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Silas Guerriero (org.) ‘oso Baptista Cintra Ribas Kenia Kemp Luiz Henrique Passador Marian Dies Ferrari Antropos e Psique O outro e sua subjetividade fico do antropélogo, a io, suas crencas, mitos ¢ roligiées, para chegar & andlise das representagies de sari e doenga e A comparagio entre mits e contos de fada : passamos pelo mistério do imagit colaboragio € apoio dos colegas foi importante para produzirmos este ida, o empenho da coordenacio geral dos coordenadores locais do Curso de Psicologia da Unip pelo reconhecimento da importéncia da antropologia na, formagao de um psicdlogo competente o engajado. essa tarefa, 0 que seria impossivel dada a complexidade da natureza humana, neste capftulo procuraremos apontar algumas pistas que poderdo levar o leitor a fascinante aventura do conhecimento sobre nés mesmos. ‘Vemo-nos qualitativamente diferenciados dos demais muito tempo nos enxergamos como feitos semelhanga de Deus. Em muitos povos, criagdo falam de sores criadores e de herdis civilizadores antropomorfizados e assemelhados aos seus ‘dentais, herdeiros de uma visto hebraica e crista, 0 livro do Génesis relata: Deus disse: “Fagamos o homem & nossa imagem, como nossa aemethonca, ¢ que eles dominem sobre os peizes do mar, ax aves do cu, of animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra”* 1. Genesis. Biblia de Jerusalém. Sto Paulo, Bdigice Paulinas. 8 Silas Guerriero Quanta responsabilidade! Nao 86 0 Criador nos fez semelhantes a Ele como nos deu 0 poder de dom{nic todos os outros seres vivos do planeta. Et carregamos até hoje, Se, na teologia contemporsnea, o livro do Génesis ¢ visto como uma coleclo de mitos (metéforas que carecem de interpretacdo), ainda hé muita gente que nt terem side Adio e Eva, mesmo, os primeiros habitantes ‘humanos deste planieta. Somos fruto de uma evolugio? Em meados do século XIX, a humanidade levou um choque. Um cientista inglés, geélogo e natu ameagou nosso lugar sobre o pedestal dos sere Charles Darwin colocou-nos na incémoda companhia de todos 08 outros animais. Afirmou que todos somos frutos de uma mesma evolugdo biolégica, assemelhando-nos a ‘consciéncia de que os humanos também eram frutos da evolugdo. Esperou mais de uma década para completar a sua teoria com The Descent of Man, estendendo a transformagdo evolutiva de uma espécie a outre de ‘maneira a incluir 0s seres humanos. Passado um tempo, tendo a ciéncia confirmado a Teoria da Evolugao ¢ encontrado provas inequivocas da sua veracidade, uma saida foi sorrateiramente construi- da: “Certo, somos ue, como os demais, partici- amos do processo mas acreditamos ser essa evolugto um progres ha-se do mais simples a0 mais evoluido, a0 mais elaborado, situando-nos na ponta superior”. Assim, nossa prepoténcia se manteve intacta: nossa disposicto. Indopendente das maravithas que a hu- manidade jé fez; somos of maiores predadores que jé exis- tram, Se ainda nto déstrufmos a Terra com arsenais atd- ‘micos, em poueo tempo podemos acabar com a Agua limpa © doce, com o ar respirdvel, as florestas e milhares de espécies, (Que superioridade 6 esta? Tel visdo domina o genso comum igente” em outro planeta, logo pensamos em Bs feitos & nossa semelhanga. Poder ser esverdeados € ter trés olhos désproporcionai sinaglo sempre os pinta com E recente, ¢ ainda muita timida, a recusa a essa vi- silo, Hé evolugto, mas cla nto representa necessariamen- te um progresso positivo. f dificil reconhecermos que as mutagées aleatérias da evolucéo dos seres vivos ndo ca- minham, necessariamente, a partir de um plano pré-de- terminado. A evolugio poderia muito bem ter acontecdo som a emergéncia daquilo que chamamos de seres inteli- gentes (nés mesmos). Pior: pode continuar acontecendo perfeitamente sem a nossa presenca, apés a extingso da espécie humana. Em 1977, o fil6sofo Jacques Monod deu um duro gol- pe na viséo tradicional: Queremo-nos necessdrios, inevitaveis, ordenadoe para sempre, Todas as religides, quase todas 0s flosofias, inclusive uma parteda citncia, textemunkam o incansdve eherdicoesforgo da humonidade em negar desesperadamente sua. prépria. contingtncia?® Para Monod, o surgimento da vida no planeta e da espécie humana em especial sio frutos de um seaso que as chances de surgirem cram praticamente nulas: “O Uni- 2 Mowao, Jacques. O acaso a necessidade, p. 54. 10 Silas Guerriero verso nfo estava grévido da vida, nem a biosfera do ho- mem, Nosso niimero saiu no jogo de Monte Carlo”, Sigmund Freud observou, com ironia; que as grandes revolugées cient{ficas auxciliam na derrubada da arrogincia humana de seu pedestal anterior, afastando as conviegses que temos de nossa posigdo central e dominadora.' A pri- meira deseas revolugies foi a copernicana,que nos remo- vou do centro de um reduzido universo e nos.remeteu & condigao de habitantes de um pequeno planeta que gira em volta de uma estrela, que hoje sabemos ser apenas uma, de quinta grandeza e periférica, dentre bilhdes de estre- Jas numa das mais de 200 bilhaes de galaxi A segunda grande revolucdo, para Freud, foi a darwinia- 1a, por nos colocar na descendéncia comum mais seres vivos. Situou, ainda, sua prépria descoberta sobre o inconsciente como responsével por fazer reconhe- Cer que temos tum porsio deseonhecido do qual a razio néo ‘consegue dar conta. Para Stephen Jay Go famosos evolucionistas e paleontélogos d «~- nada melhor para abalar nossa vaidade ¢ nos 4 mudanga entre nos vermes como “apenas um ‘anjos", criados como mestres da natureza, feitos & semethanca de Deus para moldar e dominar a naturesa, para o conhecimento de que somos néo apenas produtot naturais de um processo universal de descendéncia com modificagio (e portanto parentes de todas as demais criaturas), como também um ramo pequeno ¢ ‘em iltima inst&ncia transitério, que desabrochou tardiamente na frondosa drvore da vida, ¢ néo 0 épice predestinado da eseada do progresso.* Se & compreensivel, porém nao j vel, que dosejemos ser os senhores do planeta, 6 p thar agora Para 0 que sabemos sobre como chegamos a ser 0 que somos hoje. Ao lado da biologia, da paleontologia e da 3. Op. cit, p. 164, 4. Faruo, 8. apud Gout, S.J. “Trés aspecios da evolugie”. 5. Gouto, S.J. Op. cit. ‘As otigens do antropos a arqueologia, a antropologia esteve sempre nessa busca ainda ndo aleancada de-decifragéo de nossas origens. A primeira teoria da evolugéo surgiu no infcio do século passado através’ do naturalista que inaugurou a biologia, Jean B. Lamarck. Acreditava que os animais mudangas para teoria foi searing para a época. Charles D. vivos vieram de seus ancestrais através de um longo e continuo processo de variagies. Na evolucdo, a produgio de varingdes 6 constante e em niimero maior do que as que ‘muitos indivi melhores resultados permanecerio e serfo transmitidas as novas geragies. A junio dessas idéias &s descobertas de Mendel, sobre a estabilidade genética, resultou no que revisio dessa teoria. Hoje, ganha corpo uma nova visio da evolugio: a teoria sistémica, ou teoria dos sistemas vivos. Em vez de considerar a evolugdo como um simples resul- tado de mutagdes aleatérias e de selecdo natural, comeca- se a reconhecer o desdobramento criativo da vida em for- mas de diversidade e complexidade sempre crescentes. Embora a mutagio e a selegdo natural sejam aspectos impor- tantes da evolugao biol6gica, 0 foco central 6 a criativida- de, “no constante avango da vida em direcdo & novidade™. 6. Canna, FA teia da vida. Uma nova compreensti cientifica dos sistemas vivos, p. 179. | 2 Silas Guerriero Niveis de complexidade crescente nfo significa evoluir em. diregio ao humano, bern como pode.ndo ser algo positiva- mente melhorado, F Para’ os autores da nova vi criatividade da evolugao foram d evolugio. Os bidlogos tém sido obrigados a reconhecer que, a0 invés do que pregava a visto darwinista, néo é a competi¢ao que responde pelo processo evolutivo e sim a cooperagdo continua e a dependéncia mitua entre todas ‘as formas de vida. A vida surge e se desenvolve no planeta através da formagao de redes. A evolugio nfo guarda planos ou pro- jetos teleolégicos, nem tampouco evidéncia de progressos: 7 Op. cit, p. 182. 8. A Hipétese Gaia v8 o planota inteiro como um elemento vivo, ala proporcionalmonte diferente da que estamot ‘com o8 demaia acres vivos. Considera a fina ‘e Varela, uma rede autopoidtica. bi6tico planetéri | ‘As origens do antropos 13 que hé ao padréea de desenvolvimento, A eriatividade da natureza 6 ilimitada. Padrées semelhantes, como forma do enfrentar desafion-semelhantes a diferentes espécies, {gerou respostas semelhantes, Por exemplo, othos ou sas. Se o surgimento de asas em insetos ou em aves ve deu'de i foi devido a um padrio de desenvolvimento com agora, pensar o‘eurgimento e a evolugio dos ‘humanos, ndo mé 0 obra isolada, ou ponto terminal de um proceso, mas, como co-participante do cenério O surgimento da humanidade (0s Hiurnanos so um tipo especial de animal pensarmas bem, todos os seres vives também so ‘Uma simples bactéria, uma planta owum mamifero 880 gulares dentro de suas caracteristicas. A origem da vida no planeta foi a mesma para todos e cada espécie se diver- sificou e tragou uma histéria particular ao longo do tem- po, Mas em nosso intimo sentimos que a basreira que nos separa dos demais sores vivos 6 intransponivel. & mesmo? Uma vez constatada nossa origem comum, a an- tropologia sempre se col somos diferentes dos d reconhecer todos os seres humanos como membros de uma mesma humanidade, a ciéncia do humano se perguntava por que hé diferengas de comportamenta entre os grupos humanos. A resposta a ambas as perguntas foi calocada a responsével pelas diferencas 6 a taxativa, julgava estar na cultura 9 pressupor 2 origem evolucionéria, a antropo joria dos casos ainds vé, que 6 o8 hur , pois somente nés temos a capacidade de sim- Essa distingio radical entre cultura ¢ natureza, ‘entre humanos e demais animais, manteve intacta a visio 4 Silas Guerriero de euperioridsde aqui apontada. Continuamos auperiores is pois somente nés produzimos ‘maneira como se opera a cultura” 98 grupos humanos. Se, para todo pécie, existe um mesmo tipo dé? comportamento, dado pelo instinto, para os’ membros da espécio Homo sapiens, as diferengas deveriam‘estar além dos instintos biolégicos, no campo da cultura. O que nos faz realmente singulares e distintos é nossa’ capacidade de raciocfnio, lingua, mnstrugdo @ uso dé cultura entre og bonobos. comunidade antropolégica, humano de cima das torres que para si mesmo construiu, convém olhar para a trajetéria dessas descobertas. nossa superioridade esté lizagdo e construcéo de thecer as origens dos seres um pouco. A comegar pelo entendimento do conceito de cultura. Na primeira metade do séeulo em que 0 primata que nos deu origem comegou a simbolizar. Foi o inicio da paleontologia humana, ciéneia que busca registros fésseis de nossos ancestrais para 3. Pots, R Apenas mais uma espéie unica, p. 29. ~ 10. Wat, Pde, Peacemaking among primates. As origens do antropos 6 reconstruir a nossa histéria’ no planeta. & interessante repatar duas coisas. Primetro, que 0 inicio da paleontologia, humana foi um grande avanco para a época, visto que ainda nao estava superado o embate sobre nossas origens . pela evolugto ou através da criaglo divine. Até‘os dias discussio nfo se resolveu, Em muitot’patses hd resistencias ao ensino da evolugso nos currfctilos escolares.. A’busca de restos humanos pré-hist6ricos levava em consideragdo a evolusio da espécie humana como um oittio animal qualquer. Por outro lado, essa palecintologia, como todas as demais citneias, surgiu em da mais perfeita viedo euroctntri humano 86 poderia ter surgido na Eu cientistas safram & procura do famoso “el ue estaria no intermédio entre 0 ani A descoberta de vestigios pré- nas européias popularizou os termos *homem das ¢s- vernas” e “elo perdido”. Restava saber quando se dera a tal passagem para a humanidade. Através de complicada Ieitura do Antigo Testamento, a visto criacionista bibli- ca coneluiu que Deus criou Adio e Eva no ano 4004 Os primeiros antropélogos e paleontélogos levaram essa data a tempos mais distantes. Julgava-se que o hu- mano surgira hé dez, 20 ou até 40 mil anos. Nesse mo- mento, denominado “ponto critico", 0 primata originério teria evoluido fisicamente o suficiente para produzir sim- bolos e, por conseguinte, cultura. Para tal seria necess4- rio que esse animal se mantivesse na postura ereta, tivesse © dedo polegar em oposigao aos demais e, fundamental- ‘mente, tivesse uma capacidade mo entre os mais préximos parent las, a postura ereta, apesar de pos: prova do elo perdido, essa teoria vingou durante mui- tae décadas. 16 Silos Guerriero s paleontélogos trabatham contra o tempo. Quanto mais a civiliza¢do avanga sobre as terras antes ocupadas por nosaos antepassados, mais dificil 6 encontrar os reciosos vestigios primitives, Sua drdua e paciente tarefa assémelhavse a um quebra-cabecas de milhdes de peras. Quando algumas sto desenterradas das camadas es- tratigréficas"'do solo, formam uma explicaglo coerente do ae scorreu no passado. Esta 6 a principal razto da ia de teorias conflitantes cobre o mistério das - Quando um pesquisador encontra um fragmento izado de 0850, ou dente, e 0 identifica como sendo da 1agem humana, 6 motive de imenso jibilo, Descobertas de esqueletos quase completos séo muito raras. Assim, a nossa histéria 6 escrita muito lentamente. ‘Atualmente, ninguém ‘Nao houve um momento A capacidade de simb mngo de um perfodo m longo. Nossa histériaremonta hé milhoes de aves. ‘As descobertas cientfficas em outras reas tém auxiliado o trabatho de antropélogos ¢ paleont6logos. Avangos da fisiea de particulas e da quimica possibilitam preciso na datacdo dos fésscis; as aplicacoes da biologia molecular e da ecologia permitem comparacées com snimais hoje existentes. Elaborada dentro da visio de separacao radical entre os humanos ¢ os demais primatas, a taxionomia das espécies 6 questionada e aos poucos se altera. Estudos recentes das estruturas moleculares do DNA entre hhumanos e os grandes macacos hoje existentes levaram a 111,Sto as carmadas do solo que ae longo do tempo vlo-ee formando, ‘mantendo os vestigios de tudo aquilo que teria vivido ou existido ‘num determinado perfodo, permitindo ao paleontélogo o estudo ‘de acontacimentos pré-histérices. ‘Aa origens do antropos ” descobertas fascinantes. A familia hominfdeo, antes restrita aos que fazem, ou feziam, uso da postura ereta, ‘estava separada da famflia pongideo, A qual pertencem 08 grandes s{mios africanos ¢ o orangotango asidtico. Mas nfo hd razBes para tal separacdo. Nosso DNA difere do DNA de um chimpanzé em apenas 1,6%: somos 98,4% idénticos, Taso é mais do quo a concordancia entre 0 elefante africano 0 elefante asidtico, ambos obviamente elefantes. E por que nao nos vemos junto aos chimpanzés? Novamente & sistancia de nos enxergarmos ao lado dos demais ‘Mesmo vencendo resistincias, nfo € possivel deixar de reconhecer que somos muito diferentes. Inclusive no aspecto fisico, Qual a razio? Remontemos a rouito tempo atrds. Sendo a origem da vida na Terra, hé aproximadamente 3,5 bilhdes de anos, qualquer ponto de partida pode ser tomado. Vamos ficar entre os animais. Hoje sabemos que os primeiros animais viveram nas éguas dos oceanos hé 700 milhées de anos. Depois de 300 milhes, alguns tornaram-se anfibios e depois con- quistaram as terras. Por volta de 200 milhées de anos atrds, surgiram entre os vertebrados os animais de sangue quente que alimentavam seus filhotes a partir de flindulas mamdrias. aproximadamente 65 mi evolugao dos mamiferos. De animais diminutos ¢ smea- gados por seus predadores, passaram a dominar os territérios. Dentre os mamiferos surgiram, hé 70 milhées de anos, os primatas, também chamados de pross{mios Estes desenvolveram habilidades de saltar entre as Arvores, possuindo para isso uma visio agucada ¢ inossauros (hd nsional, com os olhos préximos e na fronte. Os primatas logo evolufram. Algumas caracteristicas entio existentes entre os prossimios seriam determinantes posteriormente. Suas maos e pés Ihes permitiam agarrar 18 Silas Guerriero as frvores por onde pulavam. Desenvolveram, para isso, ledos polegares em posigSes opostas aos dem jade para permanecerom eretos por ures aos grandes antropéides, macacos. A eeparacio entre 05 Ihdes de anos. Nesse porfodo, as placas tecténicas se separaram por completo fazendo com que a evolucao dos primates no novo e velho continentes fosse completamente distinta. Nas Américas, eles ficaram restritos as drvores, desenvalvendo grandes caudas que muito auxil longos saltos entre elas. No Velho. Mundc iva que desenvalveu o estilo d -ordens daf decorrentes Pe acontaceu a separagio com aqueles que foram para a Asia tomaram-se os orangotangos atuais, Outros evalufram nas florest apenas 6,5 deixaram de caminhar junto aos humanos na linha ‘evolutiva. Em outras palavras, comparando com os outros eral aeacos atuais, somos mais préximos dos chimpanzés e bonobos do que estes so dos gorilas. A ‘separagdo entre chimpanzés e bonobos deu-se hé 3,5 milhdes de anos, Muitas vezes chamados de chimpanzés igmeus, devido a estatura diminuta, os bonobos vao aos poucos ganhando o estatuto de espécie distinta. & Justamente entre eles, uma espécie em extingdo, que as ‘Pesquisas tém-nos ensinado muito sobre o comportamento dos nossos ancestrais, de nés mesmos ¢ até da existéncia de cultura entre os animais. Os bonobos vivem em grupos de 50 a 60 individuos, de maneira pacifica, resalvendo seus atritos através de simulagdes de coitos. Diferentemente do ‘As origens do antropos 19 que se acostumou admitir entre os humanos, o sexo entre animais sempre foi tido como mecanismo de reprodugdo desencadeado por inatinto, Seriam essas simulagies algo Hizadae? B isso DPréximos mae até entto desconhesidon.” Tento bonaboe como chimpanzés fazem uso de ferramentas quo, a0 um dos grandes lade de abstracio ¢ , quanto mais as avancam, descobrimos mais si- forte reduto da exclusividade humana, monstram que, se ndo fazem uso da comunicam perfe Essa pri cenormes diferengas entre nés ¢ os demais primatas. que chamamos por humanidade ¢ imensamente diferente de qualquer grupo de chimpanzés, gorilas ou bonobos. Contudo, é preciso ver que a ci em nossa hist6i (0 neolitica, com a domesticagao di ais ¢ a sedentarizacio, ocorrida hé apenas 10 mil anos, os humanos também viviam em pequenos grupos, muito distintos de tudo aquilo ‘que conhecemos hoje. ‘Voltemos para as nossas origens, hoje localizadas por volta de 6,5 milhdes de anos atrés. O que fez esse macaco tornar-se to diferente de todos os demais? ‘A evolugo ndo se guia por projetos teleolégicos ¢ as mutagies so aleatérias, 0 que torna possivel, ou ndo, a convivéncia com @ meio ambiente. Dentro dese quadro vamos compreender 0 que aconteceu. F consenso entre os 12. Want, F. de, Peacemaking among primates 18. Fowrs, RO parente mais présimo 0 Silas Guerriero pesquisadores que a postura ereta foi determinante. E Dentre as varies hipéteses para 1, hominideos, uma das mais aceitas | dos do Atlantico forara impedidos de passar para o lado Jesle da Moresta, fazendo com que esta se transformasse paulatinamente em vegotagio de savanas, O antropéide smo dos chimpanzés e bonobos atuais, conti- ‘wou evoluindo ¢ se adaptando ao meio, No lado oeste ele ‘continuou vivendo nas Arvores. No lado leste, porém, a es- |) cassez cada vez maior de vegetagio fez com que esse ani- Observe-se que essa capacidade j4 ‘que os grandes primatas a ' esporadicamente. Deseen Tuna ereta © podem caminhar pequenos treches s6 com 0 |, auxitio das pernas, apoiando 0 dorso de suas mos no chéo } para manter o equilfbrio. Isso mostra nossa proximidade com eles e revela o fato de que o caminhar ereto nao foi Uma invencdo posterior mas apenas 0 aprimoramento de i idade jé existente. de vegetago densa tornava aqueles | habitantes presa fécil dos seus predadores. de proteger os fithotes fez com que a ficasse cada vez mais para os machos, que retornavam a0 | lugar onde as femeas e seus filhotes haviam permanecido. ‘Essa cooperagio foi decisiva para a sobrevivencia desses primeiros hominideos. A capacidade de caminhar sobre dois pés, sogurando os alimentos, foi fundamental pera a | nossa permanéncis Varios achados f6sseis comprovam essa teoria e | mostram como que, muito antes de desenvolverem a cul- ‘As origens do antropos a tura, nossos ancestrais jé permanceiam de pé. Essos mais, mais aparentados aos grandes macacos at , mas fiesvart na posture diferenciavam das méos. us, ou “pequeno maca- co do Bt mie ane os primeiros achados ocorreram na nideos conviveram num mesmo veriodo ‘Algumaas sobre- viveram ¢ resultaram em novas espécies. Outras simples- Johanson em 1974 em ada 40% de um esqueleto de um ‘adie, identifi formato da bacia como sendo de uma femea, da espécie cus afarensis. O fato de ter sido descoberto > quase completo foi motivo de uma festa ‘anos. Vérios outros fésseis de australopithecus sncontrados e identificados. Variando entre 5,5 caixa craniana de aproximadamente 500 em’, pra- ticamente o mesmo que de um gorila. Porém, 6 provavel que nao tivessem a capacidade de produzir simbolos. Uma mudanga ocorreu hé aproximadamente 2,2 rmithdes de anos, com © surgimento de um género novo, 0 22 Silas Guerriero Homo. Primeiramente com 0 Homo habilis, com eérebro ‘de mais de 650 cm? e maiores dimensdce corporais. Mas a grande novidede veio com uma espécie posterior, 0 Homo primeiras evidéncias de fabricagdo de ferramentas ¢ uso imeirés hominideos & deixarem a Africa e se espalharem pelo velho continente, chegando até a regio da China e de Java, Foi somente hé menos de 400 mil anos que surgiu 0 Homo sapiens. Uma de suas sub-espécies mais famosas, a dos neandertalensis, habitou a Europa e regides do Oriente Médio. Ao contrério do que muitos acreditavam, ‘0 Homem de Neanderthal néo foi nosso ancestral. Convi- yeu com outra sub-espécie, 0 sapiens sapiens, o humano moderno, até que sofreu sua extingdo, ha 35 Testes realizados com a tecnologia cular, através de exames de DNA, revel humanos existontes hoje so descendentes de um mesmo ‘grupo que teria vivido hé 150 mil anos na Africa. Mais uma vez, para acabar do vez com a visio eurocéntrica apontada anteriormente, nossa origem est4 na Africa. O sapiens moderno possui um cérebro maior, com aproxima- damente 1.350 em, parede craniana mais delgada e fei- populagées e das constantes mudancas climdticas advindas das glaciagdes periédicas, surgiram, como fruto de adaptagdes a novos climas, as diferencas raciais que hoje conhecemas. ‘Somos todos, portanto, membros de uma mesma espécie, com diferencas apenas na quantidade de melanina na pele coutras feigées. Em suma, o surgimento do humano so deu através de 1um processo muito longo no tempo. A postura ereta foi determinante, Porém, aceita-se hoje também que nossa sobrevivéncia foi possivel gracas ao desenvolvimento da ‘Ax origens do antropos 23 mento de filhotes cada vez mais prematuros, snte devido a mudangas no ciclo de desen- volvimento e as crescentes dimensies da cabeca frente & de comunidades capazes de dar austentaglo por mais, tempo as crias: As fémeas selecionavam machos que tomariam conta delas enquantoextivesser cuidendo de seus hos e que thes dariam ‘proterdo,. As femeas néo entrariam no cio em épocas expecficas, €, uma vee que entdo podiam ser sexualmente receptivas em qualquer época, os machos que cuidavam de suas familias também podem ter mudado seus habitos sexuais, reduzindo sua promiscuidade em favor de novos arranjos sociais.'* ‘As mfos livres possibilitaram um aprimoramento do nos afastam dos demais grandes conjunto com a elaboragao da cultura, Sabe-se também que 12 postura ereta possibiliton um desenvolvimento da Ta.Gares, FA teia da vida. Uina nova compreensio cientifica dos sistemas oivot, p. 204. 24 Silas Guerriero laringe permitindo a emisedo de sons e uma posterior ilagiio do -as. Outra importante descoberta aponta a relaclo entre a preciatio das mfos e a capacidade de articulagso min {io sabemos 0 quanto Homo erectus Como Geertz", podemos afirmar que a cultura 6 to do humane, mas o humano 6 também produto da Nao fosse essa extraordindria capacidade de lagio ¢ fabricagio de sfmboles, provavelmente no 2s sabrevivido e, se o tivéssemos conseguido, nao teriamos diferengas anatémicas tao marcantes frente a ‘nossos parentes mais préximos. Em outras palavras, ndo estariamos aqui contando essa histéria, A importéncia da cultura Apesar de sabermos hoje que a cultura nao é um por nossos parentes. A complexidade alcangada faz parte de nossa heranga genética, 15.Op. cit. p. 224 16.Genurz, C. A interpretagdo das culturas. ‘As origons do antropos 5 Afirmar que o humano se biolégicas animais ¢ dot influenciado pelas determinagtes biol sstacou das condigées , nfo sendo mais , 6 continuar superioridade de que somos ‘enquanto seres em liberdade com pos- jestino. Somos uma espécie ico e de instintos e outro iltural. As duas partes interagem num todo Jamos em seres humanos, essas alguns anos, de eriat fithotes de chimpanzés como se imeiros meses de do primeiro ano, ocorreu um enorme distanciamento, impanzé manhoso que no se assemelhava a humana, pois ao nao conseguir se itava estrondosamente sua capacidade de nitéria de fazer experimentos desea natureza imanos, contamos com casos reais, identifica téria, de criancas abandonadas logo e que sobreviveram gragas aos cuida- bas, macacas etc.). Longe de serem a8 @ mitol6gicas de herdis como Tarzan, , Portadores do aparato biolégico de um Homo sapiens, no receberam o banho de cultura tio necessério para se- rem reconhecides como humanos. Cada bebé que nasce hoje carrega a marca daqueles 6,5 milhdes de anos de evo- lugio e tem todo 0 pote! ‘As criangas-feras encontradas sto seres fora de sin 26 Silas Guerrier que nem conseguem ficar de pé. Acabam imitando os com- portamentos e os sons do animal que os eriou. De nada adianta 0 corpo de Homo sapiens somenta. E necesséria a cultura pera nos completar. Somos seres em aberto, As determinacées ins ‘acabam sobrepujadas pelas marcas da cultura, d thas que os grupos humanes realizaram ao longo de sua hhist6ria. Se o e6digo genético no define 0 nosso compor- tamonto, é necesadria a cultura para nos orientar e dizer ivre arbitrio, cada grupo humano foi tecen- to de cédigos e normas de conduta que com- reclaboramos esse conhecimento elim partes e acrescentando 0 que descobrimos e in transmitimos tudo isso a nossos descendentes. Nao nos colocamos as demais espécies sob nosso dominio. Somos capazes de elaborar uma vestimenta que nos protegeré do al ‘As origens do antropos ar frio ©, assim, embora gem um organitmo adaptado para reviveros em regides drticas, Somos capazes de submarinos e, sem asas ou nadadeiras, de Homo sapiens sapiens, soment ‘em posigio de superioridade e arrogincia, Dos milhées de anos da trial, que a ci guistas que deixou enormes seqiielas, comprometendo no ‘86 o futuro de muitas espécies como 0 nosso também. Ao estudar as nossas origens ¢ a diversidade dos humanos atuais, a antropologia contribui para uma com- preensao mais ampla de nés mesmos. Permite olbar para 0 outro ~ os demais seres vivos, as demais culturas ov até .¢80 enveredou por um caminho de con- responder a pergunta original: ‘Somente um olhar menos antropocéntrico pode auxiliar na busca de uma nova pestura e insergio no zosmos. E neces 1a nova visio do todo, ecocéntrica, que englobe as imensbes do humano e que leve erm conta todos os sistemas vivos do planets, Nesse sentido, a antropotogia contribui com as demais ciéncias, como a psicologia, para empreendermos a tarefa complexe da construgio de nossa plena humanidade. Referéncias bibliogréficas Carta, Fritjat, A teia da vida, Uma nova compreensao cientifica dos sistemas vivos. S80 Paulo: Cultrix, 1997. Four, Robert, Apenas mais uma espéeie tiniea. Sto Paulo: Edusp, 1993. 28 Silas Guerriero Fonrs, Roger. O parente mais présimo, O 12. O que a8 chimpancés ime ensinaram sobre quem nés somos, Rio do danei «one « 9. Rio de Janeira: ford. A interpretardo das eulturas, Rio do Janeiro: * Jorge Zahar, 1978. Gevancir: Govto, Stephen Jay. “Ted Brood, J. MaTsoy, tos da evolugdo”. In: As coisas s40 assim. Sto Jouanson, Donald. Lucy: o8 pri do Janet: Berrand Brasil, 196. hard ¢ Lewm, Roger. O povo do lago. Sao Paulo, (elhoramentos e Ed. a80, re A evolugdo da humanidade. Si ‘Melhoramentos e Ed. UnB, 1982. ‘Mowon, Jacques. O acaso ¢ a necessidade. Potréy ) enigma do homem. Para uma nova le Janeiro: Zaha 1962, Want, Prans de, Peacemaking among primates, London: Harvard University Press, 1993. ’ . 2 O campo da antropologia: constituicéo de uma ciéncia : do homem Luiz Henrique Passador A diferenca, objeto da antropologia ciéncia antropolégica pode ser considerada bastante nova se comparada com outras, como a fisica, cuja historia remonta A Grécia antiga, através das primetras tentativas de sistematizacio dos conhecimentos sobre as leis da natureza. Nao que os pensadores grogos desconhecessem ou deixassem de se questionar sobre a na- tureza humana. Os gregos apenas o faziam de uma ma- neira diferente da conduzida pelos antropélogos modernos. Estes adotam uma abordagem original, caracterizada pelo estudo do homem em sociedades. Fazem a observacao di- reta das préticas quotidianas e buscam a compreensio das, instdncias sociocult ue definem tais préticas, as quais possuem um significado que 6 compartilhado por in- dividuos que se relacionam entre si num contexto histori- camente constitufdo, Etimologicamente, “antropologia” sig- nifica ‘ciéncia do homem", ¢ ela procura compreendé-lo enquanto espécie. Umea espécie que se caracteriza pele for- 1. Do grege anthropos, que significa homem, ¢ logus, que tignifica conbecimenta, estado, cidncn

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