Vous êtes sur la page 1sur 18
CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA AMELIA COHN O termo Reforma Sanitaria nado é univoco. Designa as mais variadas expcriéncias de reformulacgéo normativa e institucional no campo da assisténcia 4 satde dos cidadaos, em paises do primciro e do terceiro mundo, como a Italia, a Espanha ¢ o Brasil, como ainda em sociedades semiperiféricas!, como Portugal. Dentre essas experiéncias foi a italiana que mais fortemente marcou ¢ inspirou o movimento da Reforma Sanitaria no Brasil. Destaque-se nisso a participagao de Giovanni Berlinquer em eventos na 4rea da saiide e a penctragao de seus estudos nos meios universitario ¢ profissional. No Brasil, a nogiao de Reforma Sanitaria vem sendo associada 4 de movimento. Isso traz implicagdes importantes. Movimento significa processo, fendmeno dindamico e inacabado. Sendo um processo em curso e sem final predeterminado, demarcar seu inicio também é tarefa complexa. Os estudos sobre o tema no mais das vezes datam o inicio do movimento em meados dos anos setenta, na criagdo de uma série de instituigoes empenhadas na universalidade ¢ lo termo € de Boaventura de Souza Campos, in "O Estado, a So% Politicas Sociais' p. 37. dade ¢ as, Revista Critica de Ciéncias Sociais, n® 23, setembro de 1987, 124 LUA NOVA - SAO PAULO ~ NOVEMBRO 89 N° 19 eqiiidade da assisténcia 4 sade. fi 0 caso do CEBES — Centro Brasileiro de Estudos de Satide - de 1976, e da ABRASCO — Associagao Brasileira de Pés-Graduacdo em Satide Coletiva — de 1979. Nao obstante esses marcos institucionais, j4 naquela época havia um actmulo significativo de conhecimento sobre a questéo da satde, na busca de novos caminhos para sua compreensio, JA entdo nao se condenavam mais os fatos sociais a serem externos ao processo satde-doenga mas, reconhecendo a especificidade deste, passava-se a concebé-lo também como parte integrante do social. Da mesma forma, comecam a ser desveladas as dimensdes sociais, politicas ¢ econdmicas da pratica mé- dica e das medidas na 4rea da satide. Em suma, retira-se a saide da esfera estritamente técnica e rompe-se a_ dico- tomia prevengao-cura na _ constru¢géo desse novo objeto de estudo — a medicina social - na sua referéncia 4 realidade brasileira. Ao tomar-se como marco significativo a produgaéo de conhecimento nesse periodo reconhece-se o papel importante que a universidade brasileira desempenhou na conjuntura politica autoritéria de entao. Mais do que isso, registre-se 0 paradoxo desse conhecimento de natureza progressista gerado no scio das retrogradas — até por tradicao — escolas médicas, Nao é de subes- timar-se a aspereza do confronto de idéias com o pensar estabe- lecido sobre a satide (que privilegia a doenga) e do embate com Os setores dominantes nessas instituigdes. Definitivamente, no interior das escolas médicas os Departamentos de Medicina Social e/ou Preventiva nasceram condenados a marginalidade e ao ostracismo. Mas talvez tenha sido exatamente essa condenagaio ao ostracismo que tenha possibilitado essa reflexdo pioneira no pais: supde-se, afinal, que os insanos, desde que confinados, nao representam maior perigo ao corpo social. E esse estigma de insanidade, por buscar a contaminagéo do entendimento das questées técnicas da satde pelas ciéncias sociais suscita uma no- tavel capacidade de reagdo ao saber dominante, mas nao exime esse esforco dos riscos inerentes 4 condigio que marca grande parte da produgdo na Arca: a de ter nascido e se constituido como um saber militante. CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA 125 MARCOS INSTITUCIONAIS DA REFORMA SANITARIA NO BRASIL A Reforma Sanitaria brasileira tem sido objeto de estudo de varios pesquisadores da area da Medicina Social, que a partir de fins dos anos 70 passou a ser denominada, no Brasil, Saide Coletiva. A produg’o desse conhecimento realizada no ambito das universidades e' pulverizada pelas diferentes unidades, associaram-se profissionais médicos militantes da rede piablica de servigos na criagdo, em 76, do Centro Brasileiro de Estudos de Satide, na reunido daquele ano da SBPC, entao um importante forum politico dos cientistas brasileiros no combate ao autoritarismo vigente, constituiu-se 0 CEBES com a proposta de criagdo de uma revista — Satide em Debate. O objetivo dessa publicagéo era veicular a nova perspectiva de anilise da sadde, agora intimamente relacionada aos processos hist6rico-sociais. Em seu primeiro namero, a revista afirma seus propésitos: “ampliar e levar adiante as discussdcs e anilise do setor sade como componente do processo histrico-social no sentido de reafirmar a intima relagdo existente cntre sade e¢ estrutura social. Nossos colaboradores, de varias manciras, acumulam experiéncias nessa area e tém, na defesa dos interesses coletivos, a regra norteadora de suas realizagoes”2. Essa entidade aglutina assim a academia e os profissionais dos servicos, elegendo como meta prioritéria uma percep¢ao das questées relativas a sade, condizente com uma reformulagao do sistema de sadde entado vigente, na busca de sua universalizagdo e eqiiidade sob a égide do setor pablico. Para tanto, recupera experiéncias anteriores de profissionais envolvidos em programas como o PIASS — Programa de Interiorizagdo de Agdes de Satide e Sancamento do Nordeste — de 1976, que perseguia a formulagdo de um novo modelo de atendimento a saide da populagio, associada a sua extensio aos setores carentes. E no decorrer dessa trajetoria que o CEBES vai se convertendo, “na defesa dos interesses coletivos”, num 2cCEBES, Satide em Debate, n® 1, p. 3. Ver a respeito, na mesma revista, artigo de Escorel, S., "SaGide e Democracia, Democracia € SaGde", n® 21, junho de 1988, pp. 51 a 55. 126 LUA NOVA ~ SAO PAULO - NOVEMBRO 89 N° 19 interlocutor politico importante nas arenas de discussao e formulagdo de politicas de satde. Trajetoria semclhante percorre a Associacao Brasileira de Pds-Graduagio em Satide Colctiva, também da segunda metade dos anos sctenta, e que gradativamente se constituiu num importante interlocutor politico nos debates e embates das politicas de satide, ao mesmo tempo que vem promovendo a divulgacio e intercambio de informagdes e estudos sobre a questao3, £ a partir do surgimento dessa instituigdo que a area da Medicina Social passa a ser denominada Satde Coletiva. Buscava- se assim suplantar, no Brasil, a historica distingao entre Medicina Social e Satde Piiblica, em que a primeira muitas vezes passava a ameagar esta, 4rea tradicional de enfoque da satide no ambito colctivo. A nova denominagdo deixaria marcas profundas na producdo da rca. Ao substituir-se “Medicina” por “Sade” am- plia-se 0 objeto, tornando-o mais abrangente, o que passa a exigir uma nova delimitagdo do campo. E, a0 substituir-se 0 Social pelo Coletivo, torna este mais inespecifico, exigindo que seja rastreado em sua totalidade. Mas ao mesmo tempo, requer da Satde Coletiva que incorpore a produgdo classica da Sade Piblica, agora no novo entendimento da relagdo entre o biolégico e o social, a “caixa preta” referida por Asa Cristina Laurell’, O desafio nao é de pequena monta, e exige um outro olhar sobre 0 processo satde-doenga, a pratica médica, as politicas de satide, 0 planejamento e a formacdo de recursos humanos. E em sua grande parte cle é enfrentado e determinado pela 6tica da resisténcia - durante o regime militar - ¢ da busca de negociagaio politica — nos estertores daquele regime e na conjuntura da transigéo democritica. Como conseqiiéncia, o balancgo dessa produgao acaba por demonstrar 0 predominio da militancia. sobre a pesquisa e da denGncia sobre um conhecimento propositivo para a reconstrugao do setor. 3sobre a evolugéo da produgao na area ver Nunes, E.D., "Ciéncias Sociais em Satide no Brasil: notas para 2 sua historia", Educacién Medica y Salud, vol. 21, n® 2 (1987), pp. 106 a 116 © Teixcira, S.M., "As ciéncias sociais em satide no Brasil", in As Ciéncias Sociais em Satide na América Latina ~ Tendéncias e Perspectivas, org. de Nunes, E.D., OPAS, Brasilia, 1985. 4aurell, A.C: "A Satide. Doenga como Processo Social", in: Nunes, E.D. (org. Medicina Social — Aspectos histéricos e tedricos, Global Editora, S40 Paulo, 1983, p. 156. CAMINHOS DA REFORMA ‘SANITARIA 127 Mas se isso hoje suscita a necessidade de se reverem os caminhos a serem trilhados pela “inteligentsia reformista”, nao resta divida de que essa dtica foi importante até recentemente para orientar estratégias de agao politica visando a reversao da légica preyalecente no setor. Os exemplos sao numerosos e datam do inicio da década de 80. Nos anos 79/80 ocorre uma aguda crise financcira da previdéncia social, principal fonte de financiamento do sctor saide, Nesse contexto, diante das ameacas de drasticas restrigdes dos gastos previdenciarios com assisténcia médica, vém a piblico propostas alternativas de fortalecimento do setor publico de sade e de uma nova forma de remuncragao na compra dos servicos privados de assisténcia médica. O PREV-SAUDE propée a reestruturacao da rede pdblica de servigos de satide no sentido da sua universalizagdo e racionalizagao. Trata-se de converter a rede bisica de servigos na porta de entrada do paciente no sistema de sadde, revertendo assim a caracteristica hospitalar do atendimento. Originario dos escalées do Ministério da Satide, o projeto sofre trés redagées, cria celeumas, mas nao é efetivado. Vem cm seguida o Plano Conasp, com sede junto ao Ministério da Previdéncia e Assisténcia Social, e que prevé convénios trilaterais entre esse Ministério, 0 Ministério da Sadde e as Secretarias Estaduais de Saide. Estes, por sua vez, deram origem as AIS — Agdes Integradas de Satide. Os convénios AIS come¢am a ser assinados com as unidades da federagao a partir de’ 83. A previdéncia social repassa recursos para os estados, ¢ estes para os municipios, cabendo as respectivas redes pdblicas de servigos o atendimento também aos previdenciarios. Paralelamente, o Plano propde que a partir de entao os servi¢os que o INAMPS compra da rede privada sejam pagos pelo calculo do custo global do procedimento médico, e nao mais pela somatéria dos altos fragmentados de cada atendimento: sao as AIH = Autorizagdo de Internagao Hospitalar. Mas enquanto as AIH provocaram forte reagao do setor privado e dos profissionais médicos, elas e sobretudo as AIS foram interpretadas pelos “reformistas” como a estratégia central para a constituic¢io do Sistema Unico de Satide no pais, proposta j4 formulada em 1978. Enquanto isso, no interior do movimento da Reforma Sanitéria continua a reflexdo militante sobre estratégias ¢ modclos de engenharia institucional, ¢ evolui-se para proposta do 128 LUA NOVA - SKO PAULO - NOVEMBRO 89 N? 19 SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Satde. Os convénios SUDS comegam a ser assinados com as varias unidades da federagao a partir de meados de 88. Prevéem, da mesma forma que as AIS, financiamento tripartite — federal, estadual e municipal - ¢ 0 reforgo da autonomia désses tltimos dois niveis na geslao da sade. O sentido é 0 da universalizagao do acesso aos servicos de satide via fortalecimento do setor piblico de servigos. Ambas as experiéncias, no entanto, evidenciam a vulnerabilidade desses avangos institucionais aos interesses politicos e clientelisticos. Nao s6 os convénios sao celebrados obedecendo a critérios ditados por interesses politicos imediatos — a l6égica da barganha - como a implementagao pratica das medidas de satide, agora conforme 0 novo modelo, traduz-se das mais diferentes maneiras. A integragdo das AIS traduziu-se em grande medida num aumento da produgio de servicos e a descentralizacdo do SUDS numa mera desconcentracao. Assim, ambas as experiéncias pouco significam para uma descentralizagao cfctiva da competéncia das esferas de poder na gestao da satde>. Do ponto de vista do arcabougo institucional, no entanto, essas experiéncias representam significativos avangos por relacio a constituicéo do Sistema Unico de Satde, objetivo tiltimo da Reforma Sanitaria, Jé no caso das AIS, por exemplo, nao s6 em tese ocorre uma integragao do INAMPS com o Ministério da Sade como sao previstas diferentes instancias de coordenagao interinstitucional, as CIS, CRIS, CLIS e/ou CIMS®, tendo em vista 0 controle da sociedade sobre os rumos da satde. Resta, pois, a questéo de como se concebe a Reforma Sanitaria: alteragdes profundas no aparato institucional, rupturas abruptas do modelo de atengao a satide, ou um movimento com ampla mobilizagao social e partidaria? Noutros termos, 0 que caracterizaria de fato uma Reforma Sanitaria como um processo, interfacetado por certo, mas que, ao apresentar tais descompassos entre o institucional, o politico, o social e o técnico, requer para SA respeito da experiéncia SUDS, Comissio de Politicas de Satide da. ABRASCO - A experiéncia SUDS @ os desafios atuais da Reforma Sanitaria, ABRASCO, Rio de Janeiro, 1989. Scomissdes Interinstitucionais de Satide, Comissdes Regionais Interinstitucionais de Saude, Comissdes Locais ¢/ou Municipais Interinstitucienais de Satde, correspondendo a cada esfera de poder CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA 129 sua concep¢ao um padrao minimo de articulacio entre esses niveis? Teixeira? entende Reforma Sanitaria como um conceito que se"... refere a um processo de transformagao da norma legal e do aparelho institucional que regulamenta ¢ se responsabiliza pela protegdo 4 sade dos cidadaos e corresponde a um efetivo deslocamento do poder politico em diregio as camadas populares, cuja expresséo material se concretiza na busca do direito universal 4 saide e na criagdéo de um sistema tnico de servigos sob a égide do Estado". Suficientemente amplo, este entendimento do que venha a ser Reforma Sanitaria permite aplicd-lo as diferentes realidades em que a politica de saide ganha destaque. No que diz respeito a realidade brasileira, importa atentar para o significado "deslocamento do poder politico em diregéo as camadas populares", que implica a analise da natureza da transicdo democratica brasileira, bem como do real peso efetivo da "transformagio da norma legal e do aparelho institucional que regulamenta € se responsabiliza pela protcgao a sadde". Atentar para essas questGes resulta portanto em entender a Reforma Sanitaria como um fendmeno intrinsecamente politico, que exige estreilo suporte técnico. A IMAGEM CONDIZENTE Os avancos na satide até aqui apontados nao se resumiram as reformulagdes no Ambito institucional. Resultaram de uma militancia e de uma estratégia politica, envolvendo desde setores da categoria profissional médica até movimentos sociais € sindicais de variada natureza. Por outro lado, dois fatos sao instigantes quando se busca reconstruir esse processo. O primciro diz respeito a terem origem predominantemente no Executivo as propostas e medidas no sentido dos preccitos reformistas. O segundo exprime-se na dificuldade da extensa literatura a respeito para identificar as eira, S.F., "Reflexdes Teéricas sobre Democracia e Reforma Santéria", in Teixeira, S.F. (org.), Reforma Sanitaria - em busca de uma leoria, Cortez Editora/ABRASCO, Si0 Paulo, 1989, p. 39 130 LUA NOVA ~ SAO PAULO ~ NOVEMBRO 89 N° 19 forgas politicas que compdem o movimento da Reforma Sanitaria brasileiro. De fato, a origem das propostas no poder central causa estranheza, pois é nele que se concretizam as politicas de sade no sentido da privatizagdo dos servigos e da defesa dos interesses privados do setor. Como entdo explicar essas propostas que vao no sentido oposto 4 sua pratica politica imediata? Um fato dos mais significativos nesse contexto é a VIII Conferéncia Nacional de Satide, convocada pela Presidéncia da Repiblica e de responsabilidade do Ministério da Satide. Trata-se de marco politico importante: 6 quando a satide é trazida para a arena de um amplo debate piblico. Para além do evento especifico, cla envolveu uma série de debates prévios e de conferéncias posteriores por temalicas especificas apés sua realizagéo, em marco de 1986. Representou ela, ainda, a grande arrancada para o embate piblico que haveria quando da eleicdo e instalagao da Assembléia Nacional Constituinte. Ademais de toda sua importancia, ela espelha as contradigées do proprio movimento da Reforma Sanitaria brasileira. Sua organizagio e presidéncia ficam a cargo de um eminente "reformista", tanto pela sua envergadura intelectual quanto pela sua pratica politica: Sergio Arouca, entéo presidente da Fundagao Oswaldo Cruz, drgao do Ministério da Satide. Dela recusam-se a participar os representantes do setor privado da satde, nao a reconhecendo ser esse um espago legitimo de discussio, como igualmente é pequena a participagio do Legislativo e pouco institucionalizada, para ndo dizer nula, a participagao daqueles partidos politicos que pelo menos em principio comungam nos preceitos reformistas. Finalmente, uma vez mais, a ABRASCO desempenha papel de relevo na dinamica do evento, formulando material prévio para debates preparativos da reuniao8 e nela apresentando documento que em grande parte norteou a discussdo e o texto da Conferéncia, baliza mestra para O texto constitucional, do ponto de vista dos reformistas. No entanto, € curioso notar que a maioria das andlises sobre o tema evidenciam diferencas e oposigdes no interior do movimento da Reforma Sanitéria, que viriam ou vieram a tona no periodo da transi¢ao democratica, mas nao logram identificar 8comissio de Politicas de Satide - ABRASCO ~ Pelo Direito Universal a Satide, Rio de Janeiro, 1986. CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA 131 claramente essas tens6es. A titulo de exemplo, tem-se que a meta do Sistema Unico de Satide "... durante tanto tempo tida como consensual no 'bloco sanitario', iria mostrar suas fissuras ¢ contradi¢des na medida em que safa do discurso oposicionista para a pratica da transicdéo democritica"?, FE em texto mais recente!9, sao identificadas duas posigdes presentes, em tese, no movimento da Reforma Sanitaria: a social-democrata e a socialista. Ambas tcriam em comum a tese da modernizagio do setor e se diferenciariam no entendimento do que scria a sua democratizagao, bem como sua insergao no processo social mais amplo. Afirmam os autores: "No tocante ao plano singular as diferencgas sao taticas e a tendéncia institucional se caracteriza pela priorizacao da intervengao politica no interior do aparelho de Estado em detrimento daquele junto 4 sociedade civil, e a tendéncia societéria pelo inverso. A op¢ao por uma ou outra tem dado margem a mituas criticas em relagao a eventuais prejuizos estratégicos". O enigma come¢a a ser deslindado quando se atenta para a nao identificagdo dos atores sociais envolvidos no movimento enquanto os opositores da Reforma Sanitaria sao identificados com maior precisio — 0 setor privado da satide ¢ suas instituigGes representalivas, 0 governo, a tradicdo privatista do Estado brasileiro. Mas em ambos os casos existe um grande ausente: os partidos politicos. Ademais, as referéncias a tensdes ¢ conflitos no interior do movimento reformista da sade, jamais explicitados enquanto forcas politicas partidarias, impedem um alto grau de consenso nas anilises ¢ interpretagdes sobre o movimento. LE dessa forma repde-se o enigma. De imediato ha que se registrar que a farta literatura a respeito apresenta no geral um tom ufanista na avaliacao do movimento, para além das efetivas conquistas por ele alcangadas. Em contrapartida, as tensdes e conflitos no seu interior vém A tona de forma explicita, por exemplo, nas interpretagdes e 9Gadelha, P. E. © Martins, R., "A Politica Nacional de Saide ¢ a 8* C.NS. *, in: Satide em Debate, CEBES, Curitiba, abril de 1988, n® 20, p. 80. 10Gallo, E. € Nascimento, P.C. - "Hegemonia, Bloco Hist6rico e Movimento Sanitério", in Reforma Sanitaria ~ em busca de uma leoria, op. cit., pp. 108-109. 132 LUA NOVA - SKO PAULO - NOVEMBRO 89 N° 19 andlises na revista Satide em Debate, do CEBES, num tergar de escritos entre dois estudiosos do assunto!!. O titulo dos artigos, neste caso, ja sao significativos: "A Andlise Necessaria da Reforma Sanitaria", que tece consideracdes sobre um texto do autor de "A Reforma Sanitaria Necessaria"!?, sendo respondido no némero seguinte através de artigo intitulado "Tréplica: o debate necessario 4 construgdo de uma teoria sobre a Reforma Sanitaria". © que chama a atencao € a insisténcia no termo necessGrio. E remete imediatamente 4 indaga¢ao "necessdrio para qué?". Para além da idéia de um debate necessério para a sua adequada compreensiao do tema, 0 prdéprio contetdo dos textos aponta para um outro significado, marca militante da producio intelectual da 4rea. Trata-se de referir a nogao de necessatia a intervengdo na realidade, entendida a partir de recortes politicos de atuacao partidaria. Esclarega-se, desde ja, que nao se trata de avaliar uma produgao dessa natureza no confronto com uma produ¢ao eminentemente académica, mas sim de desvelar o fato dificilmente explicitado de essa produgao, ancorada em preceitos técnicos e conhecimento teérico, estar voltada para o calor da luta do movimento reformista, que acolhe diferentes correntes politicas. Por que, entao, elas nao se explicitam no interior do proprio movimento, e nao vém a piblico? A resposta a essa questéo explica igualmente porque o modelo italiano, tao diferente por relacdo ao processo brasileiro, ¢ tomado como exemplar. Encaminha uma resposta a circunsténcia de o movimento reformista sanitario brasileiro ter sua origem ainda durante o regime militar, com suas restrigdes aos partidos de esquerda. Mais que isso, durante o autoritarismo o enfrentamento do inimigo comum nao permitia explicitarem-se diferenciagées internas ao préprio movimento. E quando do periodo da transigfao democrilica, vé-se © movimento diante das suas diferengas internas c com enormes dificuldades para enfrenta-las, numa dinamica oscilante entre 0 interno € o externo, Interessante 11 sade em Debate, nimcros 22 ¢ 23, outubro ¢ dezembro de 1988, autorias de Sonia M.F. Teixcira e Gastao W. de S. Campos, respectivamente. 12 campos, G.W. de S., in Berlinguer, G., Teixeira, $.F. ¢ Campos, G.W. de S., Reforma Sanitaria — Italia e Brasil, Wucitec-CEBES, Sao Paulo, 1988. CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA 133 notar que nem mesmo o atual contexto das campanhas elcitorais trazem para dentro do movimento essas diferengas. Tem-se a impresséo de que 0 conflito é insuportével por colocar em isco © movimento, que, por sua vez, enfrenta poderosos inimigos externos. Tanto assim é que 0 fato de no decorrer desse processo ter o Partido Comunista Brasileiro assumido a sua lideranga nao € reivindicado na propria campanha. Existcm explicagdes historicas para isso, como existem as imediatas no que diz respcito 4 satide. Neste caso, que aqui interessa mais de perto, pode-se buscar explicagdo no principal, embora nao consensual, estratégia adotada pelo movimento da Reforma Sanitaria, que foi a de "ocupagio de espacos institucionais”!3 ¢ de criagao de "projetos institucionais", entendendo-se que "a partir da ocupagao desses espagos institucionais por pensamentos diferenciados contra hegeménicos, estes passam a ser palcos de luta, objeto de disputa entre os diferentes interesses’4, Comega a causar menos estranheza, portanto, 0 fato de a grande maioria das propostas progressistas para a sadde ter origem no Executivo, merecendo contudo estudos aprofundados, razio pela qual foi possivel a este absorver essas demandas ¢ proposicées. Mas igualmente comeca a ganhar significado o apoio buscado no modelo italiano sem se deter com a merecida ateng4o nas reais diferengas de ambos os processos. E se a presenca de Giovanni Berlinquer foi importante para o movimento reformista, nao & cle suficiente para explicar essa aproxima¢ao alvez a explicagéo resida exatamente nas propostas partidarias - nunca explicitadas — da lideranca do movimento que vé na experiéncia italiana um modelo. Se quanto aos processos cles foram tao diferenciados ~ na Itélia sendo um movimento com origem nos trabalhadores, que passam a conquistar a incorporagao de suas demandas pelos Estados enquanto sao frageis as bases sociais efetivas do movimento -, a distingdo acaba por respaldar a estratégia adotada: a de ocupa¢gao de espacos institucionais. 13 Ver a respeito Escorel, $., A Reviravolia na Satide: Origem e Articulagdo do Movimento Sanitdrio, NSP, FioCruz, Rio de Janciro, 1987, mimeo. Mescorel, S., op. cit., p. 305. 134 LUA NOVA ~ SKO PAULO - NOVEMBRO 89 N® 19 Dai nao s6 a analise necessdéria da Reforma Sanitaria brasileira como também as versdes "oficiais" sobre a mesma}, no sentido do trago homogéneo das anilises, como ainda a énfase no modclo do arcabougo institucional do setor para o cumprimento dos objetos almejados: universalidade e eqitidade na construgao do direito 4 satide, sob a responsabilidade de um Sistema Unico de Satide com comando nico em cada esfera de poder, ¢ sob a égide do setor piblico. Assim & que projetos institucionais alternativos (PIASS, por exemplo) e propostas de reformulagao da organizacdéo dos servicos — AIS e SUDS, por exemplo — tém origem no poder central, Formulados a partir de um acamulo de conhecimento produzido na area da Satide Coletiva, essas propostas e medidas colocadas em pratica, tendo em vista a estratégia | utilizada acabam por revelar-sc vulneraveis as flutwacdes da conjuntura politica, £ esta a outra face da fragilidade, do enraizamento social do movimento sanitario. Por outro lado, o embate politico com os interesses contrarios a reforma sanitaria deixou sua marca: uma hipertrofia da politica em relagao a técnica, ou seja, a énfase na montagem de estratégias institucionais de agio em nome e para as classes subalternas em detrimento da formulagdo de um modelo Sanildrio alternativo de atendimento a satide. A questéo de fundo que perpassa todo o processo constitui, pois, a compreensao da relagdo Estado-sociedade na constituigéo e consolidagao de uma ordem democratica. A énfase exagerada na dimensdo institucional na defesa de determinados principios para e pelas classes populares aproxima-sc perigosamente dos parametros do Welfare State, concebido como uma relacio entre Estado e mercado em nome da eqiiidade e universalidade do direito a satide, em que pesem os preccitos marxistas que orientam a formulacao e justificagao dos projetos reformistas. Da mesma forma, 0 que foi identificado como a vertente socialista!® do movimento sanitério, que imprime maior @nfase A mobilizacdo popular, acaba por recair nos preceitos da democracia directa. Em comum, ambas as vertentes participam do 15 Refiro-me aqui a expressdo utilizada por Gastéo W.S. Campos, no artigo de Savide em Debate, jA citado. 16 Gallo, 4 et alii, op. cit CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA, 135 movimento reformista sob a figuragio de um movimento supra- partidario, Exemplo disso é a Plenaria da SaGde que congrega diferentes instituigdes da sociedade civil numa mobilizagao que teve inicio no periodo de elaboragdo da Carta Constitucional. Ambas as vertentes acabam por ter suas divergéncias ¢ tensées no vindo a piblico, da mesma forma que, antes da atua¢do junto aos partidos, se atua junto aos lideres de bancadas e representantes no Legislativo. Entre a democracia direta e a democracia representa- tiva, ganham-se batalhas — como o atual texto constitucional — longe estando a vit6ria da guerra. Uns superestimam seus aliados — as classes populares — na luta pela satide, ¢ outros a forca das mudancas da engenharia institucional. E se os principios do mo- vimeto reformista unificam todas as forgas progressistas — termo suficientemente neutro —, isso possibilita 4s forgas de oposigao a identificagao ndo de um movimento sanitério que enquanto tal congrega diferentes correntes e forgas politicas, mas de um partido sanitario como um grupo em que a homogencidade se sobrepde a sua diferenciagao interna. Mas se as conquistas, sobretudo as de ordem institucional, foram significativas, elas mostram igualmente a fragilidade relativa do movimento. A esiratégia do "inverso" para se contrapor aos interesses hegemGnicos no setor, perfeitamente conciliaéveis com o padrao estatal de apropriagéo da coisa pablica, ao se revelar pertinente para a conquista desses avancos foi igualmente reveladora do fato 6bvio, mas crucial, de que a constituig¢éo da satide como um direito implica a relagdo do Estado com a sociedade, e a prépria transformagao desta. Weffort assinala que "... o tema da construgao insti- tucional, isto é, 0 tema tipico da democracia politica, leva ao tema da democracia social e, por conseqiiéncia, ao tema de uma politica de reformas para a economia e a sociedade. Havera, segundo os partidos, os interesses e as classes, diferentes concep- gdes sobre quais devem ser as reformas, sobre como devem ser realizadas e a quem deve bencficiar". Assinala, ainda, a partir de Przeworski, que "a democracia na América Latina, além de um resultado contingente de conflitos, tem que ser um programa politico. Nao, pelo menos nao necessariamente, um programa partidario, mas certamente um programa de varios partidos, os quais, a despeito de suas muitas divergéncias sobre outras ques- 136 LUA NOVA ~ SAO PAULO ~ NOVEMBRO 89 N? 19 tes, terao que inscrever a construgdéo da democracia como a primeira de suas prioridades"!7, A énfase atribuida por Weffort aos partidos politicos na institucionalizagdo da ordem democratica contrapde-se a estraltégia do "inverso". Esta teria consistido na ocupacgdo de espagos institucionais no interior do aparelho de Estado no processo de modernizagio das instituigdes responsaveis pelo se- tor satide, possibilitando a diferenciagao dos tradicionais quadros ai encastelados. Essa diferenciacdo, segundo algumas anilises, possibilitou o desenvolvimento de projctos institucionais que traduziam "a experiéncia acumulada do movimento sanitario em termos de propostas de transformacao da organizacéo dos ser- vigos de satde". E a0 movimento reformista é atribuida a criagdo desses "anéis burocraticos invertidos", que “langaram mao do poder administrativo e técnico nao para a mercantilizacao da satide como os anéis burocratico-empresariais da Previdéncia mas para 0 fortalecimento da sociedade civil e, por vezes, dos movimentos populares. Mas sao anéis permanentemente em tensao, j4 que representavam o discurso contra-hegemGnico den- tro de um espago em que o regime langou mio para se legitimar e desta mancira manter a hegemonia"!8, A par a liberdade na qualificagdo do conceito de anéis burocraticos tal como formulado por Cardoso!9, interessa no momento contrastar essa estratégia do movimento reformista a questao democratica, Nao se trata s6, para levar avante a Reforma Sanitaria no Brasil, de construir e fortalecer a consciéncia sanitaria dos cidadaos, mas cla deve necessariamente estar arliculada A exigéncia de "uma cultura organizada", na exala medida em que a construgdo da democracia é também tarefa de instituigdes intelectuais, culturais, religiosas, sindicais, e profissionais, dentre outras, como aponta Weffort20, Da mesma forma registra Moisés que "Embora saibamos que a democracia nao produz por si sé a justica social [que presume o dircito 4 sade], sabemos, no entanto, pela experiéncia V7 weffor, F.C. — "Dilemas da Legitimidade politica", Lua Nova, n® 15, outubro de 1988, p. 29. 18Escorel, S., A Reviravolla na Satide, ENSP, 1987, Rio de Janciro, mimeo, pp. 335 © 336. . 19 cardoso, F.ll., Autoritarismo e Democratizagdo, Ed. Paz ¢ Terra, Rio de Janeiro, 1975. 20Weffort, F.C., op. cit., p. 29. CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA 137 dos paises onde esse sistema de governo esti consolidado e tem uma longa tradigdo de continuidade, que a rclagéo entre democracia e justica social também é objeto de construgio politica e institucional, 0 seu grau de eficacia dependendo, em grande parte: (a) da natureza dos mecanismos ¢ das regras de procedimento, cujo funcionamento torna ou nao possivel que as demandas da sociedade (em particular, as pressécs dos pobres ¢ dos nio-proprictarios) tenham acesso ao sistema de tomada de decisdes para ali influir; ¢ (b) de os interessados poderem (e querercm) se organizar e se representar para fazer uso dessa possibilidade, cuja natureza, como sabemos, varia no tempo e no espaco"2! ‘Tais questées redimensionam o movimento da Reforma Sanitaria brasileira ¢ propdem desafios de variada natureza. Dentre cles a necessidade de, na luta pela constituigéo da satde como um direito universal e eqiianime de todo cidadio, identificarem-se claramente os atores politicos, com suas diferenciagdes internas tanto no Aambito do movimento quanto nos interesses hegemOnicos que consolidam a privatizagao dos servicos de sadde. Se o periodo autoritério levou os reformistas a desprezarem sua diferenciagao interna, é necessario agora que ela se explicite e venha a piblico. HA, igualmente, que se defrontar com a fragilidade das bases sociais do movimento, ao contrario do caso italiano. O modelo privado de satide € forte atracao para os diferentes segmentos das classes populares, até por contraposi¢ao a heranca do estilo patrimonialista do Estado brasileiro, Adverte O'Donnell que ".., 0 lado principal ldo estilo patrimonialista e prebendalista de fazer politica ¢ governar] consiste, sobretudo, na incapacidade de delimitar 0 pablico e o privado e, a partir disso, na enorme dificuldade de construir as instituigées e claborar as regras a partir das quais seja possivel arquitctar as dimensées civica e republicana, sem as quais jamais alcangaremos um regime democratico, A resullante é, por sua vez, uma politica sem media¢ées institucionais; na sua pratica convergem no interior do aparelho estatal — desde uma esfera pseudopablica — aquele estilo patrimonialista e — desde a sociedade - 0 assalto de interesses 21Mojsés, J.A., "Dilemas da Consolidagao Democratica no Brasil", Lua Nova - Revista de Cultura e Politica, n° 16, marco de 1989, p. 59. 138 LUA NOVA - SKO PAULO — NOVEMBRO 89 N° 19 privilegiados que ... privatizam, pulverizando-o, 0 espaco ptblico do Estado"?2, Priorizar em demasia, pois, a construgéo de uma nova engenharia institucional para a sade, em detrimento da institucionalizagao efetiva da participagéo e representagao politicas, traz 4 tona a dimensao da reforma sanitaria como luta ideolégica nos avangos e recuos dos diferentes atores em luta. Significa descurar nao s6 do efetivo enraizamento das demandas por satide — que devem ir muito além da demanda por assisténcia médica @ requerem a construcdéo de um novo modelo desta — como do préprio estilo patrimonialista do Estado brasileiro ¢ da cultura politica do pais. Ao comparar as reformas sanitarias brasileira e italiana, Oliveira23 caracteriza aquela como "um movimento de dentro para fora, ou de cima para baixo" ¢ esta como "um movimento de fora para dentro em relagio ao aparelho de Estado". Assinala ainda que no caso brasileiro a "formula Reforma Sanitaria" surgiu a partir de um conjunto de técnicas ou de diferentes técnicas tendo em comum um passado progressista24. Esse informal "partido sanitario", a que os conservadores atribuem um sentido pejorativo, adquire identidade quando confrontado com as forgas opositoras, mas nao define nem esclarece no seu interior suas diferengas internas enquanto projetos alternativos para a ordem social brasileira, dos quais a satide é parte. Para tanto, é mister que se explicitem as forgas politicas em jogo, se identifiquem os atores sociais envolvidos e se assuma, na arena politica, divergéncias ¢ aproximacées, reivindicando cada um o que Ihe é devido, Caso contrario perpetuar-se-4 a énfase em propostas macro-institucionais, em principios aglutinadores as custas do desconhecimento da pratica institucional do cotidiano dos agentes institucionais do setor sade, que reproduzem e€ perpe- tuam o "estilo do Estado brasileiro"; mais que isso, aumentara a defasagem entre o nivel da elaboragdo de propostias institucionais 22o Donnell, G. - *Situagdcs - Microcenas da Privatizagao do PUblico em Sao Paulo", Novos Estudos CEBRAP, n® 22, outubro de 1988, Sao Paulo, p.51. 23 Oliveira, J., "Reformas e Reformismo: para uma teoria politica da Reforma Sanitaria (ou, reflexdes sobre a Reforma Sanitaria de uma_perspectiva popular)", in Costa, R.N., Minayo, C.S., Ramos, C.L. ¢ Stotz, E.N. (orgs.), Demandas Populares, Politicas Publicas e Satide, Ed. Vozes/ABRASCO, Rio de janciro, 1989, pp. 13 a 43. 2Ajzime, O., op.cit., p. 19. : CAMINHOS DA REFORMA SANITARIA 139 — mais proxima da dimensdo politica da reforma sanitaria, e da capacidade técnico-sanitaria de construgio de um novo modelo de atendimento 4 satide. Nesse contexto assume papel de relevo, tal como no passado, a producdo de conhecimento sobre a questao da satide, que seja critica no sentido /alo do termo. Nisto a universidade ocupa lugar dos mais importantes, superando-se as "anilises dualistas centradas na dicotomia 'pélo universidade versus pélo servico' na luta pela ampliacdo de scu leque de compromissos com a maior parte possivel da sociedade em que se insere"®9, Nao se trata, pois, da produgao de wm conhecimento critico — que responderia a uma ja definida Reforma Santéria - mas da recuperagao da postura critica pluralista na produgéo desse conhecimento, refletindo o que Oliveira identifica como a existéncia tensa de projetos de hegemonia alternativos?®. Que se recupere, nesse sentido, nao a "analise necessaria" da Reforma Sanitaria, mas as possiveis que um movimento — ou processo — dessa natureza comporta. ImpGe-se, assim, que se explicilem e enfrentem os dois ltermos da expressio Reforma Sanitaria: o politico ¢ 0 técnico, sem uma concep¢ao dualista de oposi¢’o ou mesmo de negacio entre ambos. Mais do que sua expressao, os dois termos compéem as dimensées essenciais do "movimento da Reforma", que demanda ser transformado num processo cfetivo envolvendo as diferentes forgas sociais na luta pela democratizagao da satde e da sociedade a partir mesmo das diferentes estratégias e con- cep¢des que cada ator politico reserve para a Reforma Sanitaria. Caso contrario, resta sempre a hipdtese de os fundamentos e Ppropostas prevalecentes no interior do "movimento reformista" terem, sem o suspeitar, buscado inspiragao nos preccitos do Welfare State. Berlinquer quem adverte: "Creio que deveriamos reivindicar uma maior participagao na politica de saide e menor participagao dos politicos nas manobras de poder nas institui- des sanitarias. O poder politico deveria estabelecer as finali- dades, as tarcfas fundamentais dos servigos ¢ deixar mais respon- sabilidade para as pessoas encarregadas de execular essas tarefas 25paim, J.S., A Universidade € a Reforma Sanitaria, Encontro {talo-Brasileiro de SaGde, Salvador, BA., 1989, mimeo, pp. 16 © 13, respectivamente. ®otiveira, J., op.cit,, p18 140 LUA NOVA ~ SKO PAULO ~ NOVEMBRO 89 N° 19 criativamente27. Afinal, € pela especificidade de sua dimensio sanitaria que esse movimento lograra viabilizar a participacdo politica conereta, porque especifica, dos cidadaos, AMELIA COHN & pesquisadora do CEDEC - Centro de Estudos de Cultura Contemporanea - e¢ docente do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo. 27Roletim da Associagao Brasileira de P6s-Graduagio em Satide Coletiva, ano VII, n? 29, junho/julho de 1988, p. 5.

Vous aimerez peut-être aussi