Era assim que eu comeava sempre... Ento, tu sorrias, acariciavas as minhas mos pequenas e principiavas: Era uma vez... As tuas histrias eram lindas, lindas! ... Falavam de reis, de rainhas, de prncipes loiros, de donzelas formosas, de moiras encantadas e eu ouvi-as recostada nos teus joelhos, de olhos voltados para o Cu. Que saudade, Avozinha! Tinhas uma voz meiga, suave, e a tua face cheia de pequenas rugas, tinha a frescura das rosas de toucar... E, quando falavas de bruxas velhinhas, curvadas, de mos secas e longas, eu imaginava-as com os teus olhos a sorrir por detrs dos culos pequenos, com o teu cabelo prateado, com as tuas saias compridas, com o teu longo xaile sempre suspenso dos ombros, boas e meigas como tu. E sonhava, Avozinha! Tu vias o meu olhar distante e parado no infinito do meu sonho e puxando-me as tranas negras, dizias: Nasceste sonhadora, minha filha! O tempo passou, a Morte levou-te e a tua filha cresceu, Avozinha!... Algum roubou os meus vestidos de folhos, as minhas meias brancas, os meus sapatos de fivela dourada, o meu lao de seda. Mos estranhas cortaram sem piedade as minhas tranas negras, fizeram mais profundos e tristes os meus olhos azuis escuros, carminaram os meus lbios de donzela... Av, avozinha! Que fizeram de mim? Do passado nada existe; somente no meu olhar parado e indefinido ficou suspenso o encanto das tuas lindas histrias... Um dia contaste-me uma, a mais bela de todas que Deus quis que ficasse incompleta. Dizias ser eu a princesa duma lenda, uma princesa bela e linda, retida na Terra e suspensa no Cu. Acreditei, Av e desde que tu partiste tenho tentado viver a tua histria, nos dias que passam a caminho do Eterno... Obrigada, Santa Imagem da minha infncia! Perfumaste a minha meninice, povoaste a minha vida de Sonho, cobriste a minha alma de carcias e deste-me um Reino.
Todas as crianas tm um Reino? Diz-me: A princesa da tua
histria ficar eternamente retida na Terra? Quando completas a tua histria, Avozinha? Talvez daqui a muitos anos, quando tal como tu, curvada sobre um rosto de criana, uma boquita rosada, me implore: Conta-me uma histria, Avozinha!... Maria Helena Amaro In, Maria Me, 1973, p. 176-177. Data da concluso da edio no blogue 22 dezembro de 2014 http://mariahelenaamaro.blogspot.pt