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AS LEIS DIETETICAS JUDAICAS: UM PRATO CHEIO PARA A ANTROPOLOGIA Marta F. Topel Universidade de Séo Paulo = Brasil Resumo: O objetivo deste texto & conpreender as caracteristicas principais do compleso sistema judaico re lve as leis alimentares. Nesse af, serde disc 1) a sua finncao social perante a incorporacdo de noves: membros a ortodoxia judaica, com a decorsente reformulagae das fronteivas do grupo: ¢ 2) a suet furgto simbélica no sistema religioso judaico, que dé énfase & pratica rinal env lugar de crengas ou atos de #8. Ambas questdes serdo ilustradas a partir de dados obtidos no tralalhe de canpo desenvolvide com ox novos judens ortedoxos de Sao Paulo de 1999 a 2001. Palavras-chave: etnicidade, judaism, religiae, simbolismo. Abstract: The aim of this paper is to understand the main features of the complex Jewish system of dietary laws. Wi in mind, the follewing topics will be discussed: 1) their social fiction as to when new members join Jewish orthodos with the resultant reformulation of the group boundaries, and 2) their synbotic finetion in the Jewish religious sxstem, which gives more emphasis 10 ritual practices rather than beliefs or faith. These vo topies will be illustrated with the daia gathered through a long fieldwork carried out among the new orthodox dews of Sto Paulo during the years of 1999 tlirough 2001 Keywords: eth icity, judaism, religion, simbolism. Identidade éfnica, consumismo e comida na modemidade tordia: claumas reflexées, Como bem assinala Buckser (1999) em relagdo aos Estados Unidos — aseveragio que podemos extrapolar facilmente ao Brasil — os norte-am ricanos costumam tirar stias receitas didrias de livros de cozinha ou de Horizontes Antropolégioos, Posto 8) juno de 2003 204 Marta F.1 fopel izadus, © ni tas espe 6s, Quando a questio em foco € a comida éinica, ela & preparad princi- palmente para acompanhar festas © eelebragdes extraor Ambas tendéncias constituem uma dos segredos transmitides por avés ou bisa indrias. racteristica do advento da modernidade tardia, como a chamaria Giddens (1991), que socavou as velhas estuturas © redes de perteaga, fazendo com que as coneepgies identitirias do individuo perdessem grande parte de scu sentido, para (rans Tormar-se em contingentes, dependendo cada vez mais de escolhas © mani- pulagies individuais, em lugar de estarem enraizadas numa ordem social © historicamente estabelecida, Nesse cendrio, no surpreende que © consume adquira uma importineia progressiva na forma como as pessoas se defi a si mesmas, na medida em que 0 fato de consumir tenta estabelever & expressar idgias sobre aquele sujeito que demonstra preferéncia por alguns hens em detrimento de outros, adquirindo um papel significative na forma gio de identidades. No que diz respeito 4 comida, uma de suas caracteristicas distintivas capacidade simbélica para expressar relagdes © pertengas grupais. A= sim, a comida é uma consirugio cultural consumida por individuos: € 0 ato to em rel fico. de comer envolve a escolha do su E nes alray » a um gaupo esper se sentido que as comidas éinicas oferecem um rico jogo de metiloras das quais s¢ expressam as relagies dos sujeitos com um grupo particular, Esse processo Tica mais evidente em comunidades novas, peque- nas, minoritérias, ou nas quais hd um signiticativo ntimero de novos adep- tos, 1 exemplo das comunidades religiosas que perseguem, de uma forma ou de outra, « incorporugio de novos membros, E se bem o que distingue as ritual que constrsi @ mundo cotidiane dos atores sociais, em mareada oposigio aos costumes ¢ leis que em outras culluras regem os jejuns © as comidas pres: leis alimentares judaicas é formar parte de um sistema simbslic critos para celebragiies extraordinarias, ainda a Forma similar a estes, as leis alimentares judaicus fuzem paiblicas filiagbes religiosas ¢ culturais. De fato, na sua mais singela modalidade, as leis de im podemos afirmar que de pureva © impureza que prescrevem a dieta dos judeus ortodoxos constituem um exemplo de como © alo mais mundano € rotineiro, como o de comer, toma-se parte medular da experiéneia religiosa. Por sua vez, © como bem, assinala Bell (1997, p. 120) em relagio as celebragées nas quais a comida tem um papel destacadlo: Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis dietéticas judaicas. 203 A participagio num banquete é um meio ritual eomum para definir © -alirmar o alcance pleno da comunidade humana e essmica, Tanto se uma comunidade € rigidamente hierdquica ou fundamentalmente mpartilhada a marca en- igualitéria, © principio de uma comida « quanto comunidade.! 0 objetivo deste trabalho € indagar a partir de alpumas earacteristicas do complexo sistema de leis alimentares judaicas, tendo como pontos de partida: 1) a sua fungio social no que diz respeito a incorporaga membros 3 ortodoxia judaica, os baalei teshuvd ou novos ortodoxos, com a decorrente reformulagao das fronteiras do grupo: € 2) a sua fungio sim de novos bélica no sistema ortodoxo judaice, caracterizade como a expresso paradigmética de uma religido ontopratica, na qual étiea © ritual se entrela- cam de forma inextriedvel, levando a detinir 0 judaismo como a religitio da 10 da poesia, da comemoragio da cotidianeidade no do pathos inerente a momentos extraordinérios (Sacks, 1991). Interdicées e recomendacées, ou das leis e costumes alimentares exiaidos de um iudev pio A década de 90 constitui uma marca divis6ria no judafsmo paulistano, uma vez que foi a partir dese momento que um niimer signiticativo de judeus Laicos e liberais abragou a ortodoxia, reformulande em grande me- dida © perfil da comunidade judaica de Si Paulo? Esse fendmeno, que consolidou-se nos Gltimos anos, no obedey € sim incorporagdo de noves membros ao grupo: os bale’ teshuvd? Uma expresso dessa mudanga observa-se facilmente na reconfiguragio do espa co paulistano, com a constante criagie de novas instituigées orto- a. um crescimento vegetativo, No erginal: Shed parscination in fo fast is @ common rim teafiroing the fd exsear ofthe human aad evsnie community Whether shar woman to he rgally Iierarchical wr fundarentally egalitarian, the priaciple of sare fra maths is 2 C1, Topel, M.(200B)¢ 0 Movin de Teshusd em Sto Pak eo Exsonamento do Judaiomo Secular Tor Bis Aman Reece tant a amor 9 se publica, > al Tes ($0: hae ess (ps expresso Hebraic uzida naa desiens 0s ABU ics ae ‘sheagaram a onda, Horizontes Antropolégioos, Porto Alege 109.4 19, p, 203-222, julho de 206 Marta F.1 fopel doxas, como yeshivot Kolelim,® creches, sinagogas, mikves,* centros de cestudo informal, bibliotecas ¢ fitotecas circulantes, restau: cados Kasher,” © espagos de lazer. Um dado nde m aumento do ntimero de rabinos ortodoxos atuantes na cidade. Nesse sentido, se na década de 50 Sio Paulo contava com menos de de7 rabinos ortodoxos, hoje. segundo apontam dados encontrados na Federagie Isruelita do Estado de Sio Paulo (FISESP)." conta com mais de uma centena, A longa cat em judeus pios implica © aprendizado do complexo sistema ritualistico judaico onodoxo, no quall as leis dietéticas detém um papel central. Assim, mportante lembrar que para a ortodoxia judaica ¢ considerado membro do srupo aqucle judeu que cumpre estritamente os preceitos ligados ao descan- pio da Em sintese: ser judeu ortodoxo iio esti rela Les © supermet nos importante € © inhada desses homens © mulheres para se transformat so sabitico, as leis de pureza familiar e as leis que regem o prin kashrut, ou leis dietétie: onado com um ato de fE,€ sim com seguir a risca os 613 preceitos ditados pelo cédigo de leis conhevido como Halachd (em hebraico: eaminho). Kasher significa apto, iddneo, © constitui o termo utilizado para desi nar no $6 as comidas devidamente preparadas para 0 consumo dos judeus ppios, mas também abjetos € pessoas. Assim, na tradigio judaica se diz que os rolos da Tard ou os filactéries si0 kasher quando obcdecem todos. os requisites preseritos pela Malachi, © as testemunhas de uma arbitragem judicial, conheeida como dint ford, Sto kasher se se demonstra a sus hones- tidade © 0 fato de serem judeus observantes. No que diz. respeito & comida, ela pode ser considerada no kasher por diferentes motivos, que incluem desde as espécies envolvidas (como por exemple, a proibigio do consumo de rocessado (a mistura de leite me suina) & forma com que o alimento ne ou 0 abatimento de mode impriprio do animal consumido, peineipalmente, no que diz respeito Q in- terdigio em ingerir sangue animal), ou questOes relativas ao tempo (como a ado). Porém, manter uma dicta ingestio de alimentos cozinhados n0 sil “yest (hobrakco): pla de yew: scan de estos roigiosos para joven. 5 Kolin: dberavo): pal de Kket academia de eats reign sos sea homens cals, © Mgve: dhebraico ital de puriieagde e cusa de bans onde 9 meMRe > Kesher (bra): terme que diana que Un alent es ape panto eonsiane de wm FAK pe * orpanizagoscto da comunidase judsica paulitans, Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis divtéticas juice. 207 Aasher implica colocar em pritica uma complexa lista de Ieis © costumes, © um adestramento cuidadeso para no violar nenhuma delas. A sua mera eaunciagdo tomaria centenas de paginas. Optei, entdo, por enumerar algu- mas das interdigdes encontradas no Shulehan Aruch? com o intuit de far miliarizar o leitor alheio ao complexo sistema das leis alimentares judaicas. A Lei de Moisés probe o uso do quarto tra puros (Gen. XXXIE33), com a ressalva de que as partes proibidas © os vasos sungiiineos tenham sido devidumente removidos. A maioria dos iro, inclusive dos agougueiros sabem como limpar os quartos dianteitos, mas no os tras ros. Consoqticntemente, usimos somente a came do quarto dianteito © nos aabstemos de usar a. do Lraseir. A proibigdo de comer sangue foi estendida aos ovos, © 0 siangue que ha neles est proibido. E proibido comer os ovos que contenham manchas de sangue, por isso, © ovo tem de ser bem examinado antes de ser utitizado na preparagio de alimentos, E costume marcar todos os ulensfios utilizados para 8 lavenios, de forma que do possam ser confundides com os destinados para a ca Se a pessoa tem i serido alimentos preparados nem com carne nem com gordura de came, mas que tém sido corinhados numa. panela utilizada para cozinhar care, ainda que a pancla nao tenha sido purificada antes, & pessoa tem a permissdo de comer latiefnios imedi- atamente depois. Nio & possivel, ritualmente, purificar os utensilios utilizades para la- ive de que depois possum ser apios para o uso de care. Tampouco se podem purificar utensflies utilizados. para carne com 0 fim de usi-los para laticfi ti nios com o obj © Sinlohan Avact fn bebsice: 1 mesa prepara) const una cacao da Lei Julaia. com pilada pelo cabins Fnac de Karu ao slo XVL_AS bese vereitos confides tess Wxte 40 Heitos ‘om mari ade noe todas as cotentes contemporineas de fats otedone As esata davis eottivas 208 alimentos se encontrar cap TIE la segura pate clo Shaan Arch, de Tov por nome “O lat jesieo™ A wadugdo do espanol Sle aor Horizontes Antropolégioos, Porto lege, a0 9. 19, p. 203-222, julho de 208, Marta F.Topel E extritamente proibido comer ou beber qualquer coisa que contenha minbocas ou gearos. A gua consumida deve ser filtrada mediante uma tela de fina filigrana, capar de excluir 0 menor inseto. © vinagre que contém gusanos ¢ inapto para ser usado, ainda que tenha sido filirado, porque se veredita que © gusano menor do vinagee a vessard qualquer tela, 0 Todo-Poderoso mostrou-s muito enfitico em seu mandamento de que nos abstenhamos de comer o sangue do animal © das aves de curral. Repetiu este mandamento virias vezes em Sua Lei (Gen. D Lev, XVI 14: Deut, XII:16, 23-24: XV:23), Em conformidade, nossos sibios talmiidicos t¢m estipulado uma lei que determina que. com objetivo de remover de forma efetiva o sangue da carne, esta deve ser deixada de motho para abrir os poros e, logo, salgada, a fim de extrair todo 0 sangue. Antes de salgar a carne, ela deve ser lavada com agua. A carne deve ser deixada de molho © totalmente submergida cm agua durante meia hora, Toda parte na qual se advirta uma particula de sangue deve ser perfeitamente lavada com a dgua na qual foi deixada de motho. A vasilha utilizada para deixar a came de motho do deve ser emp gada na preparigio de nenhum outro alimento, Consegiientemente, & necessirio utilizar uma vasilha especial para deixar a carne de moth. A carne deve permanecer no sal durante uma hora mas, em caso de nles vinte © quatro minutos, Os copos € vasilhas noves, de vidro ou de metal, destinados a ser utilizados sum lar ju ificados para tal fim medi- corrente, Antes da imerstio, deve-se pronun= ciar a seguinte bengio: “Bendito sejas. 6 Seahor, nosso Deus, Rei do Universo. que nos tens santilicado por teus mandamentos, © nos tens ordenado o referente 4 imersio das vasilhas” ante sua Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis divtéticas juice. 209 As vasilhas de madgira, argila e porcelana nao devem ser submergidas, mas se tém asas de metal ou se esto revestidas de louga por dentro, devem ser submergidas sem pronunciar a bengio, Nao se pode confiar a um menor, seja vario ou mulher, o cumprimento do ritual de submergie vasilhas, E pmoibido submereir vasilhas no sibade ou por ocasiio de uma fes- lividade. Mas se esas siio algumas das leis basicas para manter uma di estritamente kasher, € importante salientar ainda que uma das caracteristicas distintivas do judaismo ortodoxo € a continua incorporagao de novas leis € costumes a sett esdigo legal, que permitam aos jdeus pins se henefiefarem — ainda que parcialmente © sob o guia da Halachd ~ dos avangos tecnoldgicos, também dos relatives 4 alimentagio. Uma otra questio de significa ortodoxos so iniciados no complexe sistema da kashrut. Em relagio a esse pico, nos Gitimes anos foram traduzidos diversos manuais para 0 portu- ‘aués, cujo objetivo € ensinar seus prineipios bésicos aos baale’ teshard brasileiros. Por outro lado, as revistas veiculadas pelas congregagées o1to- doxas!” contém ensinamentos, dicas ¢ rweeitas em relagio a dicta, tanto a cotidiana, que deve seguir uma familia onodoxa, como a que caracteriza as celebragées religiosis do calendrio judaico.” Escritas numa linguagem mais préxima aos novos ontodoxos que a utilizada no Shulchan Aruch, constituem © meio através do qual os rabinos paulistanos tentam explicar nao s6 as intenligdes que devem ser respeitadas, may também os rituais, necessérios que transformam uma comida numa refeigio apta para 0 con sumo de um judeu observante, Dess forma, ensinamentos de como devem ser mecitadas as bénciios correspondentes a cada refcigio, bem como expli= iva relevancia diz respeito aos modos através dos quais 0s novos cagdes sobre os utensilios proibidos € permitidos para cada alimento e para cada ocasido, aparecem com freqineia nas revistas mencionadas. Vejamos como um rabino discorre sobre as miltiplas interdigies de- correntes da proibigiio de misturar care e leite. Acredito que citi-lo em ° Na avalide. eteulan en Sd0 Paulo pelo menos quatro estas mens veiculadas poe distitas Sereaagaes arth, sis pubes so erat € nlc ats em domi 2 E importa menciona 2 exisdncia em St Pau, de pelo menos um Departamento de Kasra le depends o Come Rabinicn dis Comunidas’s Chasad do Bras Horizontes Antropolégicos, Posto Alege, a0 9.19, p. 203-222, julho de 2003 20 Marta F.Topel extenso se em evidi ilustrativ. uma vez que coloeari rigorosa paralernilia ritual & qual dev Assim, apis explicar os principios bs ia a complexa ¢ n se acostumar os baalei teshuvd. icos que violariam 0 preceito stipracitada — cuja fonte & 0 versiculo biblico “no cozinharis 0 cabrito: no leite de sua mic” (Fx: XXI19), 6 rabino Shamai Ende! acrescenta as respectivas definigées do que se entende por came, por leite, © por parve."* Imediatamente, 0 mencionado rabino parcceria se adiantar as possiveis, dividas ow trepegos de um novato, levando em consideragie, entre outros, problemas © solugdes relatives aos horirios e utensilies idineos que devem ser respeitados numa dieta kasher, Bis algumas de suas rmcomendagies: Se algugm comer came, ou um alimento que foi cozide ou misturado junto com carne (mesmo que esta no seja ingerida), deve esperar seis horas para ingerir leite ou alimentos cozidos ou misturados com leite Porém, para comer um alimento neutto cozido em panela de came, totalmente limpa de vestigios, no & preciso esperar seis horas. Se algo parve & cor ede alimento, pode lo em panela de leite, totalmente limpa de vestigios, er ingerido depois da care (no junto) Ao ingerir leite eu derivados no hi necessidade de esperar seis horas comer camme: basta apenas enxaguar a boca, comer py nento seco © beber algum ligiide. 10 ou outro Ao comer carne apés leite ou vice-versa, mesmo esperando o (empo citado, a mesa onde foi ingerido o alimento deve ser limpada, para no estar vestigios. Todos os utensilios usados na releigo devem ser reti- alos, Toalhas de mesa diferentes devem ser usadas para leite © came. Duas pessoas conhecidas no devem comer, ao mesmo tempo, uma carne € a outra Leite, & mesma mesa, mesmo em utensilins separados, salvo se houver uma separagio. Ou seja, cada um come em toalha separada (Ende, 1999, p. 22 io sabe que hentchd [bengao] recitar sobre certo ali jo, revitar Sheacol (a bengio que is Se a pessoa nen clui automa- to, nfo pode, a prine "56 eabino Shamai Ede potonce 3 cortontsotodoxs Chaba-L.uhavitehe, durante anos, fo 9 resp ‘sibel pols coluns "Coida Kush, eavontrals Wis Chabal Nev's, Ein hsbc: alimento ner, Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis divtéticas juice. Lu ticamente todos os tipos de beng tar a um eonhecedor a bénga gains), pois tem © dever de recitar a do especifica, Se nao sabe, ndo deve ingerir 0 alimento até pergun- a ser recitada (Ende, 2001, p. 22), Apesar dese mapeamento sumério, complexidade do sistema que tipifica as leis alimentares judaicas. Hi, po- E importante salicntar: da perspeetiva da tradi- dito ser possivel perceber a m., uma outra questo que glo judaica, todos os preceitos contidos: na Halachd em como objetivo tiltimo respeitar a vontade divina. Em relagio as leis alimentares, © rabino Hayim Halevy Donin (1985, p. 114) sintetiza esse principio da seguinte Forma: judeu observante na ou ent 9 guarda as lei da kashrut porque siasmado por seus detalhes peculiares, nem porque Ihe proporiona priver, nem porque as considers saudiveis ¢ nem porue a Biblia Ihe boas razdes, mas sim porque para ele sio Mandamentos inos ¢ ele se submete 2 vontade Divina e a disciplina de sua BS. Di Em outras palavras, tentar procurar beneficios secundhirios as leis ali- mentares, sejam cles nutricionais ou de higiene, distanciarse do esdigo Stico-ritualistico que Ihes dew origem. Ae so fundamentais para compreender o principio gue guia as leis dictclicas judaicas: fahor (puro) © tamé (impuro), ambos utilizados para caracterizar uma determinada condigao espiritual e moral — do povo, do individue, do Templo — mas nunca utilizadas para descrever Nesse sentido, ape de uma preocupagdo com doengas © danos orwdnicos que possam transfor mar um animal em no apropriado para o consumo dos judeus ~ salie do inerentes & obrigac! Douglas (1966), seria no minimo esquisito pensar em Moisés como um administrador da higiene do povo judeu. Algm do mais, se como fora men- jea razo para pios da kashrut & © respeito & vontade divina, devemos também destacar as exortagbes a santidade exigida do povo judeu, aparecidas no texto biblico quando sao enumeradas as leis alimentares. Assim, 0 tcho do Levitico que classifica os animais part 's critérivs devem se acrescentar dois conceitos hebraicos que impeza ou sujeira fisicas, ur do cédige biblico referente & kashirut conter indicios © aquii motivos ligados 4 higiene e a satide -, ndo so esses os prin ter uma dicta kasher. Como bem assina Horizontes Antropolégioos, Porto lege, a0 9. 19, p. 203-222, julho de Marta F.1 fopel ‘consumo em puros ¢ impuros, acaba com os seguintes versiculos: sou. santos, pois que eu Sou Santo; ndo Vos Lorneis, portanto, impuros com todos esses rSpleis que rastejam sobre a terra. Sou eu, Lahweh, que vos fiz subir da terra do Ej para ser o vosso Deus: sereis santos, porque eu. sou santo” (Lev.: 1144 Retomarei este Upico na anilise dos textos de Mary Douglas © imtempretac: impureza do eddigo mosaico. Por or Tahweh, © vosso Deus. Fostes suntificados © vos tornastes o du fungao simbélica intrinseea wos regulamentos de pureza € € suticiente observar que, 2 sem Ihanga de outros sistemas de simbolos © rituais, seria mais do que fecundo abordar as leis alimentares judaicas como parte de um todo mais abrangente: no nosso caso, a luz do principio de kashinat que rege as rela ‘gbes sextiais entre judeus observantes, Contudo, na medida em que tal pro- pésito extrapola os objetives deste trabalho, considers suficiente citar as palayras de um rabino ortodoxo, com o fim de compreender a centralidade que det 1 do judaismo ortodoxo tém as leis dietéticas de modo fasher & viver como judeu. Isto faz com que todo 6 extilo de vida sja Gnico © distimtive vis-2-vis © mundo exterior. A kashrut, indubitavelmente, constitu o baluarte cont (Grunblatt, [s.d.], tradugdo © grifo meus) a assimilagio Todavia, apds a emancipagio dos judeus partir do séeulo XIX. © dio € cultura, ¢ a grande maioria dos judeus, se desen- judaismo como rel volveram fora do marco da ontodoxia, isto & © para os fins que agora nos ido ¢6- interessam, completamente afastados de, ou rebelados contra, 0 digo de leis ortodoxo, dentre quais as leis dietéticas. Contudo, 0 renascimento da ortodoxia nas dltimas décadas — tanto em Israel como na diaspora — Jo de novos membros, gerou alguns conflitos © nao poucos paradoxos. Assim, se as leis dictélicas durante mi- Iénios tiveram como fungio social estreitar as fromteinas do grupo, separan- do judeus de nio-judeus, hoje presenciamos um efeite coninirio: a adogio «da kashrut por parte dos baalei teshund nao s6 separa judeus de juceus, mas pais de filhos orrente ¢o-opta Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis dietéticas judaivas.. Comer ou néo comer? A incomoracio da De fato, na pesquiss que venho desenvolvendo ha us anos sobre © movimento de fesiutve em Sio Paulo, as dezenas de encontros que tive com novos ortodoxos, ¢ com seus parentes de primeiro grat que ado abragaram, a onodoxia, deixaram claro que um dos conflitos mais relevantes no pro~ cesso de “re-ctnizacao" religiosa pelo qual passaraum alguns membros da familia esta relacionade diretamente ao rigor do cumprimento das leis dietéticas. Os depoimentos que seguem sie ricos em informagies © ilustrativos de muitos outros: Hoje € muito dificil eu ir na casa de alguém, de amigos © até de parentes, Muita coisi acabou, Porque se ett for na casa de alguém, as, pessoas se incomodam pelo Tato de eu nao comer. Eu, por exemple. trabalho num escritério s6 de judeus, mas sou a Gnica religiosa, Na hora do almogo, cu tenho a minha comida que trago de casa, E penso “voeés comam o que vo aachem que cu sou estranha’". Mas el Veja s6 que coisa! Quando vamos com meu filho na casa dos avis para comer, ele tem que levar daqui de casa tudo descartivel. E. quando ele me falou que queria ser kasher, a primeira coisa que eu fiz. foi pegar dois armérios da cozinha, de um lado. leite, do outro. carne, Eu comprei tudo para ele separado: tits panelas de came, trés panclas de leite, pratos, talheres, copos, tudo! Queria que ele se sen- lisse seguro em casa... Mas ele quase nuinea come em casi, ¢ quando © faz, come outra comida, preparada por ele... Um dia eu quis fazer uma surpresi, porque ele sempre gostou da minha comida. Entdo, comprei um frango kasher no supermercado dos religiosos: pai uma fortuna! Peguci a panela dele © pedi para a empregada preparar © frango, Mas ele ndo pode comer porque foi um gentio quem aven- deo fogo. Eu nunca soube disso na minha vida! E isso que fui criada num ambiente judaico. O que vou te dizer? Foi um drama: eu 86 chorava, et 56 chorava Ss quiserem, desde que vo ‘s me acham estranha Horizontes Antropolégioos, Porto lege, a0 9. 19, p. 203-222, julho de 214 Marta F.1 fopel Outros testemunhos apontam as dificuldades em seguir as leis da como, por exemplo, no espago de traba- inte maneira que uma nova onodoxa me explicou a sua Aashrut em marcos ado judaico Iho. Foi da seg experién ia nessa a Eu trabalhei na Quaker durante um ano © meio, me estava dando super bem Id: et era a tinica nutricionista © poderia ter subido bastante. S que af comegou 6 problema da kashrut. Porque cu tinha que degustar as comidas. No inicio eu tentei dar uma enganada, separar came de leite, sei hae mas em seyuida comprwendi que no estava certo isso, Por outro Lado, também estava todo 0 negécio das estas judaicas: eu tive que faltar treze dias nesse ano © depois, bom, depois 0 horitio do shabat. Bu pedi para sai as ci como gerwente, Mas a Quaker & uma empresa muito grande © no puderam abrir uma excegdo para mim, Nao teve como! Daf eu tive que pedir as minhas contas € sair. Figuci muito chatcada porque entrar li foi super dificil: fui a optando por esta vida © ndo tem como... E gragis a Deus, agort co mecei a trabalhar numa escola judaica, agora dou aula ali co nas sexta nica entre onze meninas, Mas eu fal que estou nento das Ie Esses dados revelam que 0 impr mente por pessoas que as adotaram em idade adulta, constitui um foco de n, quem es trabulha, estuda, viaja e conte, no marco da sociedade mais ampla, se ve confrontado com o dilema de: ou manifestar abertamente a sa identidade judaica, o que equivale a rejeitar « comida oferecida pelos seus pares no .isico do judaismo. A primeira opie dictéticus, princi tensdes, Assi ‘olheu © caminho da ortodoxia, mas vive, iso &, judeus. ou tansgredir um principio nav € menos dura do que a segunda, se partirmos do pressuposto de que se trata de pessoas que também se definem como brasileiras, € para as quais, ebrar as reg cadivel ami Do ponto de vista da antropologia, ificil e embaragoso qh de etiqueta vigentes no Brasil. de colocar numa situagio d 108 € companheiros de trabalho, sse conflito de identidades poder se-ia definir como uma ambivaléneia entre crengas © pritieas, por um lado, re uma identidade intra-grupal © uma exo-grupal. por outro (Heiln Cohen, 1989), Nesse sentido, o conilite identitérie dos hauled teshuvd se Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis divtéticas juice. ‘expressa em que, ao mesmo tempo em que se eslongam por segul a Halachi, considerala 0 pré-roquisio para lograr a membresia no seiv do judaismo ortodoxo, se véem confrontades com dificuldades identidade & assumida fort do grupo. Esse dualismo, a meu ver, deve ser * religiosa por que passim ox baalei teshurd, © que. segundo © exyuema de Merton © Barber quando a nova considerado parte integrante do processo de “re-etnizaga (1963, p. 96), se enquadra em dois dos tipos de ambivaltneia socioliica (social ambivalence) por cles analisados. Com eleito, observames a expressio dessa ambivaléncia socioligiea de duas formas. A primeira, gerada pelo ar runjo desarmoniaso de status diferentes num mesmo ator social — nesie Simultancamente, um judeu observante © um némeno que o leva a de: tum ator social que aspira se brasileiro urbano criar um reajuste de comportamento: a segunda ambivalencia observa-se na volver sentimentos confusos necessidade de se adaptar a valores contraditérios demandados pela plurulidade das culturas em questa. Perante esse dilema, € no intuito de resolver os conflitos dele decor gias. No rentes, observel que os novos ontodoxos adotam diversis estate primeiro momento do proceso de “re-etniza tima solugio de compromisso, eiando um sistema paralelo que se resume fem manter uma dicta kasher exclusivamente em casa, privatizando, dessa Forma, a nova identidade, Pore religiosa se afanca, € necessirie dar 0 “pulo” — como denomina essa etapa © rabino Sicinsalz (1994), om clara referéneia & novessidade de optar, di finkivamente, por um dos dois sistemas nos quais vivem os baat teshuavd. B nessa fase que as leis diewicas exewerdo a finglo de reformlar as r vex que of novos ortodoxos reduzem o seu cfeulo de amigos e as ativida- 10” religiosa, a escolha € por n. 2 medida que o processo de conversa Fronteiras do grupo, estwitando 0 elenco de relagies sociais permitidas, un des de lazer, entre os quais « comida sempre tem e teve um papel funda mental. Assim, os acontros € as confratemnizagées se restringem a Freqiici jam piiblicos ou privados, Todavia, a conviveneia com outros seymentos da Sociedade mais am- {ar espagos ortodoxos, s pla, por mais limitadla que soja, faz com gue os baal’ teshuvd sojam vistos e se sintam — 4 nio como os outros brasileitos, isto é& como simples comensais, e sim como judeus: fendmeno que revela o poder das leis dietéticas em colocar uma manea id litaria definitiva. Isso tudo sugere qu Horizontes Antropolégioos, Porto lege, a0 9. 19, p. 203-222, julho de 216 Marta F.1 fopel enlre 0s novos ortodoxos. © papel da comida como um dos elementos mais Lo & indubitével nado, constitui a sua afirmagdo perante os outros da ad relevantes na conformagio da nova idemtidade do suj como fora meaci sdo a um grupo éinico especifico. Focalizar a anilise na dimensio ritual das leis dietéticas foi um cicio fecundo para demonstrar as suas miltiplas fung fazer uma pausa para incuesionar num outr aspecto, © simbéilico, que nos ajuda pilar no judaismo otedoxo, es soviais. Cabe agora compreender melhor por que o principio da kashiruf constitu um, Apos a publicagio do cclebémrimo Purity and Danger (1966) de Mary Douglas, de cujos capitilos um esté abocado ao estado das lei dietéticas judaicas, outros textos da antropdloga tiveram como foco de indagan complexa, a sua compreen © mesmo fendmeno, ampliando, através de uma anilise: mais . Com efeito, mais de quinze anos depoi num outro texto, denominado Deciphering a Meal (1984). 0 que chama a alengio de Douglas & que, se na maioria das culturas, os sistemas que ssi governam mlagdes humanas, estabelecendo uma equivaléncia entre rela- am animais em puros © impuros refletem padres de regras que gies sexuais © gastrondmicas, no judaismo € impossivel estabelecer esse paralelismo, Dizendo de outro modo, hoje sabemes que numerosas soci- edades projetam no reino animal categorias € valores que correspondem is das pessoas com as quais est permitide casar. fazendo com que as categorias sociais de descendéncia ¢ afinidade dominem as cat rias naturals (Douglas, 1984, p. 262). Todavia, no se observa nenhuma rigida taxonomia judaic em relagio wos prineipi- os de pureza e impureza, 0 que ‘loca um interrogante no que diz respeito @ quis sto as ansiedades expressadas nas leis dietéticas judaicas, Esse imterrogante torna-se mais ugucado se partirmos do pressupesto que muito tem mudado no eédigo legal judai contrario do acontecide com as leis dietéticas que ficaram imutiveis, isto ‘0 ortodoxo ao longo dos séculos, ao Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis dietétioas uaivas.. 17 idénticas a como aparecem na Biblia hebraica, mais precisamente. nos livros Levitico © Deuterondmio.'® A resposta de Douglas a este quebra-cabeca & que uma analogia dife- rente da judafsmo: a da mesa e o altar, Assim, da mesma forma que em Purity and Danger, a idei n. © a singularidade das leis dietéticas judaicas radica em abominar criaturas andmalas, tanto aquelas que vivem em duus esferas (erra e deua), como as que 1ém caracteristicas dle uma outta esfera, ot! as que adolescem de tragos distintivos (entre as igmitico). Mas a inov: no qual a autora transcende a andlise exelusivamente racional da taxonomia ‘ontrada em outras culturas entre a cama © a mesa Sobressai no central da anilise se mant quai io dese texto, © porco seria 0 exemplo para judaica, para incursionar no seu aspceto simbilico © na sua importancia na configuragio das relagdes sociais do grupo, se revela nas conclusdes. Nas palaveas de Douglas (1984, p. 266) © fica fora desta classifi deve ser tocado ou Todo ser vive q io na consumido, Tocar implica ser contaminado © nenbum tipo de polui- So pode entrar no 1 Uizendo que as criaturas andmalas so improprias tanto para o altar quanto para a mesa. Esta & a peculiaridade do e6digo mosaico* mplo. Assim, pode se resumir de forma raze: A ewes critérios deve-se acrescentar que as teorias sobre poluigio constituem, basicamente, tentativas de resolver conflilos sociais, degrada do out exeluindo um setor da populagio, De fato, diversas etnogratias demonstrado que idgias relativas d poluigio sie fundamentais na manuten- io dos e6digos social e moral aecitos por uma Sociedade, ao mesmo tempo ‘em que separam em categorias hierirquicas seus membros (Douglas, 1993/ 4). Observamos a concretizagio desse principio na classiticagio da popula- Gio da fndia em castas, ¢ na segregagio de leprosos e aideticos. ou de mulheres por homens, em intimeras culturas. Da perspectiva desses siste- SE necesirio eselaccer gue as les ctticas permaneerar imtlives no sentido de gue » aerécime se inertignes ohedoce exclosivaniente 208 avanns feennkeos i ea dos alimentos © 82 Pre Parsee, € no 4 uma reiterretao Uo peinipio da kasha "No original Any ving ine which fl enna this chs ix no 0 be touch or enter touch itis tobe defied and dfnent forbids enty We tmp, Thus it canbe stm up fy by wang tarsus cwsatoes ave unt) frat en table This iva pears He Mosaic fade Eade in) Horizontes Antropolégioos, Porto lege, a0 9. 19, p. 203-222, julho de 218, Marta F.1 fopel mas, as leis sobre poluigio tentam proteg jmente, grupos), que so consider er a sociedade de alguns de seus wos. uma ameaga Em contraposigio, o judaismo nos conironta, mais uma vez, com uma atipicidade: as leis dietticus, bem como todo 0 arcabougo legal judaivo membros (g relativo aos prinefpios de pureva ¢ impureza, sto universais, isto é., regram a vida de todos os membros da comunidade. Conseqiientemente, elas no sociais no seio do grupo. E aqui vale a pena salientar a insisténcia do autor do Levitieo em lembrar que também 0 pobre tém como objetivo estabelecer demureagies © estrangeirm devem ser incluidos nas exigéncias da Lei. © ndo $6 judeus e judias — sejam pobre sacendotes our pessoas comuns. Finalmente, no judaismo, a poluigio € sempre um estado transit rio — nunca uma condigio estrutural =, e todo aquele que foi contaminade tem o direito & expiagio ou purificagio, Como conelui Douglas (1993/4, p. 113-114), muitas das le c6digo moral, porém, nada nelas apo ou tices encontradas no Levitico ajudam a sustentar um ia uma estratificagao social Mas, qual 0 substrato desse eddigo moral, € qual eu objetivo dltimo? Apds uma andlise minuciosa do Levitico, Douglas (1993/4) companitha conosco um achado: a existéneia de um paraelismo nas leis judaicas re ‘ Iuumanos ou © allt, pssam ser considerados kasher ou niockasher. E ease fas 40 puro © ao impure que faz com que tanto os animais, como os sereS 6 caminho que levari a antropéloga a concluir que © corpo & uma metétora do santusrio, (1993/4, p. 121). O exemplo que se se; tragio da teoria de Douglas. Assim, o homem pio que ingere, por exemplo. uma ave predadors que tem-se alimentado de sangue, & imediatamente 1e constitui uma ilus- contaminudo, como se ele proprio tivesse ingerido singues da mesma forma enda ar © santunirio, Poder-sc-ia ir um pouco mais longe até que introduzir carne nao kasher no corpo daquele que faré uma ofe ceqiiivale a contami © afirmar que toda a estrutura do livro tem como missio nos explicar a Tuncdo do santudrio que, segundo a autora, & proteger a justiga e a bondade divinus. Todavia, numa sociedade de pequenos pastors e agricultores, & impossivel pensar em individuos perfeitos, isto &, a priori e definitivamente kasher. Bis a nevessidade das | pureza! Tentar restaly is sobre pureza e lecer possiveis desvios € colocar instrumentos part purificur agueles que S — voluntéria ou invountariamente = ou que por algu- ma razao, entraram no estado transitirio de impureza, & constituem, ameaga de judaico, ‘ontaminagio do Templo, simbolo central no monot Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis divtéticas juice. 19 Finalm Mary Doug! ke. € a modo de conclusiio, nada melhor do que citar a propria Assim, © corpo & um microcosmo teold sico: © corpo que esti maculado, sangrando, exudando, supurande, dilacerado, ora apresentado como uma mulher, ora como um homem, ora como uma roupa, em seguida como uma casa, depois como um sacerdote imperfeito, posteriormer te como uma oferenda inadequada, chegando finalmente ao elimux como 0 santuitio poluide, em que poderia estar, se ndo consagrada, Esta € uma teologia negativa nna sta forma mais convincente (Douglas, 1993/4, p. 129.” a imagem de Israel na condigio terrivel No entanio, nao se pode deixar de observar que se bem as leis dietéticas permaneceram imotivels durante milénios, a estrutura social do es radicais. Além do mais, 0 advento da a dos judeus nos estados- povo judeu sofrew transformagi idade. com a decorrente mancipac! curopeus teve, como um de seus efeitos mais significativos, 0 fim do judeu como substantivagho, © 0 aparecimento de diversas formas de identidade jade de judeu como adjetivacio (S judaica, cuja carcteristica & a qui 1993), Um modo de se colocar isto nos termes do jargie antropel referir ao nascimento de identidades hifenizadas. A modo de ilustragio, encontramos judeus-laicos, judeus-ortodoxos, jude brasil iros, judeus-r formistas, judeus-culturais, novos ertedoxos, 86 para mencionar algumas, das possibilidades: mais difunndidas nos dias de hoje. Essa situago, como nio poderia ser de outra maneira, leva a uma comprocasio diferenciada das, leis dietéticas por parte dos diverses grupos, que vai desde repudid-las com- pletamente, até segui-las & risca. Observamos, ao longo do texto, 0s modos através dos quais os novos ortodoxos incorporam as leis dietéticas na stia cotidianidade, como as ma- tava-nos, no entanto, dito nipulam e as tensdes que tal fendmeno avarreta. F: instrumentos para compreender a sua ceniralidade no judaismo. Aci No original: The body isa thevloica! ovicmcosw: the Plemishe, Pleas, leaking, suppunating fom bods now presented ae a woman, mow d natn, now ae ad garment He @ howe, nowt a imperfect pest ow ay inakequate offer, aad shen lina a the srcuary def. image of Feelin the horedte condition she woud be in. if unsancted. This & negative the Aarts mos cogent, «Teados30 nih, Horizontes Antropolégioos, Porto lege, a0 9. 19, p. 203-222, julho de Marta F. Topol wolvida, estamos em condigées de precncher esta Tacuna. Assim, as leis dietéticas cumprem duas fungdes: santificam os judeus, analogamente como © Templo era suntificado, € estabelecem limites rh dos que separam insiders de outsiders, fendmeno que da perspeetiva da com 0 decorrente desaparecimer to do povo judeu, Foi isso 0 que expressou o rabino anteriormente citado ao se referir 4 importancia de “viver kasher”, Ne Fronteiras da comunidade judai ortodoxia, evita a ameaga da assimilas e sentido, manter as através do respeito as leis dietét conelusio & qual chega Mary Douglas (1984, p. 269), quando afirma: A suntidade dos limites cognitivos se faz conhecer através da integri- dade das formas fisicas. Os exemplares fisicos perfeitos apontam a perleigdo dos limites do emplo, do altar, do santudrio, E estes, consequentemente, indicam a grande dificuldade em conquistar de da Terra Prometida.™ nder os limites territorial © mais claro exemplo que revela a obrigugio de os judeus se suntifi- m, isto & de serem fmein (puros) para cumprir a vontade divina de transformar-se num pove de sicenfotes. aparece nos versos que dio intcio a todas. as be as que antecedem a ingestao de alimentos: “Bendito sejas Tu, 6 Fiero, nosso Deus Rei do mundo, que nos ss em teus m E aqui ¢ importante salientar que, destruido 0 Templo e perdida Terra Prometida, 0 judaismo transformou-se de uma religiso sacrificial em uma eminentemente ritualizada, que colecou uma sidade de que todos os membros do grupo seguissem a risea as lei dietéticas, Mas, no momento em que 0 judafsmo fica dividide e, principa mente, quando entram em cena os hale’ teshuvd ou novos ortadoxos, ca fase ainda maior na nec Tungao das leis diettieas se ve em grande parte tergiversada quando uma mie judia chora porque seu filho no pode consumir as sas delicias, ou quando judeus se véem impedides de freqiientar casas de outros judeus, ™ No original: The sanctity of cxgnitie boundaries is made known by valine the integrity of de ploscal ors. The perio? phsical specimens point to the perfects bounded tele abu ea Sanctair And these, tern, pint to he hard-won and hd tondcfond territorial etna of he Prowse Land. CTraigae mina, Hoxizontes Antropolégioos, Posto Alegre, a0 9. 19, p 203-222, juho de As leis dietéticas judaicas, causando, como foi possivel observar, constrangimentos para todas as par- tes, Perante esta novidade. @ que realmente surpreende € © papel central do mercado na solugdo dese conflito. Assim, os cada vez mais difundidos restaurantes asfier — Canto em $d Paulo como em outros lugares da digspora — outorgam numerosis Vantagens aos noves ortodoxos. Como bem observa Danzger ([sd.]. p. 467), nesses espagos o individuo nao precisa comer sozinho comida fria ow em pratos descartiveis e, mais importante do qu gam a possibilidade de putilhar uma refeigdo com — © como — (odos os outros comensais, sejam eles judeus ortodoxos ou no-ortodoxos ou, inclu- sive, no judeus. Conseyientemente, comer num restaurante asher repre- las leis dietéticas impoem aos 0, se alirmar como judeu, uma vex que esses restaurantes Ihe oulor senta um alfvio para as tensbes que as rigi baalei teshu Um outro paradoxo, contudo, resolvendo a ambivaléncia sociolégiea discutida acima: Jo pode eseapar a qualquer olhar agu- gado: 0 Fato de que, no objetivo de se transformar em judeus pios, os novos ortodoxes tenham de sair do lar judaico, simbolo durante milenios das Fromteiras do grupo e de sua identidade étniea, para, no seio da sociedade mais ampla, lograr serem bons judeus, BELL, C. Ritual Perspectives and Dimensions. New York: Oxford University Press, 1997 BIBLIA de Ferusilém, Sio Paulo: Edigses Pavlinas, 1973. BUCKSER, A. Keeping Kosher: Eating und Social Identity among the Jews of Denmark. Evinotogy, ¥. 38, n. 3, 1999 DANZGER, H. The meanings of Keeping Kosher: Views of the Newly Orthodox. Judaism: a Quarterly Journal of Fewish Life & Thought, [sa]. DONIN, H. H. 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