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ee FORMACAO DO “BOM ARTISTA” DISTINTA DO “BOM ARTIFICE": o ensino do desenho pela Missao Francesa construgdo de uma nova ordem social, no século dezenove, fomentou, em relagéio ao ensino do desenho, a difusio de orientacoes gerais que segulam, conforme Thistlewood (1986, p. 37), duas perspectivas hasicas: uma educago pautada na “instrugao manual’, cujos enunciados podem ser associados, do ponto de vista econémico, aos principios mercantilistas ¢ liberais, e uma “educagiio da vista e da mao’, referendadas, do ponto de vista filoséfico e pedagégico, pelas idéias difundidas por Rousseau, especialmente, no Emil publicado em 1762, Sao orientages que justificavam sua utilidade social, cuja tonica ajudou a consolidar uma suposigao de ensino do desenho como um acessério curricular ¢ industrial. As orientagdes de Rousseau contribuiram significativamente, como ressalta Herndndez (1998, p. 153), para reforgar 0 papel das “artes mecanicas” na construgao de uma nova identidade social. As artes abandonaram a fungo prazerosa vinculada ao adorno, ao écio, a0 luxo e se converteram em um bem titi, ndo relacionadas ao seu valor de uso, mas 20 valor de troca; nao associadas ao capricho aleatorio de quem adquire, mas de quem as executa. Em decorréncia, ocorreu uma dignificacdo do trabalho manual e um reconhecimento profissional de artifices e de operarios socialmente disciplinados, que passaram a ser objeto de intervencao educativa, Ensino do desenho A. valorizago do ensino do desenho, como uma matéria curricular, pode ser associada ao proceso denominado por Foucault de “disciplinamento interno dos saberes’. Em razao de tal processo, © poder politico passou a empreender, a partir do século dezenove, uma uta econémico-politica em torno de saberes dispersos e heterogéneos, utilizando quatro grandes procedimentos: 1) eliminagio © desqualificagao dos pequenos saberes iniiteis ¢ irredutiveis, ou economicamente muito custosos; 2) normalizacao desses saberes, adaptando-os uns aos outros, comunicando-os entre si, eliminando as barreiras da limitag&o geografica ¢ técnica, tornando intercambidveis os saberes e seus possuidores; 3) hierarquizacao dos saberes, destacando 08 subordinados ¢ os mais desenvolvidos; 4) centralizacao piramidal que ermitiu seu controle, assegurou as selecdes e possibilitou a transmissio, de baixo para cima, de seus contetidos e, de cima para balxo, das diregdes de conjunto ¢ das organizagdes gerais que queriam impor. Ficou evidente, a partir dessa época, que os saberes passaram a ser articulados em disciplinas, com uma regulacao interna do discurso, Constituindo-se como tecnologias especificas de poder na produgao social de sujeitos ¢ de saberes. O novo sujeito sera, a partir de agora, um tomo ficticio de representagao ideolégica da sociedade, uma realidade, uma entidade trabalhosamente construida mediante a calculada aplicagao das disciplinas (VARELA & ALVAREZ-URIA, 1991, p. 133). © ensino do desenho vinha, desde as corporagées de offcios européias até as academias, ganhando importancia e se projetando, nessa nova ordenagao social, como uma disciplina lapidar no proceso de profissionalizagao industrial. A transposigao do modelo de ensino artistico francés, que associava 0 neoclassicismo ¢ 0 mercantilismo, pela Missao Artistica de 1816, foi o marco inicial de uma ruptura com 32 Formacao do "Bom Artista” distinta do “Bom Artifice” © jesuitismo e a experimentagio, no contexto brasileiro, de uma prética educativa que nao restringia a aprendizagem do desenho apenas as Belas Artes, mas o articulava, simultaneamente, aos propésitos da industrializagao, ‘Tratava-se, do ponto de vista do “disciplinamento interno dos saberes’, de uma resposta a confusa distingao entre artes e oficios herdada do jesuitismo. © discurso formulado pela Missio. Francesa _interessava porque, como reconhece Fernando de Azevedo (1971, p. 457), fol o “acontecimento central da época e marcou, desde as suas primeiras atividades, a ruptura, sob as influéncias de uma concepsao nova, da arte de tradicao colonial, de origem portuguesa, ¢ 0 conflito entre a arte de ‘expressio littingica e 0 laicismo francés importado pela missao”. ‘A transposi¢ao do discurso da equipe francesa para 0 contexto brasileiro tornou-se vidvel, como j4 é notério, com a mudanca repentina estratégica da capital do reino para cidade do Rio de Janeiro. A necessidade de adequar a cidade com condigées ¢ equipamentos condizentes com a vida cortesi exigiu investimentos e dispo: capazes de acelerar mudangas na ordenacdo colonial. Essas mudangas coadunavam-se com os interesses de afirmacao do império portugués no Brasil © no exterior: Nesse aspecto, ¢ possivel afirmar, concordando com Lima (s{d, p. 103), que as investidas politicas e militares de Napoledo Bonaparte, involuntariamente, aceleraram mudangas politicas, econdmicas, culturais, artisticas e educactonais na colénia brasileira, ‘Acontratagiio da equipe de artistas e artifices franceses contributa, a um 6 tempo, para formar um aparato administrativo, projetando © difundindo a politica portuguesa na colénia e, no ambito das relagées internacionais, para promover uma politica de reaproximagao entre Portugal e Franga, Paralelamente, forgava a colénia a se associar aos 33 Ensino do desenho interesses da burguesia manufatureira e mercantilista, a qual, no Brasil, foi representada por bacharéis eruditos, ricos proprietérios de terras © de engenhos, A implantagao do neoclassicismo servia, também, a afirmacaio do novo império e da independéncia politica do Brasil em relagio a Portugal (HOLANDA, 1967, p. 410). A aproximacio do Brasil com a Franca rompia com o sistema colonial ¢ projetava uma nova ordenago social capaz de tornar os sujeitos membros produtivos da sociedade. Em suma, os dispositivos de subjetivacao, que antes implementavam o processo de catequizagio, foram transpostos, a partir do século dezenove, para 0 processo de Industrializagao. A vinda da Missao Francesa, associada com outras medidas no campo cultural, retomava e ampliava as reformas pombalinas. Nesse aspecto, fugir das tropas napole6nicas nao significou abandonar prineipios iluministas, derivados da burguesia francesa na coldnia brasileira. E possivel dizer, ainda, que o projeto da Missa Prancesa ajudou a institucionalizar, sistematizar e dar prosseguimento as aulas régias de desenho e pintura, ministradas por Manuel Dias de Oliveira, © Brasiliense, em 1800, no Rio de Janeiro, 0 acatamento do projeto da Missio Francesa promavia, do ponto de vista politico, ecanémico, cultural ¢ intelectual, uma ruptura com Portugal © iniciava um atrelamento oficial com o pensamento francés, mantendo ‘a tendéncia de importar idéias impondo-as a revelia de nossa realidade” (ARANHA, 1996, p. 152). © percurso profissional de Lebreton contribuiu, decisivamente, para que Alexander yon Humboldt, entdo residente em Paris e membro influente do Instituto de Franca, o indicasse ao Marqués de Marialva para elaborar e coordenar o projeto de impkantago de uma escola superior 34 fa de artes © oft um dos subse administragae os cargos de no Ministéria: Instituto de Fe A cquig 22 de janeiro ano. Além de Janeiro, Nicat Augusto Mari de Montigng. Neukomn, cor engenheiro ® @ Louis: Simp ajudante dee os seguintes 3 perito em com curtidor; Nice filho Hippolys a Missao, foi Brasil os ire escultor Sabende o lider elabor pretensdes art do cavaleiro } Artes no Riad Wh no Brasil, de terras também, a © Brasil em |e sistema | tornar os lispositivos tequizacao, meesso de pedidas no nas. Nesse abandonar 'e colénia ) Francesa eas aulas le Oliveira, fo projeto feondmico, (Gav um sendéncia (ARANHA, jwamente, membre ‘alva para | superior Formacao do "Bom Artista" distinta do “Bom Artifice” de artes e oficios no Brasil. Lebreton foi, do ponto de vista profissional, um dos subscritores, uma espécie de sécio contribuinte e presidente da administragio do projeto empreendido por Bachelier. Tinha exercido ‘as cargos de chefe da secdo de museus, conservatérios e bibliotecas, Ro Ministério do Interior, Atuou, também, como secretirio perpétuo do Instituto de Franca, na secao de literatura e Belas-Artes. A equipe, liderada por Joaquim Lebreton, sain da Franga em 22 de janeiro de 1816 e chegou ao Brasil em 26 de marco do mesmo ano. Além de Lebreton, integravam a equipe, que chegou ao Rio de Janeiro, Nicolau AntOnio Taunay € Jean Baptiste Debret, pintores; Augusto Maria Taunay, escultor; Augusto Hem de Montigny, arquiteto; Carlos Simao Pradier, gravador; Segismundo Neukomn, compositor, organista e mestre de capela ¢ Francisco Ovide, engenheiro mecénico. Os auxiliares eram: Charles Louis Levasseur €:Louis Simphorier, auxiliares de arquitetura; Frangois Bonrepos, ue Vitor Grandjean ajudante de escultura, Para ensinar os oficios mecanicos, constavam os seguintes artifices auxiliares: Jean Baptiste Level, mestre ferreiro e perito em construcao naval; Pilite, surrador de peles.e curtidor; Fabre, curtidor; Nicolas Magliori Enout, serralheiro; Louis Joseph Roy e sew filho Hippolyte, carpinteiros e fabricantes de carros. Para secretariar a Missdo, foi contratado Pierre Dillon. Posteriormente, chegaram ao Brasil os irmaos Marc Ferrez, escultor e Zephirin Ferrez , gravador escultor, Sabendo que deveria recorrer a um protetor politico-financeiro, © lider elaborou correspondéncias expondo, a0 Conde da Barca, suas pretensdes artfsticas ¢ educacionais. Em uma delas, intitulada Meméria do cavaleiro Joachim Lebreton para 0 estabelecimento da Escola de Artes no Rio de Janeiro, enviada em 12 de junho de 1816, encontram- 35, Ensino do desenho se informagées importantes para ajudar a conhecer © que a Missao Francesa preconizava em termos de arte, ensino ¢ docéncia. ‘Trata-se de documento pertencente ao Arquivo do Ministério das Relagdes Exteriores. Foram encontrados dois manuscritos, enderegados ao Conde da Barca por Lebreton, em de 12 de junho de 1816 e outro de 09 de julho do mesmo ano. 0 primeiro, aqui analisado, foi traduzido € apresentado por Sérgio Buarque de Holanda (1959), com o titulo “Manuscrito inédito de Lebreton’, O segundo € uma variante do primeiro, com poucos acréscimos. ‘Apesar de o projeto de Lebreton ser mais detalhado em relagao & Escola de Belas Artes, que, mesmo tendo natureza diversa, era a base sobre a qual a Escola Gratuita de Desenho estaria montada, as prescrigdes direcionadas 4 segunda instituico orientardo a presente andlise, pois o recorte nfo esté centrado na formagio artistica profissional, mas nos projetos “enderecados” a maioria da populago brasileira, sobretudo a mais pobre. Com uma epigrafe, extrafda de um dos ensalos de Humboldt, Lebreton iniciou a correspondéncia deixando evidente, logo de inicio, quais eram suas referéncias institucionais de intervengao educativa e cultural: "snenhuma cidade do novo Continente, sem excetuar as dos Estados Unidos, oferece estabelecimentos clentificos to grandes, tio sélidos, quanto os da capital do México’ Salientando que seu projeto (0 texto est redigido na primeira pessoa do singular) é decorrente de conversas travadas e de leituras de textos formulados por Humboldt, Lebreton introduz seus argumentos em prol de um ensino artistico associado As finalidades mereantilistas, esclarecendo os beneficios artisticos e econémicos de implanté-lo, Defendia para 0 contexto brasileiro o modelo implantado por Bachelier, ou seja, a fundagao de uma “dupla escola das artes do 36 Missao brio das repados © outro aduzido © titulo imeiro, relagio bena ada, as presente irtistica pulagio ebreton ‘am suas enhuma ‘oferece teapitat primeira uuras de tmentos milistas, ‘do por mes do Formacao do "Bom Artista’ distinta do “Bom Artifice” desenho’, Seu projeto reivindicava a construgéo simultanea de uma escola de Belas Artes e de uma Escola Gratuita de Desenho acoplada ao funcionamento de ateliers praticos (oficinas de oficios). ‘A preocupagao principal do discurso de Lebreton consistia na articulagao das artes e offcios, amenizando a compartimentalizagao herdada do projeto educacional jesuitico. Seu projeto comunicava esses campos entre si, eliminando barreiras téenicas, tornando intercambidveis contetidos, procedimentos educacionais © equipe docente, 0 autor argumenta que os “professores de uma dupla escola das artes do desenho bastario para todo 0 ensino dessas artes, ¢ mesmo de suas aplicagées aos oficias", Paralelamente, hierarquizava-os ao subordinar 08 oficios como uma estratégia para preservar e enaltecer © ensino das artes. 0 prestigio do ensino do desenho justificava-se, nesse caso, porque servia como uma alianga entre a formagao artistica e a formagio do artifice. 0 ensino do desenho era, a um sé tempo, objeto € efeito do processo de disciplinarizagio interna dos saberes. Pela filiagao estilistica, Lebreton demarcava 0 que considerava ser tum bom professor para ambas as instituigSes. Deveria ser evitada a “invastio de qualquer professor mediocre ou nao classico, pois a escola teria, desde o inicio, germes de fraqueza e de torpor que nao tardariam a prejudicé-la". Rechagava, por conseguinte, qualquer atuagao docente que nao estivesse vinculada aos prineipios neoclassicos. ‘A Bscola Gratuita de Desenho ou Escola de Oficios seguiria os mesmos procedimentos da Escola de Belas Artes, indo até o estudo “baseado no vulto’, ou seja, desenho a partir de pinturas e esculturas. O desenho de modelo vivo seria exclusivo da formagio artistica. Lebreton recomendava: 1) Ensino dos elementos gerais do desenho, desde seus principlos elementares até as academias, € c6pias de modelos 37, Ensino do desenho desenhados pelos professores e assinados por eles; 2) “Desenho segundo o vulto, até a figura académica da natureza” Lebreton julgava vitil que, na escola de oficios, se aprendesse a desenhar flores ¢ animais. Debret © Manuel Dias seriam os encarregados da fungaio na Escola Gratuita de Desenho, Quanto 4 contratacdo de Manuel Dias, porque esté embasada em especulagées infundadas, merece um esclarecimento parte. Sua incluso na equipe justificava-se porque demonstrara - nos moles neoclassicos - capacidade de ensinar; sua formacao ocorrera na Itilia ¢ j4 recebia salirio. Contudo, conforme relagdo publicada no decreto de 12 de agosto de 1816, o nome dele 1ndo foi incluido. Embora as fontes consultadas nao revelem os motives de tal exclusio, 0 depoimento de Lebreton 6 suficiente para refutar a afirmagao de alguns historiadores da arte quando comentam sobre a atitude da equipe da Missio Francesa em relagao a atuacao dos docentes e artistas brasileiros. Alguns alegam, como é 0 caso de Quirino Campofiorito (1983, p. 48), que Manuel Dias, pioneiro na ministracao de aulas de vertente neoclassica no territério brasileiro, nao foi acolhido como docente pela equipe da Misséo Francesa. Este mesmo autor defende que a “primeira aco dos franceses foi contra a Aula Piblica de Desenho e Figura, dirigida por Manuel Dias de Oliveira: conseqiientemente, o mestre nativo tornou-se também um alvo visado’, A correspondéncia de Lebreton, ao contrério do que esta amplamente difundido, demonstrava reconhecimento ao trabalho artistic e educacional empreendido por Manuel Dias e nao fazia oposigao a Aula PGblica de Desenho e Figura. Tampouco, “o mestre nativo’, pelo que esta dito e escrito, tornou-se um “alvo visado’, pois estava incluido, ao lado de Debret, um dos mais prestigiados integrantes da equipe, para ministrar aulas de desenho em ambas as escolas. 38 dese om od des: oss. igo lem em sim ten edu Formacao do “Bom Artista” distinta do “Bom Artifice Quanto aos saberes valorizados para a escola gratuita de desenho, Lebreton sugeria saberes especificos tidos como iitels para © aprimoramento dos oficios. Além do estudo da figura, deveria vir (© desenho de ornato e um pequeno curso de geometria pratica. Os desenhos de ornatos e geométricos tornam-se, a partir desse momento, os saberes mais valorizados e recomendados para o ensino do desenho. Os desenhos produzidos pelos alunos deveriam ser submetidos a assembl6ia docente. Os salarios dos’ professores seriam baseados no titulo académico, na fungao e na aposentadoria. A contratacao dos professores ocorreria pela aplicacao de “provas irrecusdvels’, isto “de obras de ordem eléssica, que possam garantir 0 ensino académico rigoroso’. O discurso de Lebreton iniciou, no Brasil, um continuo ¢ progressivo processo de profissionalizacao docente, cujo recrutamento e vigilancia subjetiva decorria do Estado. O ensino gratuite do desenho era uma maneita de selecionar e elitizar a formagao artistica. Os alunos das classes populares eram considerados uma “ma semente” para as “belas artes’: Lebreton acreditava que seria posstvel preservar a academia de belas artes pela escola gratuita’ de desenho, “classificando e mantendo nessa, que nao poderia chegar a ser demasiado freqiientada, todos os que ndo conviessem a outta’ Aqui cabe uma digressio: 0 raciocinio adotado por Lebreton lembra, no contexto brasileiro atual, a orientagao politica adotada ‘em telago ao ensino superior, no final da década de 1990: a criagao ‘simultanea de cursos de licenciatura e de bacharelado, cuja orientagao tenta resguardar a formagio artistica, de carter mais elitista, ¢ a educacional, de cunho mais popular: A afirmagao de Lebreton pode ser transposta, hoje, em questionamento: sera que a criagao simultanea de 39 Ensino do desenho cursos de licenciatura e de bacharelado nao se trata de uma forma de preservar a formagao artistica em detrimento da educacional? Nao se trata de uma hierarquizagio e elitizagio da formagao artistica? Lebreton mantinha, a partir do ensino do desenho, uma visao hierarquizada dos saberes ¢ dos sujeitos docentes. Entendendo "a cigncia do desenho” como a base da arte, os que ensinavam a desenhar eram tidos como “titeis A escola’, sobretudo em pintura, escultura, gravura e oficios “que se ligam ao luxo’. A pintura de paisagens, a modelagem ¢ a escultura com argila ou com “matérias duras’, eram consideradas secundérias, pois nao significavam nada sem os princ{pios basicos do desenho. Tal julgamento refletia nas qualidades requeridas para ser um “bom docente’, como pode se depreender adiante.. 0 dominio artistico e pedagégico do desenho era 0 critério pelo qual se definia um bom docente. Explicitando nomes, Lebreton realgava Debret, Taunay, o escultor Pradier, por ser um bom desenhista, € 0 préprio Grandjean, considerado deste ponto de vista, abstragio feita de seu saber e de seu talento como arquiteto, so, portanto, colunas da escola brasileira, sobre as quais se pode estabelecer vigoroso ensino do desenho. © talento do Sr. Taunay, 0 mais velho, que atuava como paisagista, embora muito destacado, nado pode ser tido camo classico, sob este Angulo, mas seus conselhos terdo utilidade, sobretudo nos primeiros estudos de paisagem, e seu nome ilustraré a escola (In HOLANDA, 1959, p.294). O artista acreditava, a partir do desempenho da Escola de Artes € oficios de Paris, que a jungio das duas escolas encaminharia a indiistria nacional brasileira para o desenvolvimento de “trés movimentos no lugar de um sé", representados pela “grande escola de belas artes e oficios, e pelos ateliés praticos”. Os ateliés priticos ou “indistria pratica” contaria 40 com ava um mest aprendiz nessas of Na de uma, ou, pelo circunsti todos intengae ° Conde proteto: “nao im honrads desejoe a aplicad da insti € Offcie estudo mecani Formacdo do "Rom Artista” distinta do “Bom Artifice” com a vinda, da Franca, de operarios organizados em oficinas. Haveria um mestre para cada offcio. Os alunos da escola de desenho, apés 0 aprendizado das disciplinas anteriormente mencionadas, “estagiariam” nessas oficinas. Na conclusao do documento, salientava que se encontrava diante de uma “ocasido especial, que provavelmente nao se apresentara mais, ‘ou, pelo menos, ocorrera muito raramente. Nunca, talvez, semelhante circunstincia se oferecera de uma s6 ver e para se poderem escolher todas os elementos desejaveis”. Mais adiante complementava, com a intengao de que nao pairasse diivida sobre a eficiéncia pretendida: ~desejaria que 0 sew pats, com direito a esperar grandes destinos, nd Feasee em atraso, quando jsuma parte do eantinente aumenta com mac ravlhost rapa sua populas20, suas riquezasagriclas e comerciis; quando 3650 precisa de calms, que pode nascer rapidamente, para que 2 América Espanola, ji populosa e possuidora de elementos preciosos fem luzes, em estabelecimento ¢ em indiistrias, inicio um belo suo (in HOLANDA, 1959, p. 305). 0 documento encerra com o enaltecimento das qualidades do Conde da Barca, reconhecendo-o como um eficiente e estratégico protetor politico-financeiro. Com um tom quase.profético, finaliza: “nao importa 0 que acontesa a estas ideias e a meu voto; ficarei sempre honrado de t8-los tido, porque tiveram por principio‘o amor do bem, 0 desejo de cooperar e minha predilesao pelo Brasil” 0 projeto defendido por Lebreton, como ele préprio temia, nao foi aplicado na integra. 0 decreto de 12 de agosto de 1816 mudou 0 nome a instituicdo ~ que passou a se chamar Escola Real das Ciéncias, Artes ¢ Offcios, sem viabilizar seu funcionamento, Em vez de duas escolas, 0 estudo das Belas-Artes teria apenas uma aplicagio referente aos oficios mecinicos. Ensino do desenho Apés'a morte de Lebreton, em 1819, acirraram-se as oposigées € as resisténcias ao seu projeto, predominando a tendéncia de privilegiar, exclusivamente, a formagio artistica. As lutas e 0 elitismo sao bem visiveis nos nomes que a instituig4o recebeu, depois de 1816, na vigéncia do regime imperial e republicano: Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil (decreto de 12 de outubro de 1820); Academia de Belas Artes (decreto de 23 de novembro de 1820); Academia Imperial de Belas-Artes (nome da sua efetiva fundagdo, em 05 de novembro 1826) e, apds a proclamacao da repitblica, Escola Nacional de Belas-Artes. Pelo exposto, depreende-se que, no projeto formulado pelo lider da Missio Francesa, especialmente 0 direcionado para a Escola Gratuita de Desenho ou Escola de Oficios, a adogao de um conhecimento, de cunho neoctissico, que fundamentava 0 desenho de ornatos, a geometria ¢ os oficios em geral constitufa a base necessarla para empreender um ensino de referéncia, Desconsiderava-se, por conseguinte, 0 conhecimento ndo- classico, representado, principalmente, pela tradigao jesuitica, Para gerir a formagao docente, os professores, de ambas as instituigdes, deveriam praticar um ensino académico rigoroso e estudar por si mesmos. A admissao dos professores ocorreria por intermédio de exames pautados na execucao de uma obra académica. Os alunos ingressariam nas instituigses por intermédio da demonstragio da capacidade de executar 0 desenho: os mais talentosos irlam para a escola de Belas-Artes; 0s considerados menos talentosos, para a escola gratuita de desenho, Para averiguar ¢ classificar com vistas 4 consecugo dos propésitos institucionais, os alunos, todos os meses, participariam de concursos de esbogos ¢ de projetos acabados, os quais deveriam a ser ja piibliie desen camin instite atelie: repud mode form dek segu dese Lebr Formacao do “Bom Artista” distinta do “Bom Artifice” ser julgados pelos professores. A premiagdo ocorreria na exposicao piiblica, Para a Missdo Francesa, em suma, ensinar era usar a “ciéncia do desenho” para articular as artes e os oficios com a intengio de “fazer caminhar a indistria nacional’. Era um ensino pautado numa associagao institucional que envolveria a Escola de Belas Artes, a de oficios e os ateliers praticos. Firmava-se sobre uma base neoclassica, que tentava repudiar a. persistente heranca jesultica, Contudo, mantinha um modelo similar de estratificagdio fundada pelo jesuitismo. A distingao se estabelecia pela classe econdmica: os filhos da elite seguiam para a Escola de Belas Artes; 0s mais pobres, para a Escola Gratuita de Desenho. Era um ensino que hierarquizava os saberes, enaltecendo a superioridade da formagio artfstica em relago A de artifices Estabelecia fronteiras claras para distinguir 0 ensino do desenho para ‘a burguesia ¢ para as classes baixas. 0 ensino do desenho dos alunos das classes pobres seria implementado de modo a respeitar as artes, como uma educagio superior; 0 ensino do desenho da escola de Artes seria ministrado de forma distinta, de maneira que pudesse mostrar que se tratava, efetivamente, de uma educagdo superior, diante da qual os artifices se inclinariam e respeitariam, Ensinar; nesse caso, correspondia 8 capacidade de atender As demandas da indiistria nacional. Um bom professor de desenho deveria ser um artista com solida formagao neoclassica, que assumisse a dupla fungao de atuar na Escola de Belas Artes e na Escola de Oficios. Sua atuacao metodolégica, na segunda instituicao, consistia na articulagao da cépia de desenhos, do desenho de ornatos ¢ da geometria com aplicacio industrial. Quanto a suposigao de que a arte é um acessério, o projeto de Lebreton inaugurou um discurso que valorizava a propria condigao de 43 Ensino do desenho complementaridade do saber artistico, Enquanto o jesuitismo consolidou 2 suposigao da dispensabilidade e inferioridade da arte em relacao 0S outros saberes, a Misstio Francesa inicia a disseminacao de uma suposigdo que reconhece, na prépria condicao de ser complementay, de seracess6rio, a importincia da arte na educagao, A centralizagaio ma formacao artistica da Academia de Belas Artes corroborou para um elitismo educacional e cultural no contexto brasileiro. Contudo, como foi dito, a demanda industrial ¢ 0 descaso com a educagao das classes populares, junto com uma enorme preocupagio em relagia a-proliferagao da miséria, da ignorancia e da violéncia, tornavam premente a alocacao de iniciativas educativas e de recursos em prol da formagio de um proletariado socialmente disciplinado, A realizagéo da Exposicao Mundial de Londres, de 1851, foi um marco cronolégico ¢ sécio-cultural desencadeador de mudancas no discurso que embasava 0 modelo educativo derivado do academicismo francés. Rui Barbosa, no seu discurso sobre 0 desenho e « arte industrial (1889), pronunciado no Liceu de Artes e Offcios, em 1882, reconhecen ‘sso quando declarou: “a nogo da arte aplicada, como elemento essencial a todos os produtos da indiistria humana, nao existia, por assim dizer, antes da centiria que atravessamos. [..] A Exposi¢ao de Londres €m 1851 foi o comeco da nova era", As demais exposicées, que seguiam esse mesmo enfoque € que ocorreram na mesma época, ajudaram a consolidar a suposigao do ensino do desenho como acessério industrial. A politica educativa implementadla no Brasil apés a realizagao desse evento internacional pode ser visualizada por intermédio dos projetos de trés autores que defendiam 0 ensino do desenho aplicado, Principalmente, & formacio profissionalizante. Os enfoques que eles Propuseram, além de preencher os demais requisitos pré-estabelecidos 44 para quese na vig educa Silva, Formacao do “Bom Artista" distinta do "Bom Artifice” para a selecao das fontes, permitem detectar variagdes discursivas e 0 que se projetava educacionalmente para ensinar e ser um bom professor nna vigéncia da denominacao ensino do desenho. Refiro-me aos projetos educacionais e enunciados nos discursos formulades por Bethencourt da Silva, Rui Barbosa e Theodoro Braga, assunto que sera discutido adiante.

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