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Prom scr torr te es eee Deere ey ene ree eee Cee ae ete Cee Te co Ce ne ee CUTER ATC CCM enn Ga COE ee td Dene ett Sot tens Cs cd iu no desi, OTL ca Senay Cees Tea cereal a ecg ecu cL} Ditadura militar, AUTON CaICTI(y Daniel Aarao Reis Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade qt Ha wige Gown Ane. Aitero Resse Goon Feo oP Adj SPU rei ‘Corlnadoe GEMPUUESPL Jorge Zahar Editor io de Janeiro ‘eden Kenedy Goss Frases Frof Adjusts UESPLParaite ‘ordenador GEMPLUESPL (Copyrige © 2000, Dani Aso Rei “Toso dion seen A eprodeia nip storia dss publica, ato ou em pate ona lao ‘ho apg le 5 988) irc par ea cdg contatade com: Jorge zabr edo Lids Ta Métis 31 sobre 20031-1464 Ri de ania. RY sel (2 2400226 fae 1 3625128, ‘mak jpe@raharcom br te wanesaaccom be ap: Cast $4 Sérgio Campante Vesna da cles: data de Dede Compeicie cewtni: Top Tets Eices Gries Lda. presto: Cromte Gufs Editors CIP ew Caalopage ae one Sino Nacional dor Ere de Lo, RL Re, Dan Aao agp Dinu ma aque sca Daniel Aas es. Ri de anc Jog Zar E2000 (Deano Bai) Inc biogas ISBN HS 71105588 1 Bel = Hi epee 964 4.1985. 2 ra Paice 5.1. Tada. Sve ‘cpp 98.062 eoor07 bu set ote Rented Gomes Fries Prot Adj UESPUParate ‘Conrdecadr GEMPLUESPL ‘Sumario Ditadura militar no Brasil: uma incémoda meméria 7 Abril, 1964: a génese da ditadura 11 Ditadura ou demoeracia: a busca de identidade 33 Repressio ¢ desenvolvimento: a modernizasao conservadora 45 A mancira de posficis reflexdes sobre a ditadura 72 Cronologia 74 Sugestes de leitura 78 Sobre 0 autor 83 Mustragies (enor p.44-45) Créditos das iustragdes A montagem na capa & compote das ilstragdes 3, 5 €8 (ver ‘rites abaise), além de foro do Fundo Contcio da Manhi, H/e01/2007(32). Arquivo Nacional 1. Comicio das Reformas. Empresa Brasileira de Novas 2. Marcha da Familia com Deus peta Liberdade. Foto de Wil- Son Santos. Agénca 8 3, Militares no Clube de Ofiias da Marinha. Arquivo Anco ‘io Carle Muricy. Fundagio Geclio Vargas/crD0c 4, Gregério Bezrrapreso eo Recife, Acervo do Jornal Estado cde Minas 5. Entra do exudate Edson Lis de Lima Souto. undo Cor reio dt Man rt/P0/43891(17). Arquivo Nacional 6, Passesta dos Cem Mil. Fundo Corio da Manhi, P4/#01/ 2007(111). Arquivo Nacional 7, Consteusio da battagem de Ieipu, Foco de Claus Meyer. (Camara Tes 8, Inauguragio de uma nova refinaria da Pecobras. Fundo CCorteio da Manhi, P4/#07/23314{8). Arquivo Nacional 9. Policia barra manifestntes em Salador. Foto de Luciano Andrade, Arquivo Ulises Guimaraes. Fundacio Gevulio Vate gaicooc 10, Apresentagio do grapo de teat do Comitt Brasileiro pela Anisa. Setor do Departamenco Geral de Investigagies Espe- ‘ais (OGLE). Arquivo Pablico do Esado do Rio de Janeiro 11, Fim da greve em So Bernardo em 1979. Foto de Reinal cdo Martins, Dirio do Grande ABC Ditadura militar no Brasil: ‘uma inedmoda meméria Quase ninguém quer se identificar com a ditadura nilitarno Brasil nosdias de hoje. Contam-se nos dedos aqueles que se dispéem a defender as opsdes que levaram 3 sua instauragio.e consolidagio. Até mesmo personalidades que se projecaram & sua sombra, ¢ que dever a laa Sorte, o poder a riqueea que possuem, rio estio dispostas, salvo excegBes, a acorter em sua defesa. Para a grande maioria da sociedade, a ditadura ¢ 0s ditadores foram demonizados. Em 1998, por ocasio das comemoragGes dos 30 anos do estranho ano de 1968, a sociedade brasileira, através da midia e da academia, consagrou uma orientagio de hostilidade & ditadura: celebrou os vencidos de entéo e condenow sem picdade os poderosos que mandavam ¢ desman- davam no pais. Sobre 0 periodo, de modo geral, a _meméria da sociedade tendew a adquitie uma arquite- ‘ura simplifcada: de um lado, a ditadura, um tempo de trevas, 0 predominio da cruculéncia, 0 reino da ae an anno 5 ‘excegio, os chamados anos dechumbo. Deoutro,a nova repiblica, live, regida pela Lei, 0 reino da cidadania, a sociedade reencontrando-se com sua vocagio demo- ccitica. [Nessa reconstrugio, as esquerdas feeqlientemente aparecem como vitimas. Quando lutam, o fazem inte- gradas em um processo de resinténcia, Esta € uma palavra-chave na meméria das esquerdas submetidas pela ditadura. Nessa reconstrugio 0s valores democré- ticos, embora derrotados em 1964, sempre contaram com um apoio amplo ¢ macigo na sociedade, embora sob vigilancia, acuados pela repressio, pelo menos até 1974, Foi exatamente nessas citcunstincias, sem valvu- las de escape, que alguns grupos de esquerda — deses- perados e desesperancados — se langaram a uta arma- da, Consticufdos fundamentalmente por jovens estu- dantes,audaciosos mas inexperientes, foram destroga- dosem uma luta desigual contra os aparelhos da repres- sio, Bravos jovenst Radicais, equivocados, mas genero- sos! A rigor, a ditadura, sempre segundo essas versbes, fora a grande responsivel pela luta armada, redimen- sionada como uma reacio desesperada 3 falta de alte De 1974 em diante, nas condigées relativamente favoriveiscriadas pela distensiolenta segura e gradual, comandada pelo general Geise, haveria um refloresci- mento das esquerdas moderadas e democriticas na sociedade. Na segunda metade dos anos 70 — sobre- tudo depois da revogasio do Ato Institucional n.5, a partir do inicio de 1979, eda aprovacio da Anistia, em agosto do mesmo ano —, liderangas e partidos de «squerda, embora ainda minortiris, voltariam a de- sempenhar papéis importantes na cena politica, A ditaduta fora uma noite. Mas triunfara a manhi, ‘onfirmando a profecia do poeta Thiago de Melo: “Faz «escuro, mas eu canto, porque a manha vai chegar.” Em. 1979 a manha chegou, finalmente E sociedade bra- sileira péde repudiar a ditadura, reincorporando sua 'margem esquerda ¢ reconfortando-se na idéia de que suas opsées pela democracia tinham fundas eaurénti cas rales histricas. ‘Muicos dos aspectos até agora referidos constituem lugares-comuns em uma certa meméria sobre a dita- dura eas esquerdas. Habitam discursos politicos, livios Aidstios, filmes e materiais diversos de andliseedivul- sga¢i0. Em tudo isto, sobressai uma tese: a sociedade brasileira viveu a ditadura como um pesadelo que € preciso exorczat, ou seja, a sociedade no tem, e nunca teve, nada a ver com a ditadura, ‘Assim, embora tenha desaparecido gradualmente, emordem epaz,aditadura militar foie tem sido objeto deescarmio, desprezo ou indiferenca, atitudes que ten- dem a estabelecer uma ruprura drstica entre o passado © 0 presente, quando nio induzem ao siléncio e 20 esquecimento de um processo, contudo, tio recente € to importante de nossa histéria. soe Entretanto, s© isso tudo corresponde 3 verdade, como explicar por que a ditadura nio fo simplesmente ‘escorragada? Ou que tenha sido aprovada uma anistia reciproca? Como compreender que permanesam com tanta forsa liderangas e mecanismos de poder preser- vados efou construidos no periodo da ditadura, pela e para a ditadura? Como se sabe, do latfindio 20 poder incontrastivel dos bancos, da midia monopolicada de Roberto Matinho aos servigos piblicos deteriorados da satide e da educagio, da diva interna 4 externa, de José Sarney a Antonio Carlos Magalhies, pasando por Delfim Neto, sio intimeras as continuidades entre as trevas da ditadura e as luzs da democracia. E 0 que dizer da cultura politica autortéria, cuja vitalidade ringuém pode contestartantos anos depois de fechado o perfodo da dtadura militar? “Talver seja necessirio refletir um pouco mais sobre as taizes ¢ 0s fundamentos hist6ricos da ditadura mili- tar, as complexas relagbes que se estabeleceram entre claca sociedade, ¢, em um contraponto, sobre o papel cdesempenhado pela esquerdas no periodo. Eo que o presente texto pretende fazer. Comegando pelo infcio: 0 processo que desembocou na instauragio dda ditadura, Reconstruir o contexto internacional. Re~ visivar as verses entio formuladas: uma revolucio? Um simples golpe de Estado? Em seguida, estudar 0 desenvolvimento contraditério dos governos ditato- Finis, seus ziguezagues, as tradig6es conservadas, as sto. rupturas efecuadas, as oposigies de esquerda, os pro- _gramas alternativos apresentados, 0 impacto que tive ram, sempre no contexto de uma ociedade que, anal, nunca se rebelou de forma radical contra a ordem vigente. E observar, finalmente, como se foi extinguin- doa ditadura militar, redefinindo-se, ansformando- se, tansitando para uma democracia sob formas hibri- clas, mudando de pele como um camaleio muda de cores, em uma lenta metamorfose que até hoje desen- cadeia polémicas a respeito de quando, efetivamente, terminou. Nossa escolha recai em 1979, quando dei- xxou de existiro estado de excegio, com a revogasio dos ‘Atos Insttucionais, e foi aprovada a anistia,ensejando a volta do exilio dos principais lideres das esquerdas brasileiras. Dai em diante, abriu-se um periodo de transigio, até 1988, quando a aprovagio de uma nova Constituigio restabeleceu as condigées de um pleno estado de direito em nosso pas. Para além dos marcos cronol6gicos, porém, 0 fato € que da ditadura fer-se a democracia, como um parto sem dor, sem grandilogiiéncia ou herofsmo, sem revo- lugées ou morte dhomem. Cordialmente, macunai- ‘micamente, brasileiramente Abril, 1964: a génese da ditadura [A vitéria do movimento civil-militar que derrubou Joie Goulart em abil de 1964 desler um golpe no om ant sah ws projeto politico nacional-staista que lider trabalhis- {a encarava ¢ encerzou a experiéncia republicana ini- ciada com o fim do Estado Novo, em 1945. Mas no foi um raio que desceu de um céu azul. Ao contriti, resultou de uma conjungio complexa de condigées, de ages e de processos, cuja compreensio permite eluci- dar © que deixou entio surpresos € perplexos nio apenas os vencidos, mas também os préprios vence- dotes Brasil e América Latina: 2 luta pela autonomia do nacional-estatismo Uma primeira chave, mais ampla, engloba a América Latina e, a rigor, o Terceito Mundo em seu conjunto. Remete a questio da viabilidade do projeto de comsrra- sto da autonomia no contexto do mundo capitalisa ‘Com efeito, desde a Segunda Revolugio Industrial de fins do século XIX, frente 3s grandes poténcias capita lists, colocou-se para uma série de sociedades o desafio. de construir uma insergio auténoma no mercado ca- pitalista internacional. Na rede armada pelo processo de internacionalizagio do capital (comércio de merea- dorias€exportacio de capitais), combinada expansio tertitorial, sobretudo das poténcias européias. lagos apertados de dependéncia foram tecidos, dificultando — 4s veres impedindo — a conquista de uma real a. autonomia politica ¢econdmica nas regies da Africa, Asiae América Latina, mesmo entte aqueles paises que rio chegaram a ser transformados em col6nias diretas, como a China, ou que jé tinham deixado de sé-lo, ‘como quase todos os paises da América Latina Al Grande Guerra eas convulsbessubseqientes dos cxticos anos 20 «30 (a emerggncia da revolucio russ, ‘ surgimento dos fscismos,a crise geral das economias liberais)abriram brechas nesses lagos de dependéncia, permitindo a estrururagio de projetos auronomistas, assumindo, quase sempre, um cariter nacional-etatis- 13. A proposta republicana de Sun Yarsen na China, a modernizagio da Turquia,liderada por Mustapha Ke- ‘mal, © Partido do Congresso na fndia, 0 nacionalismo mexicano de Exnesto Cardenas, o Estado Novo var- uistatinham esse sentido: explorar os espagos criados pelo enfraquecimento das poténcias, ou/e a rivalidade entre elas, para logear margens de autonomia, Para além de suas diversidades, esas diferentes iniciativas esbogaram o projeto ambicioso de consttuir um desen- volvimenco nacional auténomo no contexto do capi- talismo internacional, baseado nos seguintes elementos principais: um Estado foralecido ¢ intervencionista; tum planejamento mais ou menos centalizado; um movimento, ou um partido nacional, congregando as diferentes classes em torno de uma ideologia nacional de liderangas carisméticas, baseadas em wma fatima associaglo, no apenas imposta, mas também concer “3 tada, entre Estado, pattées © trabalhadores. Era ai disseminada a critica aos prinelpios do capitalismo liberal ea liberdadeirrestita dos capitai. Em oposigio, defendia-se a ligica dos intereses nacionais da justica tocial, que um Estado intervencionista © regulador srataria de garantir. No transcurso da it Guerra Mundial, as citcunstin- cias obrigariam as grandes poténcias a e conciliarem com esses projetos, que tiveram entio um de seus ‘melhores momentos para solcitar auxilios diversos, barganar apoios ¢ exercer margens de soberania. De- pois da conflagragio, contudo, novas circunstincias imporiam redefinigdes de rumos. ‘0 enfraquecimento das poténcias européias e do Japio ¢ a estruturagio de poderosos movimentos de Iibertasio nacional pareciam abrie um horizonte favo- ‘ive, inclusive porque as duas grandes superporéncias resultantes do contflito mundial — 0s EUAe a URSS—, embora com intengées diversas, estavam também inte- ressadas no fim dos velhos impérios coloniais. Este likimo aspecto, contudo, apresentava ambigtiidades, porque tanto os EUA como a URSS cultivavam ambi- ‘Ges universais e, na légica da bipolaridade da Guerra Fi conguistadas ou a conquistat Mas as coisas nao se passaram da mesma forma nas virias regides do mundo. precendiam reduzir as margens de autonomia jé ste Na Asia, a conjuntura do imediato pés-guerra foi auspiciosa para todos os que tentavam encontrar um caminho proprio. O Japio, derrorado, nio ameacava mais. As poténcias européiasaliadas etavam fragiliza- das para manter a8 colénias adquiridas ao longo do tempo. Em muitas reiées, 0 crescimento dos movi ‘mentos de libercagio nacional, aticulado com 0 pré- prio programa politico da Grande Alianga contra 0 nazi-fascismo, comprometido com a democraciae au- todeterminacio dos povos, condusiu 8 aceitagao ou a0 reconhecimento da independéncia polities de uma série de povos: Filipinas (1946), India e Paquistio (1947), Birmenia e Ceiléo (1948), Indonésia (1948). Em alguns casos, a reagio das velhas poténcis colo- nas, ou disputasideol6gica aciradas,retardariam ou Jmporiam limitagbes ou partlhas 3 independénciana- cional, como nos casos do Vietnie da Coréia. Mas no foi possvel impedir de todo a conquista de considers- veis margens de autonomia. A vitéria da revolugio chinesa, em 1949, consolidaria daria novo impulso a esse processo. [No mundo mugulmano ¢ entre os pafses érabes, 0s ‘movimentos auconomists,esbogados desde o fim da Guerra tomaram-se ireversves na primeira metade dos anos 50, com 0 nasserismo, e, um pouco mais tarde, através da tevolugio argelina e do sociale rabe na Siriano lrque. Na Africa nege, a partic da segunda metade dos anos 50 repistraram-se 08 primei- 215 a Aaah Is 10s éxitossignficativos (por exemplo a independéncia cde Ghana, em 1957) do que viria ser uma grande onda de independéncias. “Todo esse processo abriu horizontes — c grandes esperangas — para a construgao dos projetos autono- sistas. A conferéncia de Bandung, realizada em 1955, estabeleceria os marcos iniciais dessa wtopia rerceiro- ‘mundista, um dos componentes essenciais das relagées. internacionais até os anos 70, Fla se bascava na erenga de que setia possvel aleangar 0 sonhado desenvolvi- ‘mento auténomo com base em um projeto nacional- [Na América Latina, entreranto, as coisas tomaram ‘outros rumos. Em virtude da maior presenca — poli tica ¢ econémica — dos EUA, do pouco peso exercido pela URSS, das opsies definidas pela maior parte das clites dominantesdairea ede certs radigSesculturais, ‘05 projetos autonomistas onstrufdos com algum éxito até 1945 cenderam a perder fblego vigor, definharam, Houve resistencia, sem dlivida © peronismo na Argentina, a revolugio boliviana, © aprismo no Peru, o movimento democratico-popular za Venezuela, 0 nacionalismo mexicano, 0 varguismo € 0 trabalhismo no Brasil, além de uma série de movi- ‘mentos ¢ experimentos na América Central, como 0 liderado por J. Arbenz na Guatemala, atestam a forga acumulada ¢ as razes sociais e hist6ricas, em nosso +16. continente, do programa nacional-estatista, em lute pela conquista da auronomia, Entretanto, a proposta de um desenvolvimento de- pendenteassociado aos capitasinternacionaistendew 2 ganhar forca, sobretudo nos anos 50, quando novas reesteuturagies da divisio internacional do trabalho ppeemitiram a alguns paises mais importantes do conti- nente — Brasil, Argentina, México — estabelecer po- Iiticas de atragio ¢ incentivos aos capitis internacio- nais ¢ dispor de condigSes para empreender surtos industrializanes. ‘As aliangas entdo consticuidas,c as expectativas ge- radas — pelo menos em alguns paises que puderam registrar altos niveis de crescimento econémico, como por exemplo o Brasil dos 50 anos em 5 de Juscelino Kubitschek —, minaram mas, como se verd, nfo che- garam a destruir as bases constituidas pela eradicio nacional-estatisa Com efeito, nem todos os dados estavam ainda jogados. ‘A vitdria das revolug6es cubana, em 1959, ¢argeli- nna, em 1962, 0 processo de independéncias nacionais na Africa negrae no mundo érabe e mugulmano, aluta revolucionéria no Vietns, retomada a partir dos come- «08 dos anos 60, entre muitos outros acontecimentos, conferiram novo alento aos movimentos nacional-es- tatistaslatino-americanos. Ocnfientamento entre Cuba eos poderosos Estados Unidosda América, asobrevivéncia da revolugio cuba- rna em meio a pressbes de toda ordem, empolgava as correntes nacionalistas, que se reconheciam como par- te da nucstrr America, um sonho de José Martt que muito se assemethava, nas condigées especificas da ‘América Latina, 20 epéritoafro-asidtico formulado em. Bandung. Assim, em uma perspectiva mais ampla, histética, a tevolugio cubana pode set avaliada como ‘um elo a mais da longa luta dos movimentos nacional- «statitaslatino-americanos pela conquista de margens de autonomia. Nessa mesma perspeciva as declaragoes altissonantes sobre o cardter socialsta do regime poli- tico e social cubano deveriam ser comprendidas muito mais como uma imposigio da pressio e do cerco dos EUA — e da necessriaalianga de defesa com a URSS —do que como.uma evolusio conscienteeestruturada da propria revolugéo, fato € que todo esse processo incendiava as ima- ginagées. As utopias pareciam 20 aleance da mio, um. fermento para o nacionalismo laino-americano, um alarme para as clases conservadoras ¢ para 0 Estado esse contexto internacional, abriu-se uma conjun- tura de grandes lutas sociais, até envio, inédita na histéria da replica brasileira. © marco inicial foi a rentincia do presidente Jinio Quadros, em agosto de 1961 1961-1964: a derrota do nacional-estatismo Janio fora eleto, em outubro de 1960, com um discur- 0 ambiguo, articulando um leque de forga:oligarcas liberais, classes médias, amplos contingentes de traba- Ihadores, Estavam todos, por diferentes razses, descon- {entes com os rumosda sociedade. A euforia provocada pelo crescimento da segunda metade dos anos 50, que de fato abrira amplos horizontes,cedera lugar 4 apreen- slo face &s contradig6es que se acumulavam. Em seus tempos de gloria, € certo que © modelo decnvolvimentstaefetuara rupturas com o projeto na cional-estatista associado a Vargas. Para alguns, sobre- ‘tudo depois do suicidio do lider gaticho, aquele projeto cestava condenado pela Histéria. Entretanto, apesar de suas inovagbes, 05 50 anos em 5 de JK conservaram. algumas herangas essenciais dos tempos varguistas: 0 intervencionismo estatal, os pesados investimentos em infra-estrutura (Plano de Metas) e a incorporacéo dos trabalhadores (afrouxamento da tutela miniserial so- bre o movimento sindical e gestio asociada da Previ- déncia Social). Néo por acaso fora possivel manter de pé a alianga articulada por Gecilio Vargas entre 0 Partido Social-Democritico (PSD) e o Partido Traba- Ihista Brasileiro (PTB), com o apoio, nas margens, dos prdprios comunistas. ‘Mas, em fins dos anos 50, parecia que o desenvolvi- rmentismo estava, de algum modo, fazendo agua: 0 -19- ritmo de crescimento diminulta, crescera a inflagio, intensifcara-se 0 cortejo de desajustes proprios de épocas de tansformasbes aceleradas ‘Como resultado, desgastaram-se as forcas ¢ 0s par- ‘idos que haviam até entao comandado o pais. Criou-se na sociedade, lentamente, uma atmosfera geal a favor cde mudancas, de reformas. Era preciso renovar a vida politica do pats. Janio, lider carismatico porcxceléncia, soube encarnar esses anscis pelo nove, tio préprios da cculeura politica brasileira. Com uma vassouta, simbolo dda campanha eleitoral, saberia uarrer as dificuldades € ‘s problemas. Elegendo-se com quase 6 milhies de votos (cerca de 48% dos votantes), assumiu 0 poder com forca considerivel, alimentando as expectativas de um novo comero. Mas 6 govern, iniciado em janeiro de 1961, cedo pareceu uma poténcia que nao se realizva, como se fosse um bélido que nao conseguisse arrancar. A poli- tica econémica, na linha da ortodoxia monetarsta, desagradava o setor industrial acostumado ao crédito Facil, sem conseguir segurar a inflagio. A politica exter- na independent ivtava os setores conservadores sem angariar os apoios das esquerdas, desprezadas por Ji- rio. Quanto aos trabalhadores, frente & inflacio cres- cente, recebiam promessas de austeridade... Enquanto isso, a reformas vagamente anunciadas eto descjadas no se concretizavam, nem mesmo na forma de proje- +20 © presidente parecia apostar apenas no diflogo direco coma sociedade, exercitando seu inegivel cris ima. Reclamava de restrigese alegava carecer de plenos poderes, embora nao estivesse evidente para ninguém, € provavelmente sequer para ele mesmo, o que fatia com cles. Contudo, foi com essa perspectiva que re- ‘nunciou, em agosto de 1961, em um golpe bem urdi- do, que surpreendeu a todos, mas pessimamente exe- cutado, posto que néo havia nenhuma organizacio acompanhando o desfecho da tama. Anagio, durante quase duas semanas, esteve &beita da guetta civil e do caos. Os ministros militares cencaram impedir a posse do vice-presidente eleito, Joo Goulart, o Jango, lider do Partido Trabalhista Brasileiro (PTS). No entanco, frente a0 movimento de resisténcia ao golpe e & quebra da legalidade constitucional, encabegado pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizol, houve um acordo em que ambos os lados recuaram, na boa tradi- fo de lear Nos ans da histia militar, arnéavulta, em 1930, como, 4 maior baalha do continenteIntino-amercano,. que ao hhouve. Com efito, or contendots, partidinos e alversros dda marcha que levavia Getlio Vargas 20 poder, depois de © apestazem para um choquedectivo reiraram-se pata poss Aefesivas, sem dispaar um tio, negocando o desfecho de forma pact, ae ‘Afinal Jango assumiu 0 governo, em 7 de setembro de 1961, mas com os poderes presidenciais eastrados, fem um parlamentarismo hibrido, uma estranha fé mula constitucional em que se associavam um presi- dente enfraquecido ¢ um parlamento fraco. Quanto 20s golpistas, iveram as posigbes preservadas, nio sen- do punidos. Alguns aspectos dessa crise merecem ser destacados para intligiblidade dos acontecimentos que se segui- Fo, Primo, a improvisagio do vero & posse de Jango, devida & propria surpresa com que foram colhidos os rministros militares pela rentincia do presidente Janio Quadros, ea indecisio as divisses das lites dominan- tes constituiram fatores fundamentais para o fracasso da tentativa de golpe. Secundo, 0 protagonismo dos ‘movimentos populares, que entraram na cena politica ‘em defesa da posse de Goulart. Na seqigncia, eles no se deixariam tio facilmente afastar do paleo. Tetio, 0 fator essencal de que esses moyimentoshaviam partido para aluta em defesa da democracia, da lei eda ordem constitucional. Néo por acaso, a rede de comunicagoes ‘organizada pela posse de Jango se auto-inttulava rede da legalidade. Em oucras palaveas aluta se travara em defesa da ordem legal. ‘Com a posse de Jo%0 Goulart, retornou do passado uuma sombra que parecia banida pela morte: a de ‘Vargas. Nas condigGes internacionais aparentemente favoriveis entio existentes, entre as quais figurava 0 122. sucesso da revolugio cubana, @ novo presidente forta- lecido pela vitdria do movimento pela legalidade, que The assegurou a posse, apoiado cm um partido de rmassas em crescimento, 0 PTB, c sobretudo pelo tipo particular de relagbes que entretinha com os movimen- tos sociais organizados, poderia reunir condigées de reatualzar a hipétese do projeto nacional-estatisca Com efeico, se 0 desenvolvimentismo de JK abalara alguns de seus fundamentos, no 0 superara. Quanto a Jinio Quadros, nio eve sequer tempo, ou condisées, para elaborar alguma alternativa. Assim, em um con- textodeiintensos debarese luras poitias, marcado pelo protagonismo dos movimentos populares, ressurgia ‘uma possbilidade que muitos imaginavam definitiva- mente enterrada, ‘As agitagbes sociais ampliaram-se, em um ctescen- do, alcangando trabalhadores urbanos ¢ eurais,assala- riados € posseros, estudantes ¢ graduados das forgas armadas, configurando uma redefinigio do projeto nacional-estatista, que passaria a incorporar uma am- pla— e inédita — participacio popular. Talver exata- ‘mente por causa disso, mudaram 0 tom €0 sentido do discurso: a0 contririo de uma certa tradigio concilia- ‘6a, tipica do estilo de Genilio Vargas, os obstéculos deveriam agora ser removidos, € nio evitados, © os alvos,abatidos, e nio contornados. E assim tomou corpo o programa das reformas de base. 2. A reforma agréria, para distibuir a terra, com 0 objetivo de criar uma numerosa classe de pequenos proprietérios no campo. A reforma urbana, pata plane- jar ¢ regular 0 crescimento das cidades. A reforma bancéria, com 0 objetivo de criar um sistema voltado para o financiamento das prioridades nacionais. A reforma tibutaria,deslocando a énfase da arrecadacio paraosimpostos dretos, sobretudo oimposto de renda progressive. A rforma eleizora,liberando 0 voto para osanalfabetos, que entio constitufam quase metade da populagao adulta do pais. A reforma do estaruto do ‘capital exrangeir, para disciplinar ¢ regular 0 investi- ™mentos estrangeitos no pase as remessas de lucros para oextetior. A reforma univeritaria, para que 0 ensino € a pesquisa se voltassem para o atendimento das neces- sidades sociais e nacionais. Instaurou-se um amplo debate na sociedade sobre 0 assunto, Nas tuas, nas greves€ nos campos, agitavam-se 0 movimentos sociais,revindicando, exigindo, radi- calizando-se Entretanto, em sentido contritio, mobilizavam-se igualmence resisténcias expressvas. A andlise das elei- Ges de 1962, cerca de um ano apés a posse de Jango, {que renovaram a Cimara Federal, parte do Scnado € ais um conjunto importante de governos estaduais, cevidenciou a forga das drcitas ¢ da opinifo conserva dora 124. No Congresso Nacional, embora 0 PTB © outros partidos reformistas menores houvessem registrado avangos rlevantes, 0 PSD a UDN nucleavam ampla Iaiotia conservadora. Nas eleigdes para os governos dos estados, se as esquerdas tinham conseguido éxito «em Pernambuco ¢ no Rio de Janeiro, elegendo Miguel ‘Arracs ¢ Badger da Silveira, asdiritas haviam cleito I Meneghettino Rio Grande do Sul e Ademar de Barros «em Sio Paulo, Sem contaro fato de que outros impor- tantes estados, como Minas Gerais e Guanabara, jé ‘eram governados por liderangas conservadoras (Maga Ihies Pinto © Carlos Lacerda). A tradusio politica dessas cleiges, no que diz respeito is eformas, podetia ser assim resumida: elas nio seriam aprovadas legal- -mente pelas insttuigBes represcacativas, Nas margens da Lei, restaraaexpectativa de viabili- zat as reformas através do restabelecimento dos plenos poderes presidenciais de Jango. O plebiscito sobre a uestio, antecipado para jancito de 1963, resulara, de faro, em uma vitéria consageadora para Jango. Mas _gerara,em seguida, grandes feustragbes, porque o Plano ‘iienal formulado por Celso Furtado e apresentado ppor Jango no chegou a durar t1és meses. Aliés, a propésito do plebiscito, seja dito que a euforia das ‘squerdas com o restabelecimento do presidencialismo apenas em parte se justificava, pois a viedria devera-se também ao faro de que grandes lideres conservadores, +28. ‘com interesses nas eleigdes presidenciais de 1965, ha- viam apoiado o voto que derrubara o parlamentarismo Desorte que, em fins do primeiro semestee de 1963, ‘0 programa reformist, que redesenhava a perspectiva nacional-estatisa em um novo patamar de incorpo ‘io popular, aprofundando uma proposta de insercao aurénoma nas relagdes internacionais, estava atolado ‘em um impasse hist6rico. A sociedade dividira-se. De um lado, amplos contingentes de trabalhadores urbanos e ruras,setores estudantis de algumas grandes tuniversidades paiblicas, além de muitos graduados das forgas armadas. O movimento pela reformas lhes con- ferira uma importincia politica considerdve, ¢ perce- biam, com razio, que a concretizagio delas haveria de ‘consolidae uma repartgio de poder e de riqueza que ‘ertamente lhes traria grandes beneficios, materiais ¢ simbélicos. Por sso mesmo, acionavam os mecanismos do pacto nacional-estatsta,tensionando-os 20 méxi- ‘mo, exigindo a reformas. Contudo, na medida em que ‘essas nfo se concretizavam, desiludiam-se com a Lei e passavam, crescentemente,adefender o recurso &forca, sintetizado na agressiva palavea de ordem: reforma

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