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o 2010
Guita
arra Clássica 1
Edittorial
12 anos
a passaados desdee o apareccimento de e
Guitaarreando, a primeira revista dedicadaa
inteiramente a assuntos guitarrísticos a surgirr
em PPortugal, eis este novo
o projecto q que usufruii
das p
possibilidad
des do mun ndo virtual.
Os nossos
n agraadecimento
os especiaiss a Matanyya
Opheee e Nuno G Guedes de Campos pe ela sua precciosa colabo
oração nestta edição.
Até aao próximo
o número em
m Abril!
es
Pedrro Rodrigue
Índicce
Entre
evista com Carlo Marcchione………
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Festiival de Guittarra de Leiria……………
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Entre
evista com Oscar Flech
ha………………
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Repertório…
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nas com Mú
úsica ..………
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Novaas Gravaçõe
es………………
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……34
Equip
pa: Nuno Cammpos, João P Paulo Henriqques, Matanyya Ophee, Ru
ui Pinto, Pedro Rodriguess
(toda
as as proposttas publicitá
árias deverão
o ser endereeçadas para rrevistaguita
arra@gmail.ccom)
Guita
arra Clássica 2
Entrevista com Carlo Marchione
Por João Paulo Henriques
música do século XX ou música espanhola etc.)
João Paulo Henriques: Em primeiro lugar tu consegues perceber facilmente que muitos
gostava de agradecer em nome da Revista da programas são muito frequentemente um
Guitarra Clássica por aceitar o nosso pedido de resultado de necessidades práticas e de
entrevista. É um grande prazer para nós. Como objectivos. Em todas estas situações cada
correram os concertos na Rússia? músico escolhe peças que falem ao seu coração
e cérebro de uma maneira especial. Posso
Carlo Marchione: Obrigado por esta entrevista
dizer‐te que, no meu caso, com o chegar dos
João! Os meus concertos em Moscovo e S.
anos maduros eu tento não só tocar peças que
Petersburgo correram muito bem. Infelizmente
mostram o meu melhor lado mas acima de
o dia do concerto em Moscovo coincidiu com o
tudo o melhor lado da música em si. Portanto,
jogo de futebol Eslovénia‐Rússia para a
também as várias transcrições e os vários
qualificação para o próximo campeonato do
compositores desconhecidos e peças que um
mundo...como podes imaginar, não havia as
indivíduo pode ouvir nos meus concertos (eu
habituais 900 pessoas no concerto, o que é
penso em compositores barrocos como Roman,
normal naquele país! Já agora, foi uma
que se pode ouvir no Youtube, von Westhoff,
experiência pessoal/profissional incrível e
Vilsmayer e Paradisi, compositor este que
enriquecedora, como sempre o é na Rússia.
toquei um ano atrás em Portugal e
compositores modernos como Casarini,
J.P.H: A minha próxima pergunta é sobre
Iannarelli, Vassiliev e por aí em diante).
repertório. Como escolhe o programa a
Digamos que com o passar dos anos eu sinto
interpretar num concerto?
mais e mais um tipo de sentimento de “justiça”
C.M: Boa questão! Digamos que apesar de tudo para com todos estes compositores que por
o que te dizem durante as chamadas master razões alheias à qualidade musical têm sido
classes e workshops sobre “como escolher um deixados de fora (não só no mundo
programa” não há uma maneira de escolher um guitarrístico) da programação de concertos
programa mas sim uma situação (novamente durante tantos anos. Ao fazer isto eu tenho o
pessoal e/ou profissional) em que tu tens de apoio e inspiração de todos os meus alunos.
optar. Eu refiro‐me, por exemplo, quando tens 90% do meu repertório dos últimos 10 anos
20 anos e estás no início da tua carreira tu tem vindo a ser (re)descoberto e estudado
tentas tocar peças que mostrem o teu melhor juntamente com e, muitas vezes, por eles. O
nível por assim dizer. Se considerarmos que meu obrigado, vocês são muito importantes
nesta fase da vida musical, um músico participa para a minha vida musical e pessoal! Mas por
também em vários concursos internacionais, favor não se esqueçam que a história da música
com várias peças obrigatórias e programa está repleta de compositores incrivelmente
especificamente requisitado (por exemplo esquecidos, grandes compositores. Toda gente
Guitarra Clássica 3
conhece Bach, mas quantos conhecem resulte da maneira que eu acho que deverá ser
Pisendel, ou Zelenka ou Monn? Toda gente executada. Eu chamo isto de ‘essência’ porque
conhece Mozart, mas quantos conhecem a transcrição é feita em sua volta. Esta foi o,
Rosetti, Kraus, Beck ou obras de W.F. Bach? não isolado, mas um caso muito extremo de
Para mim não é só uma questão académica, transcrição. É também muito importante
eles escreveram música realmente encontrar um género de dicionário musical
inesquecível! Basta comprar tudo deles e ouvir! para que se possa ‘traduzir’ convincentemente
para a linguagem da guitarra, figuras típicas de
J.P.H: Acho que é do conhecimento geral entre um outro instrumento. Invertendo a direcção:
os guitarristas que faz muitas transcrições para como se toca os Recuerdos de la Alhambra no
guitarra. Que processo usa para arranjar algo piano? Ou um caso de sorte: Astúrias (muitos
para guitarra? Como passa de escolher uma guitarristas continuam a achar que esta peça foi
peça a transcrevê‐la? composta para guitarra! Mas eu consigo
entendê‐los, é apenas perfeitamente
C.M: Para mim uma transcrição é sempre e
idiomático). Ou: como acrescentar baixos numa
absolutamente uma declaração de amor.
Ciaconna para violino solo (consegues imaginar
Muitas vezes, nós aprendemos isto na vida real,
a qual me refiro?) Ou: como transcrever o
por causa do amor uma pessoa diz e/ou faz
basso albertino com linha melódica na parte
coisas estranhas. No mesmo sentido eu
superior? Neste caso, é muito interessante
transcrevo várias peças só pelo amor que tenho
consultar transcrições históricas (Giuliani ou
por elas, sem ter cuidado com (a boa) execução
Carulli por exemplo).
ou a racionalidade das peças. Eu toquei durante
12 anos com um quarteto e duo de guitarras, 4 Já agora, eu ouço com muita frequência de
anos com um dos melhores trios de guitarra do colegas muito estimados que transcrições não
meu país e tu não consegues imaginar o que devem ser feitas e, se um indivíduo não
nós tocamos durante esses anos! (Voltarei a consegue na verdade manter‐se distante
este assunto mais tarde). Mas se eu decidir destas, não devem ser tocadas em concerto
acrescentar uma nova transcrição ao meu mas somente em casa para fins de estudo. Eles
programa a primeira coisa que eu faço é fazer com certeza têm razão em alguns casos, mas eu
um ‘flirt’ à peça. Ao decidir, por exemplo, tocar penso que é sempre uma questão de qualidade
o Adagio KV 540 de Mozart (sem dúvida a da transcrição, ‘credibilidade’ e o seu conteúdo.
transcrição mais difícil de sempre) eu passei Eu não consigo imaginar que alguém pudesse
muito tempo só a tocar em alguns bares aqui e dizer: João, não leias Shakespeare porque este
acolá, em várias tonalidades diferentes e com não escreveu em português. Mesmo que alguns
afinações diferentes. Finalmente encontrei a refinamentos do génio sejam inevitavelmente
‘essência’ da transcrição, ou seja uma perdidos, o conteúdo e a beleza da sua obra
passagem que eu somente consigo tocar numa justifica de certa maneira uma tradução em
tonalidade e afinação específica para que qualquer língua desta Terra. Por outro lado,
Guitarra Clássica 4
ninguém no teu país irá sentir falta de uma neoclássico, dodecafónico etc.); isto porque ele
tradução de uma telenovela japonesa para a tem uma mensagem forte que eu consigo
linda língua que é o português. O que também entender e sentir por detrás de todas as
é esquecido é que grande parte do nosso diferenças ‘técnicas’ das peças e do ‘dialecto’
repertório ‘original’ é nada mais nada menos musical. Depois disso, uma pessoa pode talvez
que uma transcrição (caso extremo: Sonata entender melhor as minhas preferências no
Omaggio a Boccherini do Castelnuovo). Já que diz respeito ao repertório do século XX/XXI.
agora, toda gente tem de decidir por si próprio Uma peça que gostaria de tocar antes de parar
o que fazer, claro está. Eu considero a é sem dúvida “Choreiques” de Francis Miroglio.
transcrição, apesar de todos os aspectos Uma suite dodecafónica em quatro partes
práticos, um incrível e útil ‘exercício’, incrivelmente fortes. Não é certamente uma
especialmente para nós guitarristas, e não um boa peça para uma festa de casamento ou um
passo não omissivo na nossa educação musical concerto numa aldeia pequena nos Pirenéus,
(a fim de se conhecer não só academicamente mas no sítio certo, na ocasião certa e com duas
repertório que não existe para o instrumento palavras de introdução irá tornar‐se num
moderno); ou então só deveríamos tocar peças enriquecimento fantástico do nosso repertório.
compostas por guitarristas‐compositores mais
ou menos do período de Tárrega (i.e. para a J.P.H: Quais foram as suas principais
perguntar quais são as suas preferências e juventude a minha fonte de inspiração era
Guitarra Clássica 5
gigante da música com 80 anos. Muito obrigado J.P.H: Uma pergunta diferente: Se não fosse
Maestro! guitarrista, o que gostaria de ter sido
profissionalmente?
J.P.H: Vamos falar um pouco sobre a guitarra
em Portugal, já que visitou o nosso país dois C.M: Aos 20 anos de idade eu pensei
anos seguidos se não estou enganado. Visto seriamente em parar de ‘tocar’ guitarra. Eu
seres um dos guitarristas que mais vezes é escrevi ‘tocar’ porque na verdade naquele
convidado para festivais de guitarra em todo o tempo em Itália não havia concertos para tocar.
mundo, gostaria de saber a sua opinião sobre o Eu estava muito desmotivado (um amigo salvou
nível dos guitarristas em Portugal. Tem algum a minha vida dando‐me coragem e força para
conselho a dar aos estudantes de guitarra continuar e chegar onde estou hoje). Portanto
clássica em Portugal? eu tinha um trabalho numa loja de LP/CD em
Roma e tenho que te dizer que a ideia de
C.M: Portugal é um dos meus países favoritos. trabalhar lá não era desagradável para
O carácter das pessoas, o tempo, a beleza das mim...Hoje isso nem seria possível, a não ser
cidades e natureza, fado, comida...eu adoro que eu abrisse uma loja de CD online...Mas
tudo do fundo do coração. Foi portanto uma neste último caso eu iria sentir a falta do
enorme alegria ser convidado pelo grande contacto com as pessoas, que é para mim o
Maestro Dejan Ivanovic para tocar em Lisboa elemento mais importante do meu trabalho
em 2008. Desde essa altura eu estive também (como professor e executante). O sonho
em Sernancelhe e uma vez mais na cidade secreto era de qualquer maneira tornar‐me
capital. Grande público! As masterclasses num jogador de futebol. Eu não era mau, e aos
também foram muito boas, o nível geral da 16 anos tive de escolher entre o Conservatório
guitarra na Europa está a aumentar e os treinos de futebol. Tu sabes o que
incrivelmente nos últimos 15 anos e Portugal aconteceu...
não poderia ficar para trás nesta moda também
devido à presença de grandes professores J.P.H: A próxima pergunta é complicada. Como
estrangeiros, cujo os quais formaram uma aborda uma peça nova que está prestes a
geração fantástica de músicos. Caro João, estudar? Qual o seu método de estudo?
perguntaste‐me se podia dar um conselho. É
uma pergunta traiçoeira...Portanto eu gostaria C.M: É uma pergunta impossível de
de citar uma frase de Paul Degas, que combina responder...o processo é muito fluente e vago,
humano e músico: “Ter talento tendo 25 anos é curto. Articulação, digitação, fraseado, lealdade
fantástico. Mas continuar a tê‐lo quando se ao texto e expressão pessoal, estabelecer
Guitarra Clássica 6
mistura tornando‐o
os no que tu na altura ouvves dee muito sucessso profissional e pessoal para
p o
nte o concerto
duran o. an
no de 2010.
J.P.H:: Mais uma vez em nome da Revissta C..M: Foi um prazer.
p Muito
o obrigado e muito
Guitarra Clássica o
o nosso muito
o obrigado peelo su
ucesso para vo
ossa revista.
seu teempo e dispo
onibilidade. Fo
oi um privilég
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poderr fazer esta entrevista.
e Oss votos sincerros
Carlo Marchiione é consideerado, pela crrítica e
por revistas especializad
das, como um
m dos
melhores guiitarristas da n
nova geração. A sua
formação prrofissional va
ai desde a música
m
clássica ao Jazz, passando
o pelo Flameenco, o
que lhe perm ar diferentes estilos
mite trabalha
musicais.
Leccio
ona, com regu
ularidade, Ma
asterclasses em
e prestigiad
das Instituiçõees Musicais e Festivais Eurropeus.
Imporrtantes comp
positores con m obras dedicadas a Ca
ntemporâneoss escreveram arlo Marchion
ne: A.
Carlevvaro, C. Domeeniconi, C. J. W annarelli e G. Droszd, entree outros.
W. Duarte, S. Ia
A reviista "Classicall Guitar" faz u
uma crítica ma
agnífica à sua
a gravação e ttranscrição da
as 12 Fantasia
as para
violino
o de G.P. Teleerman, editada
as por Suvini ZZerboni.
Carlo Marchione é actualmente professor da EEscola Superio
or de Maastriccht, na Holand
da.
Guita
arra Clássica 7
II Festival Internacional de Guitarra de Leiria (2009)
por José Mesquita Lopes
Este Festival teve a sua segunda edição em outros instrumentos como a flauta, o oboé e o
Julho de 2009, no entanto é um evento que violino.
vem sendo realizado desde 2004 integrado no
Nos dias 11 e 12, seguiu‐se o II Concurso
então Estágio Internacional de Orquestra da
Nacional de Guitarra de Leiria que contou com
Região de Leiria/Fátima. A partir de 2008
diversos concorrentes de vários pontos do país,
tornou‐se autónomo, e desde aí começou a
os quais foram integrados em 5 escalões (desde
incluir mais‐valias, diversificando a oferta de
o Preparatório (A) até ao 7º/8º graus (E)).
acontecimentos. Isto tornou‐se possível graças
à Direcção do OLCA (Orfeão de Leiria O júri incluiu os professores J. Mesquita Lopes,
Conservatório de Artes), às Câmaras Municipais Ilda Coelho, Mário Teixeira, Neuza Bettencourt,
desta região, aos seus directores artísticos e Pedro Rodrigues e Roberto Batista.
executivos, os professores José Mesquita Lopes
Os premiados, que tocaram dia 12 de Julho na
e Ilda Coelho, para além de vários outros
Casa Municipal da Cultura de Alvaiázere, foram:
colaboradores – Direcção Pedagógica,
Associação de Estudantes, secretários/as, Escalão A:
jornais, rádios, diversos outros patrocinadores
1º prémio – Diogo André Mesquita Teixeira
como lojas de música, editoras, etc.
2º prémio – Marcelo Santos Oliveira
Este ano, o Festival começou com o II Encontro
Escalão B:
Nacional de Ensembles de Guitarra (9 e 10),
1º prémio – Paulo Renato Gonçalves Vieira
tendo participado em concerto os seguintes
2º prémio (exaequo) – Fábio Santos Gavina e
ensembles: Ens. de Guitarras da Sociedade
Hugo Miguel Lourenço Lopes
Filarmónica Gualdim Pais (Tomar), com a
3º prémio – Henrique de Carvalho Moreira
direcção de Sérgio Marques; Ens. de Guitarras
da Guarda, com a direcção de Hugo Simões; Escalão C:
repertório variou entre o período renascentista 2º prémio – Tiago Filipe Antunes Morin
e o séc. XXI, tendo alguns destes grupos tocado
3º prémio – Bruno Almeida Ferreira
com alguns músicos convidados, intérpretes de
Guitarra Clássica 8
Escalão E: fazendo parte do júri Dejan Ivanovic (Croácia),
Camacho (Espanha) e José Mesquita Lopes e Duas Visões Breves (peça obrigatória) de J.
(Portugal). Ainda dentro destas datas Mesquita Lopes.
Guitarra Clássica 9
em Leiria, na Igreja da Portela a direcção coube a Laurence Maufroy e Gabriel Bourgoin, no dia
25 dirigiram Alexandre Branco Weffort e Gabriel Bourgoin, no dia 26 dirigiu o maestro Jean‐Sebastien
Béreau.
Para 2010 esperam‐se algumas novidades com interesse neste festival que se tem tornado, cada vez
mais, um ponto de referência nacional (e internacional) para muitos músicos/guitarristas.
em cima: Concerto Final Estágio de Orquestra, dir. J. M. Lopes
em baixo: Entrega Prémios VI Concurso Internacional de Guitarra,
da esq. para dir.: Neuza Bettencourt, Sónia Leitão, Ilda Coelho,
Ricardo Pereira, Tiago Vicente, André Ferreira, Tomás Camacho,
José Mesquita Lopes, Dejan Ivanovic, Benito Casais Aquino e João
Paulo Henriques
Guitarra Clássica 10
Entrevista com Oscar Flecha
por Pedro Rodrigues
Revista Guitarra: A primeira edição do Festival edição actuou Manuel Barrueco pela primeira
Internacional de Santo Tirso teve lugar em 1994 vez em Portugal).
com um elenco de luxo: Leo Brouwer, Pedro
A escolha dos artistas convidados foi uma
Caldeira Cabral, David Russell, Eduardo Isaac,
escolha pessoal, dado que foram alguns dos
Roberto Aussel, Duo Assad entre outros. Como
artistas que directamente ou indirectamente
surgiu a ideia e oportunidade de realizar um
me tinham influenciado musicalmente. A minha
evento com estes nomes?
intenção era reunir um grupo de artistas e
Oscar Flecha: A ideia de fazer um festival de professores e que fossem um “catalisador
guitarra surge após ter trabalhado uns anos cultural” para todos os interessados na
como professor no Conservatório Regional de guitarra, mas sempre tendo por objectivo
Música “Centro de Cultura Musical” (com sede chegar a todos os músicos.
nas Caldas da Saúde – Santo Tirso). Na altura
RG: Os Festivais de Guitarra, tirando algumas
não havia muita oferta de concertos ou de
honrosas excepções, estão normalmente
cursos de guitarra, e queria dinamizar e
vaticinados a localidades afastadas das
promover a guitarra. Assim surgiu a ideia de
capitais. Será simbólico da posição da guitarra
fazer um festival temático centrado neste
no mundo musical ou encontra outras razões?
instrumento.
Guitarra Clássica 11
Yoshim
matsu, Fujie e Castelnuovo‐Tedesco. Mas
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ova grrande encanto. Depois do
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mana para reccuperar!
Guita
arra Clássica 12
Contudo os participantes dos cursos deixaram Portugal através do Festival. Um número
de ser assíduos, tal vez porque seria preciso importantíssimo de guitarristas nacionais
deixar renovar as camadas de guitarristas que assistiu ao longo destes anos aos cursos e
“necessitassem” de participar, e isto, somado a concertos do Festival. E hoje, fruto deste
assuntos do foro económico levou a uma nova trabalho, um número significativo de talentosos
estrutura. jovens continua a encontrar em Santo Tirso um
ponto de encontro com a música com guitarra.
Desde 2000 o festival organiza‐se através do
Conservatório Regional de Música, e a direcção RG: Há que salientar, neste caso agradecer, a
artística é partilhada com a direcção dessa constante presença de músicos portugueses no
escola. Nessa altura reestruturámos os cursos. grupo de artistas participante no festival, algo
Mas, por questões logísticas e também que muitas vezes é esquecido por outros
económicas, a partir de 2003 os cursos eventos. Como gostaria de encontrar o país
passaram a ser mais curtos e a distribuição dos musical daqui a outros 16 anos?
concertos passou a ser durante os fins‐de‐
OF: Estarei muito velho na altura, mas gostava
semana.
de encontrar isto que hoje em dia começa a ser
Do ponto de vista dos concertos, a nova mais vulgar, mas ainda insuficiente: a
calendarização beneficiou o festival porque integração da música de guitarra no roteiro dos
fidelizou um público de maneira mais eficaz. festivais e das temporadas de música. E
Actualmente o festival tem um público de particularmente penso que ficaria grato com
guitarrista e de melómanos em geral. mais ofertas culturais onde os actuais
estudantes pudessem encontrar no país mais
RG: A componente pedagógica do Festival
oportunidades de trabalho, especialmente na
sempre foi muito importante e na sequência de
vertente artística.
festivais como Estoril e Aveiro, Santo Tirso foi
uma mais‐valia para a evolução da guitarra em RG: Falando agora de outro projecto, quais os
Portugal. Que retrato faz destes 16 anos de objectivos da Legato – Associação de Arte e
Santo Tirso na educação musical portuguesa? Guitarra de Portugal para 2010?
OF: Talvez não deva ser eu a falar sobre isto, OF: Em princípio, vamos continuar com a
mas acho que o Festival teve uma importância terceira edição do ciclo Seis Cordas Seis
substancial no desenvolvimento da guitarra em Momentos. Este ciclo tem sido inteiramente
Portugal, porque foi (e continua a ser) uma preenchido com instrumentistas portugueses
fonte de formação e de informação sobre a ou residentes em Portugal e neste âmbito está
guitarra, sempre pela mão de professores de prevista a realização do IV Concurso Legato de
nível internacional, o que é um facto invulgar guitarra clássica.
no panorama musical nacional. Muitos artistas
RG: As associações de guitarra em Portugal têm
e professores vieram pela primeira vez a
um raio de acção um pouco insular. Não acha
Guitarra Clássica 13
necessária a criação de uma associação com RG: Que projectos tem de futuro para os seus
dimensão nacional? concertos e concertos com PortoTango
Ensemble?
OF: Acho que sim. A Legato desenvolve o seu
trabalho principalmente no Norte do país, mas OF: Continuo a desenvolver algum trabalho
seria interessante poder criar uma rede com com formações “invulgares”. Acho que a
outras associações de guitarra, para sensibilizar música de câmara é frequentemente
mais eficazmente algumas entidades esquecida, por vezes porque é difícil o convívio
patrocinadoras. da guitarra com os outros instrumentos e
também porque a nossa literatura camerística é
Uma vez que a realidade económica não ajuda,
ainda pequena, não tem crescido ao mesmo
e já sabemos que em tempos de crise a cultura
ritmo que o repertório solista. Assim, depois
é sempre “penalizada”, o associativismo pode
dos duos com violoncelo e com fagote, estou a
ser uma boa alternativa para conseguir
explorar a música em trio com violino e
organizar e realizar projectos culturais.
violoncelo.
Guitarra Clássica 14
Oscarr Flecha é acttualmente um
m dos principa
ais promotorees da guitarra
a em Portuga
al, a sua actividade
abran
nge a organiza ação de eventtos, combinad da com a sua ccarreira como professor e in ntérprete.
Formaado como pro ofessor de gu onal de Músicca de Buenos Aires,
uitarra clássicca no Conservvatorio Nacio
aperfe
feiçoou‐se comm Eduardo Isa aac, Omar Cyrrulnik, Miguel Angel Girolleet, Maria Isab bel Siewers e vários
outross. Também frrequentou currsos de interprretação com D David Russell, Leo Brouwer, r, Segiswald KKüijken,
e Rosa
alyn Tureck, eentre outros.
Comoo docente, tem ministrado o vários curso os de aperfeeiçoamento, nomeadamen
n te em Santo Tirso,
Lousa
ada, Porto, Ilha da Madeira a, etc. Actualm mente lecciona a no Conserva atório Regiona al Centro de CCultura
Musiccal de Santo Tirso/Famaliccão. É regularrmente memb bro do júri em
m diversos con
ncursos de gu
uitarra
nacion
nais e internaacionais.
dador dos festivais "Enconttros de Guitarrra do Porto" em 1994 (o primeiro festivval de guitarra
É fund a nesta
cidadee) e do "Festivval Internacio
onal de Guitarrra de Santo TTirso" também m em 1994. É ttambém fund dador e
presid
dente da Lega ato – Associaçção de Arte e G Guitarra de Poortugal e direector da Colecção Legato "M
Música
Portuguesa para Guitarra".
É fund
dador do PorttoTango Ensemble, formaçção vocaciona
ada para a intterpretação da
a música de B
Buenos
Aires.
Guita
arra Clássica 15
Problemas de Repertório
por Matanya Ophee
Como um empresário americano, gostaria de sem um público, será obrigado a exercer a sua
começar por vender‐lhe algo. O produto que arte inteiramente fora do mainstream da
desejo vender, chama‐se Segurança Laboral actividade musical na sociedade humana.
para Guitarristas. Na minha vida profissional Poderá ainda fazer concertos ao almoço, em
como editor, vendo igualmente as ferramentas fábricas e hospitais, tocar ocasionalmente uma
do negócio, mas, principalmente, gostaria de noite para o clube local ou festival de guitarra,
lhe vender uma ideia. Como de costume, e entreter os seus amigos e familiares em
prometo dar‐lhe algo sobre pensar, algo sobre reuniões sociais em casa. Mas as portas das
o qual estar louco e falarei sobre música, sobre grandes salas de concerto do mundo, onde os
trabalho, e com a sua tolerância, também sobre grandes violinistas, pianistas e cantores
sexo. aparecem com sucesso repetido,
permanecerão fechadas para si, enquanto a
Gostaria de poder escrever e, neste importante música que propor tocar, for de interesse zero
momento, dar‐lhe boas notícias. Infelizmente, o para o público.
que tenho não pode ser descrito como
optimismo. A guitarra, como disciplina Por outras palavras, o seu futuro como músico
intelectual devotada à prática da arte musical, depende de dois factores importantes: a sua
está em sérios problemas. A situação da escolha de repertório e a sua capacidade de
guitarra no estrangeiro, pode‐lhe parecer fornecer uma interpretação convincente.
melhor do que neste país. Pode considerar que
a disponibilidade de cordas, partituras, livros, Neste artigo, gostaria de lhe dar uma breve
discos, instrumentos e outros acessórios, não é descrição do desenvolvimento do repertório da
suficiente perante as necessidades imediatas guitarra, e tentar demonstrar que temos ido na
de alguém e tal servir de justificativo como direcção errada. Talvez esta discussão possa
indicador para a saúde geral da guitarra. também sugerir‐nos algumas ideias sobre como
Mesmo se possuir o melhor instrumento proceder para atingirmos o nosso legítimo
possível, ter a possibilidade de colocar cordas lugar, garantindo assim a vida artística, e sim,
novas três vezes ao dia, ainda necessita do também a sobrevivência económica dos
elemento crucial para o sucesso de qualquer músicos que tocam guitarra.
empreendimento musical – precisa de um
público. A guitarra hoje não conhece nenhumas
fronteiras geográficas ou políticas. Ela floresce
Sem um público sério e esclarecido, não tem onde a beleza e a paixão pela música são
futuro como músico profissional. Poderá ser o permitidas. No entanto, a guitarra nunca
maior virtuoso que jamais pisou a Terra, mas, conseguiu um lugar de honra na sociedade
Guitarra Clássica 16
comum da música. Contrariamente aos sob um tecto pintado, e com a luz dos
equívocos comuns, a guitarra nunca esteve em projectores de palco, a guitarra perde toda a
pé de igualdade com os instrumentos da sua beleza, toda a sua melodia inerente
orquestra e do piano. Qualquer que seja a (…)”(Gazeta Repertuar, 1839)
"Idade de Ouro", que tenha supostamente
existido para a guitarra, o seu esplendor foi Se pensarmos que este absurdo desprezo de
sobretudo o produto do desejo por parte dos inícios de século XIX é um exagero para os
guitarristas, um sentimento que não partilham padrões de hoje, só temos que observar que
com o público em geral. No passado como no mesmo nos conservatórios e universidades
presente, os guitarristas procuraram maneiras onde a guitarra é autorizada a ser ensinada, é
de alcançar um público mais amplo do que colocada a um canto separado, com pouco de
aquele garantido pelas sociedades de guitarra e contacto com o resto dos alunos e professores.
clubes. Achamos que é necessário aplicar ao nosso
instrumento o adjectivo "clássica", com a
O preconceito contra a guitarra sempre existiu esperança de que, ao fazê‐lo, de algum modo
e existe ainda hoje, mesmo em países como os consigamos transmitir aos nossos colegas que
Estados Unidos, onde a guitarra é ensinada em não devemos ser confundidos com roqueiros,
mais de 800 conservatórios e universidades. pimbas, ciganos e mariachi. Violinistas e
Deixe‐me citar uma breve passagem de uma pianistas não têm necessidade de usar o
crítica de concerto de guitarra que ilustra adjectivo "clássico", mesmo que o piano ainda
claramente a percepção comum de guitarra seja o instrumento de eleição de muitos
pela maioria dos músicos profissionais: músicos de jazz e no meu país, podemos
encontrá‐lo em cada bar, cada sala de jantar de
” (…) Mas aqui está um instrumento que hotel. No virar de século, o piano foi também o
por muito tempo nós não ouvimos nos nossos instrumento favorito de locais públicos de São
concertos, um instrumento que voa a partir do Francisco, Nova Orleans e St. Louis, e foi
ardente sul para o nosso distante e frio norte, justamente nesse ambiente que o rag‐time
um instrumento de Don Giovanni, o Conde primeira vez se estabeleceu. O violino é uma
Almaviva, um companheiro inseparável de parte importante do Hillbilly, música Country, e
qualquer espanhol (…) numa palavra, a é usado como um instrumento popular nas
guitarra, também, um instrumento inadequado Ilhas Britânicas, Escandinávia, França, México,
para qualquer palco de concertos (…) Teríamos no mundo árabe, de Marrocos ao Iraque, e em
gostado de ouvi‐lo sob a janela de uma muitos outros países. Contudo, os violinistas
rapariga bonita numa noite tranquila de verão, nunca se preocuparam com isso.
sob uma lua de prata, quando uma leve e
quente brisa bate na superfície do rio, O próprio conceito de instrumento popular é
sussurrando para si pelas rosas ao longo da algo que merece mais atenção. Um
costa (…) mas no teatro, no meio da multidão, instrumento, como um artifício da habilidade
Guitarra Clássica 17
humana, não possui atributos intrínsecos a si, épocas. Falta‐me poder explicar porque é que
até que alguém nele toca, adquirindo qualidade de todos os instrumentos musicais, a guitarra, o
societária normalmente a ele associada, instrumento que faz parte integrante do
dependendo da música tocada. A harpa judaica renascimento musical europeu do século XVI, é
é um instrumento popular em uso por todo o apontada por outros músicos para o ridículo e
mundo, desde as montanhas do norte da Itália escárnio. Tenho algumas teorias sobre o
até à tundra gelada da Sibéria. Mas quando assunto, contudo não são apropriadas a uma
Georg Albrechtsberger, professor de harmonia discussão na nossa sociedade educada. O facto
de Beethoven, escreveu um concerto com é que temos um problema, e se queremos
orquestra este instrumento, não importou que continuar com a nossa vida musical, temos de
o instrumento fosse igualmente tocado por tentar e encontrar uma saída.
pastores nómadas.
A guitarra, como a conhecemos hoje, alcançou
A música popular é muitas vezes definida como a sua forma actual durante a primeira metade
a música que existe numa tradição oral, do século XIX. Muitas vezes ouvimos discussões
enquanto a existência da arte musical depende de que a técnica e pedagogia da guitarra é
de uma página escrita. A música por nós tocada actualmente muito superior na sua concepção
e chamada erudita para guitarra, existe na sua do que era no século XIX. Por esta razão, somos
maioria por escrito ou impresso. Alguma foi informados, de que os artistas de hoje são
composta por pessoas que não muito muito melhores. Deve no entanto ser
conhecidas fora dos círculos limitados de observado, de que não temos maneira possível
amantes da guitarra. Outra, composta por de comparar a actual geração de intérpretes
compositores importantes como Paganini, von com aqueles que faleceram antes do advento
Weber, Schubert, Berlioz, Castelnuovo‐ dos meios gravação de som. Eliot Fisk é
Tedesco, Ponce, Villa‐Lobos, Stravinsky, Mahler, "melhor guitarrista" do que Giulio Regondi?
Schönberg, Asafiev, Webern, Hindemith e Wolfgang Lendle é mais “musical” do que
Milhaud. Em tempos mais recentes, a música Fernando Sor? Oscar Ghiglia é "melhor"
para o nosso instrumento foi escrita por pedagogo que Ferdinando Carulli? Nunca
Benjamin Britten, Michael Tippett, Hans saberemos, mesmo que pudéssemos chegar a
Werner Henze, Eliot Carter, Edison Denisov e acordo sobre o significado das palavras
Sofia Gubaidulina. Considerando os "melhor" e "musical". O historiador cauteloso
compositores e as suas músicas, a guitarra não deve tentar separar facto da ficção ao
pode jamais, ser considerada como um determinar o que é realmente novo e
instrumento popular. No entanto, o revolucionário, e o que são velhos dogmas
preconceito continua. envoltos no brilho pomposo de novas
terminologias. Ao contrário de lendas comuns,
Consegui juntar um léxico considerável de a técnica e a pedagogia do instrumento foram
ideias anti‐guitarra de diferentes países e muito bem definidas em 1843, altura em que
Guitarra Clássica 18
Dionisio Aguado publicou o seu último método distantes, nem sempre do nível artístico por ele
conhecido, e muito pouco de facto mudou preferido.
desde então.
O recital dado exclusivamente por um
Por outro lado, a forma e conteúdo dos intérprete, é geralmente associado com as
programas de concerto fora objecto de diversas tournées de concertos de Franz Liszt nos finais
metamorfoses desde o início do século XIX. da década de 30 do século XIX. O termo
Durante esse tempo, a ideia do concerto a solo "recital" foi usado primeiramente por Liszt no
no qual um artista, ou ensemble de música de seu concerto de Londres em 1840. O programa
camâra ocupar todo o programa, não era interpretado foi música composta e arranjada
aceitável. Com excepção, naturalmente, das pelo intérprete. Poucos eram os guitarristas
produções teatrais, tais como ópera. O formato que viajavam em meados do século XIX, e
típico de um concerto dado para a projecção de informações precisas sobre os seus programas
um determinado artista, começaria com uma de concerto não estão sempre disponíveis.
sinfonia de Haydn para orquestra, algumas Podemos supor, porém, que a escolha do
árias de óperas populares de então, cantado material estaria conforme o gosto popular. A
por uma soprano conhecida, alguns números “música popular” começou a ser considerada
instrumentais de outros artistas, e de seguida, como uma entidade separada da arte musical
“le coup‐de‐résistance”, interpretado pelo durante a última parte do século XIX. Por
artista principal do concerto, muito exclusão, o que não era "popular" ficou
provavelmente tocando uma composição de conhecido como "clássica", que não é um
sua autoria para o seu instrumento. Nove em termo preciso o suficiente de modo a poder ser
cada dez vezes, a composição em questão era aplicado indistintamente a todas as formas de
um conjunto de variações virtuosísticas sobre arte musical de todas as eras. O termo "guitarra
um tema de uma ópera popular. A segunda clássica", também remonta aproximadamente
metade do concerto seria construída da mesma ao mesmo período, embora tenha entrado no
forma, encerrando talvez a noite com uma vocabulário corrente apenas durante a década
sinfonia de Beethoven. Esse foi o formato de 1930.
instituído pela maioria dos concertos públicos
por violinistas, pianistas, violoncelistas, Qual a estrutura dos recitais de guitarra
cantores e também guitarristas. naqueles dias?
Um concerto deste formato era um evento caro Um programa típico dado por Francisco Tárrega
de se organizar, desde a participação de um em 1888, é dividido em três partes. No
grande número de intérpretes, o que reduzia primeiro, ouvimos arranjos de música de Verdi,
drasticamente o rendimento líquido do Arrieta, e Gottschalk, com uma composição do
empresário. Além disso, o músico viajante, teria próprio artista. Na segunda parte, um arranjo
de recorrer aos talentos disponíveis em cidades de uma gavotte por Arditi, uma polonaise por
Guitarra Clássica 19
Arcas e variações sobre o "Carnaval de próxima ligação com os clubes de banjo e
Veneza", o que é em si, uma adaptação de bandolim. Tal como nos dias de hoje, estes
outra peça de Arcas. Na terceira parte, Tárrega clubes providenciavam à maioria dos
tocou dois arranjos de música para piano de guitarristas um palco disponível para
Prudente e Thalberg, e dois pot‐pourris de apresentação, e, o material por seleccionado,
melodias populares espanholas que ele próprio estava intimamente relacionado com os
arranjou. desarticulados gostos de doutores, militares e
pequeno‐burgueses que formavam a espinha
O que é notável neste programa, é o facto de dorsal destes clubes. Apenas com o surgir de
não conter nenhuma música de Sor, Giuliani, artistas do calibre de Llobet e Segovia,
Aguado, Carulli, Carcassi ou outros da Europa começamos a ver algum interesse sério em
Ocidental e, em particular, os guitarristas ultrapassar os limites estreitos impostos pelo
espanhóis da geração anterior. Nos anos clube de guitarra e um esforço para atingir um
seguintes, Tárrega começou a adicionar a público mais vasto.
música de Bach, Albeniz e Granados aos seus
programas, mas, na essência, a sua escolha do A influência de Llobet foi, tal como a sua
material foi feito para satisfazer o gosto de um própria vida, de curta duração. Para melhor ou
público bastante pouco sofisticado ‐ algumas para pior, a força principal que determinou a
composições próprias, sucessos de então sorte da guitarra, no século XX, foi o guitarrista
pertencentes ao repertório de piano e um ou espanhol Andrés Segovia. Até recentemente, a
dois arranjos com origem na ópera. Não nossa imagem deste homem era formada por
sabemos se este tipo de programação foi o uma crença cega no poderoso simbolismo das
factor que contribuiu para incapacidade de suas alegações de ter criado a guitarra, sozinho,
Tárrega, durante a sua vida, atingir novos na sua própria imagem, e de a ter finalmente
públicos para além das fronteiras da Espanha. colocado em “primeiro plano”, como o violino e
Não nos esqueçamos de que, se não fossem os o piano. As falsidades propagandísticas dessas
esforços dos seus alunos Miguel Llobet, Pascual alegações tinham o efeito de criar uma sub‐
Roch, Emilio Pujol, Josefina Robledo, Domingo cultura “Segovianica” entre os guitarristas, e,
Prat e outros, nós nunca saberíamos quem foi com frequência, com uma conotação quase
Tárrega. religiosa. A maioria das informações disponíveis
no Ocidente sobre a carreira de Segovia, foi
Os últimos anos do século XIX revelaram o material cuidadosamente planeado para
surgir de uma grande onda de actividade projectar uma imagem como a que acabo de
guitarrística por todo o mundo, com descrever, e para esconder alguns factos muito
importantes centros na Alemanha, Rússia, desagradáveis a seu respeito.
Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália e,
claro, na América Latina, normalmente sob a Alguns anos atrás, publiquei o texto integral de
forma de sociedades de guitarra e clubes, em 129 cartas escritas por Segovia para o
Guitarra Clássica 20
compositor mexicano Manuel Ponce, desde o 3. Napoléon Coste Allegro in A
seu primeiro encontro em 1923, até à morte de 4. Miguel Llobet El Mestre
Ponce em 1948. Essas cartas, um testemunho
Segunda Parte:
pessoal, retratam uma imagem totalmente
1. J.S. Bach Gavotta
diferente de Segóvia daquela que conhecíamos
2. Haydn Minuetto
anteriormente. Segóvia pertenceu à direita
3. Mendelssohn Romanza
reaccionária e apoiou activamente o lado de
Canzonetta
Franco na guerra civil espanhola. A verdade
4. Chopin Mazurka Op. 33 Nº 4
sobre a expulsão de Segóvia de Barcelona a
Nocturno
meio da guerra, como o próprio Segovia
descreve, deve‐se à perseguição por partidários Terceira parte:
1. Francisco Tárrega Capricho Arabé escalão, que escreveram música para ele.
Scherzo Gavotta
Guitarra Clássica 21
Como vimos no programa de 1916, o interesse instrumento formoso, mas é geralmente aceite
de Segóvia na música de Bach foi, que é pobre em recursos e é sobretudo
provavelmente, baseada na preocupação adequado para acompanhamento (…)”
limitada de Tárrega com ela. Durante a década
de 1920, após ter descoberto a recente A linguagem é diferente, mas a
publicação por Hans Dagobert Bruger da obra condescendência é semelhante à que foi
completa de Bach para alaúde, Segovia revela expressa em 1839 na Gazetta de Moscovo
um grande interesse por esta música, "Repertuar." O programa interpretado por
começando imediatamente, a incluí‐la nos seus Segovia, em Moscovo, em 1926 foi publicado
programas republicando algumas partes em por Miron Vaisbord. A última vez que ouvi
seu nome. Mesmo o próprio arranjo da Segovia ao vivo, foi em 1982, em Boston. Com
Chaconne por Segóvia não foi uma ideia uma ou duas excepções, tocou exactamente o
original. Um arranjo da Chaconne pelo mesmo programa.
Argentino Antonio Sinopoli fora publicado em
Buenos Aires em 1922 (n.t. A edição de Segovia Até o momento em que Segovia começou a ter
foi publicada em 1934 e apresentada em uma segunda geração de seguidores e
concerto durante o ano de 1935 em Paris). discípulos, o seu lugar como o árbitro absoluto
do gosto de programação para guitarristas
A utilização por parte de Segovia da conexão tornara‐se inquestionável. As raras pessoas que
com Bach em geral e da Chaconne em desafiaram a preeminência de Segóvia, pessoas
particular, fazia parte da sua campanha de como Emilio Pujol, Regino Sainz de la Maza,
relações públicas e dos seus esforços Luise Walker, Maria Luisa Anido, Benvenuto
constantes para arranjar concertos. Com Terzi, Julio Martinez Oyanguren, Karl Scheit, e
frequência, resultou muito bem e promotores alguns outros, tentaram construir programas
de concertos ficavam felizes com os resultados. baseados em algo que não o repertório de
Críticos de música, por outro lado, muitas vezes Segovia. Em alguns momentos, conseguiram
eram corteses com Segovia, não sendo no lograr os seus esforços de forma totalmente
entanto, completamente capazes de esconder inesperada por Segovia. Mas, em geral, apesar
seus verdadeiros sentimentos sobre a guitarra. de uma tremenda explosão na actividade
Leia‐se o artigo de Anatolii Lunacharsky, escrito guitarrística dos últimos trinta anos, a guitarra
em 1926 no "Izvestia", «Algumas palavras sobre ainda é encarado como um parente pobre,
nosso convidado‐Segovia», durante a primeira raramente bem‐vindo à mesa de jantar.
visita do músico à União Soviética:
Gostaria de sugerir que a razão para que tal
“ (…) quando se fala de um concerto de aconteça ainda hoje, apesar de no mundo
guitarra, vem imediatamente à mente que tal ocidental o repertório de Segovia ser
evento terá que ver com alguns truques de escassamente tocado, dele aprendemos alguns
carácter decididamente menor. A guitarra é um maus hábitos. Aqui estão alguns:
Guitarra Clássica 22
escolha de repertório feito por muitos
Primeiro: Tocar sempre o mesmo repertório. guitarristas. O culto da personalidade e o
Não há necessidade de aprender instinto de rebanho comandam estas acções. É
constantemente novas obras, se as antigas o suficiente para alguém como John Williams
funcionam bem. tocar algo de Tsutskin, e logo toda gente de
Londres a Nova Iorque a Los Angeles e até
No tempo de Segovia, os músicos que viajavam Hong Kong e Austrália começa a tocar o
com frequência não tinham que se preocupar mesmo.
tanto como actualmente com a repetição de
programa. A probabilidade do público ouvir a Terceiro: Tocar sempre sozinho. A guitarra é
mesma obra duas vezes era extremamente uma orquestra pequena e não tem a
remota. Hoje em dia, com o advento da necessidade de colaborar com outros
tecnologia, este facto torna‐se um problema, instrumentos. Não interessa que não tenhamos
particularmente para aqueles de nós que a noção de como dirigir uma orquestra.
viajam constantemente entre os centros de
actividades guitarrísticas. É cansativo ouvir um Quarto: Existe a crença contínua de que a
músico que repete constantemente as mesmas guitarra de seis cordas é um instrumento de
obras. Isto pode resultar bem para os fanáticos origem espanhola, e que toda a boa música
da guitarra, mas o público sério só poderá escrita para esta é a composta por
aguentar obras de segunda categoria compositores espanhóis.
repetidas ad‐nauseam até certo ponto. Isto é um enorme equívoco, do qual ainda
Eventualmente, o público trocará o concerto sofremos hoje em dia. A prova que a guitarra
pela ópera. tal como a conhecemos não é um instrumento
de origem hispânica não pertence
Segundo: se todavia deseja aprender novas propriamente a este artigo. O que aqui
obras, não preste atenção a qualquer questão pertence é o exame da presunção auxiliar
relacionada com a qualidade musical. O recorrentemente expressa que a música
essencial para os guitarristas é tocar peças espanhola para guitarra, não só é a fonte como
popularizadas pelas vedetas da guitarra. Não a verdadeira raison d’etre do repertório
interessa que a música em si seja de má guitarrístico.
qualidade. Os guitarristas, que são também a
maior parte do público, nunca notarão a A razão principal para este ponto de vista é o
diferença. Se é suficientemente bom simples facto de que os guitarristas espanhóis
para Segovia, é suficientemente bom para mim. dominaram o mundo da guitarra entre as duas
grandes guerras mundiais. Foi a predilecção
pessoal de Llobet, Segovia, Pujol, Fortea,
O problema aqui apresentado é que a estética Sainzde la Maza, e anos mais tarde, Yepes, que
e a inteligência tem muito pouco que ver com a estabeleceram a noção do que é de facto a
Guitarra Clássica 23
música espanhola. A música espanhola, salvo espanholas com o acompanhamento de
raras excepções, tanto as obras originais como castanholas. Levavaseur conta‐nos:
as transcrições, pertencem ao tipo de música
cuja função é a de causar entusiasmo e “...Nós estávamos particularmente
estimulo. Obras essas que contêm ritmos impressionados com o Fandango e com a
acoplados, melodias exuberantes, sonoridade extrema liberdade dos seus movimentos. Talvez
do modo frígio, os zapateados, os fandangos, as pelo facto de as dançarinas exagerarem os
leyendas. gestos. Um dia tivemos o conhecimento de que
existia um outro tipo de dança, ainda mais
O fascínio causado por esta música dentro e ousado, chamado o Zorongo, e pedimo‐lo.
fora da península ibérica, claro está, data da Todos no auditório apoiaram o nosso pedido e
era das Guerras Napoleónicas. Grupos dos começaram a aplaudir sonoramente. Com o
exércitos britânicos e francês desceram por observar dos passos e gestos das dançarinas,
este miserável pais dentro em apoio militar ficamos surpreendidos que tais danças
activo desta ou daquela potência espanhola. E pudessem ser executadas em público. Na
enquanto o sangue corria, os rapazes ingleses e apresentação seguinte o auditório encontrava‐
a mão agrícola francesa que formaram o núcleo se cheio e os jovens oficiais pediram outra vez
deste exército, tiveram também a o Zorongo. O oficial em comando, o
oportunidade de ver e ouvir as danças e música General Marcognet, estava também presente.
espanhola. Este achou que era necessário transmitir as
O nome Octave Levavaseur provavelmente não suas ideias e proibir as dançarinas de executar
vos diz nada. Para pôr este soldado francês o Zorongo.”
numa perspectiva guitarrística, deixe‐me
apenas dizer que ele foi o pai de Charlotte A clara impressão desta história é a de que as
Beslay, nome de nascimento Levavaseur, aluna insinuações sexualmente pecaminosas
de piano de Fernando Sor, cujo guitarrista do Zorongo não poderiam ser ignoradas. Era
catalão dedicou a sua famosa Fantaisie moralmente permissível o massacre aos vilãos
Elegiaque Op. 59. Octave Levavaseur participou e as mais horríveis e indignas provocações às
nas Guerras Peninsulares como ajudante de suas mulheres e crianças, contudo não poderia
campo do Marechal Ney, um dos mais ilustres e ser permitido que os corpos voluptuosos das
também uma das figuras mais controversas da suas mulheres poluíssem os princípios cristãos
altura. Na sua memória, Levavaseur descreve a das tropas. A natureza lasciva deste tipo de
reacção dos Franceses em relação à natureza música espanhola, não foi descontinuada por
tentadora da música e dança espanhola. As compositores estrangeiros que anos mais tarde
tropas estavam estacionadas em Santiago. Nas entraram em contacto com este género.
suas actividades de lazer incluem‐se idas à
ópera três vezes por semana. Durante o Mikhail Glinka foi o primeiro a empregar estas
intervalo, eram apresentadas danças “Espanholadas” com grande sucesso. De
Guitarra Clássica 24
seguida outros compositores como Rimski‐ Infelizmente, a realidade do mercado é tal que
Korsakov, Georges Bizet, Franz Liszt, ainda se consegue vender esta música aos
Louis Morreau Gottschalk, Emanuel Chabrier, aficionados da guitarra. Não espere ser
entre outros, seguiram os seus passos. Estes convidado para participar num grande festival
músicos criaram uma certa ideia da música de música, se tudo o que consegue fazer são
espanhola que se tornou amplamente aceite. trivialidades irrelevantes tais como estas, e se
Quando os instrumentistas virtuosos espanhóis não tiver a capacidade básica de se sentar com
se aventuraram fora da Península Ibérica nos outros músicos e fazer música juntos.
últimos anos do século dezanove, e refiro‐me a
figuras como Ricardo Viñes, Pablo Sarasate, Há vários aspectos do legado de Segovia que
Enrique Granados e Isaac Albéniz, o público posso discutir, mas eu acho que é altura para
europeu e americano estava já condicionado fazer um ponto de situação: O sucesso ou a
numa direcção específica, a de última sedução, falha de qualquer performance musical
o torso másculo com calças apertadas até à depende principalmente da habilidade que o
caixa torácica, as castanholas, e os músico tem de estabelecer um contacto directo
espampanantes rasgueados da guitarra. com as necessidades que o público tem em
termos de gratificação musical. Se o público
Os Espanhóis sabendo que isto venderia, quer um doce, e se os seus padrões estéticos
fizeram‐no. Os guitarristas que se seguiram não forem de encontro com o do público, então
tiveram de imitar este modelo de música se aí deve dar‐lhes um doce.
quisessem ter sucesso. E tiveram‐no. As
implicações subconscientes da sensualidade da Segovia provou‐nos que é de facto possível
música espanhola persistem ainda em muitos fazer um largo número de pessoas felizes ao
círculos da guitarra. Acho extraordinário ouvir ouvir música bonita mas não muito
guitarristas polacos tocando arranjos de música significativa. Mas se a vossa ideia de música é
popular catalã. Com a minha vasta experiência algo mais que o doce mel escorrendo sob a
neste domínio, não me recordo de ouvir janela de uma rapariga bonita numa noite
guitarristas catalães tocando arranjos de tranquila de verão, sob uma lua de prata,
música popular polaca. Pela mesma razão, no quando uma leve e quente brisa bate na
meu tempo eu costumava ser um aficionado de superfície do rio, sussurrando para si mesma
música flamenco. Nos últimos anos, o meu pelas rosas ao longo da costa, então é melhor
interesse mudou. Contudo, eu sei que é muito começarem a procurar outro público. Quando?
difícil um guitarrista não espanhol chegar à E como?
misteriosa aliança poética com o bater do
coração que a música requer. Estas são questões difíceis de responder de
uma maneira global. As condições variam
Tentar fazê‐lo fora da tradição em que foi consoante o local, o temperamento pessoal,
criado, é uma má imitação anacrónica. energia, e o que pode ser possível para uma
Guitarra Clássica 25
pessoa num determinado local, pode não ser não é uma questão de contribuir de forma
possível por outro num outro local. altruísta para o bem‐estar geral desta área. É
Contudo, gostaria de dar algumas ideias para uma questão de sobrevivência pessoal do
pensar nisso. Voltemos às intenções de guitarrista individual. Se pudesse ser o primeiro
Segovia em “elevar a guitarra ao mesmo nível a ser levado a sério como músico pela
do violino, piano e violoncelo”. Esta é uma comunidade em geral de música, a sua vida
tarefa importante para nós, em particular para como músico profissional seria muito mais
aqueles entre nós que contemplam em levar a gratificante.
vida como concertistas de guitarra. É
importante não só por ser uma questão de Mas temos um problema. A maioria dos
orgulho no nosso próprio instrumento e do seu músicos que tocam os principais instrumentos
património. É também uma questão de da arte musical são aqueles que tocam os
sobrevivência. Sobrevivência económica Os instrumentos da orquestra. A guitarra não faz
pianistas e violinistas que ganharem o primeiro parte da orquestra e nunca fará. O mesmo
prémio num concurso internacional importante pode ser dito sobre o piano. Então porque é
como o Concurso Tchaikovsky em Moscovo têm que o piano é um dos principais pilares da arte
praticamente assegurado um caminho fácil musical, pelo menos nos dois cúltimos séculos e
para a cena internacional de concertos, e com meio, e a guitarra não?
grande exposição. Tournées em países
estrangeiros, contratos de gravação e assim por A resposta histórica a esta pergunta é bastante
diante. Existem muitos guitarristas jovens hoje longa, mas, em resumo, penso que esta tem
em dia em muitas partes do mundo, e também pouco que ver com o facto de o piano ter sido
no México, que estão certamente ao mesmo sempre mais poderoso que a guitarra ao nível
nível de desenvolvimento artístico, como da dinâmica. A popularidade do piano no início
alguns vencedores recentes do Tchaikovsky. do século XIX, o período em que o seu domínio
foi estabelecido para além de qualquer dúvida,
Seria bom se um guitarrista fosse autorizado a para todos os tempos, foi gerada, em grande
participar. Mas este é apenas um sonho, medida pelos empreendimentos comerciais dos
enquanto o preconceito contra a guitarra por fabricantes de piano. Eram eles que
músicos de primeira linha continua. Assim, a financiavam as tournées dos
tarefa principal de um guitarrista inteligente é a grandes concertistas da altura. Financiavam até
escolha do seu repertório, e fazê‐lo de uma violinistas e guitarristas. Foi bom para o
forma que só possa trazer respeito e negócio. O piano também tinha a vantagem de
apreciação. Não do público, o que quer que isto ser uma peça decorativa de mobiliário, o que
signifique, mas de outros colegas músicos. Os permitiu a classe média ter acesso a coisas que
vossos colegas na escola, os professores, os no século anterior eram estritamente
críticos de música, os funcionários das reservados à nobreza.
organizações artísticas e assim por diante. Esta
Guitarra Clássica 26
A guitarra era mais barata, mas o piano era Recentemente alguns guitarristas descobriram
mais fácil de aprender a tocar, pelo menos no o simples facto de que, se você quiser emprego
início. A nível profissional, o que determinou o estável, é melhor entrar na carruagem da
domínio do piano, foi o simples facto de muitos música de câmara. David Starobin, é claro, tem‐
dos grandes compositores começaram a sua no feito com sucesso por mais de vinte e cinco
educação musical ao piano, com a possível anos. Como é que deve fazê‐lo? O lugar para
excepção de Berlioz. Eles não só escreveram começar, parece‐me, é na escola. Em última
música para piano solo, como também o análise, não importa muito se a sua pedagogia
incorporaram em conjuntos de câmara, com se baseia em Carlevaro, Pujol, Manuel Lopez
outros instrumentos, para os prazeres privados Ramos ou Joe Blow. Não importa se você usa o
de amadores iluminados que estivessem lado esquerdo ou do lado direito da unha ou se
dispostos a pagar dinheiro por este prazer. você sabe como fazer correctamente apoiando.
Claro, na mesma época, havia também uma Não importa se estreou a mais recente obra
tradição paralela de música de câmara com musical do seu herói favorito da música
guitarra, e temos hoje muitos bons exemplos contemporânea, e quem é que se importa se
do género A quantidade de música de câmara você numera os seus Scarlattis com um L ou
com guitarra, nunca esteve perto da um K ou um F?
quantidade de música de câmara com piano, e
os catálogos dos editores da altura são um Se você quiser fazer uma vida nesta área, se
testemunho vivo disso. quer ensinar aos seus alunos de que é feito em
grande escala o mundo da música, se você quer
Eventualmente, o piano tornou‐se uma parte que eu compre um bilhete para o seu concerto,
importante do repertório de música de câmara, eu e as vastas multidões amantes de música de
um facto que contribuiu para o seu câmara lá fora, é melhor aprender como
estabelecimento como ponto central da vida violinistas, pianistas e violoncelistas estão
musical. A guitarra, apesar de um número não fazendo isso. Olhe em seu redor. Sem dúvida
negligenciável de boas obras de música de que as atitudes mudaram nos últimos dez anos.
câmara, foi deixada para trás. Música de Há mais espectáculos de música de câmara com
câmara é o dispositivo pelo qual os músicos guitarra hoje. Ouso dizer, porém, que esta
forjam as alianças pessoais que permanecem actividade, ainda não resultou numa mudança
com eles até resto das suas vidas. Torna‐se fácil de perspectiva do público em geral.
demitir um músico que não pertence ao círculo
íntimo de amigos que começou a desenvolver‐ Eu li muitas opiniões pessoais em relação à
se na escola e com os quais teve o prazer único música de câmara com guitarra em muitas
de respirar em conjunto na leitura de algumas entrevistas com guitarristas. Estes são, na sua
páginas deliciosas de Brahms ou Tchaikovsky. maior parte, irrelevantes. Não reconheço
nenhum guitarrista de topo de hoje que esteja
disposto e que seja capaz de sustentar uma
Guitarra Clássica 27
carreira que se dedica à música de câmara. Não guitarristas capazes de ler uma partitura de
há conjuntos activos de música de câmara música de câmara, e são poucas as publicações
profissional, que consistam em mais de dois de música de câmara com guitarra,
cônjuges e que incluam guitarra. particularmente aquelas que datam da época
de Heinrich Albert, para não mencionar a série
No meu país, existem cerca de 800 festivais mais recente da chamada "fac‐símiles," que na
cada verão dedicados à música de câmara. Lá verdade possuem a todas as vozes impressas
você pode ver nomes como Itzhak Perlman, em simultâneo.
Yo‐Yo Ma, Mstislav Rostropovich,
Pinchas Zukerman, Serkin Rudolf, Um guitarrista que pretenda enveredar por
Murray Perahia, e dezenas de outros uma carreira de fazer música em público, e
instrumentistas e cantores de topo. Eu nunca vi pretenda obter algo coisa como a segurança do
lá o nome de Andrés Segovia, Julian Bream, emprego oferecido por profissionais como
John Williams ou Alexander Lagoya . Este arquitectos, engenheiros, médicos, pilotos de
lamentável facto não deve impedir os principais avião ou professores universitários, seria
guitarristas de lá aparecer com regularidade. melhor aprender os truques do comércio. Não
é a memorização, mas leitura à primeira vista,
A pergunta inevitável é: o que é que os nossos análise da pontuação, bem como a capacidade
virtuosos têm para oferecer aos músicos e a de respiração em conjunto, por vezes com
uma audiência que têm sido habituada durante desconhecidos.
várias gerações a uma dieta constante dos
quartetos de cordas de Beethoven, o quinteto Procure as obras que iriam oferecer aos seus
para clarinete de Brahms, Mendelssohn e os futuros colegas e a si mesmo algo novo e
trios para piano, para não falar de música de excitante. Mesmo que isso signifique que tenha
câmara de Mozart, Haydn, Schubert e Dvorak? de fazer “tun‐cha‐cha” durante algum tempo.
Isso também poderá ser um contributo valioso
Antes de tentar responder a isso, temos que e rentável para a sua própria sobrevivência
esquecer qualquer complexo de inferioridade a económica e para o futuro da guitarra como
respeito do nosso repertório e perceber que, uma disciplina musical viável.
embora os grandes mestres da música de
câmara não terem escrito para a guitarra, ainda Se queremos realmente funcionar "no primeiro
temos um grande e valioso contributo para nível, como o violino, piano e violoncelo,"
fazer. Na avaliação da música de câmara para temos que romper com o molde restritivo do
guitarra, temos de evitar julgá‐la somente pela recital a solo, a master‐classe de guitarra, o
referência da parte da guitarra. O que importa concurso no festival de guitarra e impulsionar o
na música de câmara é o valor artístico da nosso caminho para a sociedade de música em
composição como um todo, e NÃO o mérito geral.
relativo da parte da guitarra. São poucos os
Guitarra Clássica 28
Não posso deixar esta discussão sem antes evitando totalmente as obras mais tocadas, o
proferir algumas palavras sobre a programação velho e o novo. Há uma lição a ser aprendida
utilizada por muitos guitarristas de hoje quando aqui, e é esta: a questão principal que o
tocam recitais solo. O velho tipo de guitarrista deve colocar diante de si não é o que
programação Tárrega / Segovia foi substituído, tocar. É na realidade, o que não tocar. Pense
para melhor ou para pior, com um novo tipo de nisso.
programação que emprega principalmente a
música baseada no fenómeno de cross‐over, ou Vou encerrar este artigo com as palavras do
seja, composições novas com base nos géneros meu amigo, o conhecido compositor
populares do jazz, rag‐time, tango, country e italiano Angelo Gilardino:
música ocidental. Assim, além de leyendas e as
peças de Villa‐Lobos, também terá Aqui temos a mais clara e fiel descrição directa
os Koyunbabas, os Sunbursts, as UsherWalses e do actual estado da arte da guitarra clássica, de
as peças de Piazzolla. Em princípio, todas essas um repertório notável ‐ sobretudo no século 20
peças são realmente muito boas. ‐ e, entre a legião super populosa de
guitarristas, são poucas as pessoas que estão
Mas o número de vezes que você começa a conscientes disso e que estão seriamente
ouvi‐los no decorrer de um festival de guitarra, empenhadas em fazer o público ciente da única
fá‐las banal, pirolitos sem imaginação que riqueza de qualquer instrumento, o seu
poderá causar uma boa reacção de uma plateia repertório. Este é um problema muito grave e é
de guitarra, e pode mesmo agradar geralmente também a principal causa do facto de concertos
a audiências públicas mais vastas. Muitos de guitarra serem tão raramente programados
músicos de primeira linha fazem o mesmo. pelas instituições de música acima de tudo
Assim, você tem um violoncelista como Yo‐ muitos músicos não conhecem bem o
Yo Ma tocando Piazzolla. Mas devemos repertório do instrumento e agem com timidez,
observar que os músicos de primeira linha porque os concertos de guitarra, geralmente
fazem cross‐over, além do seu repertório oferecem obras compostas por amadores que
normal. Os guitarristas fazem‐no em vez do acreditam ser compositores, obras incríveis são
repertório sério. tocadas sem vergonha e de uma maneira
pomposa como se de música se tratasse. Estas
Tenho observado que, nas últimas décadas, os não são música, mas sim a imagem da guitarra
guitarristas que chegaram ao topo da profissão oferecida ao mundo por guitarristas.
rapidamente, foram aqueles que entraram em
cena com um repertório totalmente novo, Fim de citação. Fim de artigo. Muito obrigado.
Guitarra Clássica 29
Páginas com Música
Introduction para guitarra solo – Nuno Guedes de Campos
Sobre a obra:
É uma peça serena e distendida, com carácter meditativo, evocando um caminhar
silencioso e contemplativo pela nossa intimidade mais profunda.
Sobre o compositor:
Nuno Guedes de Campos nasceu em Lisboa, em 1971, e mudou‐se com a sua família para o Brasil em
1975, donde regressou em 1991.
Em 1985, no Rio de Janeiro, iniciou os estudos de música no Conservatório Brasileiro de Música,
prosseguidos em Brasília em 1987, na Academia Franz Schubert e na Escola de Música de Brasília.
Durante a sua estadia no Brasil estudou guitarra clássica e popular brasileira, tendo como professores
Cézar Villarinho, Paulo André Tavares e Eustáquio Grilo, alem do prestigiado guitarrista Lula Galvão. Em
Brasília, formou um duo de guitarra com Marcel Carvalho, que se apresentou em vários concertos,
designadamente na Grande Loja Maçónica de Brasília, na Escola de Música de Brasília e na UnB
(Universidade de Brasília). Paralelamente, participou em várias formações durante o percurso musical
no Brasil passando por variados estilos tais como o rock, o funk, a MPB e o flamenco.
É formado em Composição pela Escola Superior de Música de Lisboa (ESML) desde 1996 e fez, nos anos
de 1999 a 2002, o curso integrado de aperfeiçoamento em composição, arranjo e orquestração do
Institut de Formation Internationale Musique et Multimédia – Centre d’Informations Musicales (INFIM‐
CIM), em Paris, tendo obtido o diploma de Arrangement et Orchestration e tendo tido Denis Bioteau e
Frédéric Favarel como professores principais. Já em 2008, conclui a Licenciatura tendo Luís Tinoco como
professor.
Frequentou Seminários de Composição de Emanuel Nunes, Gilbert Ami, Robert Sharlaw Johnson, Henry
Martin e outros.
Como guitarrista ingressou na banda "Soul Music", fazendo apresentações múltiplas em Lisboa e vários
pontos do país. Em 1998, acompanhou o pianista Bernardo Sassetti no Teatro Rivoli no Porto e na
Culturgest em Lisboa. Em 2001, já em Paris, formou um duo de guitarra com Pierre Perchaud.
Guitarra Clássica 30
Em 20
004, foi convvidado pelo co
ompositor e maestro Fabrrizio Festa paara fazer parte como júri da
d 10ª
edição
o do “Concorsso Internazion
nale di Compo
osizione 2 Ago
osto", em Bolo
onha.
Comp
posições suas têm sido aprresentadas em
m vários paíse
es (Portugal, FFrança, Inglaterra, Croácia,, Itália,
Líbano
o e África do Sul), realizadaas no Conservvatoire Nation
nal Supérieur de Musique ((CNSM) de Paaris, no
Endler Room em Stelenbosch
S (
(Western pe, África do Sul), no Teaatro Communale di Campo
Cap obasso
(Itália), na Culturgeest (Portugal)), no Teatro São
S Luiz (Porttugal), entre outros,
o e têm
m sido interpre
etadas
por formações
f e músicos com
mo, Orchestraa Filarmonicaa di Torino, OrchestrUtop
pica, Orquesttra do
Algarvve, LONGVIC JJAZZ Big Band
d, Elizabeth Daavis, Pedro Ro
odrigues, Duo
o Fruscella/Deebs, Darko Pettrinjak,
Régine Campagnacc, entre outross.
Foi prrofessor na Esscola de Jazz d
do Hot Clube de Portugal, onde lecciono
ou as cadeirass de Teoria M
Musical,
ntrodução ao Arranjo para Combo e Big Band (Opcion
Harmonia IV e de In nais).
Foi prrofessor na ETTIC (Escola Téccnica de Imaggem e Comunicação), onde leccionou as cadeiras de A
Análise
nicas de Composição, Combo e Guitarraa Eléctrica doss cursos de MNT (Música e Novas Tecnologias)
e Técn
e de P
PTM (Produçãão e Tecnologiias da Música).
Tem o
orientado váriios Workshop
ps relacionado
os com a comp
posição e a gu
uitarra, abordando temas ccomo a
harmo
onia e a impro
ovisação jazz.
Nun
no Guedes dee Campos
Guita
arra Clássica 31
Introduction (1997)
pour guitare Nuno Guedes de Campos (1971)
Rubato (q = 42)
(lent et sans precititation)
espressivo
dolce
Guitare
pp mf dim.
rit. A tempo
XII harm
3
5
4
2
Gtr.
1
0
pp cresc. dim.
C7
9
4
Gtr.
mf mp
XII harm
harm
C5
XIIharm
C7
13
2
Gtr.
J
mf p sub. cresc.
cresc. f
harm harm
3
4
17
2
1
Gtr.
mf
C9
C6 C8
22
2 3
3
Gtr.
4
mp cresc. f
C7
C4
26
J
Gtr.
dim.
Copyright © 2006 Nuno Guedes de Campos
2
C5
14 2
30
1
4
3
2
Gtr.
3
p cresc.
rit. A tempo
rigoureux
C9
dolce
4
XII harm
C8
2 3
4 4
1
34
3
4
Gtr. 1
2 0
mf cresc. f sempre mf
C9
C8
38
Gtr.
rit.
A tempo
2 2
2
l.v.
42 1
4 4 1 1
4 4
Gtr.
3J
3 3
f ppp
dim.
N.B.:
= Courte
= Medium
= Longue
Novas Gravações Veneza, é, no período romântico, o tema
por Rui Pinto e João Paulo Henriques comum a todos os virtuosi europeus,
A gravação de Rafael Aguirre, vencedor do independentemente do seu instrumento:
de 2008 engloba repertório de guitarra origem: tal como o tema acima referido de
compreendido entre os períodos clássico e Paisiello, destinado a um teatro napolitano, o
contemporâneo. Do repertório virtuosístico tema utilizado nas variações por Tárrega é a
ópera L’amor contrastato ossia La molinara, seguintes requisitos técnicos: arpejos, ligados,
Palomba em 1788 para o Teatro dei Fiorentini, secções destinadas à expressão.
empregue na produção de repertório e romântico está seguramente entre as
maioria do repertório europeu, apresenta uma salientando a capacidade técnica do intérprete:
introdução destinada à apresentação da clareza na preservação da melodia e na
capacidade expressiva do intérprete ‐ Andante articulação das linhas harmónicas, bem como
largo numa escrita de tipo ‘orquestral’, dos aspectos técnicos como tremolo,
caracterizada pela utilização de uma melodia harmónicos, escalas e execução de mão
disposição é assaz homogénea na produção de de Jacques Ibert – Française (1926), Le medecin
terceiras, movimentos cromáticos, tremolo, do século XIX; Française expõe um carácter
virtuosístico, Variações sobre o Carnaval de Folia utilizada para exposição virtuosística de
um determinado intérprete. Aguirre realça de
Guitarra Clássica 34
maneeira clara os co
ontrastes rítm
mico‐melódicos e A forma estudo
o, que no deccurso do século XIX,
as pro
ogressões harmónicas. merge do espaço didácttico para o palco
em
ncontra‐se reepresentada pela obra de
en e dois
A ob
bra Partita do
d compositor neoclássicco
ompositores de origem sul‐american
co na de
finlan
ndês Einojuhaani Rautavaarra insere‐se na
n
ge
erações diferrentes: Villa‐LLobos e Clerrch (o
mesm
ma linha acim
ma referida para
p Poulenc e
último, pedagogo de Aguirre). São
na: é a recuperação do género
Ohan
esstabelecidas relações entree as obras de aambos
instru
umental barroco com
m influênccia
oss compositorees, nomeadam
mente na esco
olha de
harm
mónica do sécculo XX. Em Rautavaara os
o
ois estudos paara a execuçãão de escalas – nº 7
do
aspectos harmó
ónicos com
mpreendem a
de
e Villa Lobos ee Estudio de EEscalas de Cle
erch. O
sobreeposição de ttríades, acordes em quartaas;
Esstudo nº 12
2 serve a p
prática de accordes
os asspectos rítmicos são fruto d
da influência d
de
paaralelos em glissando e de contorno me
elódico
Stravvinsky e Bartók.
co
om ritmo osttinato. É nottável a clare
eza na
No primeiro andamento observa‐se a
arrticulação e a manutenção
o das caracterrísticas
utilizaação de uma escrita de tip
po prelúdio (o
ou
daas obras relaativamente à dinâmica dado o
estudos de arpejo
os). O contorno melódico é
an
ndamento escolhido pelo intérprete para
p a
identiificável nas notas maiss agudas do
os
exxecução. A peça
p Yemaya (1987) de Clerch,
C
arpejo
os, constituíd
dos à luz das novas noçõees
prremiada no Concurso Internationaal de
harmó
ónicas da prim
meira metade do século XX.
Co
omposição de Cuba e no Con
ncurso
O seegundo andaamento expõ
õe o carácter
Internacional de
d Composiçãão para Guitarra de
expreessivo, num âmbito restrrito no registto
oronto, tom
To ma como in
nspiração e visa
médio
o da guitarra.
caaracterizar musicalmentte a diviindade
O terrceiro andamento alude a
a utilização das
d omónima daa religião YYoruba. A relação
ho
dançaas enquanto parte integraante das obrras prróxima entrre intérprette e comp
positor
umentais; note‐se o contraaste pelo uso de
instru (aluno/professo
or) permite ao
o ouvinte a audição
métricas como 5/8 e 6/8. e uma apressentação fiel da obra. Naa obra
de
Esta obra para
o guitarra solo em
m três pequen
nos Seentimiento, o intérprete faaz notar claramente
movim
mentos, comp
posta em 1956 com revissão o seu aspecto central – as várias recorrrências
em 19
980, foi tamb
bém arranjadaa para piano eem o tema, nos seeus distintos ccaracteres.
do
1958.
Laureate Serries – NAXOS 8.572064 (20008)
Guita
arra Clássica 35