VEROVERBIMI Edno Gonalves Siqueira

Meus pais se conheceram por olhares, depois recados, depois bilhetes, depois conversas,
depois namoro, depois noivado, depois casamento, depois dormiram, depois eu lnguas.
Me fiz ouvindo, me formei vendo, me estruturei lendo e escrevendo, me corrigi (corrigi-me)
reescrevendo, me reescrevi observando e comparando, me reeditei tentando pelos erros e
acertos alheios aplicados ao meu dirio, me isolei das multides na gritaria interior, me
abasteci na balbrdia do meu aparente silncio, me perdi, me reperdi, me arrependi, me reavi,
revi, reerrei, me ferrei, refiz, redisse, desdisse, redisse-me, redimi-me, ri de mim, rio, rios em
mim, revoltos, revoltas em mim, revolues, revolvimentos, r-volto a mim lnguas.
Busquei palavras pra dizer, quis delas me libertar, tramei trai-las, cortar a lngua pra livrar-me
das palavras, chamei pensamentos e sentimentos como priores das palavras, para rebaix-las,
reduzi-las, devor-las, venc-las, derrot-las, possui-las, e no me apercebi que tudo que
tenho, mesmo sem dizer, so palavras lnguas.
Se aniquilo a lngua, no conto, no me encontro, no h conto. O estratagema me faliu. Quis
usurpar as conquistadoras letras. Sucederam com sucesso a minha empreitada, pois me
antecederam e perpassaram, transpassaram desde sempre e me esqueletaram. Esqueletar
tanto escarnecer quanto doar tutano. Minha essncia so elas, as palavras. Quis fugir, me
libertar. Meu clamor, minha dor, minha splica, era tudo letra; priso em vo perptua
perpetua palavras. Quis destron-las gritando que pensamento sua paternidade. Mentira,
confesso. A letra precede o pensar, a lngua matriz do pensar, matrilinguajar. Sem lngua
nada nasce, tudo jaz na pedra da idade perdida. Pedras que no se contam sem a beno das
letras travestidas de homens em nmeros. Rendi-me verdade suprema que me redimi e ri de
mim: no princpio e no principicio era e , ele-ela, palavra-lngua, eterno Verbo. Vero verbis
princeps.