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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

TRADUÇÃO DO ARTIGO
“ALEXIS DE TOCQUEVILLE CONCEPT OF CITIZENSHIP”, DE
DORIS S. GOLDSTEIN, AO PORTUGUÊS.

IAN NASCIMENTO FERREIRA

Profa. Dra. Helena Esser dos Reis


Fevereiro de 2008
O Conceito de Cidadania de Alexis de Tocqueville
Doris S. Goldstein

Stern College for Women, Yeshiva University

Grande parte da discussão recente sobre Tocqueville tem como foco ou uma de suas
obras principais ou um período de tempo claramente definido e extensivamente examinado1, ao
invés da análise do desenvolvimento de uma idéia particular, ou de um conjunto de idéias, ao
longo de seus escritos. Essa última abordagem pode ser útil, entretanto, na descoberta de um dos
temas secundários que se encontram a todo momento, mas que são sempre eliminados pelas
exigências do tema dominante de Tocqueville: o problema da manutenção de uma boa
sociedade em meio à crescente democratização. Alguns temas subsidiários, tais como a
democracia, “Providência” na história, “interesse próprio bem-compreendido”, são importantes
para o pensamento de Tocqueville e definitivamente devem ser levados em conta em sua
filosofia política.

O primeiro dos temas mencionados acima será aqui traçado, desde sua aparição inicial
nos escritos de Tocqueville durante a experiência americana, ao longo da Monarquia de Julho e
da Revolução de Fevereiro, até o Segundo Império. Será possível, pelo uso do método
cronológico, distinguir aqueles aspectos do conceito de cidadania que permaneceram constantes
daqueles que sofreram mudanças significativas como resultado da exposição ao fenômeno
social e político variado. Isso, por sua vez, servirá de base para responder o que é, afinal de
contas, a questão fundamental: se as referências dispersas feitas por Tocqueville ao “espírito
público”, “moral pública”, e “virtude pública” de fato formam uma proposição coesa sobre a
natureza e importância da cidadania. O propósito desse artigo é portanto delinear o conteúdo e
as influências históricas da idéia tocquevilliana de cidadania, bem como apontar relações com
outros aspectos de seu pensamento, sempre que possível.

Uma passagem de um dos Diários da América indica uma distinção implícita entre
“virtude” no sentido de uma aderência individual e privada às virtudes cristãs, e o que
Tocqueville chama de “a virtude pública”. As antigas repúblicas eram virtuosas, segundo ele,
pois estavam prontas a sacrificar interesses privados em prol do bem público2. Ao definir
“virtude” como o princípio das repúblicas, Tocqueville se coloca inequivocamente na tradição
de Montesquieu, Maquiavel e, por fim, da teoria política grega 3. Mas, ele se pergunta, a
formulação clássica continua valendo para as repúblicas modernas? Mais especificamente, seria
a América animada por esse espírito de virtude, no sentido de amor desinteressado pelo país?
Ele decidiu que a América não era virtuosa, mas sim iluminada uma vez que tentava reconciliar
interesses públicos e privados4. Isso significava então que a definição clássica não mais era
válida? Que a virtude não era mais necessariamente o fundamento de todas as repúblicas?

Essa questão aparentemente continuou a preocupar Tocqueville. Ele parecia descartar


essa idéia enquanto na América, afirmando simplesmente que o exemplo americano mostrava
que a virtude não era pré-requisito para a formação de uma república 5. Ainda assim, enquanto
trabalhava na Democracia na América, ele começou a reconsiderar. Num fragmento de um dos
rascunhos da Democracia há uma discussão acerca do tema, com referência explícita a
Montesquieu. O fato de que a América não é virtuosa não refuta a concordância entre república
e virtude feita por Montesquieu. Segundo Tocqueville, Montesquieu definiu virtude como “o
poder moral que cada indivíduo exerce sobre si mesmo e que o impede de violar os direitos dos
6
outro.” e isso de fato existe na América. O mesmo resultado foi obtido, mas originado de
causas bastante diferentes; nas antigas repúblicas por motivos desinteressados e portanto mais
nobres, e na América, porque “o interesse ... é bem compreendido.” 7

Nessa reformulação, a concepção clássica da virtude como essencial à república é


conservada, mas com a ressalva que sua fonte deve ser procurada em um novo conjunto de
motivos. Raymond Aron observa que, nesse ponto, Tocqueville leva a análise dos princípios do
governo de Montesquieu um passo adiante, ao apontar os princípios das democracias modernas:
interesse próprio bem-compreendido e respeito à lei 8. Pode-se acrescentar o que Tocqueville
chama repetidamente de “luzes”, ou seja, a propriedade que os cidadãos corretamente educados
têm de discernir o interesse público. Deve-se enfatizar que por “corretamente educados” ele não
entende apenas educação secular, já que ele afirma explicitamente que esse tipo de educação,
sozinha, não faz do homem virtuoso e bom cidadão 9. Ele ficou satisfeito ao saber que os
10
americanos tomavam como naturais as bases morais e religiosas da educação . Essas
observações indicam que Tocqueville via alguma conexão entre religião e cidadania, e
certamente, tanto nas anotações de viagem quanto na Democracia, ele enfatizou o papel da
religião na manutenção da América como uma nação livre e democrática 11. O que ele parecia
querer mostrar é que a ética cristã provinha as normas e restrições sem as quais os Estados
Unidos cairiam em anarquia e despotismo. Não há evidência que Tocqueville tenha sido levado
por sua experiência na América a enfatizar o uso aberto da religião organizada como forma de
reforçar a cidadania12. Essa possibilidade só se apresentaria muito mais tarde, como resposta às
condições políticas francesas.

A reformulação tocquevilliana de Montesquieu foi resultado de sua visão do


desenvolvimento providencial da civilização13. A marcha da história estava acabando com o
antigo patriotismo instintivo, bem como com a desigualdade e os privilégios, de forma que um
novo espírito público deve ser formado14. Em correspondência a Charles Stoffels em 1830,
Tocqueville buscou delinear as características do novo e do velho espírito público. Em
civilizações meio desenvolvidas, escreve ele, o amor pelo país é instintivo, e não racional, “et
cet instinct aveugle enfante des miracles”; em países civilizados, por outro lado, o patriotismo é
“mais racional, mais refletido.”15 Essa é a mesma terminologia que Tocqueville viria a usar na
Democracia ao discutir o espírito público, e indica que, nessa área como em tantas outras, a
experiência americana não criou, mas confirmou opiniões prévias16.

Tanto na carta mencionada acima quanto na Democracia, Tocqueville parece mostrar


certa simpatia nostálgica pelo “patriotismo instintivo” em oposição ao “patriotismo racional”.
Essa impressão vem à tona mais claramente numa passagem interessante de um dos cadernos da
América, no qual ele escreveu que o povo do Kentucky e do Tennessee tem um patriotismo
mais instintivo do que quaisquer outros americanos que ele encontrou : “amour mêlé
d’exagération, de préjugés, entièrement différent d’un sentiment raisonné et de l’egoisme raffiné
qui porte le nom de patriotisme dans presque tous les États de l’Union” 17. Apesar de suas
simpatias, entretanto, Tocqueville sabia muito bem que o patriotismo instintivo pertencia ao
passado, e ele procurou aceitar o novo espírito público, sem rancor. Essa atitude é outro
exemplo da tensão entre a predisposição aristocrata e a consciência, duramente conquistada, da
necessidade e possibilidade de uma era democrática. Dessa tensão surgiu uma análise finamente
equilibrada e quase dolorosamente honesta.

A Democracia na América contém as conclusões de Tocqueville sobre o novo espírito


público, suas características e pré-requisitos. O que separa esse novo espírito do antigo e
irracional amor pela pátria, como foi dito acima, é o interesse bem compreendido. Como, então,
estimular que a habilidade de se reconhecer os interesses próprios no interesse comum? A
resposta de Tocqueville é clara: permitindo que os cidadãos tomem parte nas decisões do
governo18. Somente quando os homens têm direitos políticos, como nos Estados Unidos, é que
eles tomarão consciência de seu papel na administração do país e ganharão aquela educação
política prática que faz deles bons cidadãos 19. Ele descreveu o intenso interesse que os
americanos têm pela política com aprovação, explicando que o resultado desse interesse é a
melhoria e a iluminação da sociedade como um todo20. Ele mostrou como certas instituições
americanas, a saber, o sistema de júri e o autogoverno local, estimulam a educação política da
comunidade21.

A principal ameaça à existência desse novo tipo de espírito público, Tocqueville


acreditava, era o individualismo. Segundo sua definição, o individualismo – uma das
conseqüências nefastas da democratização – faz com que os homens se considerem átomos
isolados, sem qualquer vínculo com a sociedade22. Ele leva à extinção gradual da virtude pública
e a sua substituição por apatia, por um estado de completa indiferença em relação ao bem-estar
comum23. Tocqueville temia, como observou Seymour Lipset, que a política não teria
significado algum para o indivíduo apático e atomizado, e que, conseqüentemente, o consenso
que serve de base a qualquer estado seria destruído24. Uma das notas na Democracia afirma
explicitamente que a apatia, fruto do individualismo, deve ser veementemente combatida, pois
poderia produzir tanto a anarquia quanto o despotismo25.

Se haviam certos obstáculos à possibilidade de construir uma cidadania operante em


uma democracia, eles não eram insuperáveis, segundo Tocqueville. A partir do exemplo
americano, ele concluiu que o constante exercício dos direitos políticos era capaz de
satisfatoriamente ameaçar o individualismo. Ao lidar com negócios público, “chaque homme
aperçoit qu’il n’est pas aussi indépendant de ses semblables qu’il se le figurait d’abord, et que,
pour obtenir leur appui, il faut souvent leur prêter son concours26. ” A participação em negócios
locais é particularmente eficaz, já que nesse nível a conexão entre os interesses públicos e
privados é mais evidente, e o cidadão compreende que está ligado à comunidade por laços de
interesse próprio bem compreendido27. Assim como o espírito público numa democracia
moderna está relacionado e é concomitante à liberdade política, o despotismo encontra seu
maior aliado numa comunidade flácida, de cidadãos apáticos.

Com fina ironia, Tocqueville descreveu como o déspota, percebendo isso, realiza uma
inversão de valores, na qual “bons cidadãos são aqueles que se fecham sobre si mesmos” e “faz
uma espécie de virtude pública da indiferença.28”

Na época em que Tocqueville começou a escrever a Democracia, ele havia então


chegado a um conceito de democracia baseado em liberdade política, participação e interesse
próprio bem compreendido, no qual a ética cristã agiria como um latente princípio regulador,
que atribui valor. Ele havia de fato reformulado a clássica definição de cidadania, a qual já lhe
era familiar através das obras de Montesquieu e Rousseau29. Como Richard Herr apontou, foi
provavelmente a partir das obras desses pensadores do século XVIII que Tocqueville chegou à
conclusão de que a virtude era necessária a uma república30. Certamente o fragmento citado
acima, no qual ele claramente tenta reformular as seções sobre a virtude pública do Espírito das
Leis, é prova suficiente da influência de Montesquieu, enquanto a possível natureza e extensão
da influência de Rousseau serão indicadas abaixo. Virtude, participação, direitos políticos –
todos esses são componentes antigos da concepção clássica de cidadania. Mas e o interesse
próprio bem compreendido? Teria sido através dos Utilitaristas franceses do século XVIII que
Tocqueville se familiarizara com essa idéia, a escola de Destutt e Tracy e os Ideólogos, ou talvez
os Utilitaristas ingleses? Ou teria ele simplesmente observado o conceito em operação na
América, sem qualquer contato prévio com a idéia?
Feitas essas questões, deve-se imediatamente admitir que as possibilidades de respondê-
las de maneira satisfatória são extremamente baixas, pelo menos até que muito mais volumes
das Obras Completas sejam publicados. Entretanto, pode ser útil analisar o material disponível e
compilar quaisquer informações que dele emirjam. Não há evidência que Tocqueville conhecia
os escritos dos Utilitaristas, franceses ou ingleses, até 1843, quando, juntamente com Gobineau,
ele começou um estudo da moral moderna, que o levou aos escritos de Bentham31. Tem-se a
impressão, em algumas passagens dessas cartas a Gobineau, que Tocqueville tinha algum
conhecimento dos Utilitaristas ingleses, talvez proveniente de sua amizade com John Stuart
Mill, que o introduziu aos círculos intelectuais ingleses. Mas, uma vez que esses contatos com
Mill ocorreram depois da viagem à América, eles não podem explicar a presença da idéia de
interesse próprio bem-compreendido nas anotações de viagem de Tocqueville, ou mesmo na
Democracia, pois foi somente após a publicação dos primeiros volumes que ele veio a conhecer
algumas figuras importantes do mundo inglês. Ainda resta a possibilidade de que ele conhecia o
pensamente utilitarista francês já na década de vinte, talvez como resultado de leituras na
biblioteca de seu pai, ou de uma visita a Paris e redondezas no fim da década de vinte 32. A carta
a Charles Stoffels citada acima, escrita em abril de 1830, na qual Tocqueville descreve as nações
modernas como sendo animadas pelo “egoísmo” e pelo “patriotismo reflexivo”, sugere que ele
talvez estivesse já pensando em interesse bem compreendido antes de sua visita à América. De
fato, pode-se argumentar que a maneira fácil, entendida com a qual ele discute acerca do
“interesse próprio bem compreendido” na América sugere familiaridade com o conceito.

Mesmo se essas especulações não forem válidas, não resta dúvida que a experiência
americana foi o catalisador que levou Tocqueville a enfatizar o papel do interesse próprio bem
compreendido na democracia moderna, e a aceitar essa situação como não necessariamente
ruim. Élie Halévy disse, no que diz respeito à discussão de Tocqueville acerca do interesse bem
compreendido na América: “Longe de ficar escandalizado, esse moralista cristão se conformou
com o estado de coisas33.” Aqui, Halévy tocou num dos aspectos mais interessantes, e ainda
assim menos investigados, da obra de Tocqueville: a relação entre sua ética baseada na religião,
com um colorido jansenista, e sua atitude positiva em relação à doutrina utilitarista do interesse
próprio racional. Como pode ser explicada a presença desses dois padrões de julgamento tão
incompatíveis? Estaria Tocqueville ciente de qualquer incompatibilidade? Apesar dessas
questões estarem além do escopo desse artigo, será possível sugerir algumas respostas uma vez
que traçarmos o desenvolvimento do conceito de cidadania em Tocqueville. Nessa área limitada,
elementos clássicos, cristãos e utilitaristas atuam, e a função de cada um pode ser delineada com
alguma precisão.

O interesse de Tocqueville pelo problema da cidadania não diminuiu após o término da


Democracia. Na verdade, a imagem que ele tinha da França de 1830-40 serviu para manter o
problema vivo. Ele acreditava que a França estava carente de espírito público, e ele havia
concluído na Democracia que sem um envolvimento ativo no bem-estar da nação as
democracias modernas poderiam facilmente tomar o caminho da anarquia e despotismo. Seu
amor por seu país, seu desejo que a França obtivesse a grandeza da qual as nações democráticas
eram capazes, ditaram os esforços persistentes para encorajar o crescimento da cidadania na
França.

Enquanto ainda estava escrevendo a Democracia , Tocqueville escreveu para Royer-


Collard dizendo que os franceses eram “maus cidadãos” por causa de seu interesse próprio 34.
Mas já que a infinita busca por bem-estar material era característica de todas as sociedades
democráticas, e já que Tocqueville tinha percebido essa tendência especificamente na América,
por que a virtude pública estaria ausente na França e presente na América? Ele admitiu que não
havia mais egoísmo na França do que na América; a diferença é que nos Estados Unidos ele é
“esclarecido”, enquanto os franceses ainda não aprenderam a sacrificar alguns de seus interesses
pessoais em prol do bem comum35.

A deficiência de espírito público na França era causada por uma deficiência de interesse
próprio bem-compreendido. Não havia dúvida na mente de Tocqueville de quem era a culpa
dessa situação. Em suas cartas, discursos parlamentares, e particularmente nos Souvenirs, ele
condenava severamente os governantes da Monarquia de Julho por seu papel na desmoralização
da França36. A vida política havia sido restringida aos estreitos limites do “pays légal”, que
consideravam as questões do governo com o espírito “d’une compagnie industrielle 37.” Algumas
das páginas mais incisivas dos Souvenirs descrevem como essa classe, completamente animada
por interesses materiais, perdeu de vista o bem-estar público 38. Uma vez que todos estavam
excluídos da política a não ser a classe-média, ele explicava, não havia conflitos de interesse ou
de princípios, de forma que uma monotonia completa reinava entre os governantes, enquanto o
resto da nação só sentia desprezo pelo governo39. Assim, a moral pública havia sido degradada
pelo egoísmo e indiferença daqueles que deveriam ter dado exemplo, e o resultado final,
Tocqueville advertiu em seu famoso discurso em Janeiro de 1848, poderia muito bem ser
revolução40.

A crença resoluta de Tocqueville de que todo o tecido da vida política era corrupto ajuda
a explicar a veemência de sua oposição a todos os governos da Monarquia de Julho. Molé,
Thiers, Guizot: ele se opôs à liderança de cada um, mas quando se tenta explicar essa oposição
em termos de questões políticas específicas, as divergências não parecem muito grandes. A
extensão dessa oposição pode , no entanto, ser entendida em termos intangíveis como “o
espírito” ou “o tom” desses governos, pois ele insistia que não eram as leis ou mesmo os
homens que deveriam ser substituídos, mas sim “o próprio espírito do governo41.”
Apesar de Tocqueville se referir especificamente ao ministério de Guizot durante a
década de 1840, não há dúvida que ele considerava os ministérios anteriores tão culpados de
degradar a moral pública quanto esse. Ele considerava isso mais importante do que questões
políticas efêmeras, já que ele havia concluído que a anarquia ou o despotismo poderiam ser
causados pela destruição da virtude pública numa era democrática. Certamente é possível
discordar da avaliação que Tocqueville faz da situação, afirmando-se que a oposição
intransigente traz consigo o perigo do enfraquecimento e a possível destruição da Monarquia, o
que poderia provocar os próprios males que ele temia. Sem importarmo-nos com a validade
desse argumento, que inclui uma grande dose de capacidade de análise, deve-se enfatizar que,
segundo o julgamento de Tocqueville, esteja ele certo ou errado, o pecado imperdoável da
Monarquia de Julho foi não dar um exemplo de cidadania.

Seria injusto sugerir, entretanto, que a partir do momento em que Tocqueville entrou na
vida política ele ficou contente em permanecer isolado, agarrado à sua própria virtude. Ele
manteve contato com o segmento da oposição à dinastia, liderado por Odilon-Barrot, um grupo
que Tocqueville considerava relativamente livre do materialismo egoísta que caracterizava tanto
a maioria do parlamento liderado por Guizot quanto os seguidores de Thiers. Esse grupo
defendia uma reforma parlamentar - em outras palavras, a remoção dos cargos indicados e a
extensão do sufrágio42. A primeira dessas medidas removeria a mácula de corrupção que
envenenava a vida política, ao passo que a segunda poderia restabelecer um senso de
envolvimento nos negócios públicos ao povo francês. Ambas as reformas foram frustradas pelo
“immobilisme” dos últimos anos da Monarquia de Julho.

O que poderia ser feito então para elevar a moral pública, quando tanto o interesse bem-
compreendido quanto a participação política estavam ausentes? Sem dúvida, a tentativa de
responder essa questão explica parcialmente o desejo que Tocqueville tinha de recorrer ao
recurso clássico para elevar o espírito público: a aventura militar. Ele acreditava que “a única
maneira certa de estimular o espírito público na França era através de um apelo ao orgulho
nacional, que, se necessário, deveria ser mantido vivo pela guerra43.” A correspondência de
Tocqueville com Mill acerca da Questão Oriental constitui uma franca admissão da crença que o
orgulho nacional era o único remanescente do espírito público francês, e que, caso ele fosse
diminuído, a nação sucumbiria perante “ce goût amoulissant qui l’entraîne chaque jour
davantage vers les jouissances matérielles et les petits plaisirs 44”. Sua opinião acerca de outra
questão que piorava ainda mais as relações entre a França e a Inglaterra, a questão do direito de
busca, revela também um alto grau de sensibilidade a questões que envolvam o prestígio e
orgulho nacional francês45. Em partes, é simplesmente o nacionalismo apaixonado de
Tocqueville que está em operação, mas ele sem dúvida apoiava apelos ao sentimento nacional
com o propósito explícito de animar sua nação entorpecida46.
Era a partir desse ponto de vista que ele criticou a política internacional da Monarquia
de Julho, acusando-a de fraca e vacilante. Sobre a questão da Argélia, entretanto, Tocqueville
apoiava o governo, já que era um entusiasta da conquista e colonização argelinas. Na verdade,
Tocqueville parecia se importar mais com a Argélia do que Louis-Philippe ou Guizot, pois
enquanto estes hesitavam em empreender a conquista francesa de territórios no norte da África,
Tocqueville declarava que colônias eram essenciais para a força e glória da França47. Ele
acreditava que o imperialismo, com relações internacionais agressivas, poderiam despertar os
franceses de seu individualismo egoísta e materialista, resultando no nascimento de um novo
espírito público48.

Devido ao fato que o desenvolvimento da idéia de Tocqueville sobre a cidadania está


tão proximamente ligado ao que ele considera “o estado da alma francesa” durante os anos de
1830 a 1848, a questão da validade de seu diagnóstico deve ser levantada. Estaria a França de
fato sofrendo da falta de idealismo, de interesse no bem-estar da nação, aos quais ele se referia
tão freqüentemente? Era ele um bom observador da vida francesa durante a Monarquia de Julho,
ou deveria um historiador ser prudente antes de aceitar seu julgamento? A tarefa de responder
essas questões se torna mais difícil porque o leitor nunca tem certeza se as críticas de
Tocqueville se dirigem unicamente às condições políticas ou a todo o âmbito da vida intelectual
e social francesa. Se somente ao campo político, sua virulência pode então ser mais facilmente
entendida, pois esse era afinal o regime que, merecidamente ou não, tinha uma reputação sem
precedentes de esterilidade e corrupção. E ainda assim parece estranho que o mesmo cavalheiro
normando, cujos esforços intrépidos para ser justo ao discutir a democracia americana, se torne
tão duro e inflexível ao discutir a Monarquia de Julho.

Na última análise, entretanto, não é na verdade possível dizer que Tocqueville se limitou
a criticar o sistema político. Ele certamente culpava o governo por causar um declínio geral nos
padrões de vida francesa, mas a questão é que os males do materialismo e individualismo
haviam se espalhado além do círculo do governo. Repetidamente ele menciona a falta de
idealismo e de espírito público de seus contemporâneos, ao passo que não há a menor menção
ao fato de que esses eram anos de extraordinária riqueza e vitalidade no campo das artes e da
teoria política e social. Certamente tal visão astigmática por parte de quem é normalmente tão
perceptivo e observador clama por investigação.

Fatos da biografia de Tocqueville podem explicar algo. Ele era tímido, dava a impressão
de ser frio e não se sentia confortável com aqueles que não pertenciam ao seu círculo. Ele
portanto andava principalmente entre aristocratas, amigos da infância e de família, a maioria dos
quais partilhava um desprezo profundo pela sociedade em que viviam, especialmente por suas
manifestações burguesas. Ser membro da Câmara o pôs em contato com os próprios burgueses
que ele instintivamente desprezava, e a conduta deles certamente reforçava esse sentimento.
Aqueles com os quais ele enfim se uniu em oposição estavam igualmente preocupados com o
que lhes parecia a total corrupção da nação por seu governo. Em outras palavras, Tocqueville
parece jamais ter tido outro olhar senão sob a ótica do legislador, e em conseqüência nunca
percebeu o fermento intelectual e o profundo sentimento nacional que existiam na França.

Num sentido, seus contatos com a vida intelectual da Monarquia de Julho não eram de
forma alguma limitados: membro da “Académie Française” e da “Académie des sciences
morales et politiques”, introduzido no salão de Mme Récamier por Chateaubriand 49, amigo de
J.-J. Ampère e trocava mais que cumprimentos com Rémusat, Mérimée, Montalembert, Broglie
e Lamartine. Especula-se, entretanto, quão significativos para Tocqueville eram esses contatos,
se ele teria permitido-se provar das ricas possibilidades intelectuais que se ofereciam. Pois num
nível mais profundo do que o do mero conhecimento, ou até mesmo da amizade, é difícil não
perceber uma espécie de isolamento, imposta mais pela personalidade do que pelas
circunstâncias. Tampouco se pode negar sua forte e instintiva aderência a valores aristocráticos.
Assim como seu parente Chateaubriand, ele tinha mais do mero desdém pelo “homme de
lettres” profissional, dizendo, por exemplo, que George Sand vivia “num mundo de aventureiros
literários50.” A descrição que Tocqueville fez de seu encontro com George Sand em 1848 provê
um rico exemplo de sua atitude em relação àqueles que tinham opiniões “avançadas”. Depois de
dizer que ele tinha “grandes preconceitos” contra ela, ele por fim admite que acabara por gostar
dela: “elle me plut51.” O leitor achará o episódio divertido, particularmente a surpresa de
Tocqueville ao perceber que Mme Sand não era o dragão que ele havia imaginado.

A natureza altamente crítica dos julgamentos de Tocqueville sobre a vida francesa


durante esse período pode também ser explicada em termos de sua filosofia política. Ele
acreditava que a democracia trazia consigo uma tendência ao materialismo. Várias vezes ao
longo da Democracia ele menciona a necessidade de se estimular o idealismo nas sociedades
democráticas, e considera como isso pode ser feito. Como resultado, ele olha para a França por
trás das escuras lentes de sua própria teoria, e encontra em toda parte o individualismo egoísta
que ele havia previsto acompanhar a democratização. Enquanto é impossível não reconhecer
que a conduta do governo durante a Monarquia de Julho proveu evidências adequadas para
corroborar sua tese, sua prontidão em acusar a sociedade e o governo de apatia e corrupção pode
ser pelo menos parcialmente explicada por suas pressuposições teóricas.

Tocqueville não era, todavia, o único a ter essa imagem da França, de forma que a
questão não pode ser resolvida pela simples referência a fatos de sua biografia pessoal e
intelectual. A velha aristocracia, assim como os Românticos, tinha o mais alto desprezo pelo que
lhes parecia uma sociedade materialista e inculta. Esse grupo via a classe burguesa e não o
processo da Revolução Industrial como responsável pela degradação de valores52. Há
claramente uma dimensão econômica e social do problema do desconforto generalizado na
França durante esse período, e um estudo análogo ao de Karl Mannheim sobre o pensamento
conservador alemão53 provavelmente seria capaz de descobrir as relações entre mudança
econômica, classe social e filiação ideológica.

Fatores puramente históricos também desempenharam seu papel. A França havia afinal
de contas sido derrotada em 1815, e isso ainda era irritante, mesmo entre a oposição a
Bonaparte. Tocqueville certamente não estava sozinho ao insistir que a França deveria recuperar
seu lugar entre as potências européias, por razões que hoje em dia seriam chamadas de
“morais”, bem como relações de política externa. A situação piorava ainda mais com a crescente
visão que a França se humilhava e era insultada em sua dignidade nacional pela Monarquia de
Julho, e que lhe faltava espírito para se impor. Mas era especialmente em contraste com o
heroísmo e sacrifício próprio de 1789 que a França do século XIX parecia tão apática. O
simples fato de que Tocqueville, longe de simpatizar-se com a violência ou ideologia dos
revolucionários, elogiava-lhes o idealismo54, indica a profundidade desse sentimento.
Aparentemente a Revolução criou um arquétipo do que pode ser mais bem chamado de “vertù”,
contra o qual o século XIX se sentia obrigado a medir-se, geralmente para seu próprio
detrimento55.

Se Tocqueville então julgava que, por todos esses motivos, sua nação carecia de espírito
público e idealismo, conseguiu ele pensar em algum modo de melhorar a situação? Há alguma
sugestão, por exemplo, de que a religião possa solucionar o problema? Nas anotações de viagem
aos Estados Unidos ele havia, afinal, sugerido alguma conexão entre religião e cidadania.
Durante a Monarquia de Julho ele enfatizou a necessidade da religião nas sociedades modernas
e democráticas, mas somente na correspondência com Gobineau em 1843 é que os dois temas
aparecem explicitamente relacionados.

As cartas de 1843 são um diálogo no qual Tocqueville defende tanto a originalidade


quanto a relevância contemporânea da moral cristã contra os ataques de Gobineau56. Ao mesmo
tempo em que elogia a universalidade do cristianismo, Tocqueville afirma que ele é falho por
não definir as tarefas dos homens enquanto cidadãos, seus deveres quanto ao país57. Com o
crescimento da paixão política, questões sobre a moral pública se tornaram cada vez mais
importantes, e, como resultado, os modernos acabaram por integrar o conceito de virtude
pública, altamente desenvolvido entre os antigos, com a estrutura do cristianismo58. Há um
aspecto da moral social moderna, segundo a correspondência, que é novo, e que é derivado do
princípio cristão da caridade. A sociedade como um todo, e os governos em particular, agora se
sentem no dever de ajudar os desafortunados, e isto acaba se estabelecendo como parte da moral
pública59.

Tocqueville estava convencido que o bem-estar social da modernidade havia se


originado do cristianismo, e defendeu essa idéia em 1848 com “a caridade na política” ou, em
outras palavras, reformas sociais baseadas no cristianismo60. Ele nunca se aprofundou na
questão de como as idéias modernas de reforma social surgiram do cristianismo, ou se a
melhoria dos problemas social e econômico podem ser considerada parte da moral pública. A
partir da escassa evidência disponível, pode-se apenas afirmar que Tocqueville estava ciente do
problema social, e que, apesar de ser firmemente contrário a qualquer tipo de socialismo, ele
não negava que o Estado tinha obrigações com “todos aqueles que, após terem sido privados de
todos os seus recursos, serão reduzidos à miséria caso o Estado não lhes estenda a mão.” 61

É visível na correspondência com Gobineau que Tocqueville desejava incorporar ao


cristianismo, que ele estava convencido ainda ser a base de toda a moralidade, a idéia que lhe
faltava, cidadania. Ele tinha esperanças nessa fusão, acreditando que uma maior preocupação
com a vida política era característica do mundo moderno e que uma vez que o cristianismo
houvesse sanado suas deficiências nessa área, ele constituiria a base de um sólido sistema de
moral pública e privada.

Essa correlação entre cristianismo e cidadania indicaria uma mudança na antiga


definição de cidadania de Tocqueville, baseada em participação e interesse bem-compreendido?
Se sim, seria essa mudança motivada por seu desejo de encontrar outros meios de reavivar a
moral pública numa nação que carecia tanto de participação quanto de interesse próprio bem
compreendido? Possivelmente: na falta de mais evidências, pode-se apenas especular. O que
pode ser afirmado com certeza é que na correspondência com Gobineau de 1843, Tocqueville
esboça algumas idéias que seriam desenvolvidas depois, como uma resposta às mudanças nas
condições políticas.

A Revolução de 1848 havia, por um breve momento, prometido acabar com a corrupção
e a apatia com uma onda de idealismo político. Tocqueville observou que os membros da
Assembléia Constituinte estavam mais preocupados com o bem-estar público e menos com seus
próprios interesses do que seus predecessores da Monarquia de Julho62. Essas esperanças se
extinguiram na fumaça dos Dias de Junho, e, com o advento de uma nova ditadura Napoleônica,
acabaram completamente. Na opinião de Tocqueville, os males do regime de Louis-Philippe não
apenas haviam retornado como haviam sido piorados pela violência e ilegalidade do novo
governo. A ordem do dia era novamente o materialismo e o interesse próprio, e qualquer
entusiasmo que houvesse por Louis Napoleon era causado antes por medo do socialismo e pelo
desejo de “pode ganhar dinheiro sem medo63.”
A maior parte da discussão sobre cidadania no “Antigo Regime e a Revolução”, que é a
melhor fonte de material para a década de 1850, contém variações de temas anteriormente
tratados. São, entretanto, de menor importância, pois Tocqueville estava cada vez mais adepto
de idéias que pareciam ter pouca ou nenhuma possibilidade de sucesso na França64.

Um tom de tristeza e desafio se percebe, por exemplo, no prefácio do Antigo Regime,


com sua insistência que apenas direitos políticos podem preservar a moral pública numa
sociedade igualitária, e que no despotismo, não é possível encontrar “um grande cidadão, e
muito menos um grande povo65.” A utilidade da descentralização em expandir a cidadania é
também discutida no Antigo Regime, e pode-se até mesmo argumentar que o tema central do
livro é a incapacidade da França se tornar uma democracia liberal, pois o sistema fiscal e
administrativo da antiga monarquia havia destruído a virtude pública66. A fim de demonstrar a
validade de seu argumento acerca da relação entre cidadania e descentralização, Tocqueville cita
o exemplo do clero durante o antigo regime. Antes de 1789, a Igreja havia conseguido preservar
alguns de seus direitos, apesar das tendências niveladoras e centralizadoras da monarquia, e
como resultado o clero havia mantido um maior nível de independência do que qualquer outro
grupo da nação67.

A única faceta realmente nova do discurso sobre cidadania de Tocqueville no Antigo


Regime é sua ênfase no papel do clero de incentivar a moral pública. Apesar de eclipsado pelos
comentários acerca da relação entre o cristianismo e a moral pública, não há dúvida que esse
tema novo era principalmente uma resposta aos tristes anos do Segundo Império. A raiva e a
vergonha de Tocqueville perante o fato de que a maioria da nação estava pronta a se submeter
ao novo regime eram aumentadas pela sua consciência que a maior parte do clero católico não
apenas desejava dar seu aval, mas ansiava por isso68. Sua correspondência revela o quão
profundamente irritado ele estava com a conduta do clero, e ele foi, aparentemente, forçado a
concluir que a pobreza de espírito público na nação em geral era tanta quanto a subserviência e
indiferença do clero. A linguagem áspera com a qual Tocqueville elogia a independência de
espírito do clero do antigo regime quando comparada ao seu comportamento freqüentemente
obsequioso desde 1789 deve ser entendida sob esse ponto de vista69.

Ele atribuía a virtude pública do clero pré-Revolução parcialmente aos efeitos da


descentralização, mas era acima de tudo a propriedade de terras que davam “aux prêtres les
idées, les besoins, les sentiments, souvent les passions du citoyen 70”. A conclusão que
Tocqueville toma é que não se deve privar o clero de suas terras, substituindo-as por um salário
fixo, já que esse é o único laço que um padre pode ter com o país em que vive71. Sem família,
dependente do poder secular para obter sua renda e do Papado para problemas de consciência,
totalmente indiferente às questões políticas, ele se torna um “excelente cidadão da cidade de
Deus, um cidadão medíocre em todos os outros lugares 72.” Na frase que conclui esse parágrafo,
a razão para a preocupação de Tocqueville com a questão da moral pública e do clero é
revelada. A falta de virtude pública por parte do clero, que age como professor da juventude e
árbitro da moral, só pode resultar na perda de cidadania por todo o país 73. A solução, então, é
fazer com que o clero se preocupe com os assuntos públicos, para que possa infundir espírito
público na nação.

Aqui temos um novo elemento na concepção de Tocqueville de cidadania, um conceito


que nasceu de seu descontentamento com seus compatriotas, tanto o clero quanto o povo em
geral, que aceitaram uma ditadura Napoleônica. Algumas de suas cartas escritas durante a
década de 1850 corroboram essa interpretação, mostrando como ele foi levado a aprofundar
suas sondagens sobre a relação entre o cristianismo e a cidadania de modo a entender a situação
política que se apresentava. Especialmente reveladora nesse aspecto é a correspondência com
Mme Swetchine74, na qual Tocqueville se viu forçado a explicar e defender idéias sobre o clero
e a moral pública que ele já havia formulado no Antigo Regime.

Mme Swetchine expressava suas apreensões francamente, perguntando se Tocqueville


de fato acreditava que a identificação do clero com a nação, além da mera “dedicação moral”
era desejável75. Ao tentar explicar a razão de sua resposta ser positiva, ele afirma que o clero
prioriza a moral privada ao invés da pública, o resultado do qual é o fato das tarefas da
cidadania não terem sido ensinadas à nação em geral76. Apesar de ser definitivo em sua
definição do problema, algumas de suas afirmações indicam que ele não estava comprometido
com a idéia da posse da terra ser a solução77.

No próximo intercâmbio, Tocqueville e Mme Swetchine procuraram tratar dos


problemas fundamentais envolvidos. Ela, ainda não convencida, afirma temer a intromissão da
Igreja Católica nos assuntos públicos, e que a missão do catolicismo fica comprometida quando
se põe a serviço de qualquer idéia ou regime político78. Mme Swetchine defende então o
catolicismo e o cristianismo em geral, contra a acusação de negligência da moral pública feita
por Tocqueville. É verdade, ela concede, que o catolicismo é muito mais específico em listar os
deveres da moral privada do que os da moral pública, mas isso não deve significar que aqueles
não dizem respeito a esses. Ela insiste que a Igreja percebe a importância da virtude pública
assim como da privada; a questão é que o cristianismo está preocupado “com a cidade
permanente”79.

Mme Swetchine alude então ao papel desempenhado pelas condições políticas que
influenciaram Tocqueville a enfatizar a conexão entre cristianismo e cidadania. Ela entendia o
desejo de Tocqueville de corrigir o “affaissement”, a “absence de tout intérêt pour ce qui n’est
pas plaisirs ou spéculations sordides, et pour donner um mobile plus noble aux caracteres
comme aux intelligences.80 ” Ela conclui tentando amenizar a irritação do amigo, pedindo que
ele julgasse seus contemporâneos com mais indulgência, pois no passado os deveres da
cidadania eram mais claros e mais simples do que no presente, quando a tradição, prestígio e
todos os “pontos de apoio” haviam desaparecido81.

Apesar dessa injunção à paciência e tolerância, a resposta de Tocqueville é uma


reafirmação, nos termos mais apaixonados e intransigentes, do que ele acreditava serem os
deveres da cidadania. Como convém a um entusiasmado defensor da separação entre Estado e
Igreja, ele negava veementemente querer que o clero permitisse ou criticasse opiniões políticas
particulares. Não é uma questão de se ensinar ou republicanismo ou monarquismo, mas que o
clero ensinasse aos homens que eles são cidadãos além de serem cristãos, que eles pertencem a
um dos maiores seres coletivos, ou nações, que Deus havia formado82. Tocqueville então
apresenta os princípios que ele gostaria que o clero ensinasse, com uma eloqüência e
intensidade que merecem citação:

“Je désirerais qu'ils fissent pénétrer plus avant dans les âmes que chacun se doit à cet
être collectif avant de s’appartenir à soi-même: qu’a l’égard de cet être-lá , Il n’est pas permis
de tomber dans l’indifférence, bien moins encore de faire de cette indifférence une sorte de
molle vertu qui énerve plusieurs de plus nobles instincts qui nous ont été donnés; que tous sont
responsables de ce qui lui arrive, et que constamment à as prospérité et de veiller à ce qu’il ne
soit soumis qu’a des autorités bienfaisantes, respectables, et legitimes83.”

Não é surpreendente então que o autor dessas idéias não pudesse aceitar a defesa da
preocupação cristã com a “cidade eterna” feita por Mme Swetchine, argumentando que, apesar
do cristianismo poder existir sob o pior dos governos, o dever do bom cristão e do cidadão é
combater os males do mau governo com quaisquer meios que sua consciência sugira 84. Homens,
e especialmente mulheres, devem ser ensinados que simplesmente obedecer à autoridade
existente não é uma virtude cristã.85

O diálogo entre Tocqueville e Mme. Swetchine é concluído com um tom quase que
militante. A resposta dela à carta mencionada acima infelizmente se perdeu, e não há mais
discussão sobre cidadania em sua correspondência. Em outra carta escrita na mesma época,
Tocqueville expressa algumas das mesmas idéias numa maneira ainda mais inflexível. O
cristianismo, escreveu ele para Albert de Broglie, tem enfatizado desde o princípio de sua
história a virtude pública, de forma que, ao mesmo tempo em que os indivíduos se aperfeiçoam,
pouca influência tem exercido no progresso da sociedade 86. O resultado foi uma diminuição da
virtude pública. Por que isso deve ser assim, já que o Evangelho é a base de toda a moral,
pública e privada?87 Se essa carta for comparada com a correspondência de 1843 com Gobineau
, diferenças significativas são notadas. Enquanto nas cartas a Gobineau Tocqueville menciona a
fraqueza do cristianismo em relação à moral pública, ele não vê a situação como irreparável. De
fato, ele dá os créditos ao cristianismo por introduzir a idéia de bem-estar social na moral
pública. Por outro lado, na carta a Broglie, há amargura e desesperança no tom de Tocqueville
ao descrever como o cristianismo falhou em incentivar o desenvolvimento da cidadania: uma
evidência modesta, mas vívida, do efeito do regime Napoleônico sobre suas idéias e
sentimentos.

Ele afirma categoricamente nessa carta que não poderia aceitar a visão segundo a qual
submissão total ao poder soberano era necessária à moral pública cristã. Dar a César o que é de
César não é uma regra suficiente “sans examiner quel est César et quel est le droit et La limite
de sa créance sur nous.” 88 O bom cidadão, portanto, deve manter uma atitude crítica em relação
à autoridade governamental, e, utilizando-se das normas derivadas da religião, ele pode recusar
obedecer uma autoridade que, ela mesma, não segue tais normas.

Mas e o requisito que Tocqueville faz de que o clero católico participe dos assuntos
políticos da França e ensine a moral pública? Para Mme Swetchine, isso lembrava a aliança
entre política e religião do antigo regime, e, ciente das conseqüências desastrosas que se
seguiram, ela era contra essa idéia. Mas Tocqueville era também contra transformar a religião
num instrumento de qualquer governo ou doutrina política. Ele via o clero francês como um
corpo forte, independente, preso à nação por laços de sentimento e interesse, totalmente
separado do Estado89. As várias seitas inglesas e a religião nos Estados Unidos provavam que
isso era viável. Seria isso possível, entretanto, mesmo que remotamente, na França do século
XIX? A Igreja, ainda não preparada para abandonar definitivamente suas idéias tradicionais, era
olhada com suspeita por uma sociedade que tendia a exagerar a ameaça de uma dominação
católica. Forçados a uma posição defensiva, não é surpreendente que alguns católicos liberais,
como Mme Swetchine, concluíssem que a completa remoção dos clérigos dos assuntos públicos
era indispensável para a sobrevivência da fé na França.

Somente no século XX é que foi possível ao clero exercer liderança moral e política em
assuntos sociais sem que levantasse suspeitas. A crença de Tocqueville de que era tarefa do bom
católico aplicar sua ética à vida pública antecipou os movimentos sociais católicos, a
participação de católicos na Resistência, e, mais recentemente, a oposição de vários segmentos
da opinião católica francesa à guerra na Argélia. Ao discutir esse assunto, D. W. Brogan
menciona a “aceitação da idéia de que um cidadão cristão tem mais e diferentes deveres do que
aqueles que o Estado estipula90.” Essas palavras poderiam ter sido escritas por Tocqueville, tão
corretamente ecoam sua convicção que obediência ao poder secular não faz parte da moral
pública cristã.
Qualquer avaliação da religião como um componente da concepção de Tocqueville
sobre a cidadania deve levar em conta suas próprias atitudes religiosas. Apesar do fato de que
sua relação com o catolicismo romano permaneceu ambíguo durante sua vida adulta, não restam
dúvidas que ele ainda cria nos dogmas éticos e filosóficos fundamentais do cristianismo 91. Essa
crença é refletida, por exemplo, quando Tocqueville afirma categoricamente que o cristianismo
é a base de toda a ética, privada ou pública. Certamente o que ele quer dizer é que a ética cristã
deve ser a base de toda moral, já que ele afinal de contas não desconhecia a existência de outros
sistemas de valor, tanto passados quanto presentes92. Seu próprio comprometimento religioso o
levou a pensar especificamente em termos de cristianismo, e não apenas em termos de valores
emotivos que a religião em geral oferece e que poderiam ser úteis em estimular o espírito
público.

Como resultado, suas idéias que concernem religião e cidadania devem ser claramente
distinguidas daquela tradição, talvez mais bem representada por Rousseau, que estabeleceria
uma nova religião civil como base da cidadania. Assim como Rousseau, Tocqueville cria que a
religião deve produzir bons cidadãos, assim como bons homens, mas ele não concordava com a
afirmação de Rousseau de que o cristianismo era essencialmente incapaz de cumprir essa
missão, uma vez que desviava os homens das tarefas da cidadania. Ao contrário, Tocqueville
estava convencido de que a ética secular não poderia ser satisfatória, muito embora ela sugira
um idealismo bastante apaixonado e abnegado, pois essa ética careceria das restrições impostas
pelo cristianismo. Ele sabia que a ética secular do Iluminismo havia sido capaz de inspirar o
espírito público dos revolucionários de 1789, e ele era generoso em seus elogios e admiração a
eles93. Mesmo assim, sua conclusão é que “a falta de religião produziu um mal público imenso”
94
: todas as regras aceitáveis de comportamento haviam desaparecido, e essas condições
favoreceram a ascensão de um grupo de homens audaciosos e inescrupulosos, que não temiam
nem excessos nem inovações95. Em outras palavras, porque ele acreditava que 1789 havia sido a
causa de 1793, Tocqueville não podia aceitar o ideal de cidadania proclamado pela Declaração
dos direitos do Homem e do Cidadão. Tampouco indicava a menor simpatia por aquelas teorias
que reconheciam a utilidade do código de moral cristã e desejavam incorporá-lo a uma ética ou
filosofia da cidadania. Ele não defendia, por exemplo, a “filosofia oficial” de Victor Cousin, que
selecionou trechos úteis do cristianismo e de várias outras religiões e filósofos.

Foi só a partir da década de 1850, entretanto, que Tocqueville começou a realmente


insistir sobre o papel do cristianismo de encorajar o espírito público. Não houve uma mudança
radical em sua concepção nessa época, mas uma mudança na ênfase. Ele havia, afinal de contas,
sempre considerado implicitamente que “religião”, e o cristianismo, como a religião do
Ocidente, eram as fontes de todos os valores, públicos e privados. A cidadania era, em última
análise, a obrigação de enxergar que a nação se conduzia através de certos padrões éticos, e
Tocqueville cria, tanto como cristão quanto como sociólogo, que toda a moralidade era, ou
deveria ser, baseada na religião. O leitor se lembrará de sua satisfação ao perceber que os
americanos estavam cientes da necessidade de uma educação baseada na religião para que se
construíssem cidadãos bons e virtuosos. Mas as evidências apontam que até os anos 50 ele
tomava como natural que o cristianismo, como o conjunto de valores e normas prevalecente no
Ocidente, sustentasse o conceito de cidadania96. A existência do Segundo Império mostrou a
Tocqueville que isso não era o suficiente: a ética cristã não havia sido capaz de evitar uma
ditadura Napoleônica, seus conterrâneos não haviam aprendido a lição do interesse bem
compreendido, ao passo que a participação política havia sido erradicada. Portanto era preciso
que a religião como instituição organizada agisse; o clero católico, representante da forma mais
comum de cristianismo na França, deve conscientemente se incumbir da tarefa de reanimar o
espírito público. O uso explícito da religião organizada se então para Tocqueville um meio de se
atingir o objetivo de restabelecer a cidadania, o que se tornou necessário devido às condições
sociais e políticas da França durante a década de 1850.

Da mesma forma, sua ênfase na participação se devia ao fato de que ele a considerava
uma ferramenta para preservar a moral pública, uma ferramenta que era especialmente
importante devido às estruturas e “mœurs” da sociedade moderna. Conseqüentemente, a
observação de David Reisman de que “a visão de Tocqueville da atividade cívica como talvez o
principal negócio do homem educado e civilizado tem um estilo ateniense”97 deve ser vista com
ressalvas. Tocqueville de fato acreditava que a vida política era essencialmente dignificante, e
que a participação política por si eleva os homens de suas preocupações materiais do cotidiano.
Dessa forma, ele via a participação como uma maneira de se controlar a tenência ao
materialismo presente nas democracias. O envolvimento nos negócios públicos e a lealdade à
nação poderiam contrabalancear os efeitos corrosivos do individualismo egoísta. A participação
é portanto mais um mecanismo do que um objetivo, e Tocqueville considera a “atividade cívica”
como sendo fundamental para as sociedades modernas e democráticas por que, sem essa
atividade, o individualismo egoísta iria corroer os valores que ele mais estimava: liberdade
humana e dignidade. Em outras palavras, a participação se torna crucial sob certas
circunstâncias para que se possa manter uma ordem dentro da qual os homens possam tornar-se
“o anjo que se esconde na besta”, para usar a imagem de Tocqueville para a condição humana.

Tocqueville lidou com a idéia do interesse bem compreendido da mesma maneira.


Pessoalmente, ele era muito menos simpático à doutrina de Bentham do que à de participação, e
mesmo assim, devido à sua consciência das necessidades e propensões das sociedades
democráticas, ele transformou-a num dos alicerces do seu conceito de cidadania. Ele explicou
em uma carta que muito embora ele tivesse pessoalmente certo desdém por “esse materialismo
honesto”, isso era provavelmente tudo que se podia pedir aos homens em geral98. Esse “caminho
do meio” da moral, segundo Tocqueville certamente não o melhor ou mais nobre, só era
adequado a uma era democrática porque a maioria dos homens podia segui-lo. Afinal de contas,
“a maioria dos homens” governaria numa democracia: era portanto necessário encontrar algum
princípio o qual a maioria aceitasse e que assegurasse a existência da moral pública. Foi por isso
que Tocqueville não se “escandalizou”, para usar as palavras de Halévy, pela preponderância do
interesse bem compreendido na América: ele foi capaz de julgar, não segundo seus próprios
valores, mas em termos das necessidades de uma sociedade emergente. Agora se torna possível
responder as questões enunciadas anteriormente acerca da relação entre a ética de Tocqueville e
aquela do interesse bem compreendido. O que parece ser a presença de dois padrões de
julgamento incompatíveis se resolve com a distinção entre o “summum bonum” pessoal de
Tocqueville e o que pode ser chamado de “seus valores secundários”: aquelas idéias e
instituições que tornariam a democracia aceitável99.

Se segue, portanto, que as formas de se sustentar a cidadania, sejam elas a participação,


interesse bem compreendido, cristianismo organizado ou mesmo uma política de aventuras
militares, estavam sujeitas a mudanças parciais ou totais dependendo das circunstâncias
políticas. Essa flexibilidade era entretanto aplicável somente aos meios, já que o fim – estimular
e manter a cidadania – permanece constante apesar de qualquer mudança social ou política.
Aqui talvez se encontre o esforço clássico do pensamento de Tocqueville: sua convicção de que
não poderia haver nenhuma separação entre as esferas pública e provada. Pois, mesmo ele não
tendo chegado a acreditar que a ordem política por si mesma poderia tornar os homens bons, ele
estava mesmo assim ciente de que a falta de moral pública corrompe o ambiente no qual o
homem vive, destruindo por fim a moral privada.

Para ele, o problema crucial era como imbuir o espírito público num grande número de
pessoas. Nas repúblicas antigas, a cidadania havia sido orgulhosamente possuída por um grupo
relativamente pequeno, numa área relativamente pequena. Na Idade Média, era novamente um
grupo pequeno, a aristocracia, que se caracterizava pelo amor ao país. Na sociedade
democrática moderna, entretanto, não há aristocracia com patriotismo instintivo e
desinteressado. A virtude cívica deve incorporar elementos que complementam aqueles da
nação na qual ela existirá. Que ela deve existir, que ela deve ser trazida à existência, através de
qualquer aparato ideológico ou institucional disponível, é tanto o âmago do conceito de
cidadania de Tocqueville quanto um dos temas mais importantes de sua filosofia política. Sem
virtude cívica, o futuro das democracias modernas seria negro, ao passo que sua presença abriria
caminho para uma sociedade boa.
Notas
1
Para um exemplo, veja George W. Pierson, Tocqueville and Beaumont in America (New
York, 1938); Edward T. Gargan, Alexis de Tocqueville: the Critical Years 1848-1851 (Washington,
1955); Richard Herr, Tocqueville and the Old Regime (Princeton, 1962).
2

Alexis de Tocqueville, Œuvres complètes, Ed. J.-P. Mayer, 5. Voyages em Sicile et aux États-
Unis (Paris, 1957), Pt. 1: pg. 234. A menos que seja especificado de outra forma, todas as
referências à Œuvres complètes são da edição de Mayer.
3

Franz Neumann, “Montesquieu” in The Democratic and the Autoritharian State (Glencoe,
1957), pg. 124.
4

Tocqueville, op. cit., pgs. 234-235.


5

Idem, pg. 278 e pgs. 234-235.


6

Yale Tocqueville Mss., C. V. e (Paquet No. 17, pg. 67). Doravante essa coleção será referida
simplesmente como Y. T. Mss. Gostaria de expressar meu contentamento com Professor George W.
Pierson, pelo privilégio de usar a Yale Tocqueville Collection, que é guardada na Biblioteca da
Universidade de Yale.
7
Idem.
8

Raymond Aron, “Idées Politiques et vision historique de Tocqueville”, Revue Française de


Sciences Politiques, Setembro de 1960: 517
9
Tocqueville, op. cit. pg. 85.
10

Idem, e também pgs. 221 e 230


11

Idem, pgs. 86, 99, 101-102, 207, 231 : Tocqueville, Œuvres completes 1. De La Démocratie
en Amérique (Paris, 1951), Pt. 1: pgs. 41-43, 301-308 : PT. 2: 149 – 153, 345. Veja também Pierson,
op. cit. pgs. 722 e 753.
12
É válido observar que caso Tocqueville tivesse analisado as realizações das várias
religiões organizadas em promover a cidadania nos Estados Unidos, ele teria que admitir o que
tantos informantes americanos já haviam dito: que era o protestantismo a fonte e a garantia da
democracia americana. Sou grata ao Professor Pierson por me chamar a atenção para a questão
de quão bem sucedido foi Tocqueville em sua avaliação dos méritos sociais e políticos, dentro de
uma sociedade democrática, tanto católica quanto protestante. Esse é um dos problemas que
espero esclarecer, numa monografia prospectiva acerca do papel da religião no pensamento de
Tocqueville.
13
As fontes desse ponto de vista, assim como sua relação com a filosofia da história de
Tocqueville, permanecem sem um estudo sistemático. Qualquer análise adequada deveria medir a
importância da influência cristã, particularmente a de Bossuet em oposição à de Guizot e dos
Doctrinaires.
14
Tocqueville, Œuvres completes 1. De La Démocratie en Amérique, Pt. 1: pgs. 245 – 248.
15
Y. T. Mss., A. VI (De Tocqueville para Charles Stoffels, 21 de abril de 1830). A principal
importância dessa carta é a confissão de Tocqueville de que, após haver comparado as qualidades
boas e ruins das nações civilizadas e não-civilizadas, “prefiro o último estado ao primeiro.” Em
outras palavras, ele admitia que a civilização moderna era preferível, muito embora ele mencione
o “reino do egoísmo ” e a perda das “grandes ações” e do”entusiasmo” que ele tanto admirava.
16

Por exemplo, a defesa da separação entre Igreja e Estado, mesmo que certamente
intensificada pela experiência na América, é já evidente na carta a Stoffels mencionada acima. O
fato de ele ser membro da “Société de la morale chrétienne” durante a Restauração é uma
evidência extra de que ele havia se tornado partidário da separação muito antes de sua viagem à
América. Para as idéias mais ou menos liberais e a filiação à “Société”, veja Frederick B. Artz,
France under the Bourbon Restoration (Cambridge, 1931), pg. 99 e Charles Pouthas, Guizot
pendant la Restauration (Paris, 1923), pg. 342 -349. Para uma avaliação da relação entre Igreja e
Estado durante a Restauração, veja G. de Bertier de Sauvigny, La Restauration (Paris, 1955), pgs.
437 – 441.
17
Tocqueville, Œuvres completes 5. Voyages en Sicile et aux États-Unis, Pt. 1: pg. 286
18
Tocqueville, Œuvres completes, 1. De la Démocracie en Amérique, Pt. 1: pg. 247. No que
era evidentemente o rascunho dessa passagem, Tocqueville foi ainda mais adiante, dizendo que
onde o exercício dos direitos políticos pode ser estendido a todos, “les développements de l’esprit
public sont presque sans bornes.” (Y. T. Mss. C. V. h. Paquet No. 3, Cahier 1, pg. 4.)
19
Tocqueville, op. cit., pgs. 245 – 247.
20
Idem, pgs. 253 – 255.
21
Idem, pgs. 65 – 67, 286 – 288.
22
Tocqueville, op. cit. Pt. 2: pgs. 105-106. Um artigo recente apontou a predominância
desse sentido pejorativo de “individualismo” durante os últimos anos da Restauração e da
Monarquia de Julho. (Konraad W. Swart, “Individualism in the Mid-Ninetenth Century.” Journal of
the History of Ideas 23. 1 [1962]: 78 – 85.)
23
Idem.
24
Seymour Martin Lipset, Political Man (New York, 1960), pg. 27
25
Tocqueville, op. cit., pg. 348
26
Idem, pg. 109.
27
Idem, pgs. 110-112.
28

Idem, pg. 109.


29
Uma carta a Kegorlay, de 10 de novembro de 1836, deixa claro que Tocqueville leu
Montesquieu, Rousseau e Pascal enquanto escrevia a Democracia. (Tocqueville, Œuvres
completes, Ed. G. de Beaumont, 5: pg. 338.
30
Herr, op. cit. , pgs. 48-49, 66. Longe de reconhecer a influência de Aristóteles no
desenvolvimento dessa idéia, ou mesmo de qualquer aspecto de sua teoria política, Tocqueville
insistia que Aristóteles era “muito antigo” e que não havia nada a se aprender com ele. (De
Tocqueville para Corcelle, 6 de Julho de 1836, op. cit., edição de Beaumont, 6: pg. 63.) A razão
dessa atitude desdenhosa é provavelmente dupla: Tocqueville havia se submetido
inconscientemente à influência de Aristóteles devido à sua familiaridade com Montesquieu, de
forma que quando ele leu Aristóteles, de fato pouco havia de novo para ele. Além disso, e
provavelmente mais importante, o temperamento de Tocqueville não o faria aprovar o que ele
consideraria as maneiras secas e rasteiras de Aristóteles. Ele se sentia mais atraído por Platão,
devido a seu fervor espiritual e idealismo. (De Tocqueville para Kergolay, 8 de agosto de 1838, op.
cit., edição de Beaumont, 5: pg. 357.) Essas considerações podem sugerir esboços para a resposta
do que Mary Lawlor chama de “outro problema de Tocqueville.” (Mary Lawlor, Alexis de Tocqueville
in the Chamber of Deputies [Washington, 1959], pg. 27.
31
Tocqueville, Œuvres complètes 9. Correspondence d’Alexis de Tocqueville et d’Arthur de
Gobineau (Paris, 1959). pgs. 43-75
32
Antoine Redier, Comme disait M. de Tocqueville (Paris, 1925), pg. 287, que cita carta não
publicada de 26 de fevereiro de 1857 para Mme. Swetchine : Pierson, op. cit,. pgs. 17-25.
Aparentemente, já em 1822 o interesse de Tocqueville em idéias liberais era já evidente o
suficiente para preocupar seu tutor, o Abade Lesueur, que o advertiu a não se deixar infectar pelo
“espírito do século” e a evitar más companhias e maus livros. (Y. T. Mss. A. IV [De Lesueur para
Tocqueville, 16 de julho de 1822])
33
Élie Halévy, History of the English People in the Nineteenth Century 4. “Victorian Years”
(Londres, 1951), pg. 406. Gostaria de agradecer Melvin Richter por ter me chamado a atenção
para essa passagem.
34
Léon d’Estresse de Lanzac de Laborie, ‘’L’Amitié de Tocqueville et de Royer-Collard,”
Revue des Deux Mondes 58 (1930) : 899, que cita uma carta não publicada de 22 de junho de
1838 para Royer-Collard.
35
Y. T. Mss. C. V a (Paquet No. 8. p.7).
36
Veja especialmente Y. T. Mss. C. I c (Tocqueville, Correspondence and Conversations of
Alexis de Tocqueville with Nassau William Senior from 1834 to 1859 (Londres, 1872), 1: pg. 32 (De
Tocqueville para Senior, 25 de agosto de 1847). O discurso de Tocqueville para a Câmara em 18 de
janeiro de 1842 foi inteiramente dedicado à descrição da desmoralização política da França.
(Tocqueville, Œuvres complètes, edição de Beaumont, 9: pgs. 347-388). Veja também o discurso
de 28 de janeiro de 1843 no qual Tocqueville culpa o governo por sua política doméstica “sem
interesse, sem grandeza.” (Tocqueville, op. cit,. edição de Beaumont, 9: pg. 37.)
37
Tocqueville, Souvenirs, Ed. Luc Monnier (Paris, 1944). pg. 27.
38
Idem, pgs. 26-27, 29-30.
39
Idem, pgs. 29-30
40
Idem, pg. 34. O texto completo desse discurso pode ser encontrado em Tocqueville,
Œuvres complètes, edição de Beaumont, 9: pgs. 520-535. Quase uma década antes Tocqueville
havia alertado que a caça a cargos desordenada ou, mais delicadamente, o desejo por empregos
públicos, não apenas destruía a moral pública como incitava a revolução. Tocqueville, op. cit., 1.
De la Démocratie en Amérique, Pt. 2: pg. 257.) Em um discurso à Câmara em 18 de janeiro de
1842, ele disse que a principal causa da desmoralização política era “la passion croissante
illimitée, déreglée des places.” (Tocqueville, op. cit., edição de Beaumont, 9: pg. 379.)
41
Tocqueville, Souvenirs, pg. 34.
42
Para as várias reuniões do partido durante os últimos anos da Monarquia de Julho, e a
relação de Tocqueville com eles, veja S. Charléty, Le Monarchie de Juillet (Paris, 1921), pgs. 314-
321, 344-347 (in Histoire de France contemporaine, Ed. E. Lavisse, 5) : Félix Ponteil, La Monarchie
parlamentaire (Paris, 1949), pgs. 185-187; Georges Well, La France sous la Monarchie
constitutionelle (Paris, 1912), pgs. 67-70.
43
Melvin Richter, “Tocqueville on Algeria,” Review of Politics, 25, 3 (1963) : 383. Esse ponto
de vista é mais que sugerido na Democracia, quando, ao discutir a guerra nas sociedades
democráticas, ele escreveu que “Il y a des cases où seul elle (war) peut arrêter le développement
excessif de certains penchants que fait naturellement naitre l’egalité, et où il faut la considérer
comme nécessaire à certaines maladies invétérées auxquelles les societés démocratiques sont
sujettes.” (Tocqueville, Œuvres complètes 1. De la Démocratie en Amérique, Pt. 2: pg. 274.)
Claramente, Tocqueville acreditava que a França havia sido vítima dessas “propensões e doenças
”, o individualismo egoísta e o materialismo.
44
Tocqueville, Œuvres complètes, 6. Correspondence anglaise (Paris, 1954), Pt. 1: pg. 336.
Veja também De Tocqueville para Mill, 18 de outubro de 1840, op. cit., pgs. 330-331; De Mill para
Tocqueville, 30 de dezembro de 1840, op. cit., pg. 333; e especialmente De Mill para Tocqueville, 9
de agosto de 1842, op. cit. pgs. 337-338, na qual Mill demonstra simpatia e compreensão à
posição de Tocqueville, mas ainda assim mostra, com muito tato e delicadeza, que seria bom que
um homem da estatura de Tocqueville ensinasse a seus compatriotas um conceito de espírito
público diferente, menos agressivo.
45
Lawlor, op. cit., pgs.67-99.
46
Roland Pierre Marcel, Essai politique sur Alexis de Tocqueville (Paris, 1910), pg. 408
47
Tocqueville, Œuvres complètes, 3. Écrits et Discours politiques (Paris, 1962), Pt. 1, pg. 84.
Para Tocqueville e Argélia, veja, além de Richter, op. cit., pgs. 362-398, André Jardin, “Tocqueville
et l’Algérie.” Revue des Travaux de l’Académie des sciences morales et politiques, 4e serie, 1962
(1er semestre) : 61-74.
48
Richter, op. cit., pgs. 381-384.
49
Em uma biografia recente de Sainte-Beuve, A. G. Lehmann menciona Tocqueville como
um freqüentador dos salões tanto de Mme. Récarmier quanto de uma inglesa, Mary Clarke. Sua
lista daqueles que também freqüentavam esses salões deixa claro que Tocqueville deve ter
conhecido, ou pelo menos ter tido a oportunidade de conhecer, algumas das mais importantes
figuras da vida intelectual e artística francesa. (A. G. Lehmann, Sainte-Beuve [Oxfor, 1962], pgs.
178-190.)
50
Tocqueville, Souvenirs, pg. 134. A atitude de Chateaubriand é descrita em Lehmann, op.
cit., pg. 191.
51
Tocqueville, Souvenirs, pg. 134.
52

Um artigo recente menciona a falta de entendimento, por parte de Tocqueville, do papel da


burguesia na França do século XIX, e do conseqüente “ar de fantasia” em seus escritos, quando
ele discorre acerca da Revolução Industrial e do capitalismo. (Luis Diez Del Corral, “Tocqueville et
la pensée politique des Doctrinaires,” in Alexis de Tocqueville: Livre Du Centenaire [Paris, 1960],
pgs. 65-66.)
53
Karl Mannheim, Essays on Sociology and Social Psychology (New York, 1953), pgs. 74-
164.
54
Tocqueville, Œuvres complètes 2. L’Ancien Régime et la Révolution (Paris, 1952), Pt. 1:
pgs. 207-208: Pt. 2: pgs. 133-134.
55
É interessante o fato de que existe uma passagem na qual o próprio Tocqueville confirma
essa hipótese: “Nous sommes souvent injustes envers notre temps. Nos pères ont vu des choses
si extraordinaires, que, mises en regard de leurs oeuvres, toutes les oeuvres des nos
contemporaines semblent communes.” (Tocqueville, op. cit. 3. Écrits et Discours politiques, Pt. 1:
pg. 79.)
56
Tocqueville, op. cit., 9. Correspondence d’Alexis de Tocqueville et d’Arthur de Gobineau,
pgs. 45-69.
57
Idem, pg. 46 (De Tocqueville para Gobineau, 5 de setembro de 1843).
58
Idem, pg. 47.
59

Idem.
60
Tocqueville, Œuvres complètes, edição de Beaumont, 9. pgs. 551-552 (“Discours sur la
droit du travail”, 12 de setembro de 1848).
61
Idem, pg. 551. Veja Gargan, op. cit., para detalhes de sua descrição da atitude de
Tocqueville frente às reformas sociais e políticas de 1848.
62
Tocqueville, Souvenirs, pg. 108.
63
Redier, op. cit.,pg. 223, citando uma carta não publicada de 24 de novembro de 1852
para Lamoricière.
64
As razões para o fatalismo e desesperança que são característicos do Antigo Regime
foram recentemente analisadas por Richard Herr. (Herr, op. cit., especialmente os capítulos 7 e 8.)
65
Tocqueville, Œuvres complètes 2. L’Ancien Régime et la Révolution, Pt. 1: pg. 75.
66
Herr, op. cit., especialmente capítulos 7-10.
67
Tocqueville, Œuvres complètes 2. L’Ancien Régime et la Révolution, Pt. 1: pgs. 170-173.
68
Tocqueville, op. cit., edição de Beaumont, 6: pg. 228. (De Tocqueville para Corcelle, 17 de
setembro de 1853); pg. 280, (De Tocqueville para Corcelle, 15 de novembro de 1854); 7:pg. 294
(De Tocqueville para Montalembert, 1 de dezembro de 1852); pg. 492 (De Tocqueville para
Monseigneur, 4 de março de 1858).
69
Tocqueville, op. cit. 2. L’Ancien Régime et la Révolution, Pt. 1: pg. 170.
70
Idem, pg. 171.
71
Idem. Lammenais acreditava também que a posse de terras acarretaria uma atitude mais
independente por parte do clero, e era por essa razão que a defendia.
72
Idem.
73
Idem, pg. 172.
74
Sophie Swetchine (1782 – 1857) era uma devota russa convertida ao catolicismo romano.
Ela se estabeleceu em Paris em 1825, e seu salão se tornou um centro de discussão e atividades
de católicos liberais. A correspondência de Tocqueville com Mme. Swetchine, apesar de limitada à
década de 1850, é rica em informações acerca das atitudes religiosas pessoais de Tocqueville. A
biografia padrão é a de Alfred de Falloux, Mme Swetchine, sa vie et ses oeuvres (Paris, 1860).
75
Sophie Swetchine, Lettres inédites , Ed. por Alfred de Falloux (Paris, 1866), pg. 455 (De
Mme. Swetchine para Tocqueville, 13 de agosto de 1856.)
76
Idem, pg. 461 (De Tocqueville para Mme Swetchine, 10 de setembro de 1856).
77
Idem
78
Idem, pg. 463 (De Mme Swetchine para Tocqueville, 26 de setembro de 1856).
79
Idem, pg. 464.
80
Idem.
81
Idem.
82
Idem, pgs. 466-467 (De Tocqueville para Mme Swetchine, 20 de outubro de 1856.)
83
Idem, pg. 467.
84
Idem, pg. 468.
85
Idem, pgs. 467-468.
86

Tocqueville, Œuvres complètes, edição de Beaumont, 6: pg. 323 (De Tocqueville para
Broglie, 20 de julho de 1856.)
87
Idem, pg. 324.
88

Idem, pg. 323.


89
Ao discutir o papel da religião, e particularmente do clero, em incentivar a reforma
penitenciária americana, Tocqueville havia especificamente apontado para o fato de o clero
francês estar impossibilitado de participar tão efetivamente em empreitadas filantrópicas devido
ao fato de que a longa união entre Igreja e Estado na França havia criado uma hostilidade mútua
entre o clero e a opinião pública. (Gustave de Beaumont e Alexis de Tocqueville, Du système
pénitentiaire aux États-Unis [Paris, 1833], pgs. 163-166.
90
D. W. Brogan, Citizenship Today (Chapel Hill, 1960), pgs. 70-71.
91
Doris S. Goldstein, “The Religious Beliefs of Alexis de Tocqueville”, French Historical
Studies 1. 4 (1960): pgs. 379- 393.
92
Uma leitura atenta das discussões religiosas de Tocqueville sugere que essa tendência a
intercalar atitudes pessoais com análises históricas e sociológicas é freqüente. Outra monografia
que lidasse com o papel da religião no pensamento de Tocqueville seria capaz de mostrar, por
exemplo, como isso influencia sua filosofia da história e seu julgamento acerca do hinduísmo e do
islamismo.
93
Tocqueville, Œuvres complètes 2. L’Ancien Régime et la Révolution, Pt. 1: pgs. 207-208.
94
Idem, pg. 208.
95
Idem.
96
Ao longo de seus escritos, Tocqueville define religião, e mesmo o cristianismo, de várias
formas: como uma atitude emocional, um sistema normativo ou uma igreja organizada. O
esclarecimento desses diferentes usos é essencial para um entendimento do tema religioso no
pensamento de Tocqueville.
97
David Riesman, “Tocqueville as Ethnographer”, The American Scholar 30, 2 (1961): 182.
98
Tocqueville, Œuvres complètes, edição de Beaumont, 5: pgs. 326-327 (De Tocqueville
para Kergolay, 5 de agosto de 1836).
99
Um estudo recente levou essa discussão mais longe, insistindo que o tratamento que
Tocqueville dá à doutrina do interesse próprio bem-compreendido mostra “seu desejo de recorrer
ao mito social, de aceitar que uma certa teoria deveria geralmente ser proposta não devido à sua
veracidade, mas à sua utilidade secundária.” (Jack Lively, The Social and Political Thought of
Alexis de Tocqueville [Oxford, 1961], pg. 199.) Isso parece um tanto extremado, uma vez que
Tocqueville acreditava ser possível assegurar a identidade dos interesses público e privado, de
forma que ele não defenderia deliberadamente o que acreditava ser um engano.

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