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A desigualdade social
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esforço e de uma luta desigual. Catarina Eufémia, Alfredo Lima e José
Adelino dos Santos foram mortos pela GNR quando lutavam por
melhores salários.
A revolução de Abril veio alterar tudo na sociedade portuguesa.
O antigo regime deposto pelos capitães caiu sem qualquer tipo de
resistência, fruto da sua decadência. Depois de décadas de
repressão, o povo saiu para a rua sem medo, liberto das grilhetas do
fascismo. “No Sul, como por todo o país, o 25 de Abril de 1974 trouxe
ao meio rural uma enorme esperança de trabalho e de uma vida
melhor. O projecto de democracia apresentado pelo MFA, e apoiado
publicamente pelo Partido Comunista Português, significava para os
trabalhadores rurais o oposto da situação vivida até então: querer
trabalho e comida e não os ter”2.
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base na reforma agrária que as populações das aldeias, dos lugarejos,
de toda a região do Alentejo se desenvolveram, tendo ao longo
daqueles 10 ou 15 anos, aumentado exponencialmente o seu nível de
vida. Para muitos trabalhadores foi a única possibilidade de poder
adquirir a sua casa, de poder adquirir bens de consumo necessários, o
seu carro, a sua mobília. Do ponto de vista social foi o acontecimento
mais importante do último século, a partir do qual a população veio a
ter as melhores condições de vida de sempre e a garantia de
estabilidade laboral, coisa que nunca tinha tido antes e que nunca
mais veio a ter, com o termo da reforma agrária”6.
Contudo, apesar do forte impacto conseguido no terreno e na
transformação da própria sociedade alentejana, a reforma agrária
não teve o apoio político que esperava. Logo nas primeiras eleições
livres, realizadas em Abril de 1975, o Partido Comunista chega apenas
a 12,46% dos votos expressos, e só é vencedor no distrito de Beja. Este
era um sinal claro para aquela força política. Através do voto, o povo
português dizia claramente que não queria converter Portugal num
país comunista, por isso, os modelos sociais e políticos de suporte à
reforma agrária estavam condenados, situação que se veio a
concretizar.
A influência americana
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governo americano, considerado que “Portugal podia ser salvo do
comunismo e ganho para a democracia”9, originando uma forte
actuação dos americanos em Portugal. O próprio Kissinger, referindo-
se à situação em Portugal, registou nas suas memórias que ”estava
alarmado com a falta de uma estratégia dos políticos democratas
para fazer frente à actividade comunista”10.
Assim, logo a 29 de Agosto de 1975 o General Costa Gomes
afasta Vasco Gonçalves da chefia do V governo provisório. O
governo seguinte, chefiado por Pinheiro de Azevedo e com tomada
de posse a 19 de Setembro, apenas teria um comunista na equipa
ministerial, o que significou o afastamento político daquele partido.
Logo a seguir, os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975
contribuíram decisivamente para o afastamento dos elementos
afectos ao partido comunista dos centros de poder, e acabaram por
influenciar várias situações e alterar o rumo que o sul de Portugal
estava a seguir. Pezarat Correia, à data membro do Conselho da
Revolução, recorda que depois daquele dia “travaram-se as
ocupações e acordou-se que uma medida essencial para que a
reforma agrária pudesse prosseguir era o ajustamento à legalidade de
todos as terras ocupadas”11.
A Constituição
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disciplinava mas admitia a necessidade de um reconversão fundiária
como condição prévia para uma nova política agrícola no sul do país,
mas pela marcada hostilidade do PCP à sua elaboração e pela
aproximação verificada na Assembleia da República entre o PS e o
PSD à volta da sua defesa”12.
O diploma foi bastante criticado pelo PCP que viu claramente
na lei a condenação das actividades existentes na Zona de
Intervenção da Reforma Agrária. Lino de Carvalho, fazendo eco das
opiniões daquele partido, afirmou que “esta lei constituiu uma
verdadeira contra-ofensiva no plano fundiário com a qual se
revogaram os diplomas de expropriação e nacionalização de Julho
de 1975”13.
Actualmente, António Barreto continua a rever-se no conteúdo
da lei “porque naquelas circunstâncias era o que eu julgava ser
possível fazer e que devia ser feito”, acrescentando que “tinha
absoluta convicção e certeza que não estava a tirar as terras aos
verdadeiros agricultores, mas a uma espécie de cartel entre o PCP, os
sindicatos e as direcções das UCP. Além disso, sabia que tinha o apoio
eleitoral e político da maior parte dos trabalhadores do resto do
País”14.
As dúvidas em relação ao sistema proposto pela reforma
agrária também começam a ganhar consistência, e a visão de outras
forças políticas sobre o tema começa a ser equacionada de forma
bastante diferente daquela anunciada pelos comunistas. José
Cutileiro, escrevendo sobre o Alentejo, em 1977, referia que “a reforma
agrária não foi uma conquista mas uma outorga, enxertada sobre
uma população para ela aliciada à pressa, que não tinha experiência
política nem sindical e que seguiu as ‘consignes’ de um poder que lhe
era exterior (Partidos Políticos, Sindicatos, Forças Armadas). Essas
‘consignes’ indicavam o rumo do grande sonho milenário alentejano -
o fim dos latifundiários, a entrega da terra ao povo – e foram
acatadas se nem sempre com entusiasmo, sempre com grande
esperança”15.
Na primeira revisão constitucional, em 1982, a reforma agrária é
literalmente substituída pela política agrícola que mantém os mesmos
objectivos, apresentados acima. Todavia, a Constituição ainda
acrescenta que “a reforma agrária é uma dos instrumentos
fundamentais da realização dos objectivos da política agrícola”. Isto
significa que a reforma agrária deixou de ser um objectivo político em
si, para passar a ser uma forma de se implementar a política agrícola.
Já com o país integrado na então Comunidade Económica
Europeia, em 1989, tem lugar a segunda revisão constitucional que
vem acabar com o papel da reforma agrária na Constituição. A
‘transferência’ da posse da terra para aqueles que a trabalham foi
substituída pelo ‘acesso’ à propriedade, o que significa literalmente
que quem quiser trabalhar a terra terá que a comprar. O desígnio
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constitucional que permitia a ocupação de terras desapareceu nesse
ano.
A União Europeia
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povoada do país, com uma densidade de 20 habitantes por km2,
tendo a população diminuído fortemente nas últimas duas décadas.
Embora Portugal se tenha aproximado dos níveis de vida existentes
nos demais países europeus, nestes últimos anos a tendência para a
redução dessa diferença abrandou e a posição de regiões como o
Alentejo, o Centro e o Norte, nomeadamente, piorou em
comparação com as médias comunitárias.
Com a integração na política agrícola comum, o reforço da
agricultura portuguesa passa a estar mais dependente da
modernização das estruturas de produção e dos canais de
comercialização, principalmente em benefício de alguns sectores
cruciais, tais como os do vinho, dos frutos e dos produtos hortícolas.
Deste modo, para poder ser competitiva e possibilitar que o Alentejo
se mantenha vivo, a agricultura nacional tem obrigatoriamente que se
modernizar, para que, no futuro, ainda seja possível a existência de
uma sociedade rural.
Com todas estas mudanças, ser proprietário de terras deixou de
ter a importância que teve no passado, por isso, a posse da terra é um
factor cada vez menos influente nas relações sociais hoje existentes no
Alentejo, facto que é incontestável na sociedade onde vivemos.
Sobre a reforma agrária, quando se olha para os
acontecimentos de há 30 anos nesta região, pode hoje afirmar-se que
apenas resta a ‘Utopia’ cantada por José Afonso: “toma o fruto da
terra / é teu a ti o deves / lança o teu desafio”.