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medida
em
que
caminhamos?
Admiramos a arquitetura pelo sentimento de abrigo que ela nos
oferece, mas, pensando bem, ela um ser muito diverso de ns,
longe de ter a portabilidade dos objetos, sem a mesma adeso
proposta por eles, indubitavelmente mais prximos, acessveis,
extenses evidentes de ns mesmos, o que se verifica pelo uso
continuado, quando eles se impregnam do nosso suor, quando as
xicrinhas de caf tm as bordas de porcelana gastas pelo contato com
os lbios, as alas das bolsas desfazem-se pelo atrito dos dedos
agarrados, a irregularidade do colcho macio significa a memria do
peso e forma do nosso corpo, a toalha da mesa converte-se num
mosaico de manchas desbotadas, um conjunto de ndoas resultantes
dos pequenos desastres que permeiam as infinitas refeies havidas
sobre
elas.
No que tambm a arquitetura no receba nossas marcas, at
porque da nossa natureza impregnarmos tudo o que est ao nosso
redor, e ser fcil verificar que o homem nasceu desse contato
conflituoso com o mundo. Mas acontece que a maioria das pegadas
que deixamos sobre a arquitetura so oblquas, resultam de aes
indiretas. Salvo o piso, verdade, que se desgasta e escurece na
razo das diminutas marchas domsticas, as eternas rotas
compreendidas entre o ir e vir da sala para a cozinha, do quarto para
o banheiro, e vice-versa, alm do roar entre corpos nos corredores,
maneira das formigas no tateio recproco das antenas. Por outro
lado, temos que admitir que o piso pertence antes ao mundo que
arquitetura. E que aquilo que chamamos de piso nada mais que o
cho, o mesmo que corre l fora, desbordado quando ultrapassa os
limites das cidades, apenas que recoberto por um espao construdo.
Ainda que situado nos confins de um 24. andar e em verso
azulejada, de porcelanato brilhante, no importa, o piso o cho
reiterado,
a
evidncia
de
nossa
submisso
terra.
Ao menos at aqui, a obra de Nino Cais, desenhos, fotografias,
performances, vdeos e assemblages, afigura-se como uma tentativa
de estabelecer um contato com a arquitetura atravs do objeto, uma
forma de suavizar a nossa relao com ela, ao mesmo tempo que de
Agnaldo Farias
FARIAS, Agnaldo. A educao pelos objetos. In: Nino Cais. So Paulo: Galeria Virgilio,
2008. Disponvel em: <http://www.centralgaleriadearte.com/a_artista/textos.php?
artista=cais>. Acesso em 05 de maio de 2014.