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CAPITULG iL TORNANDO A DOMINACAO DURAVEL: GRAMSCI ENCONTRA BOURDIEU ‘Onteo efeita da Husde escokistica comsiste em descrever a resist@acia d dominagio ma linguagem da comsciéneia tal com o fare tanta 2 teadigo marista como alguinas tetricas do feminismo que. dando inargem aos kébitos de pensamente ede Finguagem, esperam yae w liberagae politica provenha do efeito amondtice da "tomuda de conscidncia” — vom resul+ jade da falta de Uma feoeis dispusicianal ¢ situzcional das pedticas, ignorando a estranedindsia i a yue qesules da, amscriglie das estruturas sel nos cerpos individuals, Cibo: ra tormar as coisas explivizas possa ajuilar, apenas um detedhi- de pricetee de desdomesticagio, de descondicinnamentn, envalvendo cepetidos exerrivivy 01 como o treinamento das mente © hebitus®. Pierre Baurdie™ ailetas, pode transformar durav Eis o motivo adicional para fundameniarmos o curporativisme do universal no corporativising comprometido com a defesa de interesses comuns, consensuais ¢ incquivecos. Dentre os maiares obsticulos a isso: est (ou talvey, tenha estado) o mito do “intelectual organico” — vio caro a Gramsci. Ao reduzir os intelec~ A gltima frase é omitida na tradusio brasilews. (N. de T.) 4 A NEUIUISHTE EMOUNTRA earnest twas ao papel de “companticiros de viagem™ do prolctariado. esse mite impe- din que cles tamassem a frente na defesa des préptios interesses ¢ explorassem os meios mais cticazes nas luis em prol das causas realmente universais’ Parelelos e contrastes Eni seu shove de atounitize’. Bourdieu encurregou-se daquilo que ele mes mo chamou de socicansilise do ew, substituinda a hiogratfia egocenirad — que discorreria longamente sobre sua carreira triunfante — pelo exume do campo educacional no qual ele cresceu: pelo exame da sua propria imersze na guerra civit argelina, enfim, pelo exame do campo utliversitirio no qual ele ingressa- ra. AB. muito do seu foeo recain sobre a questi do predominin académico da filosolia enearada por ele na Ecole Normale Superigure, com a consequente depreciagio da sociofogia na Franca e sua recuse em se aliat ao marxismo eniao em vous. Por fim. ele explicu seit interesse pela reflexividade ¢ suas ideias sobre o campo académico por meio da propria. trajetorig intelectual — dos confns rurais de Béarn a professor no College de France. Hle sempre se sen- tira constrangide, como se fosse um imposter, no mundo académico frances. Por possuir aquele “habiis servil” — cfeito da “diserepancia muito pronun- ciada entry a elevada consugragde académica ¢ a baina origem socia™. Pore, a partir dessa perspectiva privilegiada, Bourdieu estar a.upto a “objetivar” todo: 0 territdrig académicg, Antonio Gramsci, caso dnice entre as grandes tedricos marxistas. por ter vindo de uta origem rural bastante semelhante Aquela de Bourdieu. sentia-se iguelmente desconfortével no ambiente académica, muito embora. para ele, isso resuliasse Bo abandono da universidade remo a atividade dJornalistica ¢ & cia politica, anlcs que fosse fangado no edrvere som qualquer corimonia mil pelo Estado fascista, Os paralelos entre suas Derspectivas intelecuu Gramsci e us de Bourdieit — so impressionantes! Ambox Tepudiaram o deter- minismo historico de velhe Mara: ambos desetwolveram concepgGes bastante solisticadas acerca das lutas de classe; ambos focaram o mesmo aspecio social, aquilo que Gramsci chamou de superestruturas do capitalismo e Bourdieu chaniou de campas de dominagdo simbética. Ambos. Portanto. deram pouca Mportincia & cconomia para se concentrurem nos efeitos dela. Num sentida mais wirmativis, ambos se inieressaram principaimente por questoes ligadas & dominagao e & reprodugdo da dominagio, Eles estavam Preogupados em cam- pWeender a agio sociul dente da légica de coagdes e de restricdes, para com —asde ve VORSAVDE A POMISACIE DURAKELS Chawncy EXE NTeA warAnuE isso supericem o que consideravam ser us falsas oposi¢ocs entre o voluntarismo. ¢ 0 determigismo, o subjetivisme vo objetivismo. Assim fazendo, ambos se vuleram das ideias primeizamente formuladas por Marx ¢ Engels nas Teses sobre Feuerbach, Tanto Bourdieu como Gramsei foram bastante reflexives quanlo ao papel dos intelectuais na polities — o lugar destes na feprodugde ¢ na unsformagau dus ordens sociais. Malgrado a scmelhanga entre suas trajetGrias ¢ disposigées: © apesar dos interesses tedrives que tinham em comum. as di wergéncias funda mentuis entre Bourdieu ¢ Gramsci sio muito mais interessantes: estéo total- menté ligadas aos contextos histdricos Uistintos em que atuaram. Sobretude, Gramsci, tendo continuade marxista. mantivera-se cagajado nus quesides do sociafismo cm uma época em que este ainda estava no centro da agenda poli Gea: Jd Bourdieu se distanciara do marxismn, vivende naquele que seria co- ahecido come o mundo pos-sacialista, Finalmente, Bourdien depositava maior confianga na verdade escolastica Produzida na academia. ao passo yue Gramsci fund: experiéncia dos trabalhadores no peocesso de ProdUgdo ¢ hos comités de f4- brtca, abrindo caminho pura ayuilo que ele denominou o “intelectual organico™ incrustado na classe rabalbadora. Para usarmos a terminglogia gramsciana, {onde Gramsci vis o bom senso embutide no senso comum da classe operdi= ria, Bourdieu via spenas © mau senso, o mau sentido. Bourdieu, por sua ver, punha grande fé no bom senso potencial da sociologia etaborada dentro de campos acadérmicos relativamente auténomus. Gramsci, por outro lade, era eclito quadto & possibilidade de os intelectuais universitirivs serem algo ma do que simples “intelectuais tradicionais” que. no final das comtas, 36 re- produzen a dwsminagao. Para ele. a soviologia confund entava a verdade na Ss ia a organizagdio politica do consensimento com o consense ilusdrio & espontdace — tual camo podemios observar nos eseritos de Emile Durkheim e nos primeitos irabaihos de Taleott Parsons. Cada autor estava preocupado cam es aimeacas da patologia — Bourdieu com @ invasdo da cigncia social pelas pressées do mercado & por especialistas © Gramsci com as experiéneias da classe trabalhadora que esta- vam seado mais distorcidas que elaboradas pelo partide politico. Parém, au alacurem as posigdes um do outro, cad qual tornou absolura a autocrilica albera. Desse modo, Bourdieu transformou as nbservagdes cautelosas feitas por Gramsci em relagae do intelectual orgdnico em uma polémica eabal contra esse intelectual orgiinieo. Jd Gramsci. caso tivesse a mesma chance, teria trans- subservientes: formago as netas eriticas de Bourdieu sobre as inldctas escolasticus cometidas St MARNISMU ENCONTRA BUCKBIEL por jornalistas ¢ académicos em uma demonstragic das limitagdes imtrinsecas do intelectual tradicional. Hssas visGes opostas acerea do intelectual orginico e do imelectual wadicional jazem sobre visdes também divergentes acerea da dominagio: de um lado, a dominacia simbética em Bourdieu, na qual o domi- nado nae Teconhece sua submissio come tal; de outro lado. a hegemonia em Gran disso, emergent diferentes teorias acerca da dindmica da mudanga social. A medida que nossa aitdilisc compara as trajeiérias socinis de Bourdieu e de Gramsct, essas trajetérias trazem & tona suas respectivas concepgées do que sao os intelectuais, com suas teorias divergentes da dominagao c da trans: Tormagdo da soctedade, Sendo cntie coerente com o made pelo qual ew arga- nizei esscs cncontros, a saber, como minha resposta marxista a Bourdieu. temtarei reconstituir a teoria deste tiltime por meio da perspectiva gramsciana. E imitunda a avuliagao comedida que Gramsci fazia dos seus antagonistas, especialmente Benedetto Croce*, tentarei tornar Gramsei mais respeitoso com Bourdieu do que Bourdieu foi com Gramsci. Comegaremos mobilizando a nogao de habitus em Bourdieu, para entao tracurmos a intersecio da biografia com a histérta. ci, na quill o dominado reconhece @ consente sux submissie. A partir A intersegdo entre a biografia e a historia Com a nogio de Aebitus, Bourdieu transeendeu o subjetivisme da perspectiva centrada no ator sem, contudo, eair no objetivisme do cientista vindo do nada, ao reconhecer # incorporagio das estruturas socials como conjunto de dispo- sigdes, de inclinagGes duraveis, porém, criativas e mutantes — isso na forma de pereepgdes ¢ de apreciagdes do individuo. O Habitus da conta do senso pritico: & a capacidade adquirida de inover, de jogar o jogo, de perceber 0 * RBonedetto Crace (1864-1942). principal histortador ¢ fildsnfo italiane da seule KX. Crien em 1903 u revista Las Crucica, com a qual comtriburia por quatto décadas, Desempenhou varies cargos politicos ¢ se opds am regime faseista (1922-1943), apds 6 qual, furatow nowamente o Faniige Liberal. Sew pemsementa, influenciada pelo idealisaw hegetiano, abrange os campos de estéticn. da tégiva. da dtica ¢ da tilosofia da histéria, Enquante autodidati, sua flosofia for guiada pela ideia do poder criative do homem, Entre suas obras, destacam-se Hisveiriee ke Eurapa na seeula kX (1933) A Historia come narrativa da fiberdade (104l ke Croce, 0 rei e oi utbiewies (1983). Ver Gramsci, Cademuas de cdevere, vol. 1 —fatrnaducilie ae este dea filo~ sofia. A filosufia de Benedetto Croce. 2008. (N. do.) ALND Mer EXCH ERY ROADIE povoado ¢ a familist. A devogdo de Gramsci a sua [umflia ¢ seus habitos rarais fica chica nas car(as eseritas por ele do cdrcere: assim como Bourdicu perma- neceria igualmente apegado at seus pais durante toda a vida deles, retornanda Periodicamente ao lar pura cealizar pesquisas de campo. Suas formacdes rurais jaziam profundamente incrustudas em seus habits, suas disposigGes e seus. pensementos — quer na forma da heranga lateme, quer ne forma da veemen- Te negaylio’, Gramsci ofa concluiu a faculdade; ele merzulhou fundo na vide politica da operdria de Turim que se mantivera bastante agitada duranie-g Prim Guerra Mundial. Grams socidlistas Avan! e i Grida. Apos a guerra, ule se ternau editor da L'Ordine Nreve a revista cullural da classe trabajhadora cm Turim, desi enadi pura articular sua ceva cultura ¢ destinade a se tornar a revista mensal do mowimen- to dos comités de fibricu ¢ dus ocupagdes de indistrias entre 1919 @ 192r* Bourdicu. por sua vey, upds concluira universidede ¢ dar aulas em um liceu por dois semestres, foi convecado eny 1955 para servir o Exército Francés na Avgélia. Fle seria mantide nesse poste por cincu anos, apds os quais. condu- ain ali pesquisas de campo. Hscionando na universidade ¢ registrands em warios eseriios a cultura ¢ as Tutas do pove argelino cojonizade — tante ras cidades como nas uldeias, Com i fase de reocupagio e de austeridude que s¢ Segui. av recuo tempordrie do movimento anticolonial. apos a ‘Campenta dos Argelinos (1957-1998) a situacdo de Bourdieu tornou-se insustentavel ¢ ele wins a | COMeGOU Sua varreira escrevendo para os jomuis Nas eleigtie para 0 parlamenio cm [909, » Partide Socialists flatyang. ecamycistou quase im terge das'votos, cunsplidande-s¢ camo a maine forge politics da Neste nicame- gnu, os prvlestvs populares contru o custis de vida ittumperam ce um Wu eRIFeITO ao OER du pais, scm que O garErNO CONSE gsisse controlar a situsy.ls. Nay cidad 28S liyja efi) sayucadas: Nas Z9INay FUMES. Os eAMBAMESEs mMvguiad) os latibtndios impros Gatives. Her 924),0s uperarios das grandes eidades mdustriais, dentre ele Tarim, scuparam fm geande ndinern de Hibrieas. Devido a ened apitagses, os angy de 1Y19-1U20) passararn Para u historia iraliana comes Aféiie vermethe. Poi cone reagae a essa elervescéncia dos trabathaderas que aparcecrant as primeiros jcropers fasuistas. Ver Gramsct, Comsetlics de Pabriva, 1982.4M, uo Ts © argelia, LST. Com a tomada da cay ISS. Apes vencer a prolangads reisien Are! que Ferman a al Argel ein 1830, a Franca anexou # AraéHia eta dos niiades berberes, a meuripole transform em um deparuaments uiieamarina, conirolade pela minora euewpera — des cotoms ite privifegiauta. Gruso grandes catrudan de espiial publice priv slesen- volver-s-ia uli uma economia moderna. Q macionulisma argelino surgirea loge apSsa Primei- fa Guerra, Mundial eatre os grupos niugulmanes ou islumizadas. A nesisiéncta aos coloni- jadores conluzina & furmacde da militinet# antifrancess. Os nacionatistas erat a favor da rervolta armada in dlos ano 1950. romitos deles fugream ou se exifaram. Lm 19S fai formada a Krente pei Léberapde Nacionad Argedinas (FIN que tangon vinas ofensivas pore TOR ANEE A HOMEVACAM HORATELS GRAM SEE LSCONTRA ROLRDIED Toi forgado a deixar a Argélia em i960. Dessa forma, nos unos de amadureci- mento apés a universidade, tonto Grams. ‘ome Bourdieu foram profundamen- fe Iransfermades por hulas que transeorriam bem longe de seus lates. Mesmo durante esses anos, porérm, Gramsci se manieve muito mais Jigade politica- mente aos protagonistas dos acomtecimentos que Bourdieu. cujo engajamento politico manif stou em si um distancinmenty epistemoldgicn. mundo racialmente bipartide do colonialismo distanciara Bourdieu dos protagonistas da lara na Argélia, assim como u ordem de classes da nrova Itdlia empurrara Gramsct para o furacdo da politica operdrit, muito embora ele fesse séum emigrado da semifeudal Sarlentia. Em conformidade com isso 24 partir desse ponto, essas duus biografias tomariam caminhos diferentes, Apos a derrocada dos comités de fibrica, Gramsei tornou-se lider do moyi- mento dos abalhadores. menibro-fundador do Partido Comuniste [aliano em 1926 2 seu secrelarig-geral em (924 — precisamente no ana em que o fascismo comegava a se Consolidar, Ele passou alguns anos no Komintemn*. em Moseou, ¢ no exilio em Viena. Ele também viajaria pela alia apés 1923, em uma epoca em que sua eleicén para depntado Ihe dera imunidade parla- mentar. Isso duraria até 1926, quanda Grams esdigo penal. ¢ levado a Jari em 1928, O tribunal decretaria que o intelecto de Gramsci deveria ser tolhido por 20 anos. Gramsci so deixaria a prisdo depois de huver produzido, malgrado numerosas ¢ finalmente mortals docneas, a mais criativa teoria marxisia do século XN: seus tamasos Caderies da cdrce re". for detido com base no novo faindspendtnyia ca Comstmuigae (aumento de ats de ct he resreisagn proveceu a reagic da Pruiga, com akyues aos magulinans ¢ 0 genuctdia da populagae civil. Entre 1987 v 298%, conta imignstlicagin du erise. a generat Charles de Ciautle (188n-19%) convecou um plebiscite, no yusl os srgetines se promuncsarian peta indlependéncia. Em jelha de 1962, ¢ Atpélia era deelorada uma repdlieu sactatisia independeme Comegaria dat evacuagiia maciga dns cifomis, fin scyaidis, oy lole oma guerra aberia erice ay varias Faces JAELN th pater, Abmed Ben Belle € efeite 6 primeins presidente em 1962. Mas fi ets 1955, o-coronel Horr Boumedienne derrubari o pawemo ¢ assemiria 9 poder jotal fistava cam tiida a peofivie die Franty Faron! ¢N. dhe Ta Comimern st Romintern (Tereirs Intemiciewsss Conn 1924) erdina a Ter al, camumente cone ad. Ein margu ae (419, LEning INF jt counts Kiamaintesnt, para ergeminar 4s atividades dus partidas comunistas cstraieeifes ¢ iampulsionar revolugte mundial can. forme o modeto soviético. Acredilaxciese que a revolugig mivsa jamais estaria segura a meqos (uue os blues purses ws lodilnacte socialistan. Grams trabalbou para o Kewiutern sae Vicia, © Moscow, A Terveira [nternacional fa a reagay de Lenin go sociglismo reformist da Scgun dla fnigrnacivnal, Apis a sa more, Fosel Sutin (1879-1953) assummiu 4s Komimesn ¢ 0 alissot- vetiem 183, come coneessdo Hos atiadus americanes e britinicos durante a Segunda Guerra Mundial. (N.iv T GAA ANISHO ENCOUN TRA AOLINDEEL Curiosamente, 6 cdrcere manteria enjaulades também os detratares de Josef Suilin, O estado de smide de Gramsci agravou-se continuamente até sua mor- Ig em 1927, devide as complicagdes da tuberculose, da arteriasclerose ¢ do E Isso acontc- cia justamente quando a mobilizagdo internacional por sua libertagio ganha- va terreno. mal de Pott — duenga que destrd: pouce a pouce vs vertebra: A trajctoria de Bourdieu pode nao ter sido tio diversa. Depois da Argéli cle ingressou na cademia, galgando posigdes nos principais institutos de pes quisa franceses, eserevendo artigos sobre o papel da educacdo aa reprodugdo das relagdes de classe na Franca. Bourdieu foi admitido no prestigiudo posto de mestre [professorship] no Collége de Prunce cin 1982. cargo que furia dele um proeminente intelectual piiblico e, nos tiltimos anos de vida. um herdeira do cetro ¢ do Gone que fora de Jean-Paul Sartre ¢ de Miche! Foucaull. Desde v inicio, seus trabalhos tinham impacto e pestura politica, tadavia, eles ganha- fam teor mais ativista ¢ mais ucgente sé. em meados dos anos 1990 — em es- pecial com o retorne dos socialistas 4 presidéncia em 1997_ Desde entéio, Bour- dieu defenderia publicamente os despossuides e combatena a emergente teenocracia neoliberal: atucaria também os jornalistas, repérteres ea midia de massa em seu livre Subre a wlevisde (9Y9b), Bourdieu encarregou-se de livas ediloriais — desde stta revista mais Academica, a Actes de ia Recherche en Sciences Sacieivs, até uma série de livros mais engajada e militante, a Re imimera: on d'Agir. Em seus tiktimos anos, ele tentaria organizar o “intelectual coletive” — empreendimento que transcenderia as fronteiras na- cionais e disciplinares. colocando em didlogo as meates mais progressistas pura a reconstrugio do debate publica. Enquanw Gramsci se movera do engajamento paruidéirio para amu existin- ¢ia escokistica na pris&o, onde refietiria sobre o fracasse da revolugio socia- ene, Bourdieu, por sua vez. [omaria 6 caminho iaverso: ira da ca na academia para uma opesigao abertae publica contra a meré roontinte do fundamentalismo do mercado, dirigindo-se inclusive a operdri grovistas ¢ apofando suas lutas. A Jigagio orgdnica de Gramsci com o mov! mento dos trabalhadores mantida por meio do Partido Comunista fez com que exagerasse 0 polencial revoluciondrie dessa classe. Assim, au prisio, ele dedi- con-se a pesquisar o mode pelo qual as elaboradas superestraturas do capita. lismo avangadue as quais imeluert tanto o Estade come as rclagdes do apa rato estatal cons as tincheiras emergenmtes da sociedade civil — ndo somente justificam ¢ sustentam a dominagdo. come ainda conguistam o conseniimento ve dos Tista no Oh ja escul. dividuos dominados, 56 TOWMANHE 4 Postmsuia (NRAVEC: GRAMSE RENCONTRE BOtNDELH Bourdieu, ao contrario. sé Ingréssou na utividade politica perto do final da vida, com sua teoria jé bem elaborads sobre os mecanismos de repeoducao da sociedad, baseuda em aniilises da agdo estrutégica yo interior do: ampos soctajs, com seu acessério conceitual costumciro: o habits. Este, lembremos, é resultado da incorporage das estruturas da Sociedade pelos carpus dos agen tes, na forma de conjuntos de Uisposigéies. No final dos anes 1990, eneentran- do 2 esfera pliblica — lugar onde os intelectuais tridicionais costumam pros chimar suas verdades — cada vez mais distoreide € rarefeita pela midia, Boucdicu adotaria a postura ofensiva, a Ponto de apoiar abertamente aqueles publicos que sofriam ataques andlogos pur parte do Estado, & firme defesa da autonomin do intelectual © das atividades avadémicas, com sua agressiva in- vestida contra ax mitologias neotiberais, fez dele umu das figuras publicas mais célebres da Franes, muito embora tle af se mantivesse dentro dos velhos mol des do intelectual tradicional, Se a teorizagao elaborada por Gramsci no cdrcere avangon para além da sua propria priitica politica, as torias ucadémicas criadas por Bourdieu aude. vei airasadas em relagao a sua avangada postura politica. Gramsci pode es- Stever a tespeite do Moderne Principe® (0 Partido Comunista ideal-tipica), mas O40 pode encontrdé-lo na realidade, Jd Bourdieu, como ainda veremios, Irrompeu na cena poblica sem qualquer justiticaliva tedrica, Falando mais la. ramente. © primeire (Gramsci) tinha a teoria sem a Pritics, enquanto o segun- do (Bourdieu) tinha a pratica sem a leoria, Colocd-los em ditlogo nos ajudard a desenvolver suas peculiaridades ¢ Pontos cegos, assim come esclarecer sua importancia na compreensie da conjuntara politica na qual vivemos. Os intelectuais: tradicionais versus orgdnicos A formagio devisiva do habitus politico-intelectual desses autores deu-se ne inaturidade: yuando Bourdieu retomnou 4 universidade em 1960 para dar senti- do 4 sua expedican argelina: & quando Gramsci ingressou na organizacie do * © Principe Moderno, Gramscs fazia referéneia an Principe de Maquiavel. Assim como o Hider maquiavetiano seria o responsavel pela unificagia da Ikilia contra os invarones nine, fos, 0 Partido Comuaista Italiano seria o responsive pela unificacaa da classe trabalhade, fe lransformandy-2 en uma classe ev si ¢ pura si am guisi-ls na hula contra a batrguesia industrial. (M.do Ty 5? 0 ALLENS ENCOMTRA REBEL TY movimento dos trabalhadores ¢ do Partide Comunista, sssimilando o aprendi- zado adqniridy no movimento dos comités de fabrica, Suas (divvisdes com relagao a teoria e & politica emergiram das posigGes ocupadas por eles na cs- frntura social, Segundo Bourdien, a produgao da verdade cientifica era um Prowesse esco- listics cuja condigdo necessiria é a skhol? — a busca desimeressada do co- nbecimento, um ambiente auténamoa ¢ protegide pare a contemplugiio ea in- vesuigucdo da realidade em comunhia com outros atores, Nos tempos Modemos, tal espace € oferecido pela univeryidade: 0 quarte!-gencral do cam- po clentilice, A competicio ¢ as disputas nesse Campo (suas lutas armadas, como Bourdieu as chaima nas Mediiardes pasealianas\ sao regidas pelas regras. do metodo cientitieo, o qual é indispensivel Pura conseguir uma verdadeirs compreensda do mundo’, Entre as ciéncias socials, a sociologia desfruta de uma posicio privilegiada, porque, diferente da lilosofia ow da economia, cla esti apta # entender as condigdes especiais da sus propria produgdie, Quando exercida com destreza, u sociologia transforma-se em uma disciplina reflexive capaz de objetivar o sujeito da objetivagao, isto é, produzir conhecimento a respeilo da propria produeda de conheeimento faganha gue nao fepresenta sua defasagem, mas social. Haja vista a sociologia estar comprometida com o mundo social. cla esta, pela meamta fazao, forgada garanlir-se asi mesma e suns condigdes de existéncia. O mesino nao acontece com a Glesotia ¢ a economia — disciplinas que padecem daquelas fulagias escoldsticas resultantes da equivocada e inadvertida projegia de condives especiais de produgo intelectual sobre o manda que clas estudam. Para elas, tude se daria come se as Pesseas comuns fossem guiadas por “esirn- turas elementares” (Lévi-Strauss), por imperatives morais abstralos (a eomu- hicagdo sem distargdes e sem obstdculos de Habermas} ou por modelos basea- dos nit agdo racional (os economistas ¢ 0 behaviorisma), Essas cigacias wacam as coisas da l6gica pela légteu das coisas! Ouiro é 0 perigo que afeta disviplinas como a medicina ¢ o direito: elas Iransformam-se em servas de Estado. Raptadas por politicos. tais ciéneias alicnam sua autoridade cientifica e com isso perdem a capactdade de vonfec- cionar conhecimenco certificude, Até mesmo a saciologia pade sucumbir iM O seu valioso recurso para o avango da ciéne Aiquelas fulicias © ser abduzida pelo Estado — como Bourdieu deixou bem claro com sun devastadora condenagdo da sociologia estadunidense ¢ com seus ataques aos colegas (ranceses. Em outras palivras, a universidade €0 nico lugar seguro onde a cignecis social poderd emergir: mas ne ha quaisquer garuntias de que a soviologta como disciplina reflexiva surja mesino af, A 88 TeMAAADte A BOMENAGAD WERALELS GRAAL LCONTRA BAI IRELET sociologia tem sim esse potencial, mas ela necessita de protegaa ¢ elaboracio cuidadosas.. Gramsci, ao contrario, baseava a verdade nao na academia, mas nas expe- riéncias produtivus das clisses sociais. S¢ para Bourdies algumas dtseiplinas eram quigd mais aptas a produsir ciéncia genuina, pare Gramsci. algumas tinham melhor conhecimento do mundo real que outras! Ness¢ caso, ele seguit 0 marxismo ortadoxo, argumentanda que era a transformagao pratica e coletiva do mundo real o que fundamentava © conhecimento mobilizado pelas trabalhadores — conhecimento esse negado ao campesinate ¢ l burguesia. Hsse cerne da suher — o bom senso da classe trabalhadora — encontrar-se-ki enterrado sob intimeras camadas de senso comum. o qual compoe © entulhe sedimentado das ideologias dominantes (existentes ou anteriores): chats: U homem-massa alive possui vidade prética, mas ndo possul clans conscigneia tedricu dessa auvidatle, 2 qual pressupae. todavia, a compreensio do mundo enguan- to o transforma. Sua consciéneia tedriva poderé, historivamense, estar em contradigiie cont sue atividade pratiea. Pode-se quase dizer que ele possuitia duas conseiéneias tedrieas (ou sé unta conseiéneia, mas centradiloria cons igo mesma): a primeira, que tests implicita em sua atividade prética. ligando-0 4 realidade de seus colegas de tra- patho na ransformagdo pritica do mundo; ea segunda, s6 superficialmente explivita ‘ow verbal ¢ yue ely hierdow do pasado e absorveu de forma veritica, Mas essa nogao verbal cifieo: ela infuencia @ conduta moral e a diregin dos desejos, fazendo isso com efi- é desprovida de conseiéneia, Ela mantém unide aquei grupo social espe- vatidvel, porém, sendo com frequéncia poderosa o bastante para produzir sitw- cGes nus quais a escudo contraditorio da consciéneia ndv permite peakuma ayao, nenhuma decisdo ¢ neahuma eseoiha. Iss produz um estado de grande passividade moral. Q conbecimento ericive do praprio ew tem lugar. portanto, em uma Tuts de hegenwnias” politicas e de diregdes opostas — primeira no campo da étied e depois ho calnpe especificw da politiva, a fim de chegar & decisée mum alto nivel da propria comsciéneia da realidade®, Em outras palavras, os trabalhadores industriais possuiriam duas conse! ciast ume parte € 0 bom seaso que vem da transformagae coletiva da natureza; 4 oulra parie & @ senso comum gue inclui também a consciéneia popular gue sedimenta as ideologias domiaantes tomadas como dadas ¢ sem eritica. No ireche acima, portanto, as lutas de classe manifestant-se come Tutus entre duas consciéncias ye, por sua vez, quando devidamente claboradas, sc tormam duas, ropresentagdes hegemdnicas ¢ concorrentes do mundo". sy 0 APRTESMOF GOON IL SUMMAOIEL Conforme o marsismo ortodoxo, o campesinato nunca conseguiria desen- volver 6 bor senso, pois cle nie purticipa da transfurmacdo cofetiva da natu- seza por mi da divisio organica do teabalho. Scu conhecimenio e sua com- preensiio do mundo nao podem ser sendo parciais. fragmentados e dependentes"’. A moderna burguesia, por sua vez, poderd sim alcangar a universalidads, porém, sua universalidade também stra algo parcial. porque a transformagio do mun- do natural que ela empreende é indireta, mediada pela clusse trabalhadora e fundamentada em seu interesse mesquinho pelo luero, Trata- universalidade. visio que # burguesia munca paderd abarcar os interesses legi- se de uma falsa timos de todas as classes sociais. Para Gramsci, 0 iiclectual organico — alguém organicamente vinculado Adeterminada classe social — posswiria duas atribuigdes: de um lado, eamba- ter us ideologias ¢ mvitologias da classe dominante a fim de revelar o carater arbiinirio daquelas ideias: de outro, elaborar @ bom senso a partir do sense comum da classe trabalhadora a fim de traaslormar esse bom sense em um comhecimenta tedrice do munde. O Partido Comunista — o Moderno Principe, o incansavel elaborador, o intelectual coletivo — seria o veiculo do desenvol- viento dit comsciéncin da classe trabalhadora, Mas ele aio elaboraria a cons- ciéncia dos wabalhadores a partir do nada,em vez disso, o partido ¢ a classe devia entrar em ama relacio dialégica, O intelectual organico sé poderia ser eficaz por meie da relagio imtima com a classé, o que. para alyumas interpre- laces gramscianas, implicaria ter cle mesmo vindo da classe operdria. © in- telectual organice nfo é nenhum individuo isolada: é sim alguém imersa em uma organizagio especitica: o partido politica — entidade andloga av que a universidade era para Bourdieu. Nao menos que a universidadc. o partide politico tanthém apresentaria for- mas paloldgicus que coremperiam a produgdo do conhecimenta — seja por meio do vangardismo que tende a impor sua verdade a partir do nada; seja por uicio da subserviéneia acritica ao senso comum, Agui. Bourdieu emprega. a visdo critiva de Gramsei sobre os partidos e a absolutiza de propésite, esse modo, para Bourdieu. aquelas duas patologias mencionadas (7 vinguardisio easubservidneia) setiam inerentes 4 propria natureza do partido polities, por que a classe rrabalhadora, ou mesmo qualquer outra “classe”, jamais poderia alcangar a intuigSo cientitica, quer dizer, a verdadeira realidade. Na linguagem de Gramsci, Bourdieu nega que as classes sociais possuam algum nucleo de bom senso escondido debaixe do senso comum. () senso comum delas seria irrevogavelmente e inescapavelmente um senso comum, no mau sentido! Con- forme Bourdieu, todas as classes padeceriam de uma fundamental incom- on FORMAN A BOMESI CAR DURATEC: GkAAISCS EE UTR BEE ROE preensio a respeito de sua propria posigio 10 mundo, Portanto. nada ha aqui para us intelectuais elaborarem. [sso nao quer dizer que as pessoas Sejamn [0- talmente ingémuas (pelo menos nao todas), E que efas seguem unk ligica propria, uma légicu pritica. Porém, elas mio possuem nem capacidade nent < dg tomar essa kigica come objeto de andlise, para enfim transcen- derom da légica da pritica em direcdin i logiea da woria. Segundo Bourdieu. isso seria privilégio reservndo apenits 20s sociGloges na qualidade de ciemtisias uconchegados na skholé universitaria. Bourdicu entio desafoga sua edlera contra o que ele denominou “a mitulo- gia do intelectual organico” Higade & classe social. Como frugdo dominada da classe dominanie. os intelectuais intensificarn suas lutas deniro dessa class unir forgas com a classe operdria. Com isso. eles desenvolvem urua identifica fo ilusdria com os trabalhadores: condig ao No d nem questo de verdade nem de felsidade a insuperkivel represemayde do mundo da classe trahathadara que os intelectwats produzem quads, ao se colocarcm nu pele do trabalhador sem terem, porcm. 0 kubitas do trabalhader, eles apreendem bs condignes da chisse trabathadora alraves Ge esyuemas de percepgdo ¢ de aprec que nfo so aqucles que os préprivs membros dessa close mobilizam na apreensiv do mundo social, Essa é a verdadvira experidnela que 6 intelectual pede obter do mundo: dos trabafhadores ao sc colueat provisoriamente ¢ deliberudamente nas condigdes des: go classe. E jew se tora mais e mais provavel, porque. copforme vem axortendo, ont crescente nimuro de pessoas esti sendo langado na classe trabalhadora sem ter seu habituy que é 0 produto dos condicionamentos “normalmeste” impostas aqueles que osHo submetidos a tis condigdes, © populisine ndo € outra coisa sendo @ etnocemtris- my de pona-eahegu, Em summa: o intelectual, cujo fabitus € formado pela skholé, no poderd avaliar correlamente a condigav da classe operdria, cujo habines ¢conformada pela clea ¢ preearia busca pelos meios de subsisténciu. © abi grande que impediria qualquer didlogo c tode esclurecimento méituo entre tra- balhadores e intelectuais. sombria cr telagio &s possibilidades de engajamento dos intelectuais com quaisquer outros grupos — alm dejes mesmus, qaturalmente. De um tado, maiter um contato demasiado préximo com os trabalhadores ou mesmo com qualquer outta classe social suporia afeiscar-se a ser eontami- concepgGcs equivocadas. De outta, COTO seu habitus & bastante i OS, POT HO COM smo ali & te: sea &, como podemos perceber, uma visdo bastante oF UA RIESAETE BC OPERA Heese EE preenderem nem a si mesmos nem aqucles com quem se unem, sofrem a ten- lagho de exercer um despotismo exclarecido ¢ manipular os trabathadores, Com cfeite, pretender elaborar a consciéncia da classe tabalhadora e pretender falarem nome do povo jd signiticana substituir asi mesmo pelo pove. Bourdieu, inclusive, estende Lal critica ads lideres politicos em geral que sao regidos pela logica do campo politico — campo no. qual os representantes das organizayies competem entre si, manipulando conforme seus interesses as represenragdes dos rcpresemados. Eis a visio de Bourdieu sabre a lei péirea da oligarquia intelectual, Ete eru profundamente cético quanto & capacidade dos politicos ¢ dos sindicatos de se mosirarem sensiveis as demandas daqueles que afirmavam represeniar®, Caso os intelectuals se lornassem sensiveis as reivindicacdes dos representauos. eles igualmente virariam reféns de nogdes erroneas. ao passo que se eles se tornassem scasiveis a6 pressGes do campo politico, entaio, prati- curiam a distoreao contrarian: trairiam seus aliados mesmo quando falessem em nome deles. Gramsci cra muito atento ds ciladas & espreita do intelectual orgdmico. Eis porque ele frequentemente enfatizou a Cegueira dos intelectuais ds experiéncias da classe trabalhadora. Com efcito, Bourdieu apoderou-se sorrateiramente des- s advertencias graniscianas sobre as patologias da representaciio e as trans- formou qa tejeigéo da propria ideia do intelectual orgdnico'. Em outras pala- vras, enyuanio Gramsci permanvcia atento aos perigos a espreita dos agentes. com 0 abjetive de reafirmar sua possibilidade de engajamento, Bourdieu enfa- tizava esses mesmos perigos para rejeitar pura ¢ simplesmente « desafio do engajamento. A confianga gram ceme de bom senso que Gramsci entendia existic no émago da classe trabalha- dora, ao passo que Bourdieu negaya haver tal coisa. Para ele, esse didloga seris artificial e, portanto, perigose. Deixe-me agora virar a mesa sobre os intelectuais de Bourdieu, com sua crmpedernida preocupagao com a autonomia do campo escolistica-académien. Sem divida, Gram: dualidades que “experimentam. por meio do espirir de corps, sua ininterrupta continuidade histdrica e qualificagdo especializadu. Bles se poem entio 4 fren- te das classes sociais como senda independentes ¢ autGnomos em relucio ao grupo sacia! dominante"™. A preocupaciio frequentemente manifestada por Bourdieu é que a aulonomia dos campos cultural ¢ intelectual se encontra ciana no intelectual orgiinica era baseada a0 i considerd-los-ia inteleetuais “tredicionais” — indivi- permunentemente ameagada. quer pelo Estado, quer pelos mereados. Tal au- séucia de autonomia é um fendmene amplamente denunciade em Horio ccd demicus com A uristecracia de Estado, J4 a critica de Gramsci go intelec- a2 FORCE A DTN GAD URIEELS GRAMSER ER CORTE ROrEROTE tual tradicional ado ¢ tanto feita contra a incapacidade deste em concretizar a autonomig, mas, antes, sua critica é dirigida contra o projeto mesmo, a saber. a consolidagdo de uma dominagdo ideolégica ao apresentar ox interesses dos dominantes como sendo os interesses universais. Pura Gramsci, os intelectuais daclasse dominante precisant manter-se autonomos para poderem sé apresen- sar como portadores de uma (Zalsa) universalidade. Gramsci encararia a uni- versalidade defendida por Bourdicu. com sua meta dé torné-fa ueessivel a todos, como nada muito além do que o aperfcigvamento da idealogia dominante da capitalisme. Por isso, os intclectunis provenientes da classe dominunte ilatifandidria) da Alemanha ¢ da Inglaterra. ou aqueles vindos da ordem feudal da Telia, possu- jam autoaoimia intrinseea someme em relagdo 4 classe dominante (industrial), pois estavam asscntados em suas conexdes com sistemas de procdugio anterio- 1, © que os tornava especialmente aptos para criar cert repre- sentagiio do universalismo que as vezes se manifestava em um anticapitalismo, franco. Porém, sua verdadeira fun: protegé-fo ndo apenas dos grupos explorados ¢ subjugados, mas também da- queles capitalistas que nio conseguiam enxergar nada além dos seus interesses: econdémicos imediatos. res (mercun social era reproduzir o capitalismo, 20 Bourdicu tinha duas resposias 4 tamanhas acusag6es. A primeira era que a universalidade burgue: elevada . fundada nes campos culturais, foi a mai conquista da hmanidade e, sendo assim, nossa meta era UN iversalizar 0 aces- so iquels universalidade. Tado mundo de Flaubert, de admirar um Mi tera oportunidade de apreciar am s¢. Em outras palavras. ¢ autonomia intelectual era realmente de interesse universal — a ponto mesme de se negar ds classes exploradas e subjugadas a percepedo que elas mesmas podium ter das culluras. Exse argumento parece-me bastante coasistente Com a nogdo grams- ciana de inteleemal rrudicional, cuja fungao ¢ reproduyir a dominagae por mete da negagio de qualquer cultura altermal Mu feressante, porém, € a sc- gunda estratégia de refutigde de Bourdieu, x saber, que a autonomia dos inte- lectuais cria, em condigées Stimas e ideais. um suber critico que desmascara a dominacdo, Em outas palavras, a posigao ocupada por Bourdieu no campo cientifico permitielhe-ia demonstrar como a disting&o cultural esconde a do- minagio baseada nas relagdes de classes. Porém. aqui também encontraremos oseguinic paradoxo: #éo apenas o desmascaramento, mas também © mascara~ mento da dominagao depende da avtonomia dos campos culturais e, sendo assim, defender essa autonomia implica defender a dominacdo baseada nas relagdes de classes. préprias 63 OO MARMEsit ENE ONTRA OU REE Pondo a parte a questo da defesa da autonomia académica em Bourdieu, 4 prOxima questao & para quem cle estari falando? Como ele mesmo disse om Sociologia em questda'”. as classes dominantes naa tém qualquer interesse na mensagem da soviologia e, muito embora os dominados tenham tal interes- se, cles nao 1m capacidade de compreender a mensagem sociolégica — tio profundamente enraizada ¢ sta socializacao no capitalismo. E eis o derradeiro paradoxo em Bourdieu: sua insisténcia em cealizar a ruptura radical com o sensu camum ¢ seu temor de que O engajamento dos intelectuais com as do- minados fosse alge perigoso estavam em desacordo com seu projeto de tormar udominagdo totulmente transparente. A profundidade do desconhecimento dos individuos dominados significaria que o desmascaramento da domi podia ser realizado a distincia, Na pritica, Bourdieu pareciu gostar dessa eon- duta; cis por que ele foi o tnice dentre os uclamados intelectuais europeus a scr Vislo cm piquetes dialogando com tabalhudores em greve nos anos 1990. O que ele estaria fazendo entice senfio uspirando a ser um intelectual organico’? Sua peitica parecia desmentir sua teoria. Sendo assim, enquanto Bourdicu dirige sua dupla critica ao intelectual organico de Gramsci — quer sucumbindo & ignorancia popular, quer jhe impondo seu desconhecimento autointeressady —, Gramsei poderia retribuir a “gentileza” com sta propria critica dupla ae intelectual tradicional de Bourdieu: ow campo intelectual € permeade pelas forcas soviais corruptoras ¢ desvir- tuadas dos mercados e do Estado ¢. portanto, seus lagos com a classe demi- fante seriam transparentes: ou o campo intelectual ¢ autonome e, dessa fei- fa, como ¢ mais provavel que acontega. ele 6 promoveria a universalidade dos dominantes. A critica de Bourdieu & dominagio é, pois, ela mesma ex- press nos termos da universalidade cultural ¢ artistica. Na total falta de am veiculo que comunique semelhante critica as classes que nela 1ém interesse, a universalidade (ransformar-se-ia simplesmente auma espécie de subsid da dominacao. No pastseriptten de As regrus da arse", Bourdieu no emprega a mesma ‘énfase © se artisca, Por nao ter atribuido qualquer Papel histdrico As classes doninadas © por ver as classes dominantes extenuadas por sua propria dom nagao, cle aponiou para uma “intemucional dos intelectuais” coma a salvagio da humunidade: Os produtores de cultura ¢ de vigneia nao encontrardo novamente na mundo social penhun jugar para si mesmos, a menos que sacrifiquem de uma vez por todas esse mito do “intelectual orginica’ (sem caitem, porém. na mitologia complementar do neadarim 6a PURNANDO AS DRBHMACAG DERALE AERUSCE ENLIVTIRA Lemeaihe shstanciaeo de tudo e de todos) aceitem trabalhar colcuvamente pela Yefesa dos prdpriox igterosses. Isso deverta fewiclos 1 se : beat. de “igHnefa ou nlesmo de protecda social contra os tecnocratas; ow ainda — con uma srabigdo ao mesmo tempo mais cfewada e mais realista, portanio, limitada 4 sua propria esfera — use envulver em uinta agi racional vm detess das condighes de sutomuma fimmar come poder jntermavional de crit slesses universos sucialmente privitegisdos, nis quais sdo prouusides « reproduzides as instnimentos materiais ¢ intelectuais dayuile que nes chanamnos « razdio, Fewa Reulpa- ftik da ratio, sem divida, seri suypetis ou acasuda de corporativiamo, Pordin, seri arte da sua Careta provi — pelos tins u servigui dos quats eka disposi os melog —_ que esle seri o corporativismu de universal?! Seria esse “corporativisme da universal”, pelo qual os intelectuais apresen— fariamt seus interesses particulares como sendo as interesses univ algo em daquets ideolowia pica da classe que Alvin Gouldner® chamou de “elas. se universal imperteita”. Que fins —. que visdes c que divistes — teria Bourdiew feservade a esse intelectual orginico da human dade?" Haveria alee mais para esse Moderno Principe realizar, além da defesa da aulonomia da citneia & da cuhura? Por que motivo deveriumos contiar nos intelectuais — esses mensa- gciros inditercneiados da neoliheralismo, do comunismo, do fascismo, do ra= cismo — pura serem os salvadores da kumanidade? Ao disscear as falticizs escokisticas dos outros autores. teria Bourdiew omitido a maior iluse de todas: © autvengany dos intelectuais, acreditando serem eles ‘os potencinis mensagel ros de um universalisino bastante duvidoso? Bourdiew, portanto, substitui a universalidade da clusse Trabalhadors, baseada na Producdo c forjada pelo pur: tido politico, pela universalidade de intelectmats encastelados na ucademia gue, segundo Gramsci. era a forma mais pura da hegemonia burguesa, Dominacéo: hegemonia versus violéncia simbélica A valorizavdo alternativa. ora de intelectual tradicional. ora do intelectual or- Sinico. tanga bases para teorias divergentes da dominagao: de um lade, temos Gramsci e sua hegemonia fundada nO COusentimento: do outro lado, temas Bourdieu ¢ sua violéncia simbolica fundada no recalyue da dominagao, A he- gemonia ¢ explicita e desabrida, portanto. pode ser subvertida pelo intelectual Orgatnico; jd u violéncia simbdlica & sortateira ¢ inconsciente, senda apenas vel aos soviélogos come intelectuais tradicional os

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