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INTRODUÇÃO

Um dos mais belos romances da nossa literatura romântica, Iracema é considerado


por muitos “um poema em prosa”. A trágica história da bela índia apaixonada pelo
guerreiro branco é contada por José de Alencar com o ritmo e a força de imagens
próprios da poesia.
Em Iracema, José de Alencar construiu uma alegoria perfeita do processo de
colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores portugueses e europeus em
geral. O nome Iracema é uma anagrama da palavra América. O nome de seu amado
Martim remete ao deus greco-romano Marte, o deus da guerra e da destruição.
O autor demonstra, já a partir do título, um evidente trabalho de construção de uma
linguagem e de um estilo que possam melhor representar, para o leitor, “a singeleza
primitiva da língua bárbara”, com “termos e frases que pareçam naturais na boca do
selvagem”.
O livro foi publicado em 1865 e, em pouco tempo, agradou tanto aos leitores quanto
aos críticos literários, a começar pelo jovem Machado de Assis, então com 27 anos, que
escreveu sobre Iracema no Diário do Rio de Janeiro, em 1866:
“Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com
sentimento e consciência… Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao
tempo, e dão plena fiança do futuro…Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema
lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro
chamar-lhe-á obra-prima.”

A LENDA E A HISTÓRIA

O livro, subtitulado Lenda do Ceará, conta a triste história de amor entre a índia
tabajara Iracema, a virgem dos lábios de mel e Martim, primeiro colonizador português
do Ceará. Além disso, como resume Machado de Assis, o assunto do livro é também a
história da fundação do Ceará e o ódio de duas nações inimigas (tabajaras e pitiguaras).
Os pitiguaras habitavam o litoral cearense e eram amigos dos portugueses. Os tabajaras
viviam no interior e eram aliados dos franceses.
José de Alencar recorreu a circunstâncias históricas, como a rixa entre os índios
tabajaras e pitiguaras e utilizou personagens reais, como Martim Soares Moreno e o
índio Poti, que depois viria a adotar o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Mas
cercou-os de uma fértil imaginação e de um lirismo próprios da poesia romântica.

A heroína idealizada

Iracema é filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e deve manter-se virgem porque
“guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a
bebida de Tupã”. Um dia, Iracema encontra, na floresta, Martim, que se perdera de Poti,
amigo e guerreiro pitiguara com quem havia saído para caçar e agora andava errante
pelo território dos inimigos tabajaras. Iracema leva Martim para a cabana de Araquém,
que abriga o estrangeiro: para os indígenas, o hóspede é sagrado.
O momento em que Martim encontra Iracema revela a idealização romântica em seu
grau mais elevado:

“Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu,
onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal
roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo
a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia
silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os
pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que
corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas
de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto
agreste
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos
ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha
matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da
juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol
não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não
algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar;
nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe
o corpo.”

Note-se que o narrador seguidas vezes compara Iracema à natureza exuberante do


Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e mais longos,
seu sorriso mais doce, seu hálito mais perfumado, seus pés mais rápidos.
Iracema é apresentada por um narrador que, embora se apresente na terceira pessoa, é
claramente emotivo e apaixonado. Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita das
maravilhas da natureza cearense, brasileira e americana. Iracema é muito mais do que
uma mulher. Não anda, flutua. Toda a natureza rende-lhe homenagem: da acácia
silvestre aos pássaros, como o sabiá e a ará. A heroína é o próprio espírito harmonioso
da floresta virgem.

A harmonia rompida

O narrador deixa clara a ruptura nesse harmoniosa relação de Iracema com o seu
meio ao apresentar o surgimento de Martim: "Rumor suspeito quebra a doce harmonia
da sesta". A vista de Iracema perturba-se, impossibilitada de decodificar essa estranha
aparição de uma etnia que lhe é desconhecida.
José de Alencar retrata, assim, o processo de estranhamento e fascínio mútuo que
dominou o encontro dos dois povos. Começavam a se conhecer, sem sequer suspeitar as
trágicas conseqüências do encontro para os indígenas.

A sedução

Enquanto esperam a volta de Caubi, o irmão de Iracema que reconduziria o guerreiro


branco às terras pitiguaras, Iracema se apaixona por Martim, mas não pode se entregar a
ele, porque, como afirma o Pajé, “se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de
seu corpo, ela morrerá…” Uma noite, Martim pede à Iracema o vinho de Tupã, já que
não está conseguindo resistir aos encantos da virgem. O vinho, que provoca
alucinações, permitiria que ele, em sua imaginação, possuísse a jovem índia como se
fosse realidade. Iracema lhe dá a bebida e, enquanto ele imagina estar sonhando,
Iracema “torna-se sua esposa”.
É muito importante notar o valor alegórico dessa passagem. Ao “possuir” Iracema,
Martim está inconsciente, completamente seduzido e inebriado. Esse gesto há de
provocar a destruição da virgem, assim como a invasão do Brasil pelos portugueses há
de provocar a destruição da floresta virgem americana. No entanto, assim como Martim
não tinha qualquer intenção de provocar a morte de sua amada – o faz por paixão – os
destruidores da natureza brasileira o fizeram de forma inconsciente e inconseqüente. A
consciência ecológica de Alencar vai muito além da ingênua defesa das nossas matas:
percebe com clareza o seu processo de destruição.

O conflito

Martim é ameaçado pelo enciumado chefe guerreiro Irapuã, que quer invadir a
cabana de Araquém e matá-lo. Apesar da advertência de Araquém de que Tupã puniria
quem machucasse seu hóspede, os guerreiros de Irapuã cercam a cabana, que é
protegida por Caubi.
Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos tabajaras e deseja salvar o
amigo. Planejam, então, a fuga de Martim. Durante a preparação dos guerreiros
tabajaras para a guerra com os pitiguaras, Iracema lhes serve o vinho da jurema e,
enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim e Poti para longe da aldeia. Quando já
estão em terras pitiguaras, Iracema revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve
acompanhá-lo. Entretanto, os tabajaras descobrem que Iracema traíra “o segredo da
jurema” e perseguem os fugitivos. Os pitiguaras, avisados da invasão dos tabajaras,
juntam-se aos fugitivos e é travado um sangrento combate. Iracema luta ao lado de
Martim contra a sua tribo.Os pitiguaras ganham a luta e Iracema se entristece pela morte
dos seus irmãos tabajaras.

O exílio

Iracema acompanha Martim e Poti e passa a morar com eles no litoral. Durante algum
tempo, eles são muito felizes, e a alegria se completa com a gravidez de Iracema.
Porém, Martim acaba por “saturar-se de felicidade” e seu interesse pela esposa e pela
vida ao seu lado começa a esfriar. Iracema se ressente da frieza do marido e sofre.
Martim se ausenta com freqüência em caçadas e batalhas contra os inimigos dos
pitiguaras. Enquanto guerreia, nasce seu filho, que Iracema chama de Moacir, que
significa “nascido do meu sofrimento, da minha dor”.
Iracema dá ao filho o nome indígena correspondente ao nome hebraico Benoni, que
também significa “filho de minha dor”. Este é o nome dado por Raquel, mulher do
patriarca bíblico Jacó, ao seu último filho. Raquel morre depois de dar à luz. Mas Jacó
muda o nome do menino para Benjamim. Os filhos de Jacó dão origem às tribos que
formarão a nação Israel, assim como o filho de Iracema representa o início de uma
nação.
Solitária e saudosa, Iracema tem dificuldade para amamentar o filho e quase não
come. Desfalece de tristeza. Martim fica longe de Iracema durante oito luas (oito meses)
e, quando volta, encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega o filho a Martim, deita-
se na rede e morre, consumida pela dor. Poti e Martim enterram-na ao pé do coqueiro, à
beira do rio. Segundo Poti: “quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará
que é tua voz que fala entre seus cabelos.”
O lugar onde viveram e o rio em que nascera o coqueiro vieram a ser chamados, um
dia, pelo nome de Ceará.
Martim partiu das praias do Ceará levando o filho. Alencar comenta: “O primeiro
cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de
uma raça?”
O guerreiro branco volta alguns anos depois, acompanhado de outros brancos,
inclusive um sacerdote “para plantar a cruz na terra selvagem”. Começa a colonização
e a narrativa termina: “Tudo passa sobre a terra.”

O NARRADOR

O romance é narrado na terceira pessoa, mas o narrador está longe de se manter


neutro e mero observador. Abundam os adjetivos reveladores de admiração,
principalmente em referência à natureza brasileira e à Iracema. Em alguns momentos o
narrador arrebatado chega a revelar-se na primeira pessoa: “O sentimento que ele pôs
nos olhos e no rosto, não o sei eu.”
Tais arroubos justificam-se pela colocação, no início da obra, de que essa é "uma
história que me contaram nas lindas vargem onde nasci". Assim, Alencar justifica a
intromissão da voz na primeira pessoa em uma obra narrada na terceira.

O INDIANISMO

O índio começou a ser adotado como tema literário no Brasil pelos árcades,
principalmente Basílio da Gama – que via o índio como “homem natural”, e Santa Rita
Durão – para quem o índio era apenas o “comedor de carne humana, que só o
Cristianismo salvaria”.

A busca de uma “poesia americana”

Já no Romantismo, o culto do passado e o nacionalismo literário permitiram aos


escritores cultivarem a chamada “poesia americana”, que se valia da natureza, da
História, de cenas e de costumes nacionais, fórmula em que o Indianismo se adequava
perfeitamente.
Os escritores mais expressivos do Indianismo, nesse período, foram, na poesia,
Gonçalves Dias, com poemas como I-Juca Pirama, Marabá e Leito de Folhas Verdes e,
na prosa, José de Alencar, com romances como O Guarani, Iracema e Ubirajara.
A corrente indianista foi muito prestigiada e vários poetas tentaram escrever o
“poema americano” por excelência, como Gonçalves de Magalhães com o seu poema
longo A Confederação dos Tamoios, que originou uma célebre polêmica, em que até o
Imperador participou.

A polêmica

Alencar foi o protagonista, em 1856, dessa polêmica acalorada sobre o papel do


índio na literatura brasileira. O introdutor do romantismo entre nós, o poeta Gonçalves
de Magalhães, acabara de publicar um poema épico com temática indianista. Amigo do
imperador Dom Pedro II, Magalhães era, de certa forma, o “poeta oficial” do Brasil
naquele momento.
Em uma série de cartas assinadas com o pseudônimo de Ig., Alencar critica o
artificialismo do tratamento do índio dado por Gonçalves de Magalhães que, segundo
ele, “não está à altura do assunto”.
Saem, em defesa do poeta, vários amigos seus, entre eles o próprio imperador Dom
Pedro II. A polêmica se desdobra do início de junho ao final de outubro de 1856.
Podemos mesmo perceber, em alguns pontos das cartas, que Alencar já pensava em
abordar a temática nos seus futuros escritos, associando-a ao elogio da terra brasileira:

“Digo-o por mim: se algum dia fosse poeta, e quisesse cantar a minha terra e suas
belezas, se quisesse compor um poema nacional, pediria a Deus que me fizesse
esquecer por um momento as minhas idéias de homem civilizado. Filho da natureza,
embrenhar-me-ia por essas matas seculares; contemplaria as maravilhas de Deus,
veria o sol erguer-se no seu mar de ouro, a lua deslizar-se no azul do céu; ouviria o
murmúrio das ondas e o eco profundo e solene das florestas.”

Mas não seria através da poesia que Alencar haveria de “cantar a minha terra e suas
belezas”. Ainda na polêmica sobre A Confederação dos Tamoios, ele critica o uso de
gêneros poéticos clássicos para descrever o índio brasileiro:

“Escreveríamos um poema, mas não um poema épico; um verdadeiro poema


nacional, onde tudo fosse novo, desde o pensamento até a forma, desde a imagem até o
verso. A forma com que Homero cantou os gregos não serve para cantar os índios; o
verso que disse as desgraças de Tróia e os combates mitológicos não pode exprimir as
tristes endeixas do Guanabara, e as tradições selvagens da América. Por ventura não
haverá no caos incriado do pensamento humano uma nova forma de poesia, um novo
metro de verso?”

Desde as primeiras páginas de Iracema, fica claro que o seu autor procura colocar
essas idéias em prática. Alencar adota o gênero do romance, mas o faz com um cuidado
na construção das imagens e com a musicalidade da linguagem que levaram críticos
como Machado de Assis a considerá-lo mais um “poema em prosa” do que
propriamente um romance. E levaram Haroldo de Campos a afirmar que: “O maior
poeta indianista (o único plenamente legível hoje…) foi um prosador: José de
Alencar.” Seguindo a trilha aberta por Augusto Meyer, que já havia observado:
“Bastaria Iracema para consagrá-lo o maior criador da prosa romântica, na língua
portuguesa, e o maior poeta indianista.”

Desdobramentos

No parnasianismo, o índio aparece raramente – um exemplo é o poema A Morte de


Tapir, de Olavo Bilac – e simplesmente desaparece na poesia simbolista.
O Modernismo volta ao tema e o utiliza às vezes como ponto de referência para
diretrizes estéticas, como no caso da Poesia “Pau-Brasil” e da Antropofagia de Oswald
de Andrade, com a questão “tupi or not tupi”. Algumas obras aproveitaram o tema do
índio e suas lendas, como Macunaíma, de Mário de Andrade, Cobra Norato de Raul
Bopp ou Martim Cererê, de Cassiano Ricardo.

Iracema e Macunaíma

O crítico Cavalcanti Proença demonstrou no Roteiro de Macunaíma as diversas


relações de semelhança entre Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, e Iracema.
Entre essas destacam-se as semelhanças entre as personagens de Iracema e de Ci, a mãe
do mato:

"Ci aromava tanto que Macunaíma tinha tonteiras de moleza" (M.A.) -- "Todas as
noites a esposa perfumava seu corpo e a alva rede, para que o amor do guerreiro se
deleitasse nela (J. A.). É a rede de cabelos que torna a Mãe do Mato inesquecível, e é
uma rede que Iracema oferece ao guerreiro branco: -- "Guerreiro que levas o sono de
meus olhos, leva a minha rede também. Quando nela dormires, falem em tua alma os
sonhos de Iracema" (J.A.)
Ambas …não têm leite. O de Ci foi a cobra preta que sugou; em Iracema o leite não
chegava ao seio, diluído nas lágrimas de saudade. "A jovem mãe suspendeu o filho à
teta; mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito" (J. A.).
Em Macunaíma, o filho do herói "chupou o peito da mãe no outro dia, chupou mais,
deu um suspiro envenenado e morreu".

IRACEMA VOANDO HOJE

A permanência de Iracema no universo cultural brasileiro é incontestável. Uma das


manifestações artísticas que perpetuam a imagem da virgem dos lábios de mel, mesmo
que nem sempre tão virgem ou idealizada, é a música popular brasileira contemporânea.

Vejamos dois exemplos de compositores populares que recorrem à imagem


alencariana para compor suas canções:
Iracema voou
Chico Buarque/1998

Iracema voou
Para a América
Leva roupa de lã
E anda lépida
Vê um filme de quando em vez
Não domina o idioma inglês
Lava chão numa casa de chá

Tem saído ao luar


Com um mímico
Ambiciona estudar
Canto lírico
Não dá mole pra polícia
Se puder, vai ficando por lá
Tem saudade do Ceará
Mas não muita
Uns dias, afoita
Me liga a cobrar:
-- É Iracema da América

Nessa canção, Chico Buarque de Holanda atualiza a lenda do Ceará, apresentando


Iracema como uma emigrante que vai para a América (lembrando o anagrama de
Alencar), seguindo assim, a sina do primeiro cearense, Moacir.
Já Eduardo Dusek e Luiz Carlos Góes, na canção abaixo, vão desmontar a figura
idealizada de Alencar, transportando a índia para o mundo atual, em que prevalecem a
corrupção e a marginalidade nada românticas.

A índia e o traficante
Eduardo Dusek / Luiz Carlos Góes /1986
Noite malandra, um luar de espelho,
No meio da terra a índia colhe o brilho,
Som de suor, cheirada musical,
Palmeira que se verga em meio ao vendaval.
Sentia macia floresta,
Bolívia, montanha, seresta...

Índia guajira já colheu sua noite


Volta para a tribo meio injuriada,
Uma figueira numa encruzilhada
Felina, um olho de paixão danada,
Era Leão, famoso traficante,
Um outdoor, bandido elegante,
Que a levou para um apart-hotel
Que tem em Cuiabá.

Índia, na estrada, largou a tribo


Comprou um vestido, aprendeu a atirar,
Índia virada, alucinada pelo cara-pálida do
Pantanal,
Índia guajira e o traficante
Loucos de amor, trocavam o seu mel,
Era um amor tipo 45,
E tiroteios rasgando o vestido,
Em quartos de motel.

Explode o amor, adiós para o pudor,


Guajira e o traficante passam a escancarar,
Rolam papéis, nos bares, nos bordéis,
Os dois de Bonnie and Clyde, assunto dos cordéis,

Maíra, pivete, amazônia,


Esqueceu Tupã, a sem-vergonha...

Dentro de um Cessna, bebendo champagne


Leão e seu bando a fazem sua chefona,
Índia fichada, retrata falada,
A loto esperada pelos federais,
Mas ela gosta de fotografia
E vira capa dos jornais do dia,
Enquanto espera uma tonelada da pura alegria.

Índia, sujeira, foi dedurada


Por um sertanista que era amigo seu,
Índia traída – “mim tô passada” –
Ela lamentava num mal português,
A Índia, deu um ganho, num Landau negro,
Chapa oficial, que era da Funai,
Passou batido pela fronteira,
Uma rajada de metralhadora...
Morta no Paraguai!
Vida e Obra
de José de Alencar

Alma brasileira

José de Alencar nasceu em 1829, apenas sete anos depois da Independência do Brasil,
em Mecejana, no Ceará. Filho de um ex-padre, que se tornou presidente da Província do
Ceará e Senador do Império, o jovem Alencar se transfere, com a família, aos nove anos
de idade para a cidade do Rio de Janeiro. Em 1844, aos quinze anos, matricula-se nos
cursos preparatórios à Faculdade de Direito de São Paulo. Lê, então, o recém publicado
romance A Moreninha, cujo sucesso em muito há de influenciá-lo na decisão posterior
de se tornar romancista.
Em São Paulo, Alencar cursa os primeiros anos da Faculdade de Direito e começa a
publicar seus primeiros textos em algumas revistas estudantis. Transfere-se, em 1848,
para a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco. Em Olinda, na velha biblioteca
do Mosteiro de São Bento, encontra a literatura dos antigos cronistas coloniais, como
Gabriel Soares de Sousa e Pero Magalhães Gandavo.
Anos mais tarde, Alencar ainda se recorda da emoção que foi a descoberta desses
autores do século XVI, que nos dão as primeiras impressões dos europeus ao
encontrarem a natureza e o índio do Brasil, em cujas páginas já procurava um tema para
desenvolver em sua própria literatura:

“Uma coisa vaga e indecisa, que devia parecer-se com o primeiro broto do Guarani
ou de Iracema, flutuava-me na fantasia. Devorando as páginas dos alfarrábios de
notícias coloniais, buscava com sofreguidão um tema para o meu romance; ou pelo
menos um protagonista, uma cena e uma época.”

Voltando a São Paulo, após contrair tuberculose, forma-se em Direito no final de


1850. No ano seguinte, retorna à capital do país e lá começa a advogar. Não se esquece,
porém, da literatura. Em 1854, começa a escrever uma seção diária no Correio
Mercantil, intitulada Ao Correr da Pena, em que comenta os mais variados assuntos da
vida do Rio de Janeiro e do país. Esses textos leves de temática cotidiana podem ser
considerados os precursores da crônica moderna, em que se haveriam de destacar, no
século seguinte, escritores como Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond
de Andrade.
Em 1855, Alencar é um dos fundadores do jornal O Diário do Rio de Janeiro, do qual
é editor-chefe. É através desse jornal que vai publicar os textos que, logo, o tornarão
conhecido em todo o país. No final do ano de 1856, Alencar decide publicar um
folhetim como “brinde” aos leitores do jornal. Inicia, assim, sua carreira de romancista.
Publica o curto romance Cinco Minutos, que é recebido por seus leitores com grande
simpatia. Estimulado pelo sucesso do primeiro, logo começa a publicar um segundo
romance, A Viuvinha, cuja publicação interrompe quando, por engano, um
companheiro seu publica o final da história na Revista de Domingo. Inicia, então, a
publicação de O Guarani. Surge, assim, na literatura nacional, uma nova “estrela
colorida brilhante” – lembrando as palavras de Caetano Veloso na canção Um Índio.
Uma estrela que há de escrever, “numa velocidade estonteante”, os capítulos do
romance do qual descerá um índio “mais avançado que a mais avançada das mais
avançada das tecnologias” - o apaixonado Peri.
Entre 1857 e 1870, além de publicar diversos romances, entre eles Lucíola (1862) e
Iracema (1865), Alencar foi eleito várias vezes deputado, Ministro da Justiça entre
1868 e 1870, e dedicou-se também ao teatro, escrevendo O Demônio Familiar (1857),
As Asas de um Anjo (1858) e A Mãe (1860), entre outras peças. Em 1870, abandona a
política, ressentido, após ser preterido para a vaga de Senador.
Inicia, então, uma fase de recolhimento: poucos amigos e nenhum sorriso. Sua
produção novelística é intensificada, agora norteada pelo projeto de descrição do Brasil,
anunciado no prefácio do livro Sonhos d'Ouro (1872). Em 1875, publica Senhora, um
de seus romances mais complexos. Ao morrer, em 1877, Alencar era considerado o
maior escritor brasileiro de todos os tempos. Principalmente por Machado de Assis, seu
amigo e mais fiel admirador, e que logo o destronaria. Para Machado: “Nenhum
escritor teve em mais alto grau a alma brasileira.”
O próprio Alencar aponta que seus romances se encaixam em um projeto de descrição
global do Brasil. Divide-os em quatro tipos:

• Romance urbano, como Lucíola e Senhora.


• Romance regionalista, como O Gaúcho e O Sertanejo.
• Romance indianista, como Iracema e Ubirajara.
• Romance histórico, como O Guarani e As Minas de Prata.

A crítica posterior haveria de relativizar esta classificação. Tanto Iracema quanto O


Guarani são considerados ao mesmo tempo históricos e indianistas.

IRACEMA

A Lenda do Ceará

1865

a) Controvérsia sobre o título

Na revista da ABL, em 1929, surgiu a idéia de um anagrama:

Iracema = anagrama de América

Problema:

A questão da linguagem é inquestionável, mas não é possível comprovar a intenção


Subtítulo: "Lenda do Ceará"

Fundação do Ceará

"[...] uma história, que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite
[...]"

Sabor de lenda:

"Além, de muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema."

Problema:

Há mesmo uma lenda?

Advertência em Ubirajara:

"Este livro é irmão de Iracema. Chamei-lhe de lenda como ao outro"

b) Estrutura da obra:

A história compõe-se de XXXIII capítulos curtos, onde imagens e comparações


superpostas sugerem o nascimento de um texto densamente poético. O enredo, porém,
só começa a ser desenvolvido a partir do segundo capítulo, pois o capítulo I é apenas a
apresentação do tema, um prólogo onde se vê um verdadeiro hino de nacionalismo, pois
a natureza e o índio são idealizados.

Subtitulado “A Lenda do Ceará“, o livro, impregnado de lirismo, mistura ficção e


realidade.
Em sua escritura, incrustam-se dois gêneros: o épico — por ser uma narrativa histórica
— e o lírico —, uma vez que abriga subjetividade, o que faz com que sua linguagem
toque, freqüentemente, o poético. Ressaltem-se, ainda, outros elementos, tais como: o
ritmo, a musicalidade, a cadência. A musicalidade é a característica mais marcante de
seu discurso literário.

Sabe-se que a maior influência sentida na concepção de Iracema foi Átala, magnífica
obra romântica francesa de Chateaubriand.

c) Caracterização psicológica:

amor acima de tudo;


transgressão das regras;
amorX autoridade paterna;
amor e morte;

Possível modelo:

Teresa, de Amor e Perdição de Camilo Castelo Branco (1862)

d) Contradição

Plano físico: traços indígenas


Plano psicológico: modelo das heroínas européias

e) A idealização do índio

Caracterização física
"Iracema, a virgem dos lábios de mel [...]. O favo da jati não era tão doce como o seu
sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado."

"Quem cria, vê sempre uma Lindóia na criatura, embora as índias sejam pançudas e
remelentas."
(Trecho de Amar, verbo intransitivo - idílio de Mário de Andrade) [1]

f) Foco narrativo

A obra foi escrita em terceira pessoa, e leva a crer que temos um narrador-observador,
porém o ufanismo faz com que, em alguns momentos, o narrador apareça em primeira
pessoa e deixe transparecer sua admiração e seu envolvimento. O narrador participa da
história:

“Uma história que me contaram nas lindas vargens onde nasci”.

A intromissão do narrador no texto faz com que ele deixe de ser um mero observador, e
permite que transmita juízo de valores.

"Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta jandaia nas frondes da
carnaúba"

g) A linguagem

1 - prosa poética

Capítulo 1

"Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da
carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente,
perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco
aventureiro manso resvale à flor das águas. [...]"

"Ver-des-ma-res-bra-vios (6)
De-mi-nha-ter-ra-na-tal (7)
On-de-can-taa-jan-da-ia (6)
Nas-fron-des-da-car-na-úba (7)
Ver-des-ma-res-que-bri-lha-is (7)
Co-mo-lí-qui-da-es-me-ral-da (7)
Aos-ra-ios-do-sol-nas-cen-te (7)
Per-lon-gan-do-as-al-vas-pra-ias (7)
En-som-bra-das-de-co-quei-ros (7)

2 - Adjetivação e comparações

"Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna e mais longos que o seu talhe de palmeira.
O favo da Jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado."

3 - A língua tupi

"O conhecimento da língua in dígena é o melhor critério para a ancionalidade da


literatura. Ele nos dá não só o verdadeiro estilo, como as imagens poéticas do selvagem,
os modos de seu pensamento, as tend~encias de seu espítito, e até as menores
particularidades de sua vida. è nessa fonte qye se deve beber o poeta brasileiro."

h) Tempo
O ano em que a ação se desenvolve é 1603, século XVII, época da colonização do
Brasil, mais especificamente, no texto, da colonização do Ceará.

Iracema, de José de Alencar


Análise

Em Iracema (1865) José de Alencar, ou por ter atingido a maturidade nos temas
indianistas, ou porque nessa obra não há a rigor nenhum compromisso com uma
afirmação nacional pela literatura, atinge seu romance mais bem estruturado, sob o
ponto de vista estético. Iracema é o exemplar mais perfeito de prosa poética de nossa
ficção romântica, belíssimo exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com o qual
Alencar contribuiu com a construção da literatura e da cultura brasileira.

No romance há um argumento histórico: a colonização do Ceará, que se deu em 1606.


Nele há a presença de personagens históricos: Martim Soares Moreno, o colonizador
português que se aliou aos índios Pitiguaras e Poti, Antônio Felipe Camarão. Através do
romance entre Iracema e Martim, José de Alencar romantizou o processo de colonização
do Ceará, simbolicamente representativo do processo de colonização do
Brasil. Iracema apresenta uma espécie de conciliação entre o branco e o índio, na
medida em que romantiza a dominação de um povo pelo outro. Desta forma insere nos
códigos artísticos do Romantismo europeu a temática do processo de colonização do
país. Com a obra se inaugura o mito heróico da pátria, de natureza indianista.

Portanto, o espaço da obra é o Estado do Ceará e o tempo é o início do século XVII.

O relacionamento amoroso entre Iracema e Martim pode ser interpretado,


simbolicamente, como metáfora, como alegoria representativa do cruzamento das raças
indígena e branca, ou seja, o nativo e o europeu colonizador. O desenvolvimento do
enredo - ruptura de Iracema com o compromisso de virgem vestal e com sua tribo, sua
entrega amorosa, seu abandono e sua morte, deixando o filho Moacir, "aquele que nasce
da dor", - todos esses elementos da trama narrativa confirmam a possibilidade de leitura
simbólica. A própria construção do personagem Iracema é feita a partir da natureza, de
comparações com elementos da fauna e da flora americana , em geral brasileira e mais
especificamente do Ceará.

A índia Iracema, que se entrega por amor a Martim, tem a função de simbolizar, no
romance, a presença do elemento nacional, da cor local, existente na criação de seus
traços físicos, que é feita por comparação com elementos da natureza. Embora
psicologicamente Iracema se assemelhe às heroínas românticas européias, constitui,
nessa fusão de elementos da cor local com elementos do romantismo europeu, um mito
fundador da pátria. De acordo com o romantismo europeu, Iracema pode ser
caracterizada como um exemplo de "mulher-anjo" - virgem, delicada, bela, capaz de se
sacrificar pelo homem que ama, Martim. Essa característica de Iracema mostra que
embora o narrador privilegie os seus sentimentos e pensamentos ao longo da história,
idealizando o índio, que ela representa, o seu ponto de vista ao contar torna-se o do
branco colonizador, na medida em que "europeiza" e "romantiza" Iracema.
Quanto à importância relativa das personagens, Alencar constrói uma obra inteiramente
distinta de O Guarani (e também do posterior Ubirajara, que data de 1874).
EmIracema, a relação amorosa entre a jovem índia e o fidalgo português Martim
domina toda a obra.

Não é difícil encontrar as fontes principais em que se inspirou Alencar: Iracema é, num
certo sentido (não o da imitação, evidentemente), a transposição de Atala, de
Chateaubriand, autor que Alencar confessou ter lido bastante. Temos, pois, o caso de
uma composição homóloga, pois apresenta vários pontos em comum: o tema da
felicidade primitiva dos selvagens, que começa a se corromper diante da primeira
aproximação do civilizado; a idéia do bom selvagem; o amor de uma índia por um
estrangeiro; a morte das duas heroínas, o exótico da paisagem; enfim, nas duas obras de
um conflito fundamental representado pela oposição de índole dos dois mundos: o da
velha civilização européia e o Novo Mundo da América.

O romance, na definição de Machado de Assis, é uma "poema em prosa", é um poema


épico-lirico (para Machado de Assis, é um poema essencialmente lírico).

Elementos épicos

- Presença do "maravilhoso" nas epopéias e em Iracema.

O texto é épico por ser narrativo. José de Alencar narra os feitos heróicos dos
portugueses na figura de Martim. Iracema, também, é transformada em heroína. O
vinho de Tupã que permite a posse de Iracema (presença do "maravilhoso"). Além
disso, temos, também, a presença dos deuses indígenas representando as forças da
natureza.

Elementos líricos

O amor de Iracema por Martim: Iracema é a heroína típica do romantismo, que padece
de saudades do amante, que partiu, e da pátria que deixou. Ela se enquadra dentro de
uma corrente luso-brasileira cujo inicio data das cantigas medievais.

Toda a força poética do livro advém dessa relação amorosa. A ação é reduzidíssima, o
que dá ao livro o notável espaço lírico de que se valeu Alencar para escrever sua obra
mais poética: a desorientação inicial de Martim, jovem fidalgo português, que se
perdera nas matas... O surpreendente encontro com a jovem índia... A hospitalidade do
selvagem brasileiro... O ciúme do guerreiro... O amor entre os representantes das duas
raças: lracema e Martim... A morada dos dois, afastados da tribo e da civilização... A
nostalgia de Martim por sua terra natal, suas viagens e a tristeza de Iracema com a
mudança inesperada de seu amado... O nascimento de Moacir, filho da dor, e a morte de
Iracema... Essa é praticamente a síntese da fábula do livro.

Foco narrativo

A obra é escrita em terceira pessoa, temos um narrador-observador, isto é, um narrador


que caracteriza as personagens apenas a partir do que pode observar de seus sentimentos
e de seu comportamento, como se percebe no trecho: "O sentimento que ele (Martim)
pôs nos olhos e no rosto não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba,
e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara." (Capítulo 2), especialmente
no momento em que o narrador coloca em dúvida a reação emocional de Martim,
flechado por Iracema. O narrador conta a história do ponto de vista de Iracema, isto é,
do índio, privilegiando os seus sentimentos e não os de Martim, que representa o branco
colonizador.

Personagens

Iracema – (lábios de mel) – índia da tribo dos tabajaras, filha de Araquém, velho pajé;
era uma espécie de vestal (no sentido de ter a sua virgindade consagrada à divindade)
por guardar o segredo de Jurema (bebida mágica utilizada nos rituais religiosos);
anagrama de América. Forte, sedutora, mas submissa. Heroína trágica.

Martim Soares Moreno – guerreiro branco, colonizador europeu, amigo dos pitiguaras,
habitantes do litoral, adversários dos tabajaras; os pitiguaras lhe deram o nome de
Coatiabo ("guerreiro pintado" - "tinha nas faces o branco das areias, nos olhos o azul
triste das águas e os cabelos da cor do sol."

Moacir - Filho de Iracema e Martim, filho do sofrimento (Moaci = dor, ira = saído de).

Poti – herói dos pitiguaras, amigo – que se considerava irmão – de Martim. Personagem
histórico.

Irapuã - chefe dos tabajaras; apaixonado por Iracema. Ciumento e corajoso. Seu nome
significa "mel redondo".

Caubi – índio tabajara, irmão de Iracema. Não guardou rancor de Iracema, indo visitá-
la no exílio.

Jacaúna – chefe dos pitiguaras, irmão de Poti. Seu nome significa "jacarandá preto".

Valor simbólico do personagem Moacir

Moacir simboliza o primeiro brasileiro nascido da miscigenação índio X português.


Duas vezes filho da dor de Iracema: dela nascido e, também, dela nutrido. Tal mescla de
vida e morte, de dor e de alegria, acha-se tematizada pelo leite branco, ainda rubro do
sangue de que se formou.

Enredo

Durante uma caçada, Martim Soares Moreno, personagem histórico responsável pela
colonização do Ceará, se perdeu dos companheiros pitiguaras e se pôs a caminhar sem
rumo durante três dias.

No interior das matas pertencentes à tribo dos tabajaras, encontra-se com Iracema, filha
do pajé Araquém, da tribo dos Tabajaras, "os senhores das montanhas".

Ao deparar-se com Martim, surpresa e amedrontada, a índia o fere no rosto com uma
flechada. Ele não reagiu. Arrependida, a moça correu até Martim e ofereceu-lhe
hospitalidade, quebrando com ele a flecha da paz. Martim, por quem Iracema se
apaixona, vai visitar a sua tribo. Lá encontra Irapuã, o chefe, um rival. Entretanto, o
duelo entre ambos é interrompido pelo grito de guerra dos Pitiguaras, "os senhores do
litoral", liderados por Poti (Antônio Felipe Camarão, personagem histórico), amigo de
Martim.

Nas entranhas da terra, magicamente abertas por Araquém, Iracema esconde-se com
Martim e torna-se sua esposa, traindo o compromisso de virgem vestal, sacerdotisa da
tribo e portadora do segredo da jurema, o segredo da fertilidade dos Tabajaras.

Durante o sono da tribo propiciado por Iracema, que a leva aos bosques da Jurema, onde
os guerreiros podem sonhar vitórias futuras, há o reencontro entre Martim e Poti, que
fogem guiados por Iracema. Ela não revela a Martim o que houve entre ambos o
himeneu, enquanto o jovem iniciava-se nos mistérios de Jurema, só o fazendo depois da
fuga.

Irapuã encontra os fugitivos, trava-se um combate entre os Tabajaras e os melhores


Pitiguaras, conduzidos por Jacaúva, irmão de Poti. Nesse combate, Iracema pede a
Martim que não mate Caubi ("o senhor dos caminhos"), seu irmão, e por duas vezes
salva a vida do estrangeiro. Os Tabajaras debandam, deixando Iracema triste e
envergonhada.

Iracema, Martim e Poti chegam ao território Pitiguara, de onde viajam para visitar
Batuirité, o avô de Poti, o qual denomina Martim Gavião Branco, fazendo, antes de
morrer, a profecia da destruição de seu povo pelos brancos.

Iracema engravida e, acompanhada de Poti, pinta o corpo de Martim, que passa a ser
Coatiabo, "o guerreiro pintado", que às vezes tem momentos de grande melancolia, com
saudades da pátria.

Um mensageiro Pitiguara leva a Poti um recado de Jacaúna, contando sobre a aliança


entre os franceses e os Tabajaras. Poti e Martim partem para a guerra; Iracema fica no
litoral, em companhia de uma seta envolvida em um galho de maracujá (a lembrança).
Triste, recebe a visita de Jandaia, antiga companheira e trona-se como ela, "mecejana"
(a abandonada).

Martim e Poti voltam vitoriosos; Martim sente mais saudades da pátria; Iracema
profetiza a própria morte que ocorrerá com o nascimento do filho. Enquanto Martim
estava combatendo, Iracema teve sozinha o filho, a quem chamou de Moacir, filho da
dor. Certa manhã, ao acordar, ela viu à sua frente o irmão Caubi, que, saudoso, vinha
visitá-la, trazendo paz. Admirou a criança, porém surpreendeu-se com a tristeza da irmã,
que pediu a ele que voltasse para junto de Araquém, velho e sozinho.

De tanto chorar, Iracema perdeu o leite para alimentar o filho. Foi à mata e deu de
mamar a alguns cachorrinhos; eles lhe sugaram o peito e dele arrancaram o leite copioso
para voltar a amamentar. A criança estava se nutrindo, mas a mãe perdera o apetite e as
forças, por causa da tristeza.

No caminho de volta, findo o combate, Martim, ao lado de Poti, vinha apreensivo: como
estaria Iracema? E o filho? Lá estava ela, à porta da cabana, no limite extremo da
debilidade. Ela só teve forças para erguer o filho e apresentá-lo ao pai. Em seguida,
desfaleceu e não mais se levantou da rede.

Morre Iracema. Suas últimas palavras foram o pedido ao marido de que a enterrasse ao
pé do coqueiro de que ela gostava tanto. O sofrimento de Martim foi enorme,
principalmente porque seu grande amor pela esposa retornara revigorado pela
paternidade. O lugar onde se enterrou Iracema veio a se chamar Ceará.

Martim retornou para sua terra, Portugal, levando o filho. Não consegue permanecer lá.
Quatro anos depois, eles voltaram para o Ceará, onde Martim implantou a fé cristã. Poti
se tornou cristão e continuou fiel amigo de Martim. Os dois ajudaram o comandante
Jerônimo de Albuquerque a vencer os tupinambás e a expulsar o branco tapuia. De vez
em quando, Martim revia o local onde fora tão feliz e se doía de saudade. A jandaia
permanecia cantando no coqueiro, ao pé do qual Iracema fora enterrada. Mas a ave não
repetia mais o nome de Iracema. "Tudo passa sobre a terra."

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