Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
HABITAÇÃO E ENCOSTAS
Flavio Farah
Grupo Coordenador
Grupo Coordenador
Coleção HABITARE/FINEP
HABITAÇÃO E ENCOSTAS
Flavio Farah
São Paulo
2003
© 2003, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Editores da Coletânea HABITARE
Paulo S.A. - IPT Roberto Lamberts – UFSC
Av. Prof. Almeida Prado, 532 - Cidade Universitária "Armando de Maria Lúcia Horta de Almeida - FINEP
Salles Oliveira" - 05508-901 - São Paulo-SP ou
Caixa Postal 0141 - CEP 01064-970 - São Paulo-SP Equipe Programa HABITARE
Tel: (11)3767-4000 - fax (11)3767-4099 Ana Maria de Souza
www.ipt.br - e-mail: ipt@ipt.br Cristiane M. M. Lopes
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT Textos de apresentação da capa
Arley Reis
Presidente: Alberto Pereira de Castro
Vice-Presidente: Francisco Romeu Landi
Revisão gramatical e bibliografia
Diretor-Superintendente: Guilherme Ary Plonski
Marina Speranza
Diretor de Planejamento e Gestão: Marcos Alberto C. Bruno
Roseli Alves Madeira Westphal (INFOHAB)
Diretor Técnico: Francisco Emílio Baccaro Nigro
Diretor Administrativo-Financeiro: Milton de Abreu Campanario
Editoração Eletrônica
Amanda Vivan
Divisão de Engenharia Civil
Diretor: Eduardo Figueiredo Horta Fotolitos e Impressão
Coan
Divisão de Geologia
Diretor: Omar Yazbek Bitar Capa: Morro do Britador em Campos do Jordão/SP, no ano 2000.
Foto de Agostinho Tadashi Ogura - arquivo IPT.
Conselho Editorial
Presidente: Maria Luiza Otero D'Almeida
R
egistram-se aqui sinceros agradecimentos a todos que, direta ou indiretamente,
contribuíram para a concretização desta publicação.
Agradece-se também, em especial, ao Prof. Dr. Sylvio de Barros Sawaya, orientador do autor
em seu doutoramento. A Tese de Doutoramento por ele orientada – Habitação e encostas - alimenta
boa parte desta publicação.
Agradece-se à Prefeitura Municipal de Jacareí, que forneceu apoio para a seleção de áreas
em encostas para projetos de tipologias no município (e nos levantamentos que se fizeram
necessários). Em especial, agradece-se à Engenheira Ana Thereza Prazeres de Lemos, à arquiteta
Rosa Kasue Saito Sasaki, e a Senio Pedro Lapinha (da Fundação Pró-Lar).
Apresentação
E
sta publicação resulta da fusão de dois trabalhos, a saber:
- a Tese de Doutoramento do autor, denominada “Habitação e encostas”, concluída em
fevereiro de 1998, no âmbito do curso de pós-graduação “Estruturas Ambientais Urbanas”,
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; e
- a pesquisa “Desenvolvimento de tipologias para habitações de interesse social em encostas,
sistematização de procedimentos para sua concepção e subsídio à revisão de critérios urbanísticos
aplicáveis”, concluída em fevereiro de 2002. Tal pesquisa foi desenvolvida no IPT (Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo), com recursos da FINEP (Financiadora de Estudos
e Projetos, através do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), do
programa HABITARE, e da CEF (Caixa Econômica Federal).
No conjunto, o trabalho apresentado nesta publicação trata da questão da ocupação de encostas
no Brasil, em abordagens que abrangem desde aspectos históricos, sociais, legais, políticos e
econômicos aos aspectos essencialmente técnicos ligados ao assunto.
Na pesquisa realizada com o apoio da FINEP e da CEF, anteriormente mencionada, possibilitou-
se, principalmente, sistematizar e consolidar metodologias de abordagem para o projeto habitacional
em encostas, que vêm se delineando, no IPT, pelo menos a partir da década de 1970, e que não
haviam sido ainda apresentadas, de forma organizada, de maneira a atingir de maneira ampla o
público envolvido na questão, em particular arquitetos, engenheiros e geólogos, conduzindo a uma
desejável ação integrada destes profissionais na concepção de novos assentamentos habitacionais
em morros.
Para a consolidação da metodologia, a pesquisa desenvolvida utilizou, como expediente, a
produção de tipologias habitacionais para áreas reais em encostas, situadas no município de Jacareí
(SP). Em tais áreas foram aplicados e aperfeiçoados métodos de levantamentos, processando-se, em
seguida, as informações obtidas e gerando-se diretrizes para o projeto. Seguiram-se então fases de
produção e aperfeiçoamento dos projetos, sempre através de discussões interdisciplinares,
aperfeiçoando-se também os próprios métodos de trabalho. Possibilitou-se ainda, com base nos
projetos desenvolvidos e em seu cotejamento com a legislação paulistana concernente ao assunto,
assim como a adotada em Jacareí, delinear os quesitos desejáveis para a revisão ou elaboração de
diretrizes para leis específicas para a concepção de assentamentos habitacionais destinados a encostas.
Introdução
E
ste livro trata da ocupação de encostas com uso habitacional de interesse social. Sua
motivação básica decorreu da experiência de uma instituição - o IPT (Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo) que, amiúde, em algumas gerações de técnicos e
pesquisadores, auxiliando o Poder Público, prestou assistência à recuperação de inúmeros
assentamentos habitacionais sinistrados por instabilizações em encostas.
O contato diuturno da Instituição com este tipo de desastre levou, além da triste e óbvia
constatação de que as encostas afetadas poderiam ter sido ocupadas de forma mais adequada, à
busca do desenvolvimento de instrumentais que permitissem melhores critérios na ocupação.
Assim, ainda na década de 1970, o IPT disponibilizava, pela primeira vez no Brasil, uma carta
geotécnica para áreas urbanas, elaborada para os morros de Santos e São Vicente.
Capaz de encaminhar ocupações mais seguras para a ocupação de alguns dos morros da
Baixada Santista, a Carta foi, porém, “esquecida” por longo período, sendo seu uso parcialmente
ativado, somente quando da elaboração do Plano Diretor de Santos, em meados da década de
1980. Sintoma claro do descompasso entre os benefícios da produção técnica e sua efetiva absorção
pela coletividade, este fato, isoladamente, ilustra apenas a ponta do iceberg que constitui o pouco
caso com que tratamos o desenvolvimento de nossas cidades e, em particular, a ocupação de
encostas.
No que diz respeito aos setores habitacionais destinados às camadas de população de baixo
poder aquisitivo, as cidades brasileiras, em geral, refletem muito mais a improvisação e o laissez-
faire que, propriamente, o avanço do conhecimento e da tecnologia aplicável à orientação do
desenvolvimento urbano. Acumulamos, com o descaso com o crescimento desordenado de nossas
cidades, prejuízos para várias gerações, que se evidenciam tanto através de episódios de desastres
(como inundações, escorregamentos em encostas etc.), como na geração de paisagens urbanas
cada vez mais comprometidas e deterioradas, onde a improvisação, aqui no seu pior sentido,
impera.
No caso de encostas, o laissez-faire cobra preços elevados. Não afeta somente o pobre indivíduo
que, durante uma noite chuvosa, sente um baque surdo, seguido dos ruídos da destruição e, antes
mesmo que compreenda o que está acontecendo, tem sobre si algumas toneladas de escombros e
de terra. Este indivíduo, mesmo que por sorte escape com vida, perde o eventual patrimônio que
conseguiu acumular. Tais desastres afetam também, pesadamente, os cofres públicos. Desde a
dramática tentativa de resgate de eventuais sobreviventes soterrados, até os investimentos, (em
geral elevados,) na posterior recuperação e estabilização do terreno e na eventual introdução de
melhorias urbanas no setor habitacional atingido, compromete-se muito tempo e dinheiro, e com
resultados quase sempre longe dos ideais.
Ao mesmo tempo, aos desastres nas encostas, assim como à simples presença de solos
expostos à erosão nos morros, justapõe-se o assoreamento dos fundos de vales e várzeas, criando-
se condições mais favoráveis à ocorrência de inundações nas baixadas.
No Brasil, a ocupação de morros com habitações, seja através de processos formais, seja
através de processos com diversos graus de informalidade, tem-se dado, principalmente, em padrões
que variam entre o inadequado e o perigoso. Isto tende, no meio técnico e acadêmico, a propiciar
reflexões sobre diversos dos aspectos envolvidos.
Vivemos num país cujo processo de ocupação incluiu o nascimento de inúmeras cidades em
regiões com importante presença de morros. Na formação das cidades brasileiras verifica-se ainda
uma perversidade na distribuição social dos terrenos. Em regiões com morros, os eventuais trechos
planos dos sítios originais são logo engolfados pela indústria imobiliária. Tendem a restar, para os
mais pobres, justamente os terrenos mais problemáticos, aí incluindo os situados em encostas.
Busca-se inferir, no breve panorama até aqui apresentado que, no Brasil, em formações
urbanas situadas em regiões com morros, há uma pronunciada tendência de se encontrar nas
encostas justamente a população de menor poder aquisitivo. Cabem os piores terrenos aos que
têm menos recursos financeiros e técnicos para a construção de moradias, sejam elas simples
barracos em áreas invadidas, sejam casas humildes, produzidas através da autoconstrução, nos
chamados loteamentos populares, seja até mesmo, como foi dito, em casas construídas em
programas habitacionais do Estado.
Se a situação poderia, pelo menos num plano teórico, ser revertida por diretrizes gerais de
planejamento urbano que, por exemplo, reservassem as áreas planas para setores habitacionais
destinados à população de baixa renda, nossa realidade acaba refutando tal possibilidade. Os
interesses imobiliários e a tendência de valorização, com rápido esgotamento dos “bons terrenos”
tendem a reservar a distante periferia ou o refugo da terra urbana para a pobreza. Assim segue, de
forma praticamente inexorável, a tendência de que encostas, no Brasil, sejam progressivamente
ocupadas por setores habitacionais de baixa renda, formais ou informais.
Tendo este quadro por pano de fundo, desenvolveu-se o trabalho adiante apresentado.
Permanece, porém, a triste consciência de que, ao mesmo tempo em que se procede uma abordagem
técnica da questão, nossas reflexões estão sendo atropeladas por uma vigorosa realidade, onde
milhares de habitações “penduradas” em morros estão surgindo, na maior parte das vezes à
revelia de qualquer critério técnico, acumulando áreas de risco e permitindo a antevisão de um
quadro cada vez mais preocupante para o futuro.
Resta apenas torcer para que as contribuições deste trabalho e de tantos outros similares
venham a se incorporar em algum plano político, com maior desejo de ver efetivamente resgatada,
pelo menos, esta parte da imensa dívida social que se acumula em nosso país.
14
1.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
1.
Encostas, cidades e sociedades
A
inadequação da ocupação urbana, no Brasil, com certeza extrapola as encostas. Se fossemos,
porém, enquadrar o presente trabalho num espectro tão amplo, poderíamos iniciar dizendo que
a inadequação de nossos preceitos urbanísticos e também de nossa sensibilidade social ficam
mais claramente desmascarados nas encostas.
desenvolvimento da cidade formal brasileira, tratados de forma intercalada, busca-se fornecer, neste capítulo,
elementos para a compreensão das determinantes da forma da ocupação de encostas no Brasil, apontando- 15
se que, nas origens sociais e técnicas da questão, há fatores que tendem a encaminhar fatalmente a inadequações.
Isto é feito através da observação de alguns dos aspectos da evolução de algumas das cidades brasileiras,
com algum privilégio ao Rio de Janeiro, como se verá mais adiante. Atribua-se, porém, um caráter generalizante
principais cidades com encostas e, em seguida, mostrar que efeitos as ocupações inadequadas têm gerado.
Do ponto de vista sócio-espacial, a maioria das grandes cidades brasileiras experimentou, em algum
1
MARX, M. (1980). Cidade Brasileira.
2
MARX, M. (1980). Cidade brasileira.
3
Os sítios de implantação de fortificações (nota do autor).
4
GONÇALVES, N.M.S. (1992). Impactos fluviais e desorganização do espaço em Salvador, BA.
5
GONÇALVES, N.M.S. (1992). Impactos fluviais e desorganização do espaço em Salvador, BA.
6
Sociólogo e presidente, à época da publicação da matéria, da “Associação Ecológica Fiscais da Natureza” (nota do autor).
7
A matéria diz respeito a São Paulo e situa-se na polêmica construção do túnel sob o Ibirapuera. O texto, referindo-se a diversas das argumentações antagônicas em uso
à época, envolvendo algumas de caráter ambiental e outras de alternativas de destinação das verbas (a oposição sugeria que os 350 milhões de dólares destinados ao túnel
fossem, por exemplo, destinados à habitação de interesse social), tenta argumentar que casas populares seriam tão “poluidoras” quanto o túnel (nota do autor).
8
Cidades afetadas, à época, por desastres importantes envolvendo escorregamentos em encostas e inundações (nota do autor).
Fazer muros que escondam a pobreza e seus As reformulações consideraram em nova medida
problemas, ou simplesmente deportá-la das encostas não as questões do saneamento e a da segurança militar. A
parece ser uma solução técnica ou socialmente correta. nova concepção de saneamento faz com que se privilegiem,
agora, terrenos menos acidentados, que facilitem a
implantação de sistemas de abastecimento de água e de
1.1 - O “admirável mundo plano” destinação de esgotos. Tratando destas reformas,
Longe de se querer, pretensiosamente, questionar BENEVOLO (1974)9 , p. 97, destaca que: 19
as correntes urbanísticas surgidas desde meados do século “... a atenção dos reformadores se fixa apenas em alguns setores
XIX, que estão nas raízes do urbanismo moderno, há que e sua ação se dirige a eliminar alguns males particulares, como a
se analisar alguns de seus traços que resultam em prováveis insuficiência de esgotos ou de redes de água potável, ou a difusão
incompatibilidades com a ocupação urbana de encostas. de epidemias. Se, tratando um problema, aparecem outros novos,
Se a análise adiante apresentada denota, até mesmo, um isto ocorre, por assim dizer, involuntariamente. A construção da
certo tom caricatural e irreverente, há de se compreender rede de evacuação e de abastecimento de águas exige um mínimo
que a caricatura é um instrumento de comunicação de regularidade, planimétrica e altimétrica, das novas construções”.
9
BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.
10
Idem. Ibidem.
Figura 1.1. Le Corbusier e o “admirável mundo plano”: Projeto de uma cidade contemporânea (exposto em 1922) para três milhões de
habitantes. Fonte: CRESTI 11 ( 1981), p.16.
21
11
CRESTI, C. (1981). Le Corbusier.
12
CRESTI, C. (1981). Le Corbusier
13
SMITHSON, A. et SMITHSON, P. (1970). Ordinariness and light.
14
AYMONINO, C. (1973). La vivienda racional.
15
PALET. A.S. (1969). Interdependencia de los elementos urbanos en la implantación de infraestructuras. Tecnicas implicadas. In La Infraestructura del Urbanismo.
16
REIS, J.O. (s/d). As administrações municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos.
17
A Botanical Garden Railroad Company, em 1868; a Rio de Janeiro Street Railway Company, em 1870; a companhia de bondes do Barão de Drummond (o criador
do jogo do bicho), em 1872 e a Companhia de Carris Urbanos, em 1878.
18
UM PRESIDENTE e dois ditadores para mudar tudo. Coleção Nosso Século , no 1.
REIS, J.O. (s/d). As administrações municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos.
19
REIS, J.O. (s/d). As administrações municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos.
21
22
REIS, J.O. (s/d). As administrações municipais e o desenvolvimento. In Rio de Janeiro 400 anos.
23
Vale a pena ainda listar as demais obras importantes do período, de acordo com REIS: conclusão do túnel do Leme, abrindo o acesso de bondes a Copacabana;
construção do Teatro Municipal, do Mercado Municipal, do Pavilhão de Regatas de Botafogo, do Cais Pharoux (praça XV) e do Pavilhão Mourisco; remodelação ou
construção de estradas turísticas (Tijuca, Cascatinha, Açude, Gávea Pequena, Furnas, Pica-Pau, Vista Chinesa e outras); criação da Assistência Pública; introdução
dos bondes elétricos; implantação do Mercado das Flores; aperfeiçoamento do sistema de coleta e destinação de lixo, com a criação de depósito na Ilha de
Sapucaia; remodelação do Canal do Mangue; canalização de diversos rios; conclusão da demolição do morro do Senado. Através de posturas municipais, Pereira
Passos “declarou guerra” ao comércio em quiosques, aos ambulantes e à mendicância.
24
BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.
25
BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.
26
Por sua vez, o termo favela designa uma leguminosa muito resistente, típica da caatinga, cujas favas se prestam à alimentação.
27
Conforme reprodução contida na revista Arquitetura em Revista, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, V. 7/1989,
p.45-50.
28
SOBREIRA, F.G. (1989). Estudo de encostas ocupadas desordenadamente na cidade do Rio de Janeiro – a favela do Vidigal.
29
IPT - INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1990). Análise de risco em favelas críticas do município de São Paulo.
30
CERRI, L.E.S. (1993). Exame de qualificação.
31
A este respeito, CERRI afirma, citando alguns dos autores importantes da linha de atuação em riscos: Particularmente quanto aos riscos naturais, as publicações
pioneiras foram editadas na década de 60 (principalmente final dos anos 60) e início dos anos 70, como pode ser verificado analisando-se a base bibliográfica utilizada
por BOLT et al.(1975); BURTON et al.(1978); KELLER (1982); PETAK & ATKISSON (1982); WIJKMAN & TIMBERLAKE (1985); RAHN (1986) e PARK (1991).
32
COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (1989). International Decade for Natural Disaster Reduction: Proposals by
Japanese Scientists.
33
OGURA, A. T. (1993). Riscos geológicos urbanos no Brasil.
34
Maremoto com origem em abalo sísmico submarino, muitas vezes de alto poder destrutivo sobre regiões litorâneas (nota do autor).
35
WIJKMAN, A. et TIMBERLAKE, L. (1985). Desastres naturales: ¿Fuerza mayor u obra del hombre?
36
COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN (1989). International Decade for Natural Disaster Reduction: Proposals by
Japanese Scientists.
35
37
JONES, D.K.C. (1992). Landslide hazard assesment in the context of development. In McCall, G.J.H., Laming, D.J.C. et Scott, S.C. (organizadores): Geohazards:
Natural and man-made.
38
Id, Ib.
AUGUSTO FILHO, O. (1993). Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodológica e sua aplicação no Município de Ilha Bela – SP.
39
JONES, D.K.C. (1992). Landslide hazard assesment in the context of development. In McCall, G.J.H., Laming, D.J.C. et Scott, S.C. (organizadores): Geohazards:
40
41
GONÇALVES, N.M.S. (1992). Impactos fluviais e desorganização do espaço em Salvador - BA. Tese de Doutoramento.
42
AUGUSTO FILHO, O. (1993). Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodológica e sua aplicação no Município de Ilha Bela – SP.
43
Fontes: A tabela apresentada congrega dados de GONÇALVES (1992) e de quatro autores pertencentes aos quadros do IPT, a saber: CERRI (1992), GAMA JR
(1992), AUGUSTO FILHO (1993) e MACEDO (1997).
40
Quadro 1.1 - Perdas materiais e prejuízos sociais em alguns dos principais escorregamentos, no Século XX, no Brasil (até março de 1992).
Fonte: Adaptado de AUGUSTO FILHO (1993)44 , p.2.
1.6.3 - Tendências de agravamento da situação Brasil, fica de antemão prejudicada frente à exigüidade dos
Do ponto de vista quantitativo, a projeção de dados dados estatísticos disponíveis. Isto não impede, porém, que
sobre tendências de variação do número e da gravidade se mostre, a título de ilustração, as interpretações e projeções
dos desastres envolvendo a instabilização de encostas, no elaboradas por AUGUSTO FILHO (1993)45 , p.3, com base
44
AUGUSTO FILHO, O. (1993). Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodológica e sua aplicação no Município de Ilha Bela – SP.
45
Idem. Ibidem.
41
46
MACEDO, E.S. (2001). Elaboração de cadastro de risco iminente relacionado a escorregamentos: avaliação considerando experiência profissional, formação
acadêmica e subjetividade. Tese de Doutoramento. Universidade Estadual Paulista. Instituto de Geociências e Ciências exatas. Rio Claro.
47
Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodológica e sua aplicação no Município de Ilha Bela – SP.
IPT - INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. (1993). Erosão e assoreamento nas bacias dos rios Tietê e Pinheiros na Região
48
49
CERRI, L.E.S. (1993). Exame de qualificação.
50
O autor chega a definir riscos geotécnicos (como caso particular de riscos geológicos, classe específica de riscos naturais), para as situações onde a ocorrência de
processos geológicos sofre a interferência direta de algum tipo de obra de engenharia.
AUGUSTO FILHO, O. Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodológica e sua aplicação no Município
de Ilhabela - SP. (Exame de qualificação). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
CERRI, L.E.S. Prevenção e controle de acidentes geológicos urbanos associados a escorregamentos no Brasil: proposições
técnicas fundamentadas na realidade sócio-econômica brasileira. In: Simpósio Latinoamericano sobre Riesgo Geologico
Urbano - Conferencia Colombiana de Geologia Ambiental, 2, 1992, Bogotá. Anais... 1992.
CERRI, L.E.S. Exame de qualificação (doutorado). Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade
Estadual Paulista, 1993.
COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN. International Decade
for Natural Disaster Reduction: proposals by japanese Scientists. Tóquio: Committee for disaster research of
the sccience council of Japan, 1989.
GAMA JR., G.F.C. Country report for the seminar on administration for disaster prevention. JICA - Japan International
Cooperation Agency. Tóquio: JICA, 1992.
44
GONÇALVES, N.M.S. Impactos fluviais e desorganização do espaço em Salvador, BA. 1992. Tese (Doutorado) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Geografia. Universidade de São Paulo, São Paulo.
1992.
ITO, K. Lições do terremoto de São Francisco. Revista Solos e Fundações, Tóquio, v. 38, n. 1. 1990.
MACEDO, E.S. Elaboração de cadastro de risco iminente relacionado a escorregamentos: avaliação considerando
experiência profissional, formação acadêmica e subjetividade. 2001. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Geociências e Ciências exatas. Rio Claro, 2001.
OGURA, A.T. Riscos geológicos urbanos no Brasil. In: Encontro Nacional de Geólogos da Administração
Pública, 1., 1993, Guarulhos, Anais... 1993.
ONU. Programas de conjunto para la reducción de desastres naturales en los años 90. Informe 1990/1991.
Genebra: Secretaría del Decenio Internacional para la Reducción de los Desastres Naturales - DIRDN. ONU.
Secretaría del DIRDN, 1992.
PARK, C.C. Environmental hazards: aspects of geography. Londres: Macmillan Education Ltd, 1991.
REIS, J.O. As administrações municipais e o desenvolvimento urbano. In: RIO DE JANEIRO 400 ANOS. RIO DE
JANEIRO. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal.
SMITHSON, A.; SMITHSON, P. Ordinariness and light. Londres: Faber and Faber, 1970. 45
SOBREIRA, F.G. Estudo de encostas ocupadas desordenadamente na cidade do Rio de Janeiro: a Favela do
Vidigal. 1989. Tese (Mestrado) - Instituto de Geociências – UFRJ, 1989.
UM PRESIDENTE e dois ditadores para mudar tudo. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Nosso Século, n. 1)
WIJKMAN, A.; TIMBERLAKE, L. Desastres naturales: ¿Fuerza mayor u obra del hombre?. Londres: Earthscan, 1985.
2.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
2.
Ocupação urbana e estabilidade
de encostas
H
á uma estreita relação entre características da ocupação urbana de encostas e a manutenção ou
incremento de suas condições de estabilidade (ou de instabilidade). Há também uma estreita
relação entre as características deste tipo de ocupação e os aspectos de custos associados às
implantações, a curto, médio e longo prazos. Nesse quadro, ocupar encostas deveria significar, pelo menos
em parte, buscar uma otimização nestas relações.
ocupação urbana. Em seguida, aponta-se para o fato de que já se dispõe, em medida importante, de recursos
técnicos capazes de melhor conduzir à otimização da ocupação nos morros do ponto de vista da segurança
e da economicidade, que quase nunca são utilizados, pelo menos no Brasil. Não se tenciona aqui dotar os
textos de uma conotação de conhecimento mais profundo de geologia e de geotecnia, mas apenas destacar
aspectos básicos destas áreas do conhecimento, cuja consideração é necessária em projetos voltados a encostas,
demandando a participação de especialistas, preferencialmente, desde os primeiros passos do processo de
concepção de novos assentamentos.
1
CUNHA, M.A. (Coordenador). (1991). Ocupação de encostas.
2
CUNHA, M.A. (Coordenador). (1991). Ocupação de encostas.
3
CUNHA, M.A. (Coordenador). (1991). Ocupação de encostas.
51
Figura 2.3. Camadas (unidades) típicas em encostas em solos Figura 2.4. Perfil típico de sedimentos terciários. Fonte: CARVALHO
residuais. (corte) Fonte: Adaptado de CUNHA (1991)4 , p.8. (coordenador). (1991)5 , p.56.
4
CUNHA, M.A. (Coordenador)(1991). Ocupação de encostas.
5
CARVALHO, P.A.S.(Coordenador). (1991). Manual de geotecnia: taludes de rodovias.
6
GUIDICINI, G. et NIEBLE, C.M. (1983). Estabilidade de taludes naturais e de escavação.
7
GUIDICINI, G. et NIEBLE, C.M. (1983). Estabilidade de taludes naturais e de escavação.
8
CARVALHO, C.S. (1996). Gerenciamento de riscos geotécnicos em encostas urbanas: uma proposta baseada na análise de decisão.
9
A exposição de solos originalmente mais profundos ou a importação de solos para aterros acabam, na prática, alterando as características originais da encosta.
57
10
IPT (1994) - Relatório no 32.207 - Plano de obras de contenção das erosões urbanas do município de Bauru, SP - 2a fase.
11
CUNHA, M.A. (Coordenador). (1991). Ocupação de encostas.
12
CUNHA, M.A. (Coordenador). (1991). Ocupação de encostas
13
CARVALHO, P.AS.(Coordenador). (1991). Manual de geotecnia: taludes de rodovias.
2.2.5.6 - Ocupação urbana e corridas de massa Reforça-se, porém, que as condicionantes para a
A ocupação indiscriminada de regiões de relevo com ocorrência deste fenômeno (assim como dos demais
presença expressiva de morros pode favorecer a ocorrência fenômenos de instabilizações em encostas) não se 61
de deslizamentos múltiplos nas encostas, em chuvas fortes, restringem a aspectos de relevo. Representam, como já foi
dando origem a corridas de massa. Se o relevo geral da dito, a combinação de fatores de relevo, de geologia, do
região de implantação apresentar feições que indiquem a capeamento vegetal e das características de clima locais,
possibilidade da ocorrência de corridas de massa, e se a requerendo-se efetivamente a opinião de especialistas para
situação específica de um terreno a ocupar constituir uma uma melhor avaliação da possibilidade de ocorrência de
possível rota de uma eventual corrida de massa, o projetista uma corrida de massa.
deve consultar especialistas no fenômeno. Por exemplo, Um exemplo clássico de corrida de massa, no Brasil,
uma porção baixa de encosta, situada à margem de um é a que sucedeu em 1967, em Caraguatatuba, que chegou
vale, ladeado por várias outras encostas, pode estar situada a atingir o centro urbano do município. Após cessado o
na rota de uma eventual corrida de massa. fenômeno, verificou-se uma deposição de sedimentos com
14
WOLLE, C.M. et SILVA, L.C.R. (1992). Taludes. In Solos da Cidade de São Paulo.
Quadro 2.2 - Tipos de instabilizações de taludes em solos da bssp.Fonte: WOLLE et SILVA (1992)15 . p.252.
15
Id. Ib.
16
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – Ipt (1994). Carta geotécnica do Estado de São Paulo.
17
SOUZA, N.C.D.C. (1992). Abordagem metodológica – História da cartografia geotécnica no mundo. Apostila.
Coleção Habitare
Coletânea Habitare
- Habitação
- Habitação
e Encostas
e Encostas
fundações, ainda que já apontassem outras características comprometimento de técnicos locais nos levantamentos e
e potenciais do meio físico em sua relação com a ocupação análises visa, principalmente, a obtenção de uma maior
urbana, tais como a delimitação de áreas inundáveis ou a chance de incorporação dos resultados obtidos à gestão do
eventual presença de materiais aplicáveis à construção. Logo desenvolvimento urbano local.
após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento da Em alguns dos trabalhos de Cartografia Geotécnica,
cartografia de caráter geotécnico foi mais notável no Leste o IPT contou com a colaboração de diversos órgãos muni-
Europeu, onde servia de base para orientar a reconstrução cipais, metropolitanos, estaduais e federais.
e a expansão das cidades. Nas décadas de 1960 e 1970, sua
As universidades dedicam-se hoje, também, à
utilização se disseminou no Ocidente, quando adquiriu as
produção de Cartas Geotécnicas no Brasil, assim como de
principais feições em que hoje são produzidas as
trabalhos correlatos, destacando-se, entre outros, os
denominadas Cartas Geotécnicas. O uso mais intensivo
desenvolvidos por equipes de Rio Claro, São Carlos e
destes instrumentos dá-se principalmente na França, onde
Limeira, no Estado de São Paulo, de Maceió (AL), de
sua observância tornou-se obrigatória em planos de
Florianópolis (SC), do Rio de Janeiro (RJ), e de Recife (PE),
desenvolvimento urbano.
entre outras. Determinadas instituições ligadas ao Estado,
No Brasil, é a partir da década de 1960 que aparecem como o IG (Instituto Geológico), do Estado de São Paulo,
os primeiros trabalhos de cartografia geotécnica, têm igualmente produzido Cartas.
inicialmente mais voltados ao uso na agricultura. Em 1979,
Dispõe-se assim desses instrumentos para alguns
era concluída a primeira Carta efetivamente dedicada ao
dos municípios brasileiros (ou, às vezes, para áreas críticas
planejamento da ocupação urbana, abrangendo parte dos
de municípios), mas em quantidade que pode ser
morros de Santos e São Vicente (SP), elaborada pelo IPT.
considerada bastante modesta, tendo em vista o importante
Nas décadas de 1980 e 1990, aquele mesmo Instituto processo de urbanização pelo qual passamos e as
produziu cartas para as seguintes localidades, dentre outras: peculiaridades do nosso meio físico que, envolvendo solos
65
São Paulo (município) (SP), Guarujá (SP), Itapevi (SP), tropicais, inspira maiores cuidados.
Região Metropolitana de São Paulo (SP), Bairros Cota, em
Além da disponibilidade efetivamente baixa destes
Cubatão (SP), Ubatuba (SP), Petrópolis (RJ), Guaratinguetá
instrumentos, no âmbito nacional, sua aplicação ao
(SP), Serra do Mar, no Estado de São Paulo, Cajamar (SP),
planejamento urbano, nos casos onde está disponível, não
Bauru (SP), Santo André (SP).
fica absolutamente assegurada. Os confrontos com
O IPT passou ainda, na década de 90, a orientar interesses privados ou políticos nos municípios, a ausência
equipes dos próprios municípios na elaboração de Cartas de continuidade administrativa e até mesmo o simples
Geotécnicas e, desta forma, foram elaboradas as Cartas de descaso com a questão maior do desenvolvimento urbano
Campo Grande (MS), de Cuiabá (MT) e de Jacareí (SP). podem facilmente transformar Cartas Geotécnicas em
Destaque-se que esta filosofia mais recente de trabalho, de arquivo morto. O percurso inicial da Carta Geotécnica dos
67
Figura 2.7. Trecho de legenda (áreas passíveis de ocupação) da Carta Geotécnica dos Morros de Santos e São Vicente. Fonte: Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT. (1980). Carta Geotécnica dos Morros de Santos e São Vicente. (Publicação IPT no 1.135).
CARVALHO, C.S. Gerenciamento de riscos geotécnicos em encostas urbanas: uma proposta baseada na análise de
decisão. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
CARVALHO, P.A.S. (Coord.) Taludes de rodovias: orientação para diagnóstico e soluções de seus problemas. São
Paulo: IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, 1991. Publicação IPT n. 1843.
CUNHA, M.A (Coord.). Ocupação de encostas. São Paulo: IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São
Paulo, 1991. Publicação IPT n. 1831.
GUIDICINI, G.; NIEBLE, C.M. Estabilidade de taludes naturais e de escavação. São Paulo: Ed.Edgard Blücher
Ltda, 1983.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO Carta geotécnica dos morros
de Santos e São Vicente São Paulo: IPT, 1980. Publicação IPT n. 1.135. Anexo 1 – Carta Geotécnica.
WOLLE, C. M.; SILVA, L.C.R. Taludes. In: SOLOS DA CIDADE DE SÃO PAULO. São Paulo: Associação Brasileira
de Mecânica dos Solos (Núcleo Regional de São Paulo) / Associação Brasileira de Engenharia de Fundações e Serviços
Geotécnicos Especializados, 1992.
3.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
3.
Legislação e ocupação de encostas
H
á, no Brasil, um degrau muito pronunciado entre as leis e seus reflexos na realidade. Muitas
vezes, textos legais minuciosamente elaborados por técnicos, juristas, políticos etc, agregando
o conhecimento de ponta na área tratada, não são capazes de se impor. Esta questão geral
permeia, com grande vigor, a questão da ocupação urbana de encostas, principalmente no que diz respeito à
legislação de natureza ambiental. No campo das leis de cunho urbanístico, uma cultura profundamente
arraigada no meio técnico correspondente ao urbanismo (cujas origens são estudadas no Capítulo 1) tem
mostrado uma profunda inadequação com relação à ocupação de encostas, e se traduz em normas pensadas 73
Inicialmente, cabe destacar que limites gerais à ocupação de encostas no Brasil, no que diz respeito a
faixas de declividades máximas aceitáveis para a ocupação, são bastante vagas. Com reflexos mais notáveis
neste sentido, pode-se afirmar que na legislação federal brasileira apresentam-se apenas duas principais leis
associadas ao assunto. A primeira, ainda que não possua correlação explícita com o uso urbano do solo, está
contida no Código Florestal (Lei no 4.771 de 15 de setembro de 1965), que define, em seu Artigo Segundo,
que independentemente do tipo de vegetação presente e da situação do terreno (se urbano ou rural), fica
Legislação e ocupação de encostas
proibido o desmatamento nas encostas (ou partes destas) faz-se menção, isto sim, como será visto mais adiante, à
com declividades superiores a 45o (o equivalente a 100%) declividade máxima a observar em lotes, o que não impede
na linha de maior declive e nos topos de morros, montes, que terrenos de maior declividade sejam adaptados, através
montanhas e serras. de terraplenos, aos limites legais.
Como conseqüência indireta do prescrito no Código Para se entender, num âmbito mais específico, a
Florestal (pela permissão do desmatamento em encostas legislação associável à ocupação urbana de encostas, torna-
até determinado limite de declividade), infere-se que a se inicialmente necessário fragmentar as leis envolvidas
ocupação urbana de encostas pode, teoricamente, abranger segundo dois grandes grupos.
terrenos de declividade de até 100% (45o). Cabe comentar Num primeiro grupo, situam-se leis de origem
que este limite não reflete um respaldo técnico nas áreas ambiental: encostas estão incluídas, muitas vezes, em áreas
da geologia e da geotecnia, podendo até mesmo ser sob proteção ambiental, com variadas restrições à ocupação
considerado, para muitos tipos de terrenos, no Brasil, como ou, simplesmente, com ocupação proibida, quer por
bastante exagerado. motivos geológico-geotécnicos, quer como elementos
Além do Código Florestal, a Lei Lehmann (Lei Federal importantes da paisagem, quer ainda por abrigar,
n 6.766 de 19 de dezembro de 1979), esta sim de cunho
o eventualmente, espécies animais e/ou vegetais protegidas
essencialmente ligado ao uso urbano do solo, determina ou, finalmente, porque sua ocupação pode também, por
condições precárias de geotecnia e saneamento,
que não será permitido o parcelamento
comprometer áreas e cursos d’água a jusante. Este último
...em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta aspecto é de particular relevância, pois morros ocupados
por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades de forma inadequada podem significar riscos para as
competentes; baixadas, o que é ainda mais sensível, por exemplo, em
74 Ainda que a Lei Lehmann remeta a ocupação de áreas de proteção a mananciais de água de abastecimento.
áreas com declividades acima de 30% a análises específicas, Num segundo grupo de leis inserem-se as que
não estabelece efetivamente um limite superior de disciplinam o uso urbano do solo e as questões correlatas,
declividade a observar. Prevalece, portanto, a definida englobando requisitos a observar no parcelamento do solo,
(indiretamente) pelo Código Florestal, que é de 45o (100%). nos loteamentos, nos conjuntos habitacionais de interesse
No âmbito estadual (para o caso do Estado de São social e nas edificações em geral.
Paulo) e municipal (para o caso do Município de São Paulo), Nos dois grupos mencionados incluem-se leis
não se encontram também menções explícitas, na legislação, federais, estaduais e municipais. Sem se pretender aqui
que definam claramente limites superiores de declividades estabelecer um recorte geográfico, far-se-á uma abordagem
de terrenos a ocupar. Na legislação municipal de São Paulo, mais centrada em leis de São Paulo (Estado, Região
1
SILVA, W.S. et FORNASARI FILHO,N. (1992). Unidades de conservação ambiental e áreas correlatas no Estado de São Paulo.
2
SILVA, W.S. et FORNASARI FILHO,N. (1992). Unidades de conservação ambiental e áreas correlatas no Estado de São Paulo.
3
Apesar de o termo metropolitanas ser o utilizado neste ponto do texto da lei, acredita-se tratar-se de um erro de revisão, uma vez que a provável idéia pretendida
seria nas áreas urbanas, estas sim definidas por leis municipais (nota do autor).
4
UNIDADE DE GERENCIAMENTO DO PROGRAMA DE SANEAMENTO AMBIENTAL DA BACIA DO GUARAPIRANGA (1994). Programa de saneamento ambiental
da Bacia do Guarapiranga. V.4. Plano geral de reassentamento.
5
FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA. (1981). CEPAM. Diretrizes para o controle de obras no município - Código de obras / Lei de loteamentos.
86
6
YAMAGUISHI, A.T. (1983). Áreas de Estacionamento e gabaritos de curvas horizontais.
7
MC CLUSKEY, J. (1985). El diseño de vías urbanas.
para absorver o trânsito neste tipo de via. ... Note-se que Mc Cluskey, para vias com larguras
... b) Em 4,8m, a pista permite que um veículo de passeio largo iguais ou inferiores a 4,8m, lança mão de alargamentos
ultrapasse um caminhão de mudanças, com uma tolerância total periódicos, para ultrapassagens, como mostra a Figura 3.2.
de 0,5m, o que permite que o tráfego possa prosseguir com fluidez. Cabe, de imediato, um comentário: se em países desen-
c) Em 4,1m, a pista torna-se muito estreita para que um caminhão volvidos leva-se em consideração o uso de vias tão “estrei-
de mudanças ultrapasse algo maior que um ciclista, mas permite tas” como as sugeridas por Mc Cluskey 9 , por que no Brasil
que veículos de passeio, incluindo os mais largos, possam proceder a deveríamos implantar, em qualquer situação, vias tão mais
ultrapassagens, com uma tolerância total de 0,5m. ... largas como, por exemplo, as exigidas pela legislação
d) A escolha de larguras inferiores a 4m depende muito da paulistana?
88 freqüência das ultrapassagens e das folgas que os ciclistas e
3.2.1.2 - Passeios
automóveis necessitem para efetuá-los. É recomendável um mínimo
de 3m nos tramos entre ampliações da via para ultrapassagem A legislação paulistana exige, no caso geral (lei
de veículos. ... 9.413/81), passeios dos dois lados das vias, com largura
... nos casos em que os tramos estreitos são colocados só para criar mínima de 3m para as principais e de 2,5m para as locais.
estreitamentos transitórios da via, sua largura mínima poderá No caso de conjuntos residenciais, são admitidos passeios
ser de 2,75m com largura mínima de 1,5m em vias internas aos
8
MC CLUSKEY, J. (1985). El diseño de vías urbanas.
9
Mc Cluskey é Engenheiro Civil (Universidade de Glasgow) e Arquiteto Paisagista. Por ocasião da edição do livro El diseño de vías urbanas, aqui citado, era membro
do Greater London Council, no departamento de Arquitetura e Urbanismo. N.A.
10
MC CLUSKEY, J. (1985). El diseño de vías urbanas.
11
DE CHIARA, J. et KOPPELMAN, L.E. (1978). Site planning standards.
12
DE CHIARA, J. et CALLENDER, J.H. (1973). Time-saver standards for building types.
91
Quadro 3.2 - Declividades em algumas vias de bairros centrais de São Paulo. Fonte: MORETTI (1993)15 , p.121.
13
Moretti argumenta que a avaliação da declividade com base em simples sensação conduz a enganos: são bastante diferentes os efeitos e os problemas de uma
via que tem um trecho de 15% de declividade e 50m de extensão, ligando dois trechos praticamente planos (7,5m de amplitude) e de uma via, também com 15%
de declividade, porém com 300m de extensão (45m de amplitude). A sensação é que a declividade no segundo caso é maior que no primeiro.
14
MORETTI, R.S. (1993). Critérios de urbanização para empreendimentos habitacionais.
15
Id. Ib.
16
MORETTI, R.S. (1993). Critérios de urbanização para empreendimentos habitacionais.
17
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1997). Retroavaliação do Programa SH-3.
- entre a soleira de qualquer unidade habitacional e a Pondera-se aqui que vias exclusivas para pedestres,
vaga de estacionamento vinculada. como acesso exclusivo a unidades habitacionais em
encostas, podem e devem ser utilizadas em escala bem mais
Estas determinações, únicas referências mais claras ampla do que hoje se verifica em novas ocupações. Desde
disponíveis na legislação de fato, parecem traduzir o que haja a definição de limites para deslocamentos verticais
“espírito da Lei”, que seria o de admitir, nas implantações (pois estes exigem maior esforço físico), o recurso é
94 habitacionais em geral, desníveis máximos de 14m para altamente favorável para melhores ocupações em encostas.
percurso a pé. Para a limitação de diferença de cotas toleráveis, o IPT
Na prática, é só em projetos de reurbanização de (1992)18 , p.23, sugeriu para a nova legislação urbana, em
favelas que se utilizam unidades servidas apenas por vias Petrópolis, uma tolerância até mesmo superior (de até 18m).
mais estreitas para pedestres. Estas, diga-se de passagem, No âmbito do desenvolvimento da pesquisa
têm atendido perfeitamente às necessidades dos moradores “Desenvolvimento de tipologias para habitações de interesse social
no que diz respeito aos deslocamentos a pé. em encostas, sistematização de procedimentos para sua concepção e
18
IPT-Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (1992). Carta geotécnica de Petrópolis.
Nos projetos desenvolvidos no âmbito da pesquisa Como argumento complementar, cabe destacar que
mencionada, visando minimizar movimentos de terra e vias mais estreitas, do ponto de vista geotécnico, conduzem
favorecer a estabilidade do terreno, ponderou-se ser a soluções mais seguras e econômicas, frente à demanda
aceitável reduzir significativamente as larguras de vias para mais discreta de movimentos de terra e, na maioria das
pedestres, nas quais adotou-se um mínimo de 1,20m de vezes, à dispensa de obras de contenção.
largura, principalmente nos casos em que tais vias fossem
“mais paralelas às curvas de nível”. Mesmo nas condições 3.4.3 - Número de vagas de estacionamento
mínimas preconizadas na legislação paulistana, o projeto frente ao número de unidades habitacionais
não seria aprovado. Tanto em São Paulo quanto em Jacareí utiliza-se, na
legislação, a proporção obrigatória de, no mínimo, uma
Nos projetos elaborados, porém, as vias de 1,20m
100 vaga de estacionamento para veículo para cada três unidades
de largura, para pedestres, situam-se de tal forma que os
habitacionais, em se tratando de implantações de edifícios
espaços laterais não apresentam elementos construídos, o
multifamiliares. Em loteamentos com lotes para unidades
que amplia o espaço efetivamente disponível para, por
unifamiliares, a expectativa tende a ser o da obtenção de
exemplo, permitir o transporte de volumes com excessos
uma vaga, no próprio lote, por unidade habitacional.
laterais, bem superiores aos 1,20m efetivamente disponíveis
no nível de piso. Acredita-se que o projeto de assentamentos como
Como argumentação técnica da utilização de apenas os tratados no presente trabalho deva estar submetido a
1,20m de largura no piso de circulações para pedestres, requisitos legais pouco mais permissivos, no tocante à
considera-se que tal largura permite que duas pessoas proporção de vagas de estacionamento a exigir.
caminhem juntas na mesma direção. Disto depreende-se As encostas são buscadas, via de regra, pela população
- a descrição de vegetação presente na área, com eventual - admitir vias exclusivas para pedestres para acesso às
interesse para a preservação. edificações, com declividades longitudinais máximas de
3.5.3.2 - Fixação de critérios urbanísticos e edilícios 10%. Quando em declividades superiores, adotar
específicos escadarias, também com largura mínima de 1,20m e
Nos CHISE, deverão ser utilizados critérios espaço livre suplementar de 1,50m em pelo menos um
urbanísticos e de edificações específicos para encostas. No dos lados;
que diz respeito a critérios urbanísticos, sugere-se uma forte - admitir percursos horizontais máximos de 100m entre
flexibilização quanto à concepção do sistema de circulação a soleira de qualquer unidade habitacional e a via para
interna ao assentamento a projetar, admitindo-se, veículos mais próxima;
DE CHIARA, J.; CALLENDER, J. H. Time-saver standards for building types. Nova Iorque: Mc Graw-Hill, Inc.
1973.
DE CHIARA, J. ; KOPPELMAN, L.E. Site planning Standards. Nova Iorque: Mc Graw-Hill, Inc. 1978.
DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem Normas para o projeto geométrico de vias urbanas. Rio
de Janeiro: DNER, 1974.
FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA. CEPAM - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal.
Diretrizes para o controle de obras pelo município - Código de Obras/ Lei de loteamentos. Rio de Janeiro:
BNH - Banco Nacional de Habitação, 1981.
INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial Carroçaria de ônibus urbano:
padronização. Rio de Janeiro. In: Revista dos Transportes Públicos – ANTP. Ano 12. n 47, mar. de 1990.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Loteamentos em áreas de
declividade acentuada: Subsídios à elaboração de projetos. Anexo 1. São Paulo: IPT, 1984. Relatório IPT no
19.817.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Carta geotécnica de Petrópolis.
Anexo C - O uso habitacional do solo e a estabilidade de encostas em Petrópolis. São Paulo: IPT, 1992. Relatório
IPT n 30.399.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Retroavaliação do Programa
SH3. São Paulo: IPT, 1997 Relatório IPT n 35.110. v. II – Infraestrutura e Urbanismo. Versão preliminar.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Subsídios técnicos para
111
elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável para o município de Itapecerica da Serra. São Paulo:
IPT, 1995. Relatório IPT no 32.924.
MC CLUSKEY, J. El diseño de vías urbanas. Barcelona: Gustavo Gili, 1985.
MORETTI, R.S. Critérios de urbanização para empreendimentos habitacionais. Tese (Doutorado). Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
SILVA, W. S.; FORNASARI,N. Unidades de conservação ambiental e áreas correlatas no Estado de São Paulo.
São Paulo: IPT, 1992. Publicação IPT n. 1978.
YAMAGUISHI, A.T. Áreas de estacionamento e gabaritos de curvas horizontais. In: Boletim Técnico da CET, n. 33.
São Paulo: CET - Companhia de Engenharia de Tráfego 1983.
4.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
4.
Os resultados desastrosos da ocupação
de encostas no Brasil e seu enfrentamento
A
soma de uma duvidosa sensibilidade social com uma susceptibilidade particular dos terrenos
em encostas e, ainda, com uma cultura técnica que se traduz em leis e posturas pensadas para
um mundo plano, ideal, tem propiciado, no Brasil, uma ocupação de encostas que varia entre o
que se tem obtido na ocupação urbana de encostas, com as posturas atuais, e as maneiras com que vem
sendo enfrentadas suas manifestações mais danosas. Para tanto, tratar-se-á, inicialmente, de identificar os
113
principais processos formais e informais de produção do espaço urbano nas encostas, aqui limitados aos
Numa escala decrescente de nível de formalidade, podem ser observadas quatro principais modalidades
1
CDHU (1993). Casa Própria para o trabalhador.
2
CDHU (1993). Casa Própria para o trabalhador.
Figura 4.1. Tipologia TI13A, intensamente utilizada pela CDHU. Fonte: CDHU (1993), s/p.
Figura 4.2. Tipologia TG13A, utilizada pela CDHU. Fonte: CDHU (1993), s/p.
Figura 4.3. Tipologia de edifício com 16 apartamentos utilizada pela CDHU (VI22F). Fonte: CDHU.(1993)3 , s/p.
3
CDHU (1993). Casa Própria para o trabalhador.
Figura 4.4. Vistas laterais de prédios de apartamentos típicos produzidos pela CDHU, mostrando lâminas e escadas, Fonte: CDHU.(1993)4, s/p.
4
Idem.Ibidem.
123
5
IPT (1983). Relatório de Visita (Santa Etelvina e Itapevi).
6
IPT (1983). Relatório de Visita (Santa Etelvina e Itapevi).
7
Itaipu Binacional (1997). Itaipu Binacional.
8
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (1991). Habitação e urbanismo: a política que a Prefeitura de São Paulo está praticando.
131
em função da legislação urbana, só há possibilidade de se
Foto 4.9. Loteamento em encosta, parcialmente ocupado,
apresentando inúmeros taludes desprotegidos e expostos a seguir a lei através de dramáticos movimentos de terra,
instabilizações. Fonte: IPT (1981) – Relatório Fotográfico – Área quase sempre dando espaço ao azar e à degradação ambiental.
próxima ao loteamento “Conjunto Residencial de Interesse
Social”- Delfim.
A forma tradicional de simples parcelamento do
solo, quando aplicada a encostas, representa só a garantia
Há um claro conflito entre as exigências das legis- de duas etapas de inadequações. A primeira é caracterizada
lações urbanas (e das próprias posturas técnicas usualmente pelas pesadas transformações para a implantação de vias e
aplicadas ao parcelamento do solo) e a possibilidade de se lotes, com desdobramentos negativos locais, periféricos e
ter formas de parcelamento do solo menos devastadoras na cidade como um todo; a outra, mais pulverizada no
em encostas. Em terrenos de declividade mais acentuada, tempo e no espaço, diz respeito à implantação das edifi-
9
Nara Leão (1966). LP Manhã de liberdade. Companhia Brasileira de Discos. Rio de Janeiro.
A precariedade das favelas em morros costuma reu- encontrar fossas em beiradas de barrancos, “chamando” as
nir alguns ou todos fatores predisponentes a instabilizações, instabilizações de terreno.
estudados no Capítulo 2. Para a implantação de barracos, Às deficiências de circulação, crescentes à medida que
sejam eles de alvenaria ou de madeira, procedem-se hoje, as favelas vão se adensando, agregam-se ainda dificuldades
muitas vezes, a impressionantes cortes e aterros nos também crescentes de transportar-se o lixo doméstico para
terrenos, mesmo em vertentes de altíssima inclinação, pontos de deposição adequados. Este passa então a ser
atingindo, não raro, até 100% de declividade. Os barracos simplesmente lançado nas vertentes, ao invés de destinado a
se apoiam amiúde em aterros não consolidados e não conti- caçambas, geralmente presentes em “bocas” de morros. Lixo
dos, e os taludes, no geral, apresentam-se com solo exposto. acumulado em encostas, além de atrair ratos e insetos e de
134 produzir mau cheiro é, como já foi visto anteriormente, no
Redes informais de água, bastante comuns nestes
assentamentos, muitas vezes constituídas por inúmeras Capítulo 2, um material capaz de deflagrar escorregamentos,
derivações de mangueiras de plástico, apresentam vazamen- envolvendo os próprios detritos e solos.
tos disseminados, ocasionando infiltrações de água no ter- As inadequações tendem a incluir também, em fave-
reno e aumentando os riscos. Quando são implantadas las, a alteração do regime de escoamento natural das águas.
redes formais de abastecimento de água, a contrapartida Na ocupação irregular, vão surgindo caminhos preferenciais
das vantagens é uma geração mais pronunciada de efluentes para fluxos mais concentrados de água, que conduzem a
sanitários, que, além de agravarem uma situação típica de processos erosivos e a escorregamentos. Não raro, linhas
contaminação do solo, vão gerando novas infiltrações e naturais de drenagem são também ocupadas por barracos
erosões. São também comuns fossas negras, que podem ou por depósitos de lixo e entulho, exponenciando-se a possi-
facilmente gerar escorregamentos graves. É freqüente bilidade da ocorrência de desastres.
10
SOBREIRA, F.G. (1989).Estudo de encostas ocupadas desordenadamente na cidade do Rio de Janeiro – A favela do Vidigal.
paulatina das situações de risco, através de intervenções pela realização de obras em algumas das unidades
nos assentamentos que as apresentem, incluindo ações habitacionais. Como procedimento importante, faz-se
emergenciais (relocações ou remoções imediatas de necessária a realização de análises de custo-benefício: em
unidades habitacionais em risco) e ações de médio e longo alguns casos, em vez de se recuperar um assentamento em
prazos, caracterizadas pela implantação de contenções, pelo situação de risco generalizado, pode ser vantajoso,
disciplinamento das circulações, das drenagens e da economicamente, proceder a uma remoção completa e
destinação de águas servidas, podendo ainda se estender definitiva para outra área da cidade.
11
CARVALHO, C.S. (1996). Gerenciamento de riscos geotécnicos em encostas urbanas: uma proposta baseada na análise de decisão.
Coleção
Coleção Habitare
Habitare -- Habitação
Habitação e
e Encostas
Encostas
Referências bibliográficas
ABREU, M.A. A evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/Zahar, 1987.
CARVALHO, C.S. Gerenciamento de riscos geotécnicos em encostas urbanas: uma proposta baseada na análise de
decisão. Tese (Doutorado). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo. Casa própria para o
trabalhador. São Paulo: Governo..., 1993.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO Relatório de Visita Santa Etelvina
e Itapevi. São Paulo: IPT, 1983.
SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Habitação e urbanismo: a política que a Prefeitura de São Paulo está praticando -
SEHAB. São Paulo: Prefeitura... 1991.
SALVADOR. Prefeitura Municipal. Zé da Encosta e a Defesa Civil. CODESAL - Coordenadoria de Defesa Civil.
Salvador: Prefeitura... 1993.
141
5.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
5.
Método para o projeto habitacional
em encostas
A
aplicação do conhecimento das capacidades e restrições dos terrenos frente às demandas do
processo de urbanização não é algo novo no campo da engenharia, como pode ser observado,
do tipo de fundação a empregar, de acordo com as características do edifício a implantar. Tal procedimento
já orienta a construção civil há várias décadas. Se o procedimento aponta para uma aplicação da ciência em
favor da segurança da edificação, denota também um certo princípio geral que, de certa forma, impregna até
hoje nossa cultura técnica: na maior parte dos casos, a concepção do edifício antecede o próprio estudo mais 143
detalhado do terreno.
No que diz respeito a terrenos de topografia mais acidentada, a ocupação demanda, ainda, a criação
de taludes de corte e de aterro. Neste caso, pelo menos no que diz respeito a obras conduzidas dentro de
padrões técnicos mais responsáveis, os taludes definidos em projeto são analisados no caso a caso e recebem
especificações de tratamento, envolvendo desde simples proteção superficial e drenagem até eventuais
estruturas de contenção.
Como pode ser visto no Capítulo 2, encostas Se, no que diz respeito à tecnologia, a bagagem de
apresentam processos típicos de meio físico, tais como conhecimento hoje acumulada permite afirmar que quase
erosões, escorregamentos, rastejos, quedas de blocos, qualquer terreno pode ser ocupado, em contrapartida, do
rolamentos de matacões e corridas de massa. A estes, ponto de vista da economia - mormente quando de trata
agregam-se outros processos, tais como inundações, de habitações de interesse social - a realidade é outra. Se é
alagamentos, recalques, sismos, processos cársticos viável, do ponto de vista construtivo, ocupar terrenos com
(afundamentos ou subsidências de trechos de terreno), além declividades até mesmo superiores a 100%, o que
de processos antrópicos, não necessariamente típicos de geralmente ocorre é que este tipo de ocupação tenderia a
encostas, mas que também podem estar presentes nesta demandar recursos de tão elevada monta que a ocupação,
situação. por motivos econômicos, tornar-se-ia inviável.
Caso a utilização efetiva da área dependa da execução Ainda que não exista um limite de declividade
148
de obras preliminares mais vultosas de estabilização do consensualmente estabelecido, no meio técnico, para a
terreno para eliminação de fontes de riscos, e ocupação de encostas com habitações, é freqüente, como
exclusivamente através do emprego de verbas destinadas ilustração, a menção de 50% como um limite desejável.
ao programa habitacional propriamente dito, deve-se Em vários trabalhos associados à ocupação de encostas, o
preferencialmente procurar localização alternativa. Note- IPT já chegou a considerar, de acordo com condicionantes
se, porém, que o projeto pode ainda se viabilizar, dentro específicas de meio físico, declividades de até 60%. A rigor,
de alguns contextos mais específicos, quando obras de em literatura, ou mesmo na legislação, pelo menos enquanto
estabilização tenham que ser obrigatoriamente implantadas, diretriz de caráter geotécnico, não se observa a fixação de
independentemente de qualquer programa habitacional um limite superior de declividade para o tipo de implantação
associado. aqui estudado. Como limitante razoável, sugere-se consi-
1
A presença de lençol freático muito próximo à superfície, que conduza à necessidade de obras mais complexas para assegurar a estabilidade do terreno, pode até
mesmo tornar economicamente contra-indicada a ocupação pretendida. Cabe, uma vez identificada tal situação, proceder a uma avaliação preliminar geral das
obras necessárias, de maneira a subsidiar a decisão de se continuar ou não com o projeto.
Adaptação ao terreno
A adaptação ao terreno, aqui compreendendo suas
características geotécnicas e topográficas, é usualmente
conseguida de duas principais formas. A primeira delas
requer a construção de estruturas de embasamento com a
função específica de intermediar a casa e o terreno. Nesta Figura 5.1. Habitações convencionais apoiadas sobre estrutura de
concepção, o volume de terra a ser movimentado pode ser embasamento de aço, em desenvolvimento pelo IPT, em projeto para
a SCTDET.
resumido a valores muito discretos, podendo-se
eventualmente, até mesmo, dispensar quaisquer cortes e simplificar e padronizar a estrutura de embasamento de
aterros, pelo menos para a implantação das unidades tal forma que se consiga sua produção em grande escala,
habitacionais propriamente ditas. Pequenos ajustes de terreno reduzindo-se assim os custos.
podem se tornar necessários apenas para a implantação de
circulações do conjunto e dos acessos às unidades. A título Pode-se ainda tratar o projeto de construções
“destacadas” do terreno, em encostas, em moldes pouco
de ilustração, apresenta-se, a seguir, na Figura 5.1, a
mais convencionais, sem estrutura isolada de embasamento,
perspectiva de uma implantação de casas apoiadas sobre
criando-se paredes de apoio que definem vazios entre a
embasamento feito com estrutura metálica. Trata-se de
164 construção e o solo, como ilustra a Figura 15. Neste caso,
projeto em desenvolvimento, no IPT, para a SCTDET
as paredes longitudinais constituem a principal forma de
(Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento
apoio da construção sobre o terreno, exigindo-se
Econômico e Turismo do Estado de São Paulo), que se utiliza
movimentos de terra também bastante discretos. Porém,
de embasamento estrutural de aço, sobre o qual se apoia
neste tipo de solução, ainda que se vede lateralmente a
unidade habitacional em sistema construtivo convencional.
construção (como se vê na fachada lateral, na Figura 5.2, a
Porém, a utilização de estruturas de transição entre seguir), há o risco de o morador querer aproveitar os vazios
o terreno e a unidade habitacional, sejam elas de aço, como inferiores para novos cômodos, procedendo escavações sob
as ilustradas na Figura 5.1, sejam de concreto, acaba a casa, potencializando-se sérios perigos. Além disso, os
elevando sensivelmente os custos. No caso do projeto em pisos mais próximos ao terreno são necessariamente lajes,
desenvolvimento no IPT para a SCTDE, a tentativa é a de encarecendo-se a construção.
Uma segunda forma de se conseguir boa adaptação quanto o terreno, com critérios e com balizamento técnico
entre unidades habitacionais e terreno é trabalhar mais refinado. Hoje, com o crescente aperfeiçoamento de
simultaneamente com a tipologia da habitação e com cortes tratores, e, em particular, de mini-tratores, é possível e segu-
e aterros criteriosos, remodelando-se discretamente o terreno ro proceder a movimentos de terra mais precisos, mesmo
dentro dos padrões recomendados nas diretrizes geotécnicas. em terrenos muito declivosos, permitindo-se lançar mão
Ainda que, do ponto de vista ambiental, esta forma de projetos cujas características envolvam cortes e aterros
seja pouco mais agressiva, do ponto de vista econômico é mais refinados. Nesta situação, a construção pode ficar
bastante vantajosa, uma vez que movimentos de terra ainda assentada diretamente sobre o terreno ponderadamente
são mais baratos que estruturas como as mencionadas remodelado, dispensando-se laje no primeiro piso e
anteriormente, ilustradas nas Figuras 5.1 e 5.2. estruturas de transição, que tendem a encarecer a obra. A 165
Longe de apregoar-se aqui a realização dos extensos Figura 5.3, a seguir, apresenta tipologia concebida com
e indiscriminados movimentos de terra (que têm carac- estas características. Trata-se de tipologia composta, em
terizado a adaptação do limitado rol de tipologias com que corte, por três unidades habitacionais sobrepostas, com
os programas habitacionais convencionais ocupam ambientes em desnível. Refere-se a projeto desenvolvido
encostas), aponta-se, isto sim, para uma forma intermediária pelo IPT no âmbito da pesquisa patrocinada pela FINEP
de ocupação, onde se trabalha tanto a tipologia do edifício e pela CEF que, parcialmente, originou esta publicação.
2
ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual do projeto de habitação popular. Parâmetros para sua elaboração e avaliação. Recife. PERNAMBUCO
(Governo...). SECRETARIA DE HABITAÇÃO.
É também possível sobrepor parcialmente unidades, condominiais (como o trecho sombreado sob a unidade 1,
criando-se construções escalonadas, como as apresentadas contíguo à unidade 2, no corte. Note-se também, na figura,
nas Figura 5.4 a seguir, onde a tipologia representada é que o conjunto, em sua parte inferior, utiliza-se ainda de
destinada a terreno de elevada declividade, caracterizando- uma área de uso comum para as duas unidades, cujo papel
se pela sobreposição parcial de unidades, como pode ser também abrange o de arremate. A implantação
visto no corte, onde a unidade 1 apoia-se parcialmente na exemplificada possibilita ainda um número de unidades
unidade 2, compreendendo ainda a definição de circulações bem maior, mantendo-se o mesmo princípio de articulação
167
3
Na sobreposição, o “arcabouço tridimensional de posições do Sol” deve ser colocado em tamanho bastante superior ao do objeto arquitetônico a estudar, buscando-se,
dentro das limitações presentes, reproduzir uma simulação mais realística da insolação. Nesta condição, as “luzes” que serão utilizadas no 3d Studio corresponderão a fontes
puntiformes distantes, ficando o modelo situado num cone de iluminação de abertura muito pequena, o que reproduz satisfatoriamente as condições reais de insolação.
Figura 5.7A. Modelo construído em “três dimensões” para ilustrar o Figura 5.7B. O “arcabouço tridimensional” aplicado ao modelo (ao
método de estudo da insolação: elemento de encosta de declividade centro) apresentado na Figura 5.7A.
30% com seis prédios implantados.
176
Figura 5.7C. Simulação, no 3D Studio, da insolação dos prédios às Figura 5.7D. Simulação, no 3D Studio, da insolação dos prédios ao
10 horas do solstício de inverno. meio-dia do solstício de inverno.
6.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
6.
Alternativas de projeto para a ocupação
de encostas: proposições estrangeiras e nacionais
N
o presente capítulo expõem-se e analisam-se projetos específicos para ocupações urbanas em
que, como se verá a seguir, tendem a se mostrar bastante distintos do tipo de ocupação que vem se dando no
caso brasileiro, visto no capítulo anterior, caracterizado por profundas inadequações, do mais formal ao mais
inevitavelmente, do uso da terra como mercadoria. Há no Brasil uma tendência marcada de utilização exaustiva
e predatória do espaço urbano. Quaisquer espaços das cidades, seja a curto, médio ou longo prazo, tendem
a passar por algum processo de ocupação. As cidades brasileiras tendem a tornar-se malhas contínuas,
transpondo ou arrasando morros, aterrando várzeas, enfim, eliminando eventuais obstáculos naturais, como já
se comentou no Capítulo 1. Periodicamente, a natureza cobra tributos da ocupação predatória, com enchentes,
1
BENEVOLO, L. (1974). Historia de la Arquitectura Moderna.
2
GUANABARA (Estado) et DOXIADIS ASSOCIATES (1965). Guanabara - a plan for urban development.
184
Figura 6.4. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - vista superior. Fonte: ZALEWSKI,W.P.,
KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
Figura 6.5. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - setores urbanos com diferentes
funções. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
185
Figura 6.6. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para encostas proposta para Pittsburgh - esquema básico de circulação. Fonte:
ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
187
Figura 6.9. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana para Figura 6.10. Zalewsky, Kirby & Goethert: megaestrutura urbana
encostas proposta para Pittsburgh - sistema construtivo em pré para encostas proposta para Pittsburgh – Corte perspectivado da
moldados de concreto Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et região de transição entre contrafortes principais e secundários.
GOETHERT, R.K. (1970). Building on slopes: an approach. Fonte: ZALEWSKI,W.P., KIRBY, M.R. et GOETHERT, R.K. (1970).
Massachusetts Institute of Technology. Cambridge.(s/pág.). Building on slopes: an approach. (s/pág.).
188
Como principais características de implantação, os disso, na proposição de Doxiadis, um senso apurado de escala
dois projetos de Moshe Safdie compreendem, na realidade, e de comunidade, que normalmente se perde nos grandes
megaestruturas rígidas resultantes do acoplamento de conjuntos habitacionais. Sua preocupação na definição de
módulos tridimensionais, que se apóiam nas encostas e são células comunitárias básicas, caracterizadas em torno de
permeadas por uma via principal de circulação de veículos a equipamentos urbanos, mesmo quando pressupõe
partir da qual há acessos às habitações, por escadarias. A agrupamentos maiores de células, tende a fazer com que os
Foto 6.1 mostra maquete de implantação do projeto Israel - resultados obtidos diferenciem-se bastante do desmesurado
190 Hábitat. poder de dispersão comunitária dos grandes conjuntos.
Os projetos até o momento mostrados representam Na proposição de Zalewsky, Kirby & Goethert, no
raros exemplares de proposições urbanísticas mais gerais que pese a monumentalidade bastante característica de uma
para encostas e, como pôde ser visto, contêm características época já superada, pode-se notar a busca de um conceito
que se distanciam bastante do urbanismo da malha contínua. de ocupação de encostas que, antes de mais nada, remete
No caso do projeto de Doxiadis, transparecem, para os terrenos mais acidentados o uso habitacional,
principalmente, características de um urbanismo linear, onde liberando os terrenos planos para os outros usos de solo
os setores urbanos, nas encostas, “penduram-se” num único necessários às cidades. A forte (e, por que não, discutível)
eixo viário estruturador, não pressupondo ligações outras presença da megaestrutura proposta na paisagem deixa,
entre setores que não a do próprio eixo. Transparece, além pelo menos, parte da paisagem original preservada por trás
191
da grande construção, enquanto que, na malha contínua, a investimento nos módulos habitacionais, cuja concepção
referência paisagística dos morros tende a desaparecer original escraviza, em certa medida, as possibilidades reais
totalmente. Destaca-se fortemente ainda, no projeto para de adaptação ao relevo. Ainda que os módulos projetados
Pittsburgh, como já foi dito, a característica de obra de contemplem possibilidades de acoplamento capazes de
contenção impressa à megaestrutura e a eliminação do absorver desníveis, perdura um certo caráter de adaptação
tráfego de veículos nos setores habitacionais. do terreno à megaestrutura projetada, exigindo, às vezes,
movimentos de terra mais pronunciados para sua
Nos projetos de Safdie, observa-se que há um forte implantação.
3
DEILLMANN, H., KIRSCHENMANN, J.C. et PFEIFFER, H. (1980). El Hábitat.
As Fotos 6.2 apresentam, à esquerda, uma vista lateral (1977)4 reúnem também outras dezenas de projetos de
de implantação em Auenstein, Suiça, do projeto da Metron conjuntos residenciais onde apenas um, de autoria do
e, à direita, o detalhe de um terraço. arquiteto japonês K.Kikutake, elaborado em 1971, é mais
claramente destinado a terrenos de maior declividade. Trata-
As demais tipologias para encostas encontradas em
se de projeto também baseado em escalonamento de
El hábitat são, na realidade, variações de projetos escalo-
habitações, onde se destaca, inicialmente, que a grande
nados que não apresentam, no geral, aspectos de particular 193
estrutura resultante compreende vãos perdidos, entre o
interesse para o presente trabalho, pois constituem, bem
terreno e as unidades habitacionais, evitando-se contato
mais, alternativas de tratamento arquitetônico que,
direto entre paredes de espaços habitáveis e o solo, como
propriamente, princípios gerais de implantação.
mostra a Figura 6.18, que apresenta um corte típico,
Em Conjuntos residenciales – en zonas centrales, suburbanas perspectivado, da implantação.
y periféricas, DEILMANN, BICKENBACH e PFEIFFER
4
DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et PFEIFFER, H. (1977). Conjuntos residenciales – en zonas centrales, suburbanas y periféricas.
Denominado “Pasadena Heights”, o conjunto Vê-se ainda, na Figura 6.19, que Pasadena Heights é
projetado por Kikutake lança ainda mão de poços de uma construção isolada com via de acesso apenas local.
194 iluminação como recurso para possibilitar uma massa Impressiona, neste projeto, a grande massa construída
construída contínua de unidades idênticas parcialmente e, mesmo que não se faça menção a aspectos geotécnicos, na
sobrepostas e dispostas em “fiadas” deslocadas . obra de DEILMANN, H., BICKENBACH, G. et PFEIFFER,
A circulação geral no conjunto faz-se através de percebem-se características claras de uma grande estrutura de
escadarias que dão acesso a passarelas suspensas que formam contenção no projeto, como pode ser visto na Foto 6.3.
as circulações horizontais (e podem também ser observadas Chama ainda a atenção, no projeto de Kikutake, o
na Figura 6.18). Para melhor adaptação à topografia, o conjunto fato de que o acesso a automóveis esgota-se na parte baixa
acompanha, em linhas gerais, a sinuosidade das curvas de da implantação e que os desníveis entre os vários patamares
nível, resultando na forma de implantação que pode ser notada são vencidos apenas por escadarias, como pode ser visto
na Figura 6.19, vista superior do empreendimento. na Foto 6.4.
195
5
YAMAZAKI, K. (1986). Tipologias de conjuntos habitacionais e segurança nas implantações. In TAKAHASHI, T. (Coordenador). (1986). Instabilizações em
encostas: investigação e prevenção de acidentes. Capítulo IX.
6
Graças ao auxílio do geólogo Agostinho Tadashi Ogura, do IPT, que gentilmente traduziu os trechos de interesse do referido livro.
197
199
7
ANDRADE, et SOUZA (1981). Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação.
201
202
Figura 6.24. Fachadas de unidades acopladas do tipo CA82JG 2P Figura 6.25. Arranjo urbano sugerido para unidades acopladas do
3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de tipo CA82JG 2P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981).
projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e Manual de projeto de habitação popular. Parâmetros para
avaliação. (s/pág.). elaboração e avaliação. (s/pág.).
203
Figura 6.27. Plantas das unidades acopladas do tipo CA8 2SG 4P 3Q.
Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de projeto de
habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação. (s/pág.).
204
Figura 6.28. Corte e fachadas de unidades acopladas do tipo CA8 2SG 4P 3Q. Fonte: ANDRADE, M.R. et SOUZA, M.A.A. (1981). Manual de
projeto de habitação popular. Parâmetros para elaboração e avaliação. (s/pág.).
205
Destaca-se com especial ênfase, no trabalho de Nos projetos específicos para encostas, as autoras
ANDRADE et SOUZA, um princípio geral de concepção reiteram este tipo de preocupação, sendo marcante o
de unidades e agrupamentos de unidades habitacionais que adensamento que buscam imprimir aos agrupamentos de
privilegia o acoplamento das habitações, tendo em vista unidades, incluindo geminações e sobreposições múltiplas.
otimizar os investimentos em infra-estrutura. Este é Detalhes construtivos necessários a uma implantação
efetivamente o alvo de suas investigações, para o que lançam mais segura, cujo custo seria praticamente impossível
mão de todo um aparato de geometria, de estatística e de absorver em unidades individuais isoladas, passam assim
cálculo, criando instrumentos para avaliar os resultados obtidos a viabilizar-se através do rateio dos custos entre várias
em seus projetos, assim como para avaliar novas proposições. unidades, espacialmente concentradas.
208
8
FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional). (1995). Mutirões autogestionários – Levantamento das obras 1989 a 1995.
9
IPT (1997). Retroavaliação do programa SH-3. Infra-estrutura e Urbanismo.
ANDRADE, C.R.M.; BONDUKI, N. ; ROSSETTO, R. (Org.). Arquitetura e habitação social em São Paulo - 1989-
1992. São Carlos: Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de São Carlos, Departamento de Arquitetura e
Planejamento, 1993.
ANDRADE, M.R.; SOUZA, M.A.A. Manual do projeto de habitação popular. Parâmetros para sua elaboração e
avaliação. Recife: Secretaria de Habitação, 1981.
DEILLMANN, H.; KIRSCHENMANN, J.C.; PFEIFFER, H. El Hábitat. Barcelona: Gustavo Gili, S.A. 1980.
GUANABARA (Estado). Comissão Executiva para o Desenvolvimento Urbano (CEDUG); DOXIADIS ASSOCIATES;
CONSULTANTS ON DEVELOPMENT AND EKISTICS Guanabara: a plan for urban development. Rio de
Janeiro: GUANABARA... 1965.
ZALEWSKI, W.P.; KIRBY, M.R.; GOETHERT, R.K. Building on slopes: an approach. Cambridge: Massachusetts
Institute of Technology, 1970.
7.
Coleção Habitare - Habitação e Encostas
7.
Tipologias de habitações
para encostas desenvolvidas pelo IPT
N
o presente capítulo mostram-se estudos e projetos de tipologias habitacionais de interesse
social desenvolvidos no IPT para a ocupação de terrenos íngremes. Tais projetos foram gerados
mais amplas, quer no que diz respeito a sistemas construtivos, quer no que diz respeito ao subsídio, com
base em condicionantes de meio físico, à ocupação habitacional em áreas ou regiões com encostas.
São também apresentadas três tipologias, desenvolvidas durante a elaboração da tese de doutoramento
213
do autor, com o intuito de colaborar num processo que, espera-se, venha a tornar-se diuturno no meio profissional
da Arquitetura, de produção profícua de tipologias habitacionais para encostas. Note-se que estas constituem
arranjos espaciais adequados a encostas, como propostas genéricas, não referidas a situações concretas de
os apontados no Capítulo 5. O sentido de sua colocação no presente trabalho é o de contribuir com a criação
de um banco de soluções de Arquitetura habitacional para encostas, que se acredita ser necessário.
215
Figura 7.1. (Corte sem escala). Remodelamento de terreno e Figura 7.2. (Corte sem escala). Implantação de unidades do tipo D
implantação de contenções e drenagens para implantação de unidades no terreno remodelado. Medidas em centímetros. Fonte IPT(1978).
tipo D. Medidas em centímetros. Fonte: IPT(1978). Carta Geotécnica Carta Geotécnica dos morros de Santos e São Vicente. Anexo III.
dos morros de Santos e São Vicente. Anexo III. Desenho 19. Desenho 20.
Figura 7.3. Plantas dos três estágios das habitações tipo D, para áreas IV. Fonte: IPT (1978). Carta Geotécnica dos morros de Santos e São
Vicente. Anexo III. Desenhos 21, 22 e 23.
217
Figura 7.5. Cortes de habitações tipo B e de implantação típica para áreas II. Fonte: IPT (1978). Carta Geotécnica dos morros de Santos e São
Vicente. Anexo III. Desenho 07.
1
IPT (1984). Alternativas tecnológicas para construção de habitações de interesse social – 1.
220
221
1 - Unidade tipo A
2 - Unidade tipo B
Figura 7.9. Projeto da implantação-piloto em Campos do Jordão.
3 - Comércio Fonte: IPT (1984). Alternativas tecnológicas para construção de
4 - Áreas livres e de equipamento comunitário habitações de interesse social – 1. p. 15.
224
Figura 7.12. Planta dos pavimentos térreos de unidades Tipo 1. À direita, embrião (casa 2); à esquerda, ampliação (casa 1). (s/escala). Fonte: IPT
(1992). Carta geotécnica de Petrópolis. Volume 2. Anexo C – Desenhos – Folha 2c.
225
A Figura 7.13, apresenta, à esquerda, a planta do não tornar atraentes ampliações improvisadas, altamente
pavimento superior (unidade ampliada) e , à direita, uma indesejáveis em encostas. Destacou-se igualmente a
vista da unidade no estágio final a partir da viela inferior. necessidade de adotar cuidados especiais na execução de
tubulações de água e de esgotos, remetendo ainda à obriga-
Deu-se grande ênfase, no projeto, à necessidade de
toriedade de redes locais de coleta de efluentes, proibindo-
cuidados especiais nas drenagens, indicando-se detalhes
se fossas individuais.
adequados para captação e destinação de águas pluviais
provenientes de coberturas e de trechos de terreno remanes- A Figura 7.14, a seguir, apresenta corte esquemático
centes. Estes últimos foram dimensionados de forma a da implantação de uma unidade tipo 2. A unidade repre-
226
Figura 7.14. Corte da unidade Tipo 2 em estágio final de ampliação (sem escala). Fonte: IPT (1992). Carta geotécnica de Petrópolis. Volume 2.
Anexo C – Desenhos – Folha 9c.
227
Figura 7.16. Planta da unidade Tipo 2 na ampliação 2 e vista posterior da unidade acabada (sem escala). Fonte: IPT (1992). Carta geotécnica de
Petrópolis. Volume 2. Anexo C – Desenhos – Folha 8c.
em uma via para veículos. Tais escadarias venceriam cobertura da unidade vizinha, a jusante, atingindo área final
desníveis máximos de até 18m, bastante abaixo do que se de cerca de 53m2.
via corriqueiramente em Petrópolis, em assentamentos Nesta tipologia, seria atribuição da Prefeitura, além
similares mais antigos. Caso as condicionantes topográficas da execução dos movimentos de terra e das contenções e
locais permitissem, implantar-se-ia uma segunda via para drenagens, a construção dos embriões, assegurando-se
veículos, abrindo à ocupação trechos mais a montante. A padrões técnicos adequados nas paredes em contato com
Figura 7.17, a seguir, apresenta o tipo de implantação terra. Uma vantagem importante no tipo de implantação
preconizado para lotes de unidades do tipo 2. proposto é a da certeza que não serão realizados novos
Ainda para a Carta Geotécnica de Petrópolis sugeri- movimentos de terra pelos moradores para a execução de
ram-se linhas gerais de uma terceira tipologia habitacional ampliações.
228
229
245
Corte DD
Vista 1
Perspectivas
264
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Carta geotécnica dos morros
de Santos e São Vicente.. São Paulo: IPT, 1978. Relatório IPT n. 11.599. Anexo III.
293
M
ostrou-se, ao longo do presente trabalho, que as atuais formas de ocupação urbana de
encostas, com uso habitacional associado à população de baixa renda, no Brasil, apresentam
ainda que os efeitos das ocupações problemáticas das encostas não se restringem a elas, afetando também as
áreas de baixadas e cursos d´água, através do carreamento de solo, gerando assoreamentos e propiciando
inundações. Além disso, ocorre, em função de assentamentos sem redes adequadas de esgotos em morros, a
Mostrou-se ainda que os padrões de ocupação efetivamente pensados para encostas por profissionais
de projeto, seja no âmbito nacional, seja no internacional, diferem substancialmente dos padrões de ocupação
Apontou-se também que, em solos tropicais, ocupar encostas de maneira responsável requer o uso de
conhecimentos das áreas da geologia e da geotecnia, que se tornam, através da explicitação das capacidades
e restrições dos terrenos quanto à ocupação, importantes ferramentais na definição de partidos de projeto
Conclusões
mais seguros e econômicos. (ou com expansões que se dirijam a este tipo de configu-
Fica clara, ao longo do trabalho, a necessidade de se ração topográfica), um urbanismo específico para encostas.
repensar a maneira de encarar este tipo de ocupação no Os princípios urbanísticos que hoje utilizamos, em qualquer
Brasil, trabalhando-se, do ponto de vista técnico, a situação, são claramente voltados para terrenos ideais,
sistematização, o enriquecimento e a divulgação do planos, que logo se esgotam no processo da urbanização.
conhecimento concernente já disponível e, do ponto de E são muitas as cidades brasileiras com a presença
vista político, batalhando-se para ver implantado, na prática, importante de morros.
um aparato institucional que assegure melhores ocupações Ainda que se tenha apontado a disponibilidade de
nos morros. alguns modelos de cunho urbanístico mais abrangente,
É bem verdade que buscar este intento, só no que situados na esfera do macroplanejamento urbano em
se refere a encostas, significa trabalhar apenas uma das regiões com encostas, percebe-se que, pelo menos para a
facetas da questão urbana no Brasil. Mas, com certeza, situação peculiar do Brasil, que envolve solos tropicais (além
auxiliar-se-á assim o enfrentamento de muitas outras facetas de restrições de recursos), não há quase nada efetivamente
da mesma questão, pois, nas encostas, as inadequações de pensado nesta direção e, em particular, no que se refere a
alguns dos arraigados e, às vezes, duvidosos preceitos um urbanismo para setores habitacionais em encostas.
técnicos e sociais se tornam mais claras, possibilitando uma No presente trabalho foram apontadas, ainda,
reconsideração mais ampla do que tem sido usado para o inadequações nos padrões vigentes e apresentaram-se
balizamento do desenvolvimento urbano, como um todo, soluções alternativas, mas de cunho predominantemente
no nosso país. localizado, não correspondente a escalas mais amplas de
Alguns princípios gerais e mecanismos para a busca cidades, para as quais seria exigido um escopo muito mais
de melhores ocupações em encostas no Brasil foram amplo. A busca deste urbanismo peculiar deve constituir,
296 vislumbrados, ao longo do presente trabalho, alguns com com certeza, um dos passos de investigações futuras que,
maior clareza, outros ainda sujeitos a maiores reflexões, espera-se, venham a se realizar com a contribuição do
diante da própria complexidade dos fatores envolvidos, próprio autor e de muitos outros profissionais que venham
muitos dos quais transcendem o âmbito meramente técnico. a se engajar neste grande veio de trabalho.
Vale, neste momento, explicitar os princípios gerais Não se tem ainda perfeita clareza do que venha a
e mecanismos imaginados, para que se dê início a uma ser um urbanismo mais geral para encostas no caso
discussão mais ampla sobre a questão. brasileiro, mas vale a pena destacar algumas características
nele vistas como necessárias e, em contraposição,
Um primeiro princípio geral vislumbrado é o de que
características que se mostram indesejáveis.
devemos desenvolver, no Brasil e, em particular, nos
municípios situados em relevos onde predominem morros O urbanismo para encostas deve conduzir,
Conclusões
a rigor, quase só a terrenos planos) intensas transformações plesmente proceder vultosos movimentos de terra para que
de terreno para sua implantação em encostas. Neste caso, se atinjam os requisitos legais de parcelamento, aí incluindo
os grandes terraplenos acabam se tornando necessários até larguras de vias, declividades máximas admitidas no viário,
mesmo em declividades pouco pronunciadas e resultam, nos lotes etc., aos quais se acrescentam, com o tempo, novos
tanto no período de obras quanto no período de uso, em movimentos de terra, necessários para implantar habitações.
fontes de degradação ambiental local e do entorno. Estas últimas, que tendem a ser, no caso da população de
Acredita-se haver a necessidade de uma radical revisão baixa renda, construções raras vezes precedidas por um
das tipologias habitacionais em uso pelo Estado, dotando- projeto, nos terrenos com declividades mais acentuadas
as de maior flexibilidade nas implantações em terrenos mais conduzem, amiúde, a riscos e tendem a apresentar inúmeras
acidentados. Tal revisão requer investimentos em pesquisa inadequações de desempenho.
associada ao projeto e pode ser altamente favorecido, por Acredita-se que simples loteamentos em encostas,
exemplo, por concursos freqüentes de projetos de arquitetura pelo menos no que diz respeito aos destinados à população
e urbanismo de conjuntos habitacionais para encostas. de baixa renda, devam ser abolidos. Para se substituir esta
Ainda no que se refere à produção habitacional do modalidade de parcelamento do solo, que efetivamente
Estado, mostra-se francamente desejável, por paradoxal que absorve parte importante da população de baixa renda,
possa parecer, utilizar também terrenos urbanos com devem ser criados, pelo menos, mecanismos capazes de
declividades bem mais acentuadas, pelo menos em regiões propiciar melhores soluções e sugere-se, neste sentido, que
de relevo acidentado. Com esta postura, desde que os parcelamentos de solo sejam obrigatoriamente
produzidas tipologias adequadas, muitas áreas que, acompanhados por projetos de edificações adequados. O
fatalmente, seriam ocupadas por favelas, gerando desastres eventual ônus adicional do loteador, neste caso, estaria
e demandando elevados investimentos públicos, a posteriori, circunscrito à elaboração de alguns (poucos) projetos de
298 para sua recuperação, passariam a sediar ocupações habitações adequados às situações típicas dos lotes no
planejadas e seguras, o que também favoreceria a construção parcelamento, considerando as características dos solos
de uma melhor paisagem nos morros das nossas cidades. presentes, as condicionantes de insolação e diferentes faixas
de declividades. Os projetos de edificações seriam pré-
No que diz respeito a loteamentos, ficou patente a
aprovados e contemplariam, ainda, a especificação de
inadequação do simples parcelamento do solo para
procedimentos de implantação de obras geotécnicas
construção de casas, a posteriori, em encostas. Como
aplicáveis no âmbito dos lotes, tais como movimentos de
indicaram os projetos habitacionais estudados no presente
terra, contenções e drenagens.
trabalho, específicos para encostas, há uma forte interação
entre a concepção da implantação e das edificações. Parcelar Como contrapartida, o “loteador” de terrenos em
o solo em morros, nos moldes atuais, tem significado sim- encostas teria um status diferenciado no processo de
- a ampliação da tolerância a declividades mais intervenção precoce são também vultosas. Não dispondo
acentuadas (de até 20%) em trechos curtos de vias para de recursos ágeis e da vontade política necessária para
veículos, essencialmente locais, aumentando as enfrentar a questão da ocupação informal, e não oferecendo
possibilidades de alcançar mais habitações com menor alternativas habitacionais capazes de fazer frente ao déficit
agravamento de movimentos de terra; de habitações, o Estado acaba como espectador de um
- o uso (hoje bastante inibido) mais intensivo de processo de ocupação predatória de morros, que muitas
habitações exclusivamente atendidas por vias para vezes ocorre em áreas onde o assentamento habitacional
pedestres ou escadarias, que são largamente utilizadas só poderia ser feito dentro de padrões técnicos fortemente
até mesmo em países desenvolvidos como o Japão, para controlados.
Conclusões
Estes mesmos assentamentos apresentarão, mais dia, vimento inadequado, oferecendo à população envolvida
menos dia, sérios problemas, requerendo então elevados um modelo para a ocupação, isto quase se torna inviável
investimentos de verbas públicas, em volumes seguramente do ponto de vista jurídico. Tratando-se de terras invadidas,
superiores aos necessários para garantir, de saída, ocupações pertencentes a proprietários particulares ou, o que não é
em padrões adequados. raro, ao próprio Estado, qualquer apoio técnico significaria
Transformar favelas em assentamentos melhores, do o que, juridicamente, constituiria conivência com ato ilegal
ponto de vista técnico, significa trabalhar em condições (no caso, a invasão de terras). Assim, favelas em morros
bastante prejudicadas. O adensamento de construções e desenvolvem-se simplesmente ao azar, e só são alvos de
os remodelamentos improvisados de terreno tendem a eventuais benfeitorias, por parte do Poder Público, a longo
tornar bastante dificultado o ingresso de equipamentos de prazo, a partir do momento em que os desastres começam
obra. As condições de saneamento tendem a ser críticas, a acontecer ou a pressão social consiga atrair a atenção das
expondo a mão de obra a doenças. Além disso, do ponto autoridades. É normalmente nesta ocasião que se resolvem
de vista logístico, há necessidade de relocações ou de pendências fundiárias e a posse da terra é, de alguma forma,
remoções de unidades habitacionais, gerando-se demanda repassada aos moradores, como condição básica para que
por alojamentos provisórios ou de unidades habitacionais o Estado possa implementar melhorias. Estabelece-se,
definitivas, em outras áreas, capazes de absorver os porém, um círculo vicioso: como já foi comentado, enquan-
removidos. Os remodelamentos de terreno pré-existentes, to uma favela em morro é urbanizada, inúmeras outras
improvisados, acabam ainda requerendo a execução de estão surgindo.
obras de contenção, de retaludamentos, e de obras de É necessária a quebra deste círculo vicioso e a chave
drenagem e de saneamento, cujos custos superam para isto é, por um lado, o fortalecimento, nas cidades, das
facilmente o de um simples projeto, somado aos custos de representações de cidadãos por setores ou bairros (criando-
300
implantação, em encosta ainda livre de ocupação predatória se sistemas locais de monitoramento de ocupações
mais significativa. espontâneas, que alertem o Poder Público quanto ao seu
Ainda que se perceba que existe uma clara neces- surgimento) e, por outro lado, uma agilidade maior em
sidade de que o Estado até mesmo adiante-se às ocupações processos de desapropriação de terras. Uma vez constatada
inadequadas, promovendo, em encostas, ele próprio, a a pressão pela ocupação de uma determinada encosta, cujas
ocupação em padrões tecnicamente aceitáveis, não se condições sugiram viabilidade técnica e econômica para a
vislumbram boas perspectivas de alteração na situação ocupação, o Estado deve, de imediato, acionar mecanismos
vigente por empecilhos institucionais. ágeis de desapropriação, mesmo que de caráter transitório,
de forma a possibilitar sua efetiva presença e orientação.
Quando se identifica uma favela nascente em morro,
se do ponto de vista técnico é possível barrar um desenvol- A complexidade jurídica da questão não permite que
301
Conclusões
302
ABREU, M.A. A evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/Zahar, 1987.
ANDRADE, C.R.M.; BONDUKI, N.; ROSSETTO, R. (Org.). Arquitetura e habitação social em São Paulo – 1989-
1992. São Carlos: Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de São Carlos, Departamento de Arquitetura e
Planejamento, 1993.
ANDRADE, M.R.; SOUZA, M.A.A.). Manual do projeto de habitação popular. Parâmetros para sua elaboração e
303
avaliação. Recife: SECRETARIA DE HABITAÇÃO, 1981.
AUGUSTO FILHO, O. Carta de risco de escorregamentos: uma proposta metodológica e sua aplicação no
Município de Ilhabela-SP. (Exame de qualificação). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1993.
CARVALHO, C.S. Gerenciamento de riscos geotécnicos em encostas urbanas: uma proposta baseada na análise de
decisão. Tese (Doutorado). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
Bibliografia
CARVALHO, P.A.S. (Coord.) Taludes de rodovias: orientação para diagnóstico e soluções de seus problemas. São
Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, 1991. Publicação IPT n. 1843.
CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo. Casa própria para o
trabalhador. São Paulo: Governo Estadual... 1993.
CERRI, L.E.S. Prevenção e controle de acidentes geológicos urbanos associados a escorregamentos no Brasil: Proposições
Técnicas fundamentadas na realidade sócio-econômica brasileira. In: Simpósio Latinoamericano sobre Riesgo Geologico
Urbano - Conferencia Colombiana de Geologia Ambiental, 2, 1992, Bogotá, Anais... 1992.
CERRI, L.E.S. Exame de qualificação. Tese (Doutorado). Rio Claro: Instituto de Geociências e Ciências Exatas,
Universidade Estadual Paulista, 1993.
COMMITTEE FOR DISASTER RESEARCH OF THE SCIENCE COUNCIL OF JAPAN. International Decade
for Natural Disaster Reduction: proposals by japanese scientists. Tóquio: Committee...1989.
CUNHA, M.A. (Coord.) Ocupação de encostas. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São
Paulo, 1991. Publicação IPT n 1831.
DE CHIARA, J.; CALLENDER, J. H. Time-saver standards for building types. Nova Iorque: McGraw-Hill, Inc.
304 1973.
DE CHIARA, J.; KOPPELMAN, L.E. Site planning Standards. Nova Iorque: McGraw-Hill, Inc. 1978.
DEILLMANN, H.; KIRSCHENMANN, J.C. ; PFEIFFER, H. El Hábitat. Barcelona: Gustavo Gili, S.A. 1980.
DEILMANN, H.; BICKENBACH, G.; PFEIFFER, H. Conjuntos residenciales: en zonas centrales, suburbanas y
periféricas. Barcelona: Gustavo Gili, S.A. 1977.
DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem Normas para o projeto geométrico de vias urbanas. Rio
de Janeiro: DNER, 1974.
FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA CEPAM - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal. Diretrizes
para o controle de obras pelo município - Código de Obras/ Lei de loteamentos. Rio de Janeiro: BNH - Banco
Nacional de Habitação, 1981.
GAMA JR., G.F.C. Country report for the seminar on administration for disaster prevention: JICA - Japan International
Cooperation Agency. Tóquio: JICA, 1992.
GONÇALVES, N.M.S. Impactos fluviais e desorganização do espaço em Salvador, BA. Tese (doutorado). Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Geografia. Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
GUANABARA (Estado) - Comissão Executiva para o Desenvolvimento Urbano (CEDUG); DOXIADIS ASSOCIATES;
CONSULTANTS ON DEVELOPMENT AND EKISTICS Guanabara: a plan for urban development. Rio de Janeiro:
GUANABARA... 1965.
GUIDICINI, G.; NIEBLE, C.M. Estabilidade de taludes naturais e de escavação. São Paulo: Ed. Edgard Blücher
Ltda, 1983.
INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial Carroçaria de ônibus urbano:
Padronização. Rio de Janeiro. In: Revista dos Transportes Públicos – ANTP. Ano 12. n. 47, mar. de 1990.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO Carta Geotécnica dos morros
de Santos e São Vicente. Anexo III. São Paulo: IPT, 1978. Relatório IPT no 11.599.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO Carta geotécnica dos morros
de Santos e São Vicente (Anexo 1 – Carta Geotécnica). São Paulo: IPT, 1980. Publicação IPT n. 1.135.
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Relatório de Visita Santa Etelvina
e Itapevi. São Paulo: IPT, 1983.
Bibliografia
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Loteamentos em áreas de
declividade acentuada: Subsídios à elaboração de projetos. Anexo 1. São Paulo: IPT, 1984. Relatório IPT n.
19.817.
ITO, K. Lições do terremoto de São Francisco. In: Revista Solos e Fundações v. 38, n. 1. Tóquio: The Japanese Society
of Soil Mechanics and Foundation Engineering, 1990.
JONES, D.K.C. Landslide hazard assesment in the context of development. In: McCALL, G.J.H.; LAMING, D.J.C.;
SCOTT, S.C. (Org.). Geohazards: Natural and man-made. Londres: Chapman & Hall, 1992.
MACEDO, E.S. Elaboração de cadastro de risco iminente relacionado a escorregamentos: avaliação considerando
experiência profissional, formação acadêmica e subjetividade. 2001. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Geociências e Ciências exatas. Rio Claro, 2001.
MORETTI, R.S. Critérios de urbanização para empreendimentos habitacionais. Tese (Doutorado). Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
OGURA, A.T. Riscos geológicos urbanos no Brasil. In: Encontro Nacional de Geólogos da Administração Pública, 1.,
1993, Guarulhos, Anais... 1993.
ONU. Programas de conjunto para la reducción de desastres naturales en los años 90. Informe 1990/1991.
307
Genebra: Secretaría del Decenio Internacional para la Reducción de los Desastres Naturales - DIRDN. ONU. Secretaría
del DIRDN, 1992.
PARK, C.C. Environmental hazards: aspects of geography. Londres: Macmillan Education Ltd, 1991.
REIS, J.O. As administrações municipais e o desenvolvimento urbano. In: RIO DE JANEIRO 400 ANOS. Rio de
Janeiro: Prefeitura. Municipal.
Bibliografia
SALVADOR. Prefeitura Municipal. Zé da Encosta e a Defesa Civil. CODESAL - Coordenadoria de Defesa Civil.
Salvador: Prefeitura... 1993.
SÃO PAULO. PREFEITURA MUNICIPAL. Da utopia à construção: a participação popular na política habitacional em
São Paulo. In: Suplemento Especial da Revista Projeto. São Paulo, 1991.
SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Habitação e urbanismo: a política que a Prefeitura de São Paulo está praticando -
SEHAB. São Paulo: Prefeitura... 1991.
SILVA, W. S.; FORNASARI, N. Unidades de conservação ambiental e áreas correlatas no Estado de São Paulo.
São Paulo: IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, 1992. Publicação IPT n. 1978.
SMITHSON, A.; SMITHSON, P. Ordinariness and light. Londres: Faber and Faber, 1970.
SOBREIRA, F.G. Estudo de encostas ocupadas desordenadamente na cidade do Rio de Janeiro: a Favela do
Vidigal. Tese (Mestrado). Instituto de Geociências – UFRJ. Rio de Janeiro, 1989.
WIJKMAN, A.; TIMBERLAKE, L. Desastres naturales: ¿Fuerza mayor u obra del hombre?. Londres: Earthscan, 1985.
WOLLE, C. M.; SILVA, L.C.R. Taludes. In: Solos da cidade de São Paulo. São Paulo: Associação Brasileira de Mecânica
dos Solos (Núcleo Regional de São Paulo), Associação Brasileira de Engenharia de Fundações e Serviços Geotécnicos
Especializados, 1992.
YAMAGUISHI, A.T. Áreas de estacionamento e gabaritos de curvas horizontais. In: Boletim Técnico da CET, n. 33.
São Paulo: CET - Companhia de Engenharia de Tráfego, 1983.
309
Bibliografia
310
Siglas
Autor
E-mail: farahfm@ipt.br
N
o Brasil, a ocupação de morros para habitação vem acontecendo em padrões
que variam entre o inadequado e o perigoso. O próprio Estado, em seus
empreendimentos habitacionais de interesse social, passou a ocupar terre-
nos mais acidentados, experimentando também sérios problemas nas implantações.
Nos morros, o crescimento desordenado das cidades acumula prejuízos para várias
gerações e torna-se evidente em episódios de desastres e na criação de paisagens
urbanas cada vez mais comprometidas e deterioradas, onde impera a improvisação.
Esta obra busca contribuir para a redução da lacuna gerada pela ausência de um
urbanismo para encostas no Brasil e pela rara produção de tipologias habitacionais
para este tipo particular de terreno. O livro trata da ocupação de encostas a partir de
aspectos históricos, sociais, legais, políticos e econômicos, contemplando também as
questões técnicas envolvidas. Dessa forma, evidencia a inadequação dos padrões
vigentes e sugere método para o projeto habitacional em encostas. Apresenta também
soluções alternativas, mostrando tipologias de habitações especialmente concebidas
para estas áreas.