenção.
Paulo continuou a esperar o Dia do Senhor, pela aparição do Messias em poder e glória, para
estabelecer o Seu Reino escatológico; nem abandonou o esquema judaico das duas eras e do
carácter mau da presente era . O povo de Deus ainda está sujeito ao mal físico, à doença e à
morte . O mundo físico ainda está sob o cativeiro da corrupção e o espírito do mundo da
sociedade humana, oposto ao Espírito de Deus. O mundo está sob julgamento divino . Os
crentes ainda vivem no mundo e fazem uso do mundo , e não podem evitar a associação com
os homens deste mundo . Obviamente, do ponto de vista da natureza, da história e da
cultura, o Reino de Deus permanece uma esperança escatológica.
Assim sendo, se Jesus é o Messias e trouxe ao seu povo a salvação messiânica, alguma coisa
teve que mudar. O Reino de Cristo tem de ser, agora, uma realidade presente, para dentro da
qual foi trazido o Seu povo, mesmo que o mundo não o possa ver . O Seu Reino está
presente porque Jesus entrou realmente no seu reino messiânico, o qual começa com a Sua
ressurreição e exaltação.
Mas como explicar o reinado messiânico paralelo ao reinado de César? Paulo e os primeiros
crentes aceitavam-no, tendo em vista que a própria ressurreição de Jesus era um evento
escatológico; a ressurreição de Cristo apontava que a ressurreição escatológica havia
começado. A ressurreição de Jesus é de facto o começo da esperança escatológica. É porque
a ressurreição já começou que o homem, em Cristo, sabe que há uma ressurreição para ele
no futuro.
Paulo faz um contraste entre a morte, que entrou neste mundo através de um homem, e a
ressurreição dentre os mortos, que entrou neste mundo através de um homem. A
ressurreição acontece em diferentes estágios: Cristo, as primícias, é o primeiro estágio da
ressurreição; o segundo estágio consistirá daqueles que pertencerão a Cristo na sua vinda .
Da mesma forma, Paulo descreve a vida no espírito como uma realidade escatológica. O
Antigo Testamento encarava a expansão do Espírito sobre toda a carne como um evento
escatológico, que seguiria o vindouro Dia do Senhor, o julgamento messiânico e a salvação .
Para Paulo, a experiência total do Espírito Santo era um evento escatológico futuro, associado
à ressurreição, quando os mortos em Cristo terão "corpos espirituais" ; a perfeita experiência
do Espírito significará a redenção do corpo físico .
Quer a residência do Espírito, como a ressurreição de Jesus, é o gozo inicial do evento
escatológico, cuja plenitude jaz ainda no futuro. Noutras passagens, Paulo refere este mesmo
gozo escatológico do Espírito Santo em termos de um pagamento inicial, um penhor da
herança que iremos receber.
A ressurreição é tanto história como escatologia; a vida do Espírito tanto experiência como de
esperança, tornando-se assim nos assuntos da experiência cristã actual.
O CENTRO DA TEOLOGIA PAULINA
Temos procurado um conceito unificador, a partir do qual se desenvolve toda a teologia
paulina.
Normalmente, as soluções centralizam-se na justificação pela fé como na experiência mística
de se estar em Cristo. "Sob a influência da Reforma, muitos estudiosos têm visto a
justificação pela fé como a essência central do pensamento paulino (...) Na erudição recente,
tem-se instalado uma reacção contra a centralidade da justificação. Wrede insistia que o todo
da religião paulina pode ser exposto sem menção da justificação, a não ser que esteja na
discussão da Lei. (…) Schweitzer, que redescobriu a importância da escatologia de Paulo,
achava que a justificação pela fé como um ponto de partida levaria a um mal-entendido a
respeito de Paulo, e que esta doutrina era apenas uma questão secundária. O conceito central
era o místico ser-em-Cristo concebido em termos quase físicos. "
O centro unificador é a obra redentora de Cristo como o centro da história da redenção.
AS FONTES DO PENSAMENTO DE PAULO
Hoje em dia temos uma substancial colecção de fontes primárias de Paulo.
Nove das treze tradicionais epístolas paulinas, são geralmente aceites como autênticas, hoje.
As três epístolas pastorais são as que comummente apresentam maiores dificuldades de
aceitação devido ao estilo literário que se desvia da sua linguagem mais usual, e a ênfase
doutrinária é completamente diferentes das epístolas aceitas, especialmente naquilo que se
refere à eclesiologia.
Quando tentamos recriar o pensamento teológico de Paulo enfrentamos algumas dificuldades,
pois as epístolas de Paulo não são tratados teológicos ou produções literárias formais, mas
sim uma correspondência não literária, viva, pessoal, escrita com um sentimento profundo às
congregações cristãs, que haviam sido fundadas, na sua maioria, por Paulo.
É verdade que Paulo não nos deixou uma teologia sistemática, nem ele tentou trabalhar um
sistema consistente, equilibrado, coerente, como um teólogo moderno. Afinal as suas cartas
tinham, normalmente (exceptua-se Romanos), como objectivo o esclarecimento de uma
situação particular quer individual quer eclesiástica, daí não termos acesso ao seu
pensamento completo. Não é que ele não tivesse opinião formada acerca de outros assuntos
ou que não conseguisse aprofundar os conhecimentos escatológicos, etc., mas a verdade é
que não existiu um problema que despoletasse essa necessidade de esclarecimento.
Ele era um teólogo de origem judaica que tentou claramente elaborar as implicações da obra
libertadora de Deus em Cristo, até onde as necessidades das suas igrejas o exigiam. Muito
daquilo que sabemos acerca do pensamento paulino tem como base questões existentes nas
igrejas, afastamentos doutrinários, ou seja "acidentes no percurso das igrejas" que fizeram
com que Paulo se pronunciasse de forma a trazer a concórdia e a que voltassem a trilhar o
caminho certo.
Podemos dizer que a teologia de Paulo era como que uma interpretação do significado da
pessoa e da obra de Cristo na sua importância prática para a vida cristã, tanto individual,
como colectiva.
Para Paulo, a teologia e a religião são inseparáveis.
"Paulo era um pensador teológico, para quem os "conceitos" teológicos eram factos a respeito
de Deus, do homem e do mundo, que descreviam a desavença do mundo com Deus e a obra
de Deus em Cristo em trazer o mundo de volta para si. "
Os grandes problemas que se levantam, hoje, ao intérprete e ao crítico têm a ver com as
lacunas no pensamento paulino, que referimos anteriormente e com a falta de
enquadramento histórico para algumas das coisas que Paulo diz, como podemos encontrar,
por exemplo em II Tess 2:5 "Não vos lembrais de que eu vos dizia estas coisas quando ainda
estava convosco?" – nós não sabemos o que lhes dizia...
Mas com que direito podemos falar de uma teologia paulina? Será a teologia apenas uma
disciplina descritiva do que acreditaram os primeiros cristãos, ou Deus satisfazer-se-ia em
usar Paulo como o instrumento individual destacado da igreja antiga, para comunicar a
verdade peremptória e libertadora?
Se observarmos o comportamento de Paulo veremos que tudo aquilo que ele faz e diz, tem
como base a certeza de que a autoridade que ele possui não vem dele mesmo mas, que a
mesma lhe foi concedida por Deus. Ele tinha consciência de haver sido chamado por Deus
para uma posição de autoridade apostólica; está consciente de que a Palavra de Deus lhe foi
confiada e que ele foi transformado no porta-voz do Cristo glorificado. Ele está ciente da
diferença entre a vontade de Deus e as suas próprias opiniões , ainda que tenha a orientação
do Espírito Santo nas suas opiniões particulares .
O senso de autoridade de Paulo não é particularmente seu, mas foi-lhe conferido, como
apóstolo, pelo Senhor.
É como apóstolo que Paulo reivindica uma alta autoridade. A sua experiência a caminho de
Damasco não apenas o fez reconhecer Jesus como o Messias ressuscitado e glorificado; ela
também conteve um chamado de Deus para uma missão particular. A consciência de uma
missão ordenada por Deus está presente em toda a sua correspondência.
Ele era o apóstolo dos gentios (como foi reconhecido e aprovado pela igreja em Jerusalém) e
ampliou o seu ministério para incitar a fé também nos judeus . Ele tinha uma incumbência
que não escolhera para si e que colocava sobre ele a inevitável necessidade de pregar o
evangelho.
Como apóstolo, Paulo, não detinha a autoridade exclusiva, mas sim uma autoridade que
dividia com os outros apóstolos. O factor distintivo dos demais foi a sua missão entre os
gentios. Os apóstolos eram representantes pessoais do Cristo glorificado, chamados e
incumbidos por ele, para, com a Sua autoridade, pregarem o evangelho e fundarem igrejas.
Uma evidência do apostolado eram os "sinais de um apóstolo" que nos são referidos em II Co
12:12, ou seja, a evidência de feitos que apoiam as palavras de um apóstolo demonstrando o
poder do Espírito Santo através de sinais e prodígios .
Como apóstolos, eles possuíam a autoridade do próprio Deus , mas eram eles próprios
sujeitos a Jesus Cristo . A autoridade suprema está assente no evangelho que nem mesmo
um apóstolo podia proclamar outro evangelho . Daí que Paulo exercia a sua autoridade não
para adquirir submissão à sua liderança sobre as igrejas, mas sim para buscar uma
comunhão com elas.
No estudo da teologia paulina, o aspecto mais importante do seu senso de autoridade
apostólica é a consciência de ser o agente da revelação.
"Mistério", a palavra associada às religiões orientais que influenciavam o helenismo, quando
usada por Paulo, transformou-se numa palavra técnica, associada à revelação divina, cuja
procedência, nestes casos, é encontrada no conceito de Deus no Antigo Testamento,
revelando os seus segredos aos homens e que posteriormente foi desenvolvido pela literatura
judaica.
"Mistério", no uso paulino, é quase um sinónimo de evangelho e da proclamação de Jesus
Cristo, mas colocada na perspectiva do propósito geral da libertação de Deus. É a salvação
que Deus oferece e que, na hora certa, foi revelada aos homens em Jesus Cristo, e que é
proclamada a todas as nações."
"Na solução de problemas na igreja coríntia, Paulo deixou claro que o mistério como
revelação envolve três elementos: o facto na história de Jesus, o crucificado, sua ressurreição
e exaltação como o Senhor crucificado, e o significado redentor de Jesus Cristo crucificado,
ressuscitado e exaltado."
O senso de autoridade de Paulo vem da sua consciência apostólica de ser o portador da
revelação, isto é, da palavra dada por Deus, que descerra o significado da cruz e revela que
um evento histórico é o que realmente é, a saber, a revelação da sabedoria e do poder de
Deus.
Os apóstolos são os ministros dos mistérios de Deus , e receberam o sagrado ofício, a fim de
trazerem a palavra de Deus à sua conclusão, ao fazê-la completamente conhecida . A
revelação é a totalidade do evento histórico de Jesus Cristo, mais a interpretação apostólica
do significado sagrado do evento – a interpretação apostólica sendo, ela mesma, uma parte
do evento.
A mensagem apostólica consiste na proclamação dos factos históricos da morte e
ressurreição de Jesus e no significado de redenção desses eventos, no entanto, o evangelho
não se restringe à actividade da pregação, mas também ao conteúdo da pregação: o Cristo
crucificado, loucura para os que não crêem.
Como a palavra de Deus, o evangelho é de facto uma comunicação divina, e contém factos,
verdades e doutrinas. Contudo, se o evangelho não faz mais do que comunicar factos e
doutrinas, foi reduzido ao nível da tradição humana. Na palavra, Deus comunica não apenas
factos sobre a redenção e verdades sobre si mesmo; ele comunica-se a si mesmo, comunica
a salvação e a vida eterna. O verbo de Deus é tanto um relato sobre um evento de redenção
como é ele próprio um evento de redenção, pois, na palavra da cruz, o próprio crucificado
encontra-se com os homens para comunicar-lhes os benefícios da sua morte redentora.
O conceito paulino de revelação, parece-nos ter como foco a revelação de Jesus Cristo. No
evento histórico da vida, morte, ressurreição e exaltação de Jesus, Deus revelou-se a Si
mesmo de modo redentor aos homens. A revelação que ocorreu na cruz, não é, no entanto,
completa, pois ainda se espera a revelação da glória e salvação de Deus no retorno de Cristo,
quando a fé será substituída pela visão
Podemos também afirmar que Paulo teve influências da tradição oral, semelhante à judaica,
mas que ia além desta. O recebimento da tradição oral evangélica não significava meramente
aceitar a veracidade de um relato a respeito de certos factos históricos, nem tampouco
receber instrução ou iluminação intelectual. Receber a tradição significava receber Cristo
como o Senhor; a voz de Deus era ouvida e através das suas palavras Deus está presente e
activo na Igreja. A tradição sobre a ressurreição de Jesus tem que ser acreditada no coração
e confessada com a boca, resultando em salvação; mas tal confissão só é possível através do
Espírito Santo.
Daí podermos dizer que a tradição tem um carácter duplo: é tanto uma tradição histórica,
pois relata eventos históricos, como é uma tradição pregação/pneumática, pois só pode ser
recebida e preservada pela capacidade do Espírito Santo.
Ou seja, o Espírito Santo foi, sem dúvida uma das fontes do pensamento paulino.
Além da tradição e da revelação directa do Espírito, uma outra fonte importante da teologia
de Paulo era o Antigo Testamento. Podemos ver isso pelas frequentes citações específicas
como pelas alusões ao mesmo. O Antigo Testamento foi frequentemente usado na
fundamentação de ideias teológicas de Paulo.
Para Paulo, as Escrituras eram sagradas e proféticas, constituindo os próprios oráculos de
Deus; a Escritura é a palavra de Deus porque é inspirada pelo Espírito.
O facto do Antigo Testamento ser frequentemente citado não era apenas para fundamentar
ideias ou doutrinas, mas principalmente para demonstrar o plano divino e seu cumprimento
ao longo dos tempos. O Antigo Testamento tem o seu cumprimento em Cristo, daí que Cristo
seja o meio de entender o Antigo Testamento e desvendar aquilo que o mesmo apresenta.
"Afinal o entendimento de Paulo acerca de Deus, da antropologia, expiação, promessa e Lei, e
escatologia não podem ser compreendidos fora do contexto do Antigo Testamento".
Em seguida apresentaremos, de forma reduzida, pontos que consideramos muito importantes
na teologia de Paulo:
1- O homem sem Cristo
2- A pessoa de Cristo
3- A nova vida em Cristo
4- A Lei
O Homem sem Cristo
"A opinião de Paulo sobre o homem e o mundo ilustra a sua visão escatológica básica. A
estrutura básica do seu pensamento não é um dualismo cosmológico, mas escatológico. Paulo
está ciente de se encontrar num intervalo entre duas eras. Toda a obra da redenção por parte
de Deus caminha em direcção à realização perfeita do Reino de Deus no Século Vindouro e
inclui toda a criação. Até então, o século antigo continua com a sua carga de pecado, mal e
morte. Contudo, na missão de Cristo e na vinda do Espírito, as bênçãos do novo século
atingiram aqueles que estão em Cristo. Enquanto isso, o mundo e a humanidade como um
todo permanecem no limiar da era antiga."
A visão de Paulo em relação à criação é tipicamente judaica e não helénica. Deus é o criador
de todas as coisas: o mundo, o homem…, tudo foi criado por intermédio de Cristo.
Para Paulo, nem a criação nem a humanidade foram criados com pecado; o mundo só é
pecador quando se exalta acima de Deus e se recusa a humilhar e reconhecer o seu criador.
A REVELAÇÃO NATURAL
Visto que Adão trouxe o pecado e a morte para os homens, eles são culpados porque são eles
mesmos pecadores. Todos, mesmo os que não conheceram a revelação da Lei serão tidos
como responsáveis perante Deus, pois todos os homens têm tido acesso a algum tipo de
conhecimento acerca de Deus, nem que seja apenas através das maravilhas da criação (conf.
Rm 1:21).
CONSCIÊNCIA
Os homens têm a responsabilidade, não só de cultuar a Deus, mas têm também a
responsabilidade de o fazerem bem por causa da consciência. Deus implantou, em todos os
homens, um instinto que lhes dá um senso do que está certo e errado. A consciência não
pode ser equiparada à Lei; ela apenas dá-nos um senso de valores morais (conf. Rm
2:14,15).
PECADO
A natureza do pecado pode ser vista a partir de um estudo de diversas palavras usadas por
Paulo:
- impiedade
- contrário à vontade divina
- transgressão
- iniquidade
- desobediência
Às vezes Paulo fala do pecado quase como se ele fosse um poder independente, hostil,
externo e alheio ao homem (conf. Rm 7:8,11,17 e 3:23).
A LEI
Paulo não considera a Lei meramente como o padrão divino para a conduta, embora tenha
origem divina e seja boa. No entanto, devido à fraqueza e pecabilidade do homem, a Lei
torna-se num instrumento de condenação, ira e morte. A vida sob a Lei é uma servidão da
qual o homem necessita libertar-se (conf. Rm 7:12,14; 5:13; 4:15: 7:9; Gl 4:21-31).
A CARNE
A "carne" designa o homem na sua queda, pecabilidade e rebelião contra Deus. A "carne" é
hostil ao Espírito de Deus e não pode agradar a Deus (conf. Rm 8:5-8); luta contra o Espírito
e leva à morte espiritual.
INIMIGO
Enquanto pecador o homem é hostil em relação a Deus, é um inimigo de Deus (conf. Rm
5:10). Enquanto pecadores, os homens são objectos da ira divina, pois Deus tem que ser
hostil ao pecado.
MORTE
O homem pecador está num estado de morte espiritual , de alienação de Deus. Se não se
arrepender, o homem está a caminho da destruição final.
IRA
É a reacção de Deus para com os homens pecadores. A ira de Deus é revelada dos céus,
contra toda a impiedade e justiça dos homens
Para Deus o pecado não é uma questão trivial, e a condição dos homens é algo de que estes
não se podem livrar por si mesmos.
A PESSOA DE CRISTO
Aqui apresentaremos cinco aspectos sobre a pessoa de Cristo:
- Cristo, o Messias
- O Messias é Jesus
- Jesus, o Senhor
- Jesus, o Filho de Deus
- Cristo, o último Adão
A grande diferença entre Saulo, o fariseu, e o apóstolo Paulo era a avaliação que ele fazia da
pessoa de Jesus.
CRISTO, O MESSIAS
Antes do caminho de Damasco, Paulo deve ter conhecido as pretensões cristãs a respeito de
Jesus, a mais importante das quais é que Jesus Seria o Messias esperado. Foi o encontro de
Damasco que convenceu Paulo de que isto era verdadeiro. "Foi neste ponto que Paulo se
separou do judaísmo, na avaliação de Jesus de Nazaré como o Messias, com tudo o que isto
implicava.
Tudo o mais – a sua ideia a respeito da salvação, da Lei e da vida cristã – foi determinado
pela diferença de avaliação da pessoa de Jesus.
O entendimento de Paulo, do Messiado de Jesus, contém uma transformação de categorias
messiânicas tradicionais, pois não é como um monarca terrestre que Jesus reina de um trono
de poder político, mas como o Senhor ressuscitado, glorificado, que foi elevado aos céus,
onde está sentado à dextra de Deus e agora reina como Rei .
O MESSIAS É JESUS
Para Paulo, aquele que ressurgiu dentre os mortos, subiu aos céus e agora reina como o
Messias à dextra de Deus não é outro que não Jesus Cristo, o nazareno. Paulo sabe que ele é
um israelita , da família de David , que viveu a sua vida sob a Lei , tinha um irmão chamado
Tiago , que era um homem pobre , exerceu o seu ministério entre os judeus , teve doze
discípulos , instituiu a última ceia , foi crucificado, sepultado e ressurgiu dentre os mortos .
"Paulo conhecia aquilo que a tradição dizia acerca do carácter de Jesus, pois ele refere-se à
sua mansidão e benignidade, à sua obediência a Deus, à sua constância, ao seu amor, à sua
graça, justiça e até mesmo à sua impecabilidade ."
O centro da mensagem de Jesus era a vinda e a presença do Reino de Deus escatológico na
sua própria pessoa e missão. Nas suas palavras os homens encontraram a lei dinâmica de
Deus; as suas acções foram o veículo para o agir de Deus entre os homens, trazendo-lhes
esperança e salvação. Mais importante do que qualquer outro personagem da História até
então e depois dele – Deus visitou o homem e lhes trouxe a salvação messiânica.
"Paulo está do outro lado da cruz e da ressurreição e é capaz de ver algo que Jesus nunca foi
capaz de ensinar: o significado escatológico da morte e da ressurreição de Jesus. A morte e a
ressurreição de Jesus contêm o mesmo significado essencial da vida de Jesus, de suas
palavras e de seus feitos. Paulo entende que o que se cumpria na vida de Jesus era
incompleto sem a cruz e o túmulo vazio (…) a morte e a ressurreição de Jesus forneceram
uma vitória bem maior."
Só quando os olhos de Paulo foram abertos pelo Espírito Santo é que Paulo pôde entender
quem era o Jesus histórico: o messiânico Filho de Deus, que foi condenado à morte pelos
pecados de todos os homens e ressurgiu para justificar os mesmos.
JESUS, O SENHOR
A designação predominante e mais característica de Jesus é Senhor (Kyrios), não só por
Paulo, mas por toda igreja até aos nossos dias.
Paulo chega mesmo a dizer que ninguém pode dizer que Jesus é Senhor, se não for pelo
Espírito de Deus, ou seja esta confissão é a marca do crente que reconhece o senhorio de
Cristo. Esta expressão tem um duplo significado pois reflecte a experiência pessoal do
confessor (confessa que Jesus é o Senhor, porque o recebeu como tal) e faz com que o
mesmo entre numa relação em reconhecimento absoluto que a soberania sobre a sua vida é
Ele. Não é algo externamente imposto mas sim pessoal, e como tal leva a um relacionamento
pessoal. Mas, no acto de confissão do senhorio de Cristo, além de reconhecer uma nova
relação pessoal com Cristo, ele afirma também um artigo de fé: por causa da morte e
ressurreição de Cristo, Ele foi elevado a um lugar de soberania sobre todos os homens, tanto
dos vivos como dos mortos .
JESUS, O FILHO DE DEUS
Paulo menciona também muitas vezes a Jesus como o Filho de Deus. Jesus era o Filho de
Deus, "…que nasceu da descendência de David segundo a carne, e que com poder foi
declarado Filho de Deus segundo o espírito de santidade, pela ressurreição dentre os mortos."
A Sua missão era trazer a outros o estatuto de filhos de Deus, ou seja conceder-lhes uma
mudança de relacionamento: de filhos da ira a filhos de Deus. Deus enviou o Seu Filho para
conceder ao homem a adopção, como filho ; mas a filiação de Jesus era única. Ele é o próprio
Filho de Deus, como lemos em Rm 8:3,32, o Filho do Seu amor . O Filho que era participante
da mesma natureza que o seu Pai, preexistente, criador do mundo, veio ao mundo para
demonstrar o amor do Pai, trazendo a Sua redenção.
CRISTO, O ÚLTIMO ADÃO
Em duas passagens, Paulo refere-se a Cristo como sendo o "último Adão". Aqui faz-se a
associação que da mesma forma que o pecado entrou no mundo pelo primeiro Adão, o último
Adão aniquilou o pecado. É como se Adão e Cristo fossem vistos como os chefes de duas
famílias: Adão, a fonte do pecado e da morte para todos os seus descendentes e Cristo, a
fonte da justiça e da vida para todos os que estão nele.
A NOVA VIDA EM CRISTO
"Pelo que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que
tudo se fez novo." II Coríntios 5:17
A afirmação paulina, de que, em Cristo, o que é velho já passou e tudo se fez novo é um
enunciado escatológico; a nova criação não se refere a uma renovação do mundo físico, mas
sim a uma consumação escatológica. A passagem do velho não significa o fim da era antiga,
mas sim que a nova era já começou; em Cristo existe uma libertação do presente século,
mau, porque através do novo pacto com Deus estabelecido por Cristo o homem já não tem
que estar sujeito ao que é mau, velho, antigo.
Deus forjou uma nova criação, em Cristo, a qual se deve expressar pelas boas obras. Nesta
nova criação coexistem tanto judeus como gentios.
A grande diferença deste novo homem em relação ao velho homem é que este se renova
moralmente, e que continua neste processo de renovação, não uma renovação gradual de
carácter mas sim a actualização constante do mesmo. Ainda que vivendo no presente século
mau, o novo homem deve viver de acordo com a sua nova existência.
EM CRISTO
Esta expressão é uma das mais emblemáticas de Paulo.
Em Cristo significa uma comunhão consciente com ele. "Nada nos poderá separar do amor de
Deus que está em Cristo Jesus…" .
Estar em Cristo, vivendo uma nova vida significa viver em paz, justiça e alegria no Espírito
Santo. Em Cristo há consolo, e a paz de Deus guarda os corações e as mentes daqueles que
estão n'Ele.
Estar em Cristo significa também estar numa nova esfera de salvação, numa nova vida.
NO ESPÍRITO
O homem, ao estar em Cristo está também no Espírito. Deixa de estar na carne (aqui com
uma conotação religiosa que designa a vida que é vivida somente no nível humano, com
exclusão de tudo aquilo que se relaciona a Deus) e passa a estar no domínio que o Espírito
criou, onde o Espírito abençoa e dá nova vida.
A vida no Espírito não é algo só para as elites, mas algo que deve ser experimentado por
todo o crente.
Como já referimos é diferente de estar na carne, no pecado, na morte, mas passar para o
Espírito, a justiça e a vida. Ainda que vivendo na sua carne mortal, humana, passou a viver
uma nova esfera, a da vida no Espírito. O factor determinante é se o Espírito de Deus reside
ou não no homem. Não se passa de uma esfera à outra através de crescimento ou por um
processo gradual, mas através do recebimento de Jesus Cristo como Senhor.
Aqui podemos encontrar conceitos como "morto para a carne", "vivência para Cristo",
"circuncisão espiritual", "morte para o mundo".
Ao viver no Espírito, o crente torna-se na habitação de Cristo. Quando tentamos buscar um
significado mais profundo acerca de ser a habitação de Cristo e do Espírito, vemos que Paulo
pensa nisto como um novo poder interior e dinâmico, por meio do qual Deus cumpre uma
renovação do "homem interior". Cristo reside no "homem interior", dando-lhe força e
renovando-o dia após dia .
O Espírito cria a fé, capacitando os homens a aceitarem o significado salvador da cruz; habita
no crente, capacitando-o a viver "segundo o Espírito".
Em resumo, concluímos que a união com Cristo, na sua morte e ressurreição, a habitação de
Cristo, no Espírito e a bênção da vida eterna são modos diferentes de descrever a mesma
realidade: a situação do homem de fé, que se tornou uma nova criação de Cristo e entrou na
nova era da salvação e da vida. A luta contra o velho homem, o ego, a carne continua sempre
presente; só através de um constante andar no Espírito todos esses "inimigos" do novo
homem podem ser subjugados.
A LEI
O pensamento paulino acerca da Lei parece-nos, por vezes, quase contraditório.
Os ensinos de Paulo sobre a Lei são sempre abordados a partir da perspectiva da experiência
histórica, tanto do próprio Paulo como rabi judeu, como de um judeu típico do primeiro século
da nossa era, sujeito à Lei.
"Contudo, o seu pensamento não tem de ser visto nem como uma confissão de sua
autobiografia espiritual, nem como uma descrição do carácter legalista do farisaísmo do
primeiro século, mas como uma interpretação teológica, feita por um pensador cristão, de
duas maneiras de justiça: o legalismo e a fé."
Para conseguirmos abordar este tema, precisamos fazê-lo face ao fundamento triplo que
encontramos em Paulo: a religião do Antigo Testamento, o judaísmo e as suas próprias
experiências.
No centro da religião do Antigo Testamento não podemos caracterizá-lo como legalismo, pois
a Lei não foi dada como meio para obter uma relacionamento justo com Deus através da
obediência. A Lei foi dada a Israel (depois de Deus, por sua livre escolha, ter separado Israel
como seu povo particular) como o meio de unir Israel ao seu Deus, fornecendo um padrão a
ser obedecido. A recompensa para a obediência à Lei era a preservação do relacionamento
positivo com YHWH.
Além disso, a obediência exigida pela Lei não poderia ser satisfeita através de um mero
legalismo, pois a própria Lei exigia amor a Deus e ao próximo. A obediência à Lei de Deus era
uma expressão de fé em Deus; e somente os que tinham fé eram o povo de Javé.
No período intertestamental, deu-se uma mudança fundamental no papel da Lei em relação à
vida das pessoas. A observância da Lei torna-se a base do veredicto de Deus acerca do
indivíduo. A Lei alcança a posição de intermediário entre o homem e Deus.
E é este novo papel da Lei que caracteriza o judaísmo legalista: a Torah torna-se na única
mediadora entre Deus e os homens, tudo gira à volta da observância da Lei.
Aqui a fasquia não era alcançar a justiça pelo cumprimento integral da Lei, mas sim esforçar-
se por regular a sua vida de acordo com a Lei; o próprio Paulo confessa ter tido este mesmo
propósito de vida: uma vivência de obediência legalista à Lei.
Paulo reconhece que foi o seu zelo excessivo pelo cumprimento da Lei que o cegava em
relação à revelação da justiça de Deus em Cristo. Só através da intervenção divina a caminho
de Damasco destruiu o seu orgulho e a sua "auto-justiça", e o levou a aceitar a justiça de
Deus em Cristo.
Com Cristo foi inaugurada a era messiânica, "as coisas velhas passaram e tudo se fez novo",
e com Cristo veio uma nova era, na qual a Lei desempenhava um papel novo e diferente.
Sob o antigo pacto, a Lei era um código externo, escrito, que colocava diante dos homens a
vontade de Deus. O fracasso tinha consequência a morte; neste novo pacto a Lei passa a ser
um poder interior, vivificante, que produz a justiça.
"Obediência à Lei não quer dizer seguir os preceitos detalhados escritos na Pentateuco, mas
cumprir uma relação com Deus para a qual a Lei aponta; e isto prova, que é uma relação de
não obediência legal, mas de fé."
A Lei não consegue transformar pecadores em homens justos por ser um código externo, e
os corações pecadores dos homens necessitam de um poder transformador interior. A Lei é
um código escrito e não uma vida concedida pelo Espírito de Deus .
O propósito da Lei não é a salvação do homem, mas teve um papel no propósito redentor de
Deus. A Lei mostrava o pecado, revelava a verdadeira situação do homem e a sua
responsabilidade para com Deus. Daí que a Lei se torne num elemento de condenação, não
por ela mesma, ela apenas revela o pecado, e esse sim traz a morte .
"A dispensação da Lei pode ser chamada de dispensação da morte, escravidão ao mundo,
pacto de escravidão ou período de infância, quando se está sob o controle de tutores, como
Paulo refere em Gálatas 3:23-26. "
Cristo é o fim da Lei, levou a era da Lei até ao fim, pois cumpriu tudo o que a Lei exige. A Lei
não é má, pelo contrário, Paulo reconhece-a como sendo justa, boa, perfeita, porque vem de
Deus, mas agora, o novo homem deve cumprir a Lei escrita em seu coração pelo Espírito de
Deus.
A redenção em Cristo habilita os crentes, a que de algum modo, cumpram a Lei.
Agora o aspecto permanente da Lei é o ético (o amor a Deus e ao próximo em acção), e não
o cerimonial.
Cristo pôs fim à Lei como um modo de justiça e como um código cerimonial; mas a Lei como
a expressão da vontade de Deus é permanente; e o homem habilitado pelo Espírito Santo e
assim fortalecido pelo amor está capacitado a cumprir a Lei de uma forma que os homens,
sujeitos à Lei, nunca conseguiram.
Samuel Martins
BIBLIOGRAFIA
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* W. Wrede; "Paul"; 1907
* A. Schweitzer; "The Mysticism of St. Paul"
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* W.D.Davies; "Paul and the Rabbinic Judaísm"; 1955
[Notícia n.º 1978, inserida em 2003-04-19, lida 484 vezes.]

www.portalevangelico.pt
2/2/2007

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