A Elaboração da Face - Uma análise dos elementos rituais da
interação social. In.: FIGUEIRA, S. (Org.). Psicanálise e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980, p. 76-114.
Resenha do texto: A Elaboração da Face – Uma análise dos elementos rituais na
interação social
Por Luciana Martins Arruda1
A leitura do texto “A Elaboração da Face – Uma análise dos elementos rituais na
interação social”, permite ao leitor compreender o modo como Goffman aborda o comportamento humano, ou seja, a linha assumida em sociedade e sua forma de manifestação. Ao fazer uma análise dos elementos rituais na interação social o autor apresenta vários conceitos, dentre os quais foram selecionados apenas, aqueles considerados como os mais relevantes, tais como: face; sentimentos associados à face; a face do self e a face do outro; ter, manter, estar em face; perder x salvar a face; face social e mútua; elaboração da face e a interação falada. Goffman, ao utilizar o termo “face”, nos coloca como atores sociais de uma ação teatral. Sendo assim, o nosso semblante, a face, é exposto para representar personagens diante de um público. O termo face é definido como “o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha por ela tomada durante um contato específico” (p.76-77). Caracteriza-se como uma imagem do self delineada em termos de atributos sociais aprovados, podendo ser partilhada por outros. Além do significado habitual de semblante, aparência, aspecto externo, o termo face pode receber um sentido conotado para expressar dignidade, auto-respeito e prestígio, representando aspectos afetivos e sociocognitivos. Essa dupla conotação é explorada pelo autor ao empregar a terminologia shamefaced = ficar envergonhado; to save face = salvar as aparências = salvar a face e to lose face = perder o prestígio, desacreditar-se = perder a face. A face do self, ou seja, a própria face e a face do outro são apresentadas como construtos sociais da mesma ordem. Uma vez que existem regras sociais e culturais definindo a situação de interação, determinando a quantidade de sentimentos ligados à face e como estes sentimentos devem ser distribuídos entre as faces envolvidas. Quando uma pessoa segue uma linha que projeta uma imagem consistente de si mesma, apoiada por julgamentos e evidências transmitidas pelos outros participantes, podemos considerá-la como tendo, mantendo ou estando em face. Durante encontros sociais convencionalizados há uma margem de escolhas de linhas e de faces atribuídas aos participantes. Desse modo, manter a face implica levar em conta a posição ocupada no mundo social. Implica também, adotar uma determinada linha coerente com a atual. Por exemplo, se alguém aceitou ser humilhado, os outros não terão consideração com seus sentimentos no presente. Goffman estabelece uma distinção entre “salvar a face” (salvar as aparências) e “perder a face” (perder o prestígio, desacreditar-se). Estas distinções são realizadas comparando a cultura anglo-americana à cultura ocidental. Na cultura anglo-americana, “perder a face” significa estar +/- fora da face, estar na face errada, estar envergonhado e sentir-se inferior – imagem do self emocionalmente ameaçada. Nessa cultura, “salvar a face” significa sustentar para os outros a impressão de não tê-la perdido. Já na cultura ocidental, “perder a face” denota estar na face errada, estar fora de face, aplomb e estar em face. Sob o ponto de vista do autor, estudar o modo como as pessoas salvam suas faces é estudar as regras de trânsito da interação social. A face social é definida como algo que possuímos de mais pessoal, contudo, trata- se apenas de um empréstimo que nos foi feito pela sociedade, podemos vir a perdê-la caso não nos comportemos de modo a merecê-la. O conceito de face mútua, porém, é mais abrangente, pois consiste na defesa da própria face e na proteção da face do outro. Resulta da combinação das regras de auto-respeito e consideração, respectivamente. Parece ser uma característica estrutural básica de interação, especialmente a interação de conversa face a face. Ao abordar o tema “A elaboração da face”, mesmo título dado a seu texto, ele pretende designar “as ações através das quais uma pessoa é capaz de tornar qualquer coisa que esteja fazendo consistente com a face” (p.82). A abordagem desse tema também ajuda a contrabalançar “incidentes”, isto é, eventos cujas implicações simbólicas efetivas ameaçam a nossa face. Quando alguém reage com aplomb está utilizando um tipo importante de elaboração de face porque está controlando seu embaraço e o embaraço provocado nas outras pessoas pelo incidente provocado. Inseridas na elaboração da face, encontram-se também, as ações de salvamento de face, empregadas de forma consciente ou não, são comumente práticas habituais e padronizadas Sendo assim, espera-se que os membros de cada grupo social tenham algum conhecimento da elaboração de face e alguma experiência no seu uso – denominado savoir-faire, diplomacia ou habilidade social. As práticas de salvação de face conduzem as pessoas a assumirem duas atitudes: salvar a própria face (orientação defensiva) e salvar a face dos outros (orientação protetora). Torna-se relevante destacar que ao tentar salvar a face pode-se levar o outro a perdê-la. Segundo Goffman, existem alguns tipos básicos de elaboração de face, isto é, salvação de face, como, por exemplo: 1) o processo de evitação; 2) processo corretivo; 3) fazer pontos – o uso agressivo da elaboração de face; 4) a escolha da elaboração de face apropriada e 5) cooperação na elaboração da face, envolve dois tipos de cooperação tácita: tato e autonegação recíproca. A interação falada caracteriza-se como um sistema de práticas, convenções e regras de procedimento que funcionam como um meio para guiar e organizar o fluxo de mensagens. Obedece a fatores rituais tais como: abertura, encerramento e tópico conversacional. Geralmente, a pessoa durante uma ocasião de fala tem como objetivo salvar a face, ou seja, salvar as aparências. Ao expor a nossa face estamos freqüentemente buscando estender as nossas relações sociais. Isto pode ser verificado quando uma pessoa ao começar um encontro mediado ou imediato, face a face, já demonstra algum tipo de relação social entre ela e os outros interagentes. Há uma expectativa de sua parte para manter esta relação social após o término do encontro. Nessa perspectiva, incluem-se pequenas cerimônias de cumprimento e despedida. Para evitar o rompimento de uma relação social deve-se evitar destruir a face do outro. Portanto, a leitura desse texto permite ao leitor concluir que Erving Goffman ao tratar do termo face e das suas implicações, utiliza uma linguagem teatral. Isto significa dizer que o homem ao interagir socialmente mostra-se extremamente preocupado com a sua imagem, pois o sucesso da interação muitas vezes pode depender da forma como nos mostramos aos nossos semelhantes.
1 Mestranda em Letras – Lingüística, pela Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF. As sugestões, críticas ou discussões podem ser feitas em lulucaarruda@ig.com.br.