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Saude Mental e Trabalho Wanderley Codo Lucia Soratto léne Vasques-Menezes que Como ocorre amiside em ciéncia, Satide Mental Trabalho deixou de ser um tema de pesquisa para tomnar-se uma Area pela porta dos fundos. No caso deestresse, tomado como um conceito da fisiologia « ampliado por Selye para os eventos psical6gicos, ete foi chamado a intervir no trabalho para expli- car coisas que se observavam e nao tinham nome. No caso dos trabalhos de Le Guillant, tratava-se de uum médico comunista, muito mais interessado em criticar a psiquiatria/psicologia de seu tempo do que qualquer outra coisa. Tudo isto aconteceu hé 50 anos, muito pouco tempo, como se ve. “E que, de um lado, o mundo do trabalho de- rmandava uma intervengo: 08 rabalhadores sosrendo de males que. fsiologia ea bioquimica dos médicos io podian explicar; de outro, o corpus te6rico da psicologia ndo poderia sobreviver muito tempo alheio ho trabalho humano — pois, como fazer uma teoria apta aexplicaro homer sem uma das principais ati dades dos homens? Impulsionada por uma exigéncia dda vida e uma imposigao da teoria, Sadide Mental © ‘Trabalho tornou-se, em poueo tempo, uma érea forte, pulsante, prenhe de formulaghes e de deseobertas. ‘Quantos seriam os modos de se “fazer” Sat de Mental e Trabalho? Todos. Essa éamesma res- posta que se obteria para qualquer uma das gran- es dreas que este livro aborda, Quantas formas ni de se pensar a motivagao? O comprometimen- to? A emogio no trabalho? Qualquer teoria psico- \égicalpsicopatolégica pode ser utilizada para se da satide mental no trabalho. Qualquer maneira de intervencdo seria igualmente possivel. Revisar to- das as formas de fazer ou pensar satide mental e trabalho, portanto, é impossivel ‘O sofrimento psicolégico ne trabalho (aqui s- nOnimo de Saéde Mental ¢ Trabalho) tem sido prioritariamente estudado de trés maneiras diferen- tes. Para dizer de outra maneira, a histéria desta 4rea selecionou trés grandes abordagens para 0 pro- biema: estresse, psicodinamica do trabalho e epidemiologia do trabalho. Outras classificagées ¢ priorizages, é claro, sertio e seriam possiveis, mas foi assim que os autores destas Jinhas pensaram 0 problema dividiram a rea (ver Codo, 2002; Codo ¢ Soratto, 1999). Mas nao seré possivel ir direto ao assunto. Uma das marcas centrais dessa area é a maneira como ela se posiciona perante a Psicologia Organizacional ¢ do Trabalho: no é dificil de compreender. Se admi- tirmos que o sofrimento psicol6gico ¢ produzido pelo trabalho, estudar o problema e propor-lhe interven- bes deixa-nos ligados intimamente ao individuo, no sentido que 2 psicologia elfnica quer ser. Isso. por ‘sua vez, nos obriga a redefinir a forma como com preendemos a Srea em questa. Este seré 0 n0ss0 infcio: de qual Psicologia do Trabalho estamos tar tando ao falar de Saide Mental e Trabalho. Do outro lado, coloca-se o mesmo problema: 6 preciso pensar satide mental de maneira a incluit trabalho em seu leque de determinagdes. Uma teo- puRgaO prowtemado-sofrimentopsiealigice-OU HAVE, tornasse 0 softimento psicolégico depen a eR Psicologia, Organizagées ¢ Trabalho no Brasil_277 S _ gente exclusivamente da inffincia, por exemplo, te- ta desercriticada pela érea. B, ainda, trabalho tera § je ser pensado em Sua dimensio subjetiva, tal e qual = gaa dimensao objetiva. oe Temios entiio 0s objetivos deste capftulo: a) per- correo posicionamento da rea com relago a uma Peicologia do Trabalho; b) um passeio pelas catego- ries trabalho e sade mental; €) discutir as aborda- gens mas Fepresentativas no campo, pelo menos no fuasil:estresse, psicodinamica do trabalho e epide- 1 miclogia do trabalho. =" para atingir tais objetivos, o capitulo subdivi- | © ge-se em trés partes, A primeira situa, conceitua e “> atcula Sade Mental e Trabalho} a segunda apre- tenta ¢ discute as trés principais abordagens de es- 1 fudoem Satide Mental e Trabalho, ea terceira, trata = gas relagies e implicagdes entre as trés abordagens 4° desenvolvidas no item anterior. 4. Tudo isso, lembremos, aconteceu nos tiitimos * 50 anos. Hé pouco, dizfamos. Que ninguém se es- “= janie, portanto, seas coisas parecerem muito ima- 1 © juras, muito verdes, como se-estivessem a deman- daruma teorizagio mais completa, mais serena. B 1 sego mesmo, estamos diante de uma érea pujante, + protiza, mas jovem, e juventude combina, como sompre, vigor e indeciséo. es © “Q QUE E SAUDE MENTAL E TRABALHO _Be que estamos falando? ki Avea €_ Neste livso, vocé caminhou por difereptes sig- rificados de Psicologia do Trabalho e/ou das Orga- __ nizag6es, todas elas com o mesmo nome, mas falan- ». do de lugares diferentes. E que as duas Areas utili- zam-se da preposigio de + artigo (o ou as) para defi- nir-se. Este de ligando as duas palavras 6 tao genero- 0, pode significar tantas coisas diferentes, que te- mos todo o direito de perguntar o que significa este nome. Posse? Quer dizer que a psicologia pertence 20 trabalho? Como em “Marilia de Dirceu”? Alude & matéria da qual € feita? A psicologia seria feita de } tabalho, como uma casa é feita de madeira? Ou re- +. fere-sea sua origem? A psicologia viria do trabalho como eu digo que sou de Sao Paulo? / Muitas vezes, a preposigio indica uma utili- ! zacéo. Psicologia das OrganizagGes e/ou do Tra~ balho seria uma psicologia utilizada no trabalho ou nas organizacées, uma aplicagio especifica da Psicologia. Por exempio, quando as teorias de Sen motivacdo sto aplicadas para melhorar 0 desem- penho do trabalbador; quando as teorias de Psico- logia Social sobre lideranga so utilizadas para 0 desenvolvimento de modos de gestao. Ento, como apsicologia pode ser ttil no trabalho, nas organi- zagbes? Seria melhor chamé-la de Psicologia no ‘Trabalho ou nas Organizages? Mas niio € dessa psicologia que estaremos falando. Outras tantas vezes, & preposi¢ao do indica um tipo de pertinéncia que inverte a lei da grama- tica. Ela indica qilé o segundo termo pertence ao primeiro. Contudo aqui é o primeiro que pertence ao segundo. Estarfamos falando de uma psicolo- gia que pertence as organizag&es e/ou ao trabalho. ‘A organizacao ou o trabalho, neste sentido, detém uma psicologia ~ 0 conhecimento que é ensinado e aprendido de uma forma especffica dentro da organizagao ou do trabalho; os valores, atitudes jdeologias consolidam-se ¢ espraiam-se de uma forma nas organizagbes e no trabalho que diferem do resto do mundo; os afetos ¢ desafetos sto ma- nejados com certas particularidades nesta area. Existe, como se vé, uma psicologia do trabalho ou das organizagdes neste sentido. Mas ainda nao 6 sobre isto que estaremos falando aqui. O sentido de Psicologia do Trabalho que estamos adotando é um sentido de origem, ou ain- da, de causa. Quer dizer que uma parte significati- va dos fenémenos que 2 psicologia estuda provém, tem sua origem, sua determinagéo, ¢ explicada, no ¢ pelo trabalho. Estamos afirmando que “para compreender-se a psicologia, € preciso compreen- der o trabalho”; que o trabalho € um objeto de estu- do necessério para se compreender o fenémeno psi- coldgico, assim como, por exemplo, a psicandlise afirmou que seria preciso entender a sexualidade para se compreender a dindmica psicolégica. Ali- és, mais do que urn exemplo, afirmamos que 0 tra- balho € tdo importante quanto a sexualidade na cons- trugio da psique de qualquer ser humano. ‘Quando Freud afirmou que a sexualidade cons- titufa a nossa psique, anunciou uma descoberta que poderia ser formulada assim: para que o ser huma- no seja de fato um ser humano, ele precisa se repro- duzir, sua espécie precisa continuar existindo como tal, portanto, precisa lidar com desejos, erotismo, amor, sexualidade, Se compreendermos 0 modo como o ser humano reproduz a si mesmo, compre- enderemos muito a respeito dele mesmo. A histéria vem demonstrando que tal hipstese é correta. ie | | ' | __--- simi;uma luz-vermelha para.um serhumano.néoéum_ ~comdeshaesner i precisoaic-ape 278 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. Estamos dizendo, mutatis mutantis, a mesma coisa: para que um ser humano seja de fato um ser humano, ele precisa produzir a si mesmo, precisa continuar vivo para que continue a comportar-se € de modo a poder ser estudado pelos psicélogos, pre- cisa comer, bebcr, vestir, morar. Ora, n6s, seres hu- manos, fazemos isso por meio do nosso trabalho; sobrevivemos porque trabalhamos, portanto, se com- preendermos o trabalho, saberemos muito mais ares- peito de nés mesmos. Tal como a psicologia pSde crayar sua “origem” na sexualidade, poderé craver sua “origem” no trabalho, buscar nele as causas dos fendmenos que estuda, ¢ pelas mesmas razies. 9 tugar do trabalho Gir? ut Tudo isso carece de demonstragio. Para tan- ~ sto, seremos obrigados a passear alhures. Baseadas nos modelos importados de outras ci@ncias, as primeiras tentativas de se entender 0 $0- frimento psiquico buscavam encontrar fatores exter- nos gue atingissem o sujeito provocando problemas. | Entretanto o desenvolvimento da psicandlise, do \ behaviorismo e da gestalt, do inicio & metade do sé- (culo XX, ensinaram a n6s que, em psicologia, sim- plesmente, niio pode-se pensar somente em fatores externos. Porque, para a vida humana, nada pode ser considerado extemno, ou melhor, tudo importa na exata medida em que se internaliza pela ago humana. As- fator externo, é parte de uma arvore de natal, um si- nal de semdforo para parar no cruzamento, a chama- dade um passageiro para a aeromoga ou do paciente no hospital. Ou seja, sempre traz um significado que se incorpora a vida, e hé que se corpreender néo 0 efeito da luz vermelha (do fator externo) ao sistema, mas como 0 estimulo foi incorporado ao sistema. Enquanto a luz vermelha for apenas cla mes- ‘ma, nfo tem interesse ou possibilidade de ser estuda- da pela psicologia, Bla passa a interessar no exato momento ern que compe um lugar no horizonte de significados humanos, quando a ago humana.a ex- pullsa de sua materialidade fisica e a preenche com a matérialidade social —apenas aia luz. vermelha trans- forma-se em um objeto para o ser humano. Assifn, a fisica observa a luz vermelha no que esta tem de igual 2 simesma, ¢ a psicologia interessa-se por ela exata- mente no momento em questa passa a ser diferente ~ ~constréie expressa o'individuo-Gomorfazer psico—4- mesmos modifiquem-se pelo exercicio da aco dos homens e/ou de cada homem emn particular. Giannot (1983) ensina que um objeto, para as cigncias fi. cas, é igual a si mesmo, enguanto nas ciéncias huma. nas ele é diferente de si mesmo. Assim, s¢ um fisico quiser estudar a luz ver melha de nosso exemplo, faré um esforgo conceinya) para ‘apagar' o que houver de diferengas entre uma lnzeoutraecompreenderd oquerestar-lhesdeigua: | a0 psicdlogo, por sua vez, interessaria saber por que um individuo passou ater medo dessa luz vermelha depois que sua mae passou maus bocados dentro de uma ambulancia. Tudo torna-se singular, cad, juz vermelha interessa a medida que se tornou dife- rente da outra, cada observador interessa, também, na medida em que é diferente do outro. His uma pergunta seminal para a psicologia: como as coisas migram de um objeto natural para um objeto humane (social)? Como deixam de de- finir-se por sua mesmice (iguais entre si) para o serem por sua individualidade (diferentes entre si)? ‘A resposta 6 uma 86: a coisa socializa-se e dife- rencia-se pelo trabalho. O trabalho humaniza a coisa O trabalho transforma o minério de ferro em vaidade na construciio do automével; a madeira se transforma em estilo na montagem dos méveis da casa; a terra, em gentileza na gastronomia. Cada pedago de ferro, de madeira, cada fruta serd outra, sempre outra, pelo do trabalho, O trabalho permite, logia, como entender o individuo na sua auséncia? A mesma conchuséo impée-se se estivermos falando de grupos, de géneros, de classes sociais, de faixas etérias. Um grupo, qualquer que sejacle, permite-se entender, consir6i-se ¢ exprime-se na exata medida que interpde 0 trabalho entre a natu- reza € os homens. Em outros momentos deste texto seremos obrigados a voltar a esse eterno espelhamentoque } constitui a psicologia. Por ora, bastam as Tinhas anterior para deixar claro sobre o que estamos fa lando quando denominamos este exercicio cientt- fico de Psicologia do Trabalho: trata-se da espe- ranga de que o trabalho seja capaz de ajudar-nos@ compreender 0 ser humano, tarefa, por sua vez, d2 propria psicologia. Ou, talvez, mais que isso. Iss0 € Psicologia do Trabalho porque acreditamos que sem o trabalho impossivel fazer psicologia. quesvériossigni— ficados sejam construfdos, mas também que cles isitth WPSicologia do Trabainee uma adore gem que tem como foco principal o estudo ¢ a Col Psicologia, Organizacoes e Trabalho no Brasil 279 cepsiio do trabalho humano em todos os seus signifi- cados e manifestagdes (Lima, 1996), ¢ em diferentes contextos[A inguietacao dos alunos de uma creche} esse comportamento interfere na relacdo da crecheira ‘com o scu trabalho; as neuroses € psicoses com as uais 0 psic6logo clinico lida interessam & Psicolo- © gia do Trabalho A medida que inviabilizam o labor © de quem sofre, ou porque o labor pode explicar tais sofrimentos. Enfim, 0 irabalhe-estaré-onde- psico- Jogizestiver. Como pode ser visto, seus limites so bem extensos e sua preocupacio bisica é o entendi- mento das relages entre trabalhador-trabalho-satide mental em toda a sua abrangéncia, buscando com- preeader interfaces, condicionantes, determinantes € © conseqléncias desta relaco, para que seja possivel » jntervir sobre o problema Ee > fea’ ot de-cizer, mas complicado de fazer. Em outras palavras, se, por uma l6gica inversa, advenca mental 6a incapacidade de amar ede traba- £ ihr, entdo, 6 0 préprio amor e/ou o trabalho que se ~ *presentam com problemas. Assim, seré preciso pro- surar na propria dinamica da vida os problemas ou os distirbios que a vida inventou. Eis uma das coisas ‘mportantes que sabemos hoje sobre satide e doenca, ' {nteressa Psicologia do Trabalho na medida quel” Ss—a——=="Gade de al O segundo ensinamento que a psicologia trou- xe, € que € preciso destacar aqui, é 0 seguinte: fala~ . Mos em saiide mental quando somos capazes de amar e trabalhar; falamos de “doenga mental” (to- mando emprestado o termo da medicina) quando uma ou outra, ou ambas, estiver prejudicada. Isso porque se sabe que a capacidade de amar interfere imediatametite na capacidade de trabalhar e vice- versa, ov seja, quando estamos incapacitados para 0 trabalho, nossa capacidade de amar também de- teriora-se. Por que é assim? Porque ao produzir estamos reproduzindo, ¢ ao reproduzir estamos pro- Guzindo, ou, ainda, amar e trabalhar compéem um todo organico sindnimo da propria vida humana. O amar ¢ 0 trabalhar so partes indiferenciéveis de um mesmo sistema, um se retroalimenta do outro; para produzir, € preciso reproduzir e vice-versa. Maturana (1998) pergunta-se sobre a origem da vida, ou ainda “que classe de sistema € 0 ser vivo”, e conclui que “o sentido da vida de uma mosca é viver como mosca, mosquear” (p. 12); “o cachorro é um. cachorro ao cachorrear”, © que a vida é um sistema antopostico, ou seja, um sistema cuja fungio é a de maniera simesmo. O que a vida quer é continuar exis- tindo, continuar vivendo, O que precisamos fazer 0 ‘tempo todo, portanto, é construir a nés mesmos, man= tera si mesmo ¢ igual a construir a si mesmo, Ocorre que, ao falar de humanos, 0 individuo nao se realiza em si mesmo, ele somente se constréi ‘qudindo se espelha no outro, fio gripe, na Sociedas de, Um pai nao constitui-se enquanto pai sem o fi- Iho; um professor, um homem, um brasileiro, sem- prereconhece a si mesmo, delimita-se ¢ se constréi em confronto, no cotejo, no acoplamento com 0 outro, com outros pais e filhos, outros homens ¢ mulheres, outros brasileiros estrangeiros Chegamos, assim, a uma outra definigo: de mental é a capacidade de construir a si préprio © A espécie, produzindo e reproduzindo a si pré- prio € & espécie. Distirbio psicoldgico, sofrimen- to psicolégico ou doenca mental sao o rompimen- to dessa capacidade. Como ja se viu, os dois eixos centrais da pro- dugao de si mesmo sao a reprodugio ¢ a produ- Bo, 0 amor € 0 trabalho Sabemos muito mais sobre os modos de amar do que sobre os modos de trabalhar. Durante muitos anos, acreditamos que dificuldades com a “capaci- n problemas “capacidadé de atin": 280 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. Buin FB lave ye. D0G0 trabalhar”, mas 0 contratio nfo seria verdade, ou seja, acreditévamos que o trabalho fosse apenas um sinto- ma. Se voc dissesse a um estudioso de psicologia que um individuo sofria afetivamente porque teve, durante apenas uma vez na vida, um evento traumé- tico ligado & sexualidade, nao seria questionado; mas se dissesse que uma atividade desempenhada pelo individuo durante oito horas por dia, cinco dias por semana, durante 30 anos (0 seu trabalho) poderia provocar-Ihe sofrimento psfquico, o nosso estudioso negaria tal afirmagio. Isso porque havia muito mais evidéncia sobre a primeira situacdo, mas poucas ¢ muito questionadas evidéncias sobre o papel do tra- balho no softimento psicolgico. Naquela época, parecia aos psicdlogos que os afetos primérios tinham a chave de qualquer sofrimento ou felicidade do ser humano, em qual- quer idade. 14 sobre o trabalho, pairou 0 véu do siléncio. Estudava-se muito a respeito de como a psicologia poderia contribuir para o trabalho, mas nada sobre como o trabalho poderia ajudar a com- preender.o ser hurhano. Por issd, e €om raziio, a Psicologia Organiza- cional e do Trabalho foi eleita como intrinsecamente, reaciondria, a servico da exploragao do trabalhador em nome do lucro, Em que pese 0 maniqueismo ingénuo dessa formulacio, ela se justificava, uma vez que 0 sujeito trabalhador desaparecia das and- lises sobre o trabalho. Ora, se o homem ou a mulher ‘quevali-estavam sabiamque 0 trabalho’é sindnimo Ga identidade do homem, ¢ que a psicologia que ali se praticava fazia questo de ignord-los, esta no podia dar certo (Codo, 1984), Assim, perdeu-se, de um lado, como jé se vit, 9 imenso potencial que o trabalho tem como pro- motor da felicidade, do prazer; ignorou-se a capa- cidade que ele tem de trazer sofrimento, e, acima de tudo, perdia-se uma chance enorme de explicar © que o ser humano é a partir do que faz. O behaviorismo tentou isso e foi criticado por fazer sua teoria a respeito da ago do homem desgarra- do da histéria. A Psicologia do Trabalho tem a chance de inserir © compreender 0 gesto do ho- mem onde ele sempre esteve, no fazer cotidiano da vida, no seu trabalho, como um sujeito possui- dor de desejos, e 0 seu universo de atuacio vai na ditegZo da compreensao desse sujeito na sua rela- cao com o trabalho, na perspectiva da sua satide e Den eatEr © tac his bance rela de maar prodl vidade ou lucratividade. @ OS MODOS DE FAZER SAUDE MENTAL E TRABALHO Jé vimos que a Psicologia do Trabalho é ung rea jovem. No Brasil, as publicagdes comegaram a acontecer em meados da década de 1980. Lim (2003) fez uma sintese destas publidayées, apre. sentada a seguir no Quadro 8.1 No Brasil, comegaram entio a se configurar trés aborclagens mais fregtientes e talvez mais proficuas em Satide Mental e Trabalho: estresse, psicopatn. logia/psicodinamica do trabalho € abordagem epidemiolégica. Vejamos como operam estas tris formas de abordagem sobre o mesmo problema, Teorias de estresse Voce ja ouviu pelas ruas 0 termo estresse ¢ poderia explicar do que se trata de uma forma muito préxima a dos cientistas, sendo algo tal como “o grau do despaste total causado pela vida” (Selye, 1965). Por outro lado, vocé sabe também que o trabalho pode provocar estresse. Muitas pesqui- sas abordando muitos trabalhos diferentes se trans- formaram em lugar comum, nos dias de hoje. O termo estresse popularizou-se a partir de seu uso na medicina, de tal forma que ninguém descomhece ou deixa de usé-lo em algum momen to e com os mais variados significados. A impre- cisto do termo no é a marca apenas do seu uso popular, mas também ocorre no seu emprego na produgio de conhecimento cientifico nas varias dreas que 0 adotaram, inclusive na psicologia. A definigdo precisa da fisica (da qual 0 conceito se origina) refere-se a uma forga de resisténcia inter na oferecida pelos materiais s6lidos ante a forgas externas (cargas), mas esta no se mantém nas outras areas que adotaram o conceito. Na medici- na ¢ na psicologia, assim como no seu uso popi- lar, estresse aparece tanto para denominar condi des externas, ou uma forca imposta ao organis- mo, como para fazer referéncia as respostas desse mesmo organismo ante a estas forgas, 0 que esti ria mais préximo ao sentido original. ‘A difusdio do termo veio tanto para o bem quet- to para o mai, Por bem, devemos as pesquisas sobre estresse a popularizagio do problema de satide mes- tal no trabalho; além disso, os homens comuns pude _Tam travar contato e de certa forma lidar com 0 pr0- blema, arriscar, ainda que de forma Iciga, um diag Psicologia, Organizagées e Trabalho no Brasil 281 QUADRO 8.1 Publicagdes que tiveram maior reperousséio em Saude Mental e Trabalho a partir de 1986, segundo Maria Elizabeth Antunes Lima {998 Edith Seligman escreve um capitulo sobre Satide Mental e Trabalho para a.colctanea Crise, trabalho e satide mental no Brasil 1290 Edith Seligman escreve outro capitulo sobre o tema para a coletanea Cldadania ¢ joucura ~ politices de satide mental no Brasil. 1993 Wanderley Codo, José Jackson Sampaio e Alberto Hitdmi publicam Individuo, trabalho e sofrimento, 1984 Edith Seligman escreve Desgasie mental do trabalho dominado. Jaqueline Tittoni escreve Subjetividade e trabalho, Maria Inés Rosa escreve Trabalho, subjetividade e poder. 1995 Wanderley Codo e José Jackson Sampaio organizam a coletanea Sofrimento psiquico nas organizacoes. 1998 Lys Esther Rocha compe a tese de doutorado Estresse acupacional em profissionais de processamento de dados: condipGes de trabalho @ repercussées na vida e satide dos analistas de sisternas. Seiji Uchida compe a tese de doutorade Temporalidade e subjetividade no trabalho informatizado, . Leda Leal Ferreira © Aparecida Mari Guti escrevem O trabalho dos petroleiros — perigoso, complexo, ly continuo @ coletivo. Maria Elizabeth Antunes Lima escreve Os equivocos da excelénicis —as novas formas de sedugona empresa. | 4] 1997 Alice Htani escreve Subterrénees do trabalho ~ imagindrio tecnolégico no cotiiane, | vodo Ferreira da Silva Filho e Silvia Jardim organizam a coletdinea A danagdo do trabaiho ~ organiza- | 0 00 trabalho © sotrimento psfquico. 1999 Wanderley Codo organiza a coleténea Educagao, carinho e trabalho. Débora Glina e Lys Esther Rocha organizam a colatanea Saude Mental e trabalho: desafios e solugdes. E langado o primeiro ndmero da revista da Federagao Nacional dos Psicélogos, voltada exclusivamente para 0 campo da sadide mental e trabalho + | 2002 Maria da Graga Jacques e Wanderley Codo organizam a coletanea Satide Mental € Trabalho — eituras. Iris Barbosa Goulart organiza a coletanea Psicologia Organizacional e do Trabatho: teoria, pesquisa @ temas correlatos. if Luiz Henrique Borges, Maria das Gragas Moulin e Meristola Dalbello Araujo organizam a coletinea Organizapao do trabaiho e satide ~ multiplas relagées. “Fonte: Lima, 2008. -nGstico. Por mal, porque esta vulgarizacio acabou “alingindo de alguma forma a propria pesquisa ci- ~ entifica e transformando o conceito em uma espécie "de férmula magica que tudo explica e tudo resolve: que deram visibilidade 2o fen8meno. Este passou entdo a ser reconhecido na medicina e na biologia, e, depois, a ser empregado também pela psicolo- _ gia, O estresse, “sindrome especifica, constitufda tudo provoca o estresse (a rotina do trabalho muito »-Simples, a complexidade do trabalho muito comple- = x0, etc.) ¢ tudo resolve o estresse (massagens, con- verses, chazinhos, meditagGes). Existem, no entan- to, no interior deste quiproqud, pesquisas sérias e boas conclusées a extrair-se. Uma das alternativas para escapar das limi- Lagdes em estudos de estresse e de conjugar o con- ceito com varidveis mais complexas ¢ definidas, “come, por exemplo, no trabalho de Sonia Regina ta Bahia (Fernandes, 2002). Apesar de algumas aplicagGes do termo ~Sillesse-na medicina-datarem-deinieio-de-séewle-——sindrome-dle-adaptagomnranifestaese URES PISCE TIS XX, foram os trabalhos de Selye, a partir de 1936, por todas as alteragées nio-especificas produzidas num sistema biol6gico” (Selye, 1965, p. 65), foi identificado pelas suas varias manifestagbes fisio- logicas, mas sem causa definida. E é justamente esse cardter inespecffico presente na definicao do estresse que explica a grande difusio do conceito, que pdde, por esta razio, ser empregado nas mais variadas circunstncias (Codo e Soratto, 1999) A explicagio para a ocorréncia do estado de estresse € bioldgica ¢ diz respeito a necessidade de adaptag3o ou ajustamento do organismo frente as pressGes do meio com as quais este se depara. Essa teacdo de alarme diante de um agente agressor, a re- "Numa terceira abordagem, Kar’ 282 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. sisténcia ¢ a exaustiio. As duas primeiras fases seri- am comuns a todo ser humano ao longo da vida, pela demanda constante de ajuste as atividades e necessi- dade de resisténcia aos infortinios da existéncia. Entdo, ninguém pode viver sem nenhum grau de estresse, porque qualquer atividade e qualquer emo- go sio capazes de provocé-lo. O conceito de estresse, que inicialmente refere-se & reaco dos te- cidos frente a agentes fisicos agressores, pode entiio ser transportado para tantos outros dominios, inclu- sive para as situagdes de trabalho. As definigdes de estresse como “adaptagdo as tensdes ¢ pressoes da existéncia cotidiana” c “gran do desgaste total cau- sado pela vida” (Selye, 1965, p. 14) abriram caminho para seus varios empregos no campo psicolégico. Napsicologia e na psiquiatria, foi somente apés a Segunda Guerra Mundial que as pesquisas sobre estresse tornaram-se vis{veis e apareceram em traba- Ihos na literatura cientifica ~ muitos de seus autores estimulados justamente pela experiéncia da guerra, como Kahn, Wolfe, Quinn, Snoek, eRosenthal (1964), gue estudaram estresse a partir de fatores como am- bigitidade ¢ conilito de papel e sobrecarga. Cherniss (1991) apresenta um modelo que inciui a relagao in- dividuo-fatores organizacionais como um possfvel ge- rador de estresse. Esse modelo baseia-se na nocko de estresse como um incentivo ambiental que inicia uma cadeia de respostas, ¢ estas, por sua vez, conduzem para fins patolégicos (Ganster e Schaubroeck, 1991). sek (1979) apresenta oestresse como um desequilforio de demanda-recur- 80, ouseja, tum desequilibrio entre o que €exigido eo que € oferecido com relagao 2 demanda. . Apesar das diferencas, essas conceituagdes parecem convergir no sentido de ajuste, quer na relagio individuo-ambiente de trabalho, quer na relagiio demanda-recursos, sendo o estresse 0 re- sultado de um estado de desequilibrio. Assim, compreendido como reacio ante as demandas sociopsicolégicas, o estresse, como um estado intermediévio entre a satide e a doenga, pas- sa 2 ser um possivel indicador das consequéncias do trabalho sobre os trabathadores, que podem es- tar sofrendo em decorréncia das condigdes e carac- teristicas de sua atividade, sem necessariamente apresentar nenhum quadro patolégico definido. Muitos estudos sobre estresse tém sido rea! zados para identificar quais condigbes e caracter ticas do trabalho (e/ou das of$aitizagGes) Concor. 16h ata B produgao desse estado. Tais estudos, apesar de partirem de modelos tedr ren tém em comum a definigdo de estresse envolvendg sempre: um estimulo externo, produzido a partirday situages de trabalho; respostas psicoldgicas frente Aquele estimulo, e uma gama de conseqiiéncias, nas quais o bem-estar do individuo esté envolvido. Além disso, todos concordam parcialmente com a idgia de que a relagdo entre estimulos externos ¢ estresse pode ser moderada por caracteristicas individuais ¢ situacionais (Kahn e Byosiere, 1992). A inclusdo dos estressores oriundos do traba- Iho ede possiveis moderadores num mesmo modelo permite avangar na compreensio das ligagoes enue trabalho ¢ estresse ¢ de suas conseqiiéncias para ou- ‘ros aspectos da vida do individuo, bem como para organizaco de trabalho. Os avangos nos modelos estatfsticos, 0 interesse no papel das varidveis mode- radoras € os estudos longitudinais permitem testar hipéteses que nao poderiam ser contempladas sem esses recursos (Holt, apud Guimardes e Fadden, 1999). Apesar da perspectiva promissora, tis mo- delos tém limitagdes, pois nenhum deles conseguiu incluir todos os conceitos e relacionamentos que per- mitiriam compreender-se as origens, naturezes ¢ con- seqiiéncias do estresse gerado na vida organizacional (Kahin éByosiere; 1992). Aiiida assim, 6 investimento na sistematizagio dos achados empiricos representa um passo importante na busca de suprir a caréncia de explicagiies causais, fundamento da possibilida- de de intervengdo psicossocial. Para melhor exemplificar a teoria e a metodo- logia com relagdo ao estresse, seré apresentado ¢ discutido um estudo realizado por Fernandes, Silva- ny Neto, Miranda ¢ colaboradores (2002), que teve 0 objetivo de investigar as possiveis relagdes entre condigSes de trabalho ¢ sade em agentes peniten- cidrios em oito unidades do servigo penitenciéria da Regiiio Metropolitana de Salvador (BA).! Dois aspectos devem ser ressaltados aqui. Pri- meiro, a pesquisa que estamos discutindo visa co- nhecer as varidveis que envolvem o processo de ta balho a categoria funcional; segundo, ela buscou irenctirios du Regian Metroputitana de Salvador (BAj-Brasity Cadets nos de Saiide Piiblica, maiofjunho de 2002, v. 18, n.3 p. 807-816.

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