Poucas pessoas eram tão próximas a Ayrton Senna como o
preparador físico Nuno Cobra, com quem o piloto conviveu intimamente nos últimos dez anos de sua vida. Nuno não disfarça o orgulho de ter participado das vitórias. Ele lembra que, ao chegar a seu consultório pela primeira vez, em São Paulo, Ayrton era um homem tímido e fechado. "Dava aula para uma pedra", confessa, ao destacar que Senna foi um dos casos mais difíceis da sua carreira de quase 50 anos.
Nuno conta que o segredo das conquistas de Senna está ligado à
descoberta do prazer de viver. Com o treinamento baseado em respiração, alimentação adequada e condicionamento físico, o piloto superou um suposto problema cardíaco e deixou de ser chamado de "franzino Ayrton Senna". O apelido era odiado pelo ídolo, segundo conta o preparador físico, que também treinou Mika Hakkinen e Christian Fittipaldi.
Todo método de Nuno Cobra está resumido no livro "A Semente da
Vitória", da Editora Senac. Na publicação de sucesso, o treinador explica que não existe segredo no resgate das raízes de um vencedor. Formado em educação física em São José de Rio Pardo, no interior paulista, ele defende que o corpo, a mente e o espírito devem ser trabalhados em conjunto. E garante que quem é feliz não adoece.
Nuno conversou com o Correio na semana em que a morte de
Senna completa dez anos.
O bate-papo aconteceu depois de mais uma palestra sobre
qualidade de vida, proferida para funcionários do Banco do Brasil, em Brasília.
CORREIO BRAZILIENSE – Como foi trabalhar com Senna?
NUNO COBRA – Foi uma experiência luminosa na minha vida. Admito que não foi o meu caso mais emocionante. Foi, sem dúvida, o mais notório. Os trabalhos mais emocionantes de toda minha carreira foram com presidiários e com excepcionais, há mais de 40 anos.
CORREIO – Senna era uma pessoa fácil de trabalhar?
COBRA – Ao contrário. Ele era muito difícil, quase não falava com ninguém. Era como dar aula para uma pedra.
CORREIO – Essa imagem é muito diferente do que passava
para o público aqui no Brasil. NUNO – Mas acredite. Algumas vezes eu ficava até quatro horas com Senna, trabalhando a auto-estima dele, e o máximo que eu ouvia era um "oi" atravessado no início do encontro. Em outros momentos, ele só me observava com o canto dos olhos e não falava uma palavra. Se tivesse aparecido na minha vida antes, eu não teria feito esse trabalho com ele. Não estaria pronto para alcançar um bom resultado.
CORREIO – O senhor pensou em desistir?
NUNO – Eu não, mas meu filho ficava arrasado. Ele era meu ajudante na época e depois de horas de trabalho com Senna chegava em casa e chorava. Ficava realmente arrasado. Nós dois crescemos muito com o trabalho com Senna.
CORREIO – Como vocês se conheceram?
NUNO – Ele me procurou na Universidade de São Paulo (USP). Veio por um jornalista que conhecia meu trabalho com outros atletas, principalmente de tênis e vôlei. O Ayrton tinha lido algumas entrevistas minhas e me procurou.
CORREIO – Ele queria melhorar o condicionamento físico
quando te procurou? NUNO – Na verdade ele achava que tinha problemas graves no coração, porque ainda no início da carreira, quando corria na Fórmula 3, ele desmaiava no fim das provas. Ele era muito fraquinho, sem massa muscular.
CORREIO – Mas ele tinha problemas cardíacos?
NUNO – Não. A primeira coisa que verifiquei foi o coração dele. Depois de vários anos confirmei que ele não tinha nada mesmo. Nesse momento, tive minha primeira conversa franca com ele. Contei para o Ayrton que ele tinha coração de passarinho, que bate, bate mas não manda sangue suficiente para todo o corpo. CORREIO – E como ele superou isso? NUNO – Ele se envolveu muito no treinamento. Uma dedicação máxima que eu nunca tinha visto igual. Por exemplo, era comum o Ayrton estar acordado ainda às 2 da manhã. Aos poucos fomos mudando seus hábitos. Mas, para chegar ao ponto de ir para cama à meia-noite, demorou meses. Me lembro que em um dia, em 1991, liguei para ele em Angra antes de 21 horas e ele já estava dormindo. No dia seguinte, ele me contou que tinha descoberto o enorme prazer de dormir cedo e bem.
CORREIO – O que o treinamento fez com ele?
NUNO – Quando ele começou na Fórmula 1, Ayrton era frágil e se irritava porque os jornais o chamavam de franzino Ayrton Senna. Ele odiava isso. Em dez anos, o consumo máximo de oxigênio de Senna subiu de 34ml para 80ml. Isso possibilitou que ele corresse mais, se movimentasse mais e ganhasse massa muscular. Senna ficou mais aberto, comunicativo e carinhoso. Ayrton descobriu o prazer de viver, de mastigar bem os alimentos e sentir o gosto da comida.