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Este documento analisa a obra "Romagem dos Agravados" de Gil Vicente, situando-a no contexto do Humanismo português do século XV. A peça faz crítica aos costumes sociais da época através de personagens que representam diferentes classes. A sátira é direcionada ao clero, nobreza e hipocrisia social por meio de diálogos e situações cômicas.
Este documento analisa a obra "Romagem dos Agravados" de Gil Vicente, situando-a no contexto do Humanismo português do século XV. A peça faz crítica aos costumes sociais da época através de personagens que representam diferentes classes. A sátira é direcionada ao clero, nobreza e hipocrisia social por meio de diálogos e situações cômicas.
Este documento analisa a obra "Romagem dos Agravados" de Gil Vicente, situando-a no contexto do Humanismo português do século XV. A peça faz crítica aos costumes sociais da época através de personagens que representam diferentes classes. A sátira é direcionada ao clero, nobreza e hipocrisia social por meio de diálogos e situações cômicas.
ANLISE DA OBRA ROMAGEM DOS AGRAVADOS DE GIL VICENTE
Obra representante do Humanismo na lista de leituras da Universidade Estadual do Par - UEPA
para o PRISE e PROSEL/2014, Romagem dos Agravados representa um desafio para leitores jovens do primeiro ano do ensino mdio. Essa postagem tem por objetivo auxiliar o aluno que se dispunha a estudar essa obra to distante de nosso momento e de nossa cultura atual. Tomei como texto base de Felipe-Antonio Fernandes Diez, da Universidade de Coruna (A ROMAGEM DOS AGRAVADOS DE GIL VICENTE: ASPECTOS ECDTICOS E APROXIMA<;O LITERRIA1 Filipe-Antnio Fernndez Diez Universidade da Coru) publicado no endereo eletrnico http://ruc.udc.es/dspace/bitstream. Vamos primeiramente situar a obra dentro do Humanismo.
O HUMANISMO: sculo XV - Ano de 1400 e incio do Sculo XVI
O HOMEM A MEDIDA DE TODAS AS COISAS
No sculo XV comea a acontecer uma verdadeira reviravolta na Literatura. O pensamento religioso que dominou a Idade Mdia comea a ser substitudo por uma revalorizao da Antiguidade Clssica elaborada pelo Renascimento. O Humanismo, iniciado na Itlia, corresponde ao perodo de transio entre a Era Medieval e a Era Clssica (para a literatura e demais artes, na histria temos a transio da Idade Mdia para a Idade Moderna). Os humanistas trocam as ideias de teocentrismo (teo= deus) pelo antropocentrismo (antropo=homem). O homem passa a ser o centro do intersere para as reflexes. As ideias do Humanismo vo favorecer um reflorescimento da Literatura portuguesa. Trs gneros literrios ganham bastante destaque nesse momento em Portugal: o lrico, o historiogrfico e o dramtico. nesse ltimo gnero, o dramtico, que se situa Gil Vicente (1465-1537), que considerado o primeiro dramaturgo (quem escreve peas teatrais) de Portugal, e talvez, o maior de todos. Gil Vicente estreia no ano de 1502, nas celebraes do nascimento de dom Joo III, futuro rei de Portugal. O Teatro Vicentino: a obra de Gil Vicente pode ser dividida em trs fases _ A primeira fase (1502 a 1508): peas predominantemente religiosas, mas que j se percebe influncias do espirito humanista de seu tempo, pela presena de certo paganismo em uma atmosfera sacra geral da obra. _ A segunda fase ( 1508 a 1516): alm da crtica religiosa passa a fazer a critica social. _ A terceira fase (1516 em diante): momento mais alto da obra de Gil Vicente. Pertencem a esse perodo suas obras-primas, como a trilogia das barcas (Auto da barca do Inferno, Auto da barca da glria e Auto da barca do Purgatrio) e a Farsa de Ins Pereira. "A crtica dos costumes alcana seu ponto mais alto e do clero plebe, todas as camadas sociais so exemplos de como o ser humano, representado por tipos sociais especficos, se comporta em desacordo com princpios morais nobres, como os do cristiansmo, que s aparentemente moldam aquela sociedade. [...] a farsa mais direta e seu humor, na obra de Gil Vicente, tem o mesmo poder satrico e moralizante observado nos autos.". (BARRETO).
ROMAGEM DOS AGRAVADOS (CLIC AQUI PARA ACESSAR A PEA)
Apresentada no ano de 1933, ao j ento rei de Portugal, D. Joo III, quando do nascimento de seu filho o infante D. Felipe, a obra pertence terceira fase do teatro vicentino.
CLASSIFICAO DA OBRA: farsa de carter satrico, apesar de aparecer no livro das Tragicomdias. Romagem dos agravados significa romaria dos ofendidos. A fala inicial de Frei Pao a chave da stira da Romagem. PERSONAGENS: Frei Pao, Joo Mortinheira e Bastio seu filho, Bereniso e Colopndio fidalgos, Marta do Prado e Branca do Rego regateiras, Cerro Ventoso, Frei Narciso, Aparcio Eanes e sua filha Giralda, Domiclia e Dorosia freiras, Hilria e Juliana pastoras.
CARACTERSTICAS ESTRUTURAIS DA OBRA: a pea formada por 1110 versos em redondilhas maior, divididos em estrofes de cinco versos cada, exceto a cano que fecha a pea, com o seguinte esquema de rimas ABBAB. Fellipe-Antonio observa as seguintes caractersticas na pea: As personagens como tipos prefigurados e j conhecidos do pblico (lavradoras, pastoras, freiras, freires, fidalgos, regateiras ...); A acumulao de casos que do corpo as personagens; as personagens desfilam a moda de procisso dando ao ttulo da pea uma nova dimenso expressiva; As personagens que se incorporam cena so apresentadas por outra j conhecida (Frei Pao) Veja
"Entrar logo um vilo - A chamado Joo Mortinheira -B agravado em gr maneira. - B Quero ver sua paixo - A assentado nesta cadeira." - B (v.v. 55-60)
Marcamos nessa estrofe, com letras maisculas em vermelho o esquema de rimas. Fazendo a escanso dos versos temos: 1 2 3 4 5 6 7 "En /tra/ r / lo/ go um/ vi/ lo/ - A 1 2 3 4 5 6 7 cha/ ma / do / Joo/ Mor / ti/ nhei / ra -B 1 2 3 4 5 6 7 a / gra / va / do em/ gr/ ma/ nei / ra. - B
O nome das personagem tem uma carga expressiva que descreve de ante-mo o carter da personagem, e/ou a verdade ou falsidade de seu agravo (sua ofensa), com o caso de "Dorsia", que lembra "dor". Frei Pao funciona como elemento motor da obra. Sempre anunciando a prxima personagem e dialogando com elas. Ele faz a fala inicial apresentando a pea. Observe: "O auto que ora vereis se chama irmos amados Romagem dos Agravados inda que alguns achareis que se agravam de abastados. 45
E pera declarao desta obra santa et cetra quisera dizer quem so as figuras que viro por se entender bem a letra". 50
A estrutura da obra est assentada na repetio e numa considervel simetria, mas introduzem elementos de variao, como o fato de diferentes personagens alternarem com Frei Pao a apresentao de novas figuras. Outra caracterstica observada na pea a caracterizao das personagens atravs da linguagem. Apraciantes: lavrador que fala bem; Maria do Prado e Branca Rego: linguagem cheia de desvios para mostrar sua classe social baixa. Uso de linguagens especiais no dilogo de Frei Pao com Bastian e Giralda e a cano que encerra a pea. "Frei Pao senhora que matais a todos quantos feris 810 e a ningum perdoais. Giralda Quam docemente mentis todos quantos bem falais."
Os jogos com os duplos sentidos das palavras e expresses, postos na boca de personagens dentistas, como elemento satrico. Veja aqui, onde Cerro Venturoso faz um trocadilho entre Pao, nome do Frei, e pao que tambm significa castelo real, ao fazer comparao entre Frei Pao e So Gernimo.
"Mas vs padre sois do Pao e sam Jernimo do ermo e nam dobrais vosso brao aoutando o espinhao 635 nem trazeis o peito enfermo".
OS TEMAS DA CRTICA
Alm da construo satrica a obra estrutura-se em trs planos fundamentais: a crtica ao estamento (diviso) clerical; a crtica ao estamento nobiliar (entre os nobres) e a crtica de costumes sociais. Ponto comum entre os planos o rejeitamento de um comportamento tico firmado na ambio desmedida e torpe, personificada em tipos que so ridicularizados pelo autor. O prprio Frei Pao que dirige as crticas as demais personagens reflete em si todos os vcios.
CRTICA AO ESTAMENTO CLERICAL: Crtica Igreja - A figura de Frei Narcisio representa: ambio social, falta de vocao espiritual, a relaxao dos membros da igreja: Frei Narcsio galanteia a freira Dorosia.
"Dorosia Deo gracias padre Narciso. Frei Narciso Pera sempre aleluia. Dorosia Pois is nesta romaria 890 assi Deos vos d o paraso que vamos em companhia.
Frei Narciso Iria mui ledo em cabo milhor que pera o mosteiro mas o amor tam ligeiro 895 que o dai vs ao diabo e temo seu cativeiro.
Dorosia Iremos padre rezando sempre de noite e de dia. Frei Narciso J disse que folgaria 900 mas temo de ir sospirando mais vezes do que eu queria"
Frei Narcisio faz crticas ao sistema de proviso de cargos de autoridades dentro da igreja.
"Frei Narciso J fizessem-me ora bispo siquer do ilhu de Peniche 605 pois sam frade pera isso.
Que, sem saber ler nem rezar, vi eu j bispos que pasmo e nam sei conjecturar como se pode assentar 610 mtara em cabea de asno".
Frei Narcsio representa tambm a hipocrisia, pois ao mesmo tempo que galanteia a freira, repreende o desejo de liberdade de Dorsia e Domiclia, recomendando-lhes se submeteram ao regime de observncia do mosteiro.
A CRTICA AO ESTAMENTO DA NOBREZA - Personagens tpicas: Colopndio e Berenisio representam atitudes corteses j ultrapassadas, os tpicos do namorado sofredor e da crueldade da dama por sua no correspondncia amorosa. So utilizadas hiperboles (exageros) e estilo pastoril. Veja.
"Porque tais carreiras sigo e com tal dita naci 215 nesta vida em que nam vivo que eu cuido que estou comigo eu ando fora de mi.
Quando falo estou calado quando estou entonces ando 220 quando ando estou quedado quando durmo estou acordado quando acordo estou sonhando.
Quando chamo entam respondo quando choro entonces rio 225 quando me queimo hei frio quando me mostro me escondo quando espero desconfio.
Nam sei se sei o que digo que cousa certa nam acerto 230 se fujo de meu perigo cada vez estou mais perto de ter mor guerra comigo."
Por seu lado, Cerro Ventoso representa a ambio ao dinheiro e a dignidade nobiliar.
Estamentos mais populares (lavradeiras, regateiras, pastoras) serve para o autor oferecer uma perspectiva de numerosos fenmenos sociais: a) A percepo utilitarista da religio, como J. Mortinheira quer que seu filho, sem nenhum talento, se torne uma membro da igreja visando a ascenso social. b) O anticlericalismo e a crtica aos poderosos.
"Branca Eles so os presidentes 470 e os mesmos requerentes e se lhes dizeis que mal tornam a culpa ao sinal e eles fazem-se inacentes".
c) As tentativas de ascenso social por parte das classes baixas, Giralda e Bastian representam isso.
d) Os casamentos acertados e a questo do livre alvedrio (livre-arbtrio). Hilria e Juliana renegam os maridos que as suas famlias procuram para elas, pela sua vez apaixonados por outros pretendentes.
Hilria O meu Silvestre anda morto porque me querem casar 940 com o filho de Pero Torto. Juliana E o meu Brs quer-se enforcar porque me casam no Porto.
Hilria Silvestre h de fazer um desatino de si. 945 Juliana E Brs h de endoudecer pois Deos nam h de querer que eu nada faa de mi.
Hilria Juliana que faremos? Juliana Bof Hilria nam sei. 950 Hilria Sabes mana que eu farei? Juliana Dize rogo-to e veremos. Hilria Escuta que eu to direi...
Direi que andando a de parte com o meu gado em Alqueido 955 me apareceu uma viso que me disse: moa guar-te de chegares a baro.
E assi me escusarei deste negro casamento 960 e depois andando o tempo outra viso acharei que case a contentamento.
Juliana Eu direi que um escolar me tirou o nacimento 965 e disse: o teu casamento se no Porto hs de casar amara vida te sento.
Ca sers demoninhada esses dias que viveres. 970 Hilria Qu? Co essa emborilhada ficars desabafada casars com quem quiseres.
Juliana A fortuna todavia nos tem que farte agravadas 975 andemos nossas jornadas cheguemos romaria e seremos descansadas.
A questo do livre arbtrio, j implcita no problema do casamento, atinge as freiras Dorsia e Domiclia, reclusas no convento contra a prpria vontade. Essa questo se completa no dilogo entre Frei Pao e Marta do Rego sobre a determinao. Frei pao assume a postura determinista nos planos sociais, Marta Rego, a de antideterminista. Veja esse trecho interessante:
"Frei Pao Porque os casamentos 500 todos so porque ho de ser e com quem, desde o nacer, e a que horas e momentos assi h de acontecer.
E assi as religiosas 505 naceram pera ser freiras e vs pera regateiras outras pera ser viosas e outras pera canseiras.
Marta E vs mano frei trogalho 510 em que perneta nacestes que mora c viestes? Dizei padre frei chocalho tudo vs isso aprendestes.
Cebolinho e espinafre 515 j vo-la barba nace ora ouvide-lhe o sermo e tangede-lhe o atabaque nam caia ponde-lhe a mo.
O que as pranetas fazem 520 porque ns o causamos e se fortunas nos trazem porque ns as buscamos que os erros de ns nacem. "
Frei Pao quem encerra a pea com esse discurso em tom moralizante como toda a obra:
Frei Pao Agravos que nam tem cura procurai de os esquecer que impossvel vencer batalha contra ventura quem ventura nam tiver. 1050
Nam deve lembrar agora agravos nem fantesias senam muitas alegrias rainha nossa senhora que viva infinitos dias. 1055
Cantemos uma cantiga ao mesmo ifante bento e ao seu bento nacimento por que a rainha nam diga que somos homens de vento. 1060