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R. Fac. Edue., Sto Paulo v.18, 1, p.92- 98, janfjun, 1992 AS NOCOES DE CONCRETO E ABSTRATO: SUA RELACAO COM AS PRATICAS DE ENSINO Paulo MEKSENAS “ RESUMO: Os conceitos de concreto e abstrato sto utllizados por mutts professores coma nogdes dustrativas de préticas multas veves néo refletidas, Decorre dat uma espé- cle de “abuso” no emprego desses conceitos, implicando a criagéo de “simplismos" dos seus significados. Nesse sentido, uma concepeto mecdinica da relagéo entre os concei- tos que o professor utiliza para explicar a sua pratica docente demonstra, muitas vezes, um posicionamento ‘elitista’ frente aos alunos e frente ao conhectmento. PALAVRAS-CHAVE: Concreto ¢ Abstrato, Produrdo do Conhecimento. Praticas de enst- no. “A alguém que decidiu que todas as coisas séo definitivamente boas ou més, ou definitivamente brancas ou negras, ser-the-4 dificil chegar a admitir que uma determinada coisa possa ser ao mesmo tempo boa ou md fem outras palavras, indiferente), ou ao mesmo tempo branca ou negra {isto é, cinza), ¢ mats dificil reconhecer ainda que as categorias bom-mau ou branco-negro possam nfo ter a menor aplicagao. A linguagem, sob muitos pontos de vista, € tao trracional e tao rigida em suas classificagées como o seria um espirito que procedesse dessa forma”. (SAPIR, citado por Augusto Campos, 1975:111). Pertinentes s4o as afirmagdes citadas em epigrafe quando relacio- nadas ao tema deste pequeno escrito. A estas observacdes de Sapir, acrescentariamos o fato de que os pares conceituais concreto e abstra- to, informal e formal, simples e complexo, senso comum e ciénela, pra- tica teorla sdo constantemente empregados quando os professores referem-se ao processo ensino-aprendizagem, seja para explicitar prati- (*) Aluno do Programa de Mestrado (Didatica} da Faculdade de Edueagao da Universidade de ‘So Paulo. AS NOGOES DE CONCRETO E ABSTRATO... 93- eas de ensino, métodos, modelos de aula, seja na discussao da qualidade dos materiais pedagégicos e, entre estes tiltimos, 0 livro didatico, Decorre dai uma espécie de abuso no emprego desses conceltos implicando muitas vezes na criagdo de “simplismos” dos seus significa- dos, originando ainda a visdo dicotémica desses pares conceituais. No Ambito desse artigo discutiremos apenas as relagdes entre o concreto e © abstrato; entretanto, a mesma linha de raciocinio pode ser empregada na compreensao da relacdo entre os demais pares. Geralmente, quando os professores empregam o conceito de con- creto, carregam-no de conotagées positivas: “realidade”, “as coisas pal- paveis ¢ perceptivas”, ‘aquilo que é préximo” e o “compreensivel”. Ao conceito de abstrato reservam-se, por sua vez, conotagdes negativas: “imaginario puro”, “deslocado da realidade”, 0 “geral e te6rico”, “distan- te" e de “compreensdo dificil”. Tais conotagées sao facilmente percebi- das no discurso de professores, por exemplo, quando procuram referir- se as praticas de ensino, afirmando que “o essencial é a aula que lida com 0 cotidiano do aluno e para isso, deve-se sempre propor ‘contetidos coneretos’, evitando ao maximo as abstragées". Outros, com uma per- cepgdo mais sofisticada, admitem que “as relacdes abstratas sao impor- tantes, mas, o caminho deve sempre partir do concreto ao abstrato”, Outro exemplo ilustrativo: quando professores discutem a ade- quag4o dos livros didaticos, afirmando que desejam livros que tratem de “questées concretas” ou que tal livro nao é utilizado em aula por apresentar “os contetidos de forma muito abstrata”. Também é comum classificar e hierarquizar disciplinas: a matematica ¢ até a sociologia sao muitas vezes vistas como teéricas e abstratas sendo que a histéria € a fisiea so coneretas, por lidam com “fatos reais”. Tais exemplos sao tipicos do emprego de conceitos sem uma reflexdio mais detida, vindo a demonstrar que a concep¢do dicotémica entre concreto e abstrato ja é um senso comum. A perspectiva da histé- ria do pensamento mostra-nos, entretanto, que a oposigdo entre esses coneeitos origina-se na filosofla. £ Lefebvre (1979:110) quem afirma que © tao falado “milagre grego” legou-nos uma concep¢ao um tanto estreita do saber. Ou seja, com Aristételes consolida-se a distingao entre con- templagdo (entendida como abstracao) ¢ acdo (entendida como concre- tude) possuindo, na época, um forte componente social: a escravidao. Todo trabalho prdtico e produtivo cabia aos escravos, enquanto o pen- samento metafisico era uma atividade prépria da aristocracia, livre para pensar. R. Fae. Educ, Sto Panlo, v.18, n 1, p.92-98, janjjun. 1992. 94» PAULO MEKSENAS Da filosofia classica que legitimou uma ordem soelal origina-se. portanto, a contraposig¢ao do abstrato ao concreto, tao presente nas representagdes que os professores fazem de suas priticas. Essas repre- sentagdes, por sua vez, podem levar esses profissionais a conclusdes apressadas, a descartarem certos desaflos que se apresentam em suas praticas ao invés de enfrenté-los. Se partilho da idéla de que tanto a matemética como a sociologia sao, por exemplo, disciplinas “contempla- tivas”, € natural deduzir que sé interessam a uma minoria de “esclareci- dos”, livres para pensar. Também passa a ser natural deduzir que tan- tos alunos tenham dificuldades € mesmo, que nado aprendam os contet- dos minimos dessas duas disciplinas. Conclui-se, assim, que apenas os espiritos mais preparados obtém esse saber sutil. Uma visdo mecdnica da relagao entre os conceltos que utilizo para explicar a minha pratica docente pode levar-me a um posicionamento “elitista” frente aos alunos e frente ao conhecimento. Diante dessas consideragdes propomos um caminho inverso: con- ceber © concreto e o abstrato como objeto de pensamento ou seja, um pensar que pode ser “(...) simultaneamente mais abstrato e mais concre- to que a experiéncia sensivel Mais abstrato por ter perdido o cardter imediato, pitoresco, do senstvel; mais concreto, na medida em que pene- tra mais fundo no real” (Lefebvre, 1979:112). Nesse caso, 0 concreto e 0 abstrato nao sao apenas conceitos que se opdem; antes, complemen- tam-se como faces de uma mesma moeda. A complementaridade dos dois termos é entendida quando admi- to que “(...) € concrete aquilo que acredito que realmente existe, e que (gnorar este fato nos faz tncorrer em erros como confundir ‘concreto’ com apenas aquilo que acontece ao nosso lado e que é perceptivel aos érgdos dos sentidos” (Penteado, 1991:29}. Portanto, emprestando uma expres- sao utilizada por Machado,(1990:49) definimos o concreto por um con- teido de significagdes, nesse caso, seria tudo aquilo a que se pode atribuir um significado. Abstrato, por sua vez, é a medi¢&o que possibilita realizar a pas- sagem de um nivel de concretude a outro. Assim, segundo Machado, “(«) no processo de elaboracgéo do conhecimento, as abstragées séo mediagées indispensdvets. Situam-se sempre no meto do processo, cons- tituindo em condigdo de possibilidade do conhecimento em qualquer drea, em vez de ponto de partida ou ponto de chegada. Sao um degrau neces- sdrio que conduz de um patamar de’ concretude a outro” (1990:61). R. Fac. Educ, Sto Panlo, v.18, n.1, p.92-98, jan jun, 1992. AS NOGGES DE CONCRETO E ABSTRATO... -95- Essa concep¢ao vem a questionar a idéla de que a construgdo do conhecimento ocorre numa via de mao tinica: do conereto para 0 abs- trato comme querem os empiristas ou do abstrato para o concrete como querem os idealistas. Ao contrario, 0 concreto é ao mesmo tempo ponto de partida como de chegada. Isso é possivel pela mediacao entre os dois momentos, que é dada pela abstracdo. Em outras palavras, as diferen- tes praticas de ensino partem sempre de certos niveis de coneretude, chegando, pela abstragao, a outros nivels de concretude. Representando esquematicamente, teriamos: a ee (objetos gerals definidos (objeto progressivamente por relagSes simples) mais especificos com wil spszos com (elemento wediador dos patamares de concretude) Tal relacdo entre concreto e abstrato é facilmente percebida por meio de exemplos: posso, como professor de sociologia, discutir num determinado momento do curso a questéo da migragao para as gran- des cidades. O pressuposto inicial consiste em admitir que os meus alunos ja possuem uma concepgao do fenémeno em estudo: podem ter vivenciado o processo de migragao ou conhecem migrantes ou, possuem informagées advindas dos meios de comunicagdo de massa, leram e até mesmo podem ter lidado com o tema em outra disciplina na escola. Entretanto, esse conjunto de informacdes apresenta-se. para a maioria dos alunos, de modo fragmentado e desconectado da totalidade social: € © senso comum que se apresenta como um conhecimento geral de uma realidade particular. O ponto de partida consiste na explicitagéo desses aspectos do senso comum: é necessarlo pé-lo em evidénela numa aula, seja através de exercicios, debate ou dinamicas de grupo. Através dessa explicita- ¢o construimos o primeiro nivel de concretude. “O desejo de melhorar de vida motiva as pessoas a migrarem o que, por sua vez, produz um aumento excessive da populagao nos gran- des ceniros urbanos originando problemas de habitagdo, emprego, vio- léncia e outros. Conclui-se, portanto, que devemos apoiar programas governamentais de ajuda e conscientizagéo dessa populagdo para que no saiam de suas regiées de origem...” R. Fae. Edue., Sdo Paolo, v.18, 0.1, p.92-98, janjun. 1992. - 96 - PAULO MEKSENAS Nogées como estas, relativamente simples. sdo orlginarias de In- formagées que os alunos recebem no cotidiano; referem-se a um objeto geral (a migragdo) e implicam em determinadas praticas (apoio aos pro- gramas governamentais de controle do processo migratérlo). Percebe- mos também que o objeto de estudo, apesar de associado a outras ques- tées como habitagao. nivel de emprego ou violéncia, ndo aparece inte- grado a uma concepgdo de sociedade, ou seja, a migragao, nesse nivel de concretude, aparece desvinculada da totalidade social. Num segundo momento, fornecendo outras informagées que se constituem em aspectos do conhecimento sociolégico construido a res- peito da migrag4o, contribuo em aula para que os alunos percebam a migracéo também de outra perspectiva: “o processo migratério aparece e intensifica-se em determinadas épocas e regides, envolve certos seto- res da populacdo sendo, ainda, um processo adequado para as grandes industrias suprirem-se de mao-de-obra barata” Essa outra perspectiva é formulada do embate das nocgées que os alunos possuiam a respeito da migragdo com informagoes que o profes- sor forneceu a partir de um contetido sociolégico ja produzido. Todo esse processo esta permeado por atitudes de problematizagao do conhe- eimento, seja ele o de senso comum ou 0 cientifico. Essa problematiza- 40 viabiliza-se no momento que percebo a migrac4o a partir de mult plas determinagées. Essa capacidade é Integrante do processo de abs- traco que o aluno realiza e com isso, diante de objetos gerais e sobre os quais tem definigdes simples, esse aluno pode chegar pela experléncia do pensamento a um outro nivel de concretude. Cabe ressaltar que esse processo ndo se esgota num segundo nivel de concretude, E possivel uma nova problematizagao que surge de outra relagdo do senso comum com o conhecimento sociolégico. Nessa outra etapa Ja é possivel conceber a migragao como um processo inte- grado a outras varlaveis: a politica agraria, a organizagdo sindical no campo, as relacées de classe e o urbano-rural no capitalismo... Nesse outro nivel de concretude as praticas sociais dos alunos tendem a uma alteragao: podem, por exemplo, relativizar a eficiéncia das campanhas meramente assistencialistas que atingem os migrantes. Percebemos agora que o objeto (migragao) aparece ainda mais especifico (contextualizado) e com relagdes mais complexas. O processo nao se esgota € permite a construcdo de nivels perceptiveis ainda mais complexos. E nesse movimento que o conhecimento é construido como algo que ndo é apenas um espelho da realidade Imediata e nem como se essa realidade fosse externa ao conhecimento. R. Fac, Educ, So Paulo, v.18, n.1, p.92-98, jan.fun. 1992, AS NOGOES DE CONCRETO E ABSTRATO... -97- © resultado do processo concreto-abstrato-concreto € 0 conhec!- mento enquanto praxis: conhecer apresenta-se como agir reflexivamen- te sobre a natureza dando-lhe novo significado, Como afirma Lefebvre, *(..) 0 mundo dos objetos praticos, dos instrumentos, da linguagem. da experiéncia familiar, da percepgdo e da agéo cotidiana, por conseguinte, é um grau do conhecimento. E nao é possivel delxd-lo de lado. Mas, em si, esses objetos separados, distintos, justapostes, sao ‘ossos de um esqueleto sem vida’. A verdade desse mundo néo reside nele mesmo” (1979:114). Por isso, 0 conhecimento é produzido dentro de um movi- mento que vai da aparéncia a esséncia ou melhor, de uma percep¢do do concreto a outra mais elaborada pela mediacdo da abstragao. Por outro lado, nao significa que a passagem de um a outro nivel de concretude possa dar-se de modo mecénico. E preciso que a expe- riéncia imediata e a reflexdo dessa experiéncla sejam problematizados. © ponto inicial é o levantamento e a explicitagao do senso comum, a seguir, 0 esforco em problematizar 0 senso comum (nivel de concretu- de); sé nesse momento é que a abstragdo ganha a perspectiva que pos- sibilita ir da aparéncia 4 esséncia. Nesse esforco em que ha o embate do conhecimento de senso comum com o conhecimento cientifico j4 produzido pelo movimento da problematizacao desses conhecimento é que os conceitos nascem como categorias re-ordenadoras do real. Aqui. os conceltos no sao definidos apenas como elementos explicativos e externos 4 realidade, ao contra- tlo, aparece como suportes da praxis. Portanto, “{...) a memorizagao de palavras e a sua associacdo com os objetos néo leva, por st 80, & for- magdo dos conceitos. Para que o processo se desencadeie, deve surgir um problema que sé possa ser resolvido pela forrnagéo de novos conceitos” (Vygotsky, 1975:47). Dai a necessidade de apontarmos a questao da problematizacdo dos conhecimentos como desencadeadora do processo de construgao do préprio saber, entendendo este como uma praxis. Para exemplificar tal procedimento, discutimos a questao da mi- gragdo; procuramos demonstrar como os alunos que possuiam uma percepedo pratica da realidade chegam a outras percep¢des praticas através da abstragdo que se inicia pela problematizagao desse primelro nivel de concretude. Os conceitos, por outro lado, sao construidos den- tro desse processo como categorias de pensamento re-ordenadoras da percepeao e da pratica. Com tals consideragées, tivemos a intengdo de afirmar que os conceitos de abstrato e concreto sao utilizados por muitos professores como nogées ilustrativas de praticas muitas vezes ndo refletidas, quan- do, deveriam ser utilizados como conceltos desencadeadores da praxis. R. Fac. Educ, S80 Pavlo, v.18, a1, p.92-98, jan fun. 1992. -98- PAULO MEKSENAS SUMMARY: The concepts of concret and abstract are used by many teachers as Glustrated notion of practices that in most of the times are not reflected. Here comes a kind of abuse in the usage of these concepts resulting in the creation of simplificatios of their meanings, In this way, a mechanic notion of the relation between the concepts that teacher makes usage to explain its teaching practice demonstrate, in many times, an elitist position related to the students and the knowledge. ‘KEY-WORDS: Concret and abstract. Knowledge production. Teaching practice. TEXTOS CITADOS Campos, Augusto de, et alil. Teoria da Poesia Conereta, Sao Paulo: Livraria, Duas Cidades, 1975. Lefebvre. H. Légica Formal e Légica Dialética. Rio de Janeiro: Civilizagdo Brasileira, 1979. 1990. Penteado, Heloisa D. Metodologia do Ensino de Histéria e Geografia. Sao Paulo: Cortez, 1991. Machado. Nilson J. Matematica ¢ Lingua Materma. Sao Paulo: Cortez, Vygotsky, L. S. Pensamento e Linguagem. Lisboa: Antidoto, 1979. (Recebido para publicagao em 22.02.91 e liberado em 06,91). R. Fac. Educ., Sto Paulo, v. 18, 0,1, p.92-98, jan.jun. 1992.

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