Vous êtes sur la page 1sur 2

Bispo Edir Macedo criou o Deus executivo

Cena de Von Helder chutando a imagem de Nossa Senhora é um emblema claro das loucuras
nacionais de hoje

Von Helder chuta e dá socos em Nossa Senhora. Mais que um sacrilégio, a imagem é de um infinito
poder de síntese. Parece uma bandeira do Brasil. Tem um fundo azul de nitidez insuportável. O
enquadramento é bom cinema, parece Godard: frontal, de corpo inteiro, de modo que vemos a
santa pequena à altura dos joelhos do bispo que chuta e dá murros. E a cena tem um detalhe
genial. A cada chute do bispo a câmera conta para close do rosto da Virgem, como se ela sofresse
na madeira escura, como se uma lágrima rolasse. E estão congeladas ali muitas contradições dos
tempos que correm. Von Helder é atualíssimo. É um mix de guarda de segurança com TFP, tem o
rosto idiota dos "serial killers". Seu gesto foi um incesto invertido: um matricídio. Tocou no
intocável. Ataca a mãe e, por decorrência, a "pátria amada". Ele ataca o misticismo brasileiro "inútil"
da Nossa Senhora preta do fundo do rio. Quis ser "moderno" e gritava: "Ela não funciona!". É uma
luta pelo mercado. Parece guerra de anunciantes em que uma marca de carro destitui a outra de
valor: "Não funciona! Ela é feia, preta, ela não tem valor de mercado. Ela só serve para atrapalhar
os negócios com antigas superstições". É impressionante a quantidade de crimes que esta cena
gráfica condensa. Ele fez a metáfora que mostra a verdade da sua seita de charlatães. Ele denunciou
a si próprio. Ele foi um ato falho. A imagem é uma mulher. Ele um homem. Ele é grande, ela é
pequena. Ela é preta, ele é branco. Ele bate nela porque ela, com o charme desorientador de sua
santidade, afasta os fiéis da sua igreja e, mais que isso, ela promete um mundo de paraísos
abstratos, longe de uma "igreja de mercado". Ela tem dois mil anos. Ele é neoliberal. Ela foi feita de
séculos de loucuras por uma felicidade sonhada. Daí sua aura. Ele não. Ele é um despachante da fé.
Edir e Helder são a religião populista contra as religiões populares. São contra as místicas do
milênio, contra a beleza da loucura. Só lhes interessa o comércio da loucura. A Igreja Universal é
contra o misticismo como poética do nosso desamparo. Querem acabar com a luz e sombra dos
templos, querem acender a luz de neon dos supermercados. Toda a beleza das religiões é
exterminada. Odeiam as religiões afro-brasileiras Nossa Senhora da Aparecida é Oxum no
candomblé. Edir e Helder odeiam o candomblé porque ele condensa o amor negro do povo e celebra
o infinito em lindos rituais de cachoeiras e florestas. A Igreja Universal é contra o Inconsciente.
Diferentemente dos babalaôs, dos bonzos, dos monges, os bispos da Universal odeiam os mistérios.
É estranho, uma religião que busca exterminar o sonho: "Não funciona! É mentira! Não há Oxum,
não há santos, não há anjos!". Só toleram o Diabo, porque ele é útil nos rituais. O Diabo é o símbolo
dos concorrentes. Se pudessem, os bispos da Universal acabariam também com a idéia de Deus, por
ser muito abstrata. Ficariam só com Edir Macedo.

Papas Ateus

Ao contrário dos chefes religiosos que acreditam nos mistérios que propagam, Edir e os cardeais da
Igreja Universal não acreditam em Deus. Isto é visível nos rituais de exorcismo da TV. Milhares
acreditando e só os pastores de cabeça fria. O mistério não é comercial. É uma religião de
resultados. Não promete nada no Além, como os católicos. Trata-se de pagar para não sofrer mais
aqui. Promete o quê? Promete um paraíso de classe média, de terno e gravata. "Se você,
desgraçado, aleijado, pagar o dízimo, você deixará de ser um excluído!" Por isso, o mercado-alvo da
Universal é o "lúmpen", o sub-cão, o pó-de-mico. Não propõem nem o paraíso, nem o sexualizado
mundo da floresta africana; prometem o "shopping center". Daí seu sucesso. Mais que tudo, o
mundo de hoje odeia a transcendência. Não há nada além do visível. É isso que Helder
chuta. Há igrejas evangélicas que são legais. Muitos convertidos até melhoram. Param de beber e
bater nas mulheres. Muitos evangélicos têm amor aos rebanhos. No caso de Edir, não. Não há
carinho, nem desejo de ajudar ninguém. Tudo é mentira. Não há nem a caridade do pastor que
acredita na própria fé. Isto é que choca: a crueza do extremo egoísmo no uso da miséria. Quem não
viu os rituais de exorcismo na TV não sabe o que está perdendo. É uma visão do inferno que virá. É
uma visão dos futuros e inevitáveis extermínios em massa. Centenas de miseráveis que não têm
mais nada, sendo espoliados por outros miseráveis, os obreiros, que podem subir para "pastores" e
talvez a "bispos", numa pirâmide invertida de horrores, como pilhas de frutas podres no lixo da rua.
O demônio se apossa em massa dos desgraçados que são, então, "expurgados" de si mesmos. Isso.
Os pobres vão ali para serem exorcizados da própria miséria. Eles são lavados de si mesmos como
num campo de concentração. Os pastores gritam: "Queima! Queima!", como se estivessem
queimando o diabo. Mas, são os pobres diabos que querem se extirpar da miséria deste mundo. O
miserável dá dinheiro em público em grandes sacos e se sente menos miserável. Quem dá, é porque
tem. Logo, o pobre se sente menos pobre, dando. O rico é que pede esmola ao miserável. Quem
pede a esmola é o dono da TV, dos rádios. Quem paga é quem não tem grande metáfora
concentrada de nossa pirâmide social perversa. Como o Brasil.

O diabo é o povo

Não é verdade que a Igreja Universal não tenha imagens. Tem. A cena da TV foi de uma imagem
viva batendo na outra. Uma imagem atacando a outra. Ou melhor, Von Helder é uma imagem da
imagem. Repare que o bispo Macedo é uma espécie de Deus-Pai, e que todos os outros pastores
foram criados à sua imagem e semelhança. Todos copiam o "style" Macedo: terno, gravata,
raspadinhos, limpinhos. É isto que eles prometem aos miseráveis: "Se vocês pagarem, serão
transformados em nós. Limpinhos poderão ir ao paraíso da burguesia". Mas, Edir também é a
imagem de uma imagem. De quem? Ele é o Deus de gravata, ele é um Papa-executivo, tem algo
que Billy Graham, de Chirac, algo de Collor, de Quércia, até mesmo de um Lair Ribeiro. São os ídolos
da caretice impecável. Edir cópia a imagem do "clean wasp" americano. O modelo de Edir é o ideal
americano de gente limpa, assim se vestem os diretores saxões das corporações, com a indefectível
canetinha no bolso. Assim, temos tudo. Deus e o diabo na terra virtual. Deus usa gravata. Deus é o
executivo. É o diabo é quem? O diabo é o povo. Antonio Conselheiro era louco. O bispo Macedo não
é louco. Edir é um profeta do futuro mercadológico. Este imenso mundo de excluídos também será
um "emerging market", o "lúmpen market". O que vender a eles? O nada. Eles pagam com seus
últimos centavos. Edir prova que a exploração não tem fundo; dá para roubar mais sempre, dá para
extrair até o sangue dos cadáveres. O pobre paga por si mesmo. Ele é a própria mercadoria. Zero de
custo operacional. Será que os americanos já calcularam isso? De tostão em tostão, se faz um
milhão. "Good business", vender o nada para o Zaire, para o Sudão, para o Piauí. Vender o quê? Edir
neste ponto é um grande empresário: descobriu o reciclamento do lixo humano. Manda para o
mundo inteiro um belo produto de nossa exportação. Este o grande milagre de Edir: transforma
merda em ouro. Ele próspera na miséria. Ele é a favor da injustiça social.

Vous aimerez peut-être aussi