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ed. tery )TTORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Consetho Ealitorial ‘Afonso Carlos Marques dos Santos lon Lages Lima Iwo Barbieri (Presidente) José Augusto Messias ‘Leandro Konder Lia Bernardo Leite Aradjo Leia blag As Representagies Sociais (7%) Denise JoDELET ‘Onaanzanona Li Ur wt oN Baird e uaery io de Janeiro 2001 PrEFACIO A EDIGAO BRASILEIRA A imorosa selegiio de textos no dominio das representagdes ‘ociais organizada por Denise Jodelet que ora chega ao leitor brasileiro constitui, sem diivida alguma, uma contribuigio da maior importancia para a consolidagao de tais estudos no pafs. Antes do surgimento deste livro, apenas um dos textos originais que fizeram a hist6ria européia da constituigao, do campo de estudo das representacdes sociais se encontrava disponivel em portugués. Essa grata exceco foi a primeira parte da obra seminal de Serge Moscovici, La psychanalyse, son image et son public, cuja tradugio' nos chegou em 1978, ou seja, logo dois anos apés o langamento de sua segunda edi¢ao na Franga. Desde entdo, pudemos dispor, salvo desconhecimento de alguma iniciativa recente, de apenas duas obras européias de apreciagiio retrospectiva da abordagem psicossocial das representagSes sociais, Trata-se da tradugdo da excelente resenha hist6rico-critica realizada por Robert Farr? na Gri- Bretanha, acerca das raizes da moderna psicologia social, nelas situado o advento da teoria das representagGes sociais, e os capitulos de Jorge Correia Jesuino e de Jorge Vala em uma obra coletiva portuguesa,’ nos quais os autores buscam, respectivamente, caracterizar a emergéncia da psicologia social européia ©, no Ambito desta, a psicologia social do conhecimento consubstanciada pela perspectiva das representagdes sociais. E, por certo, de se lamentar’€ demora com que 0 contetido, miiltiplo € diversificado, de As Representagdes Sociais vem a set mais amplamente é Moscovii,S. A RePresenuljdo Socal da Pricandlse. Rio de Jncco: Zaha, 1978 2 Fa, RM. As rites da Psicologia Socal moderna, PeuSpolis: Voue, 1997 Vala J. & Monciro, M.B. (orgs). Psicologia Socal, Lisboa: Cabuste Gulbenkian, 1993. 4 8 (Celso Pereira de SA socializado entre nés, visto que, desde sua primeira edigao em 1989, ele jé se tornara de citagio obriga:6ria por aqueles que se incumbiam de difundir a teoria e a pesquisa das tepresentagdes sociais no Brasil. Nao obstante, embora sua primeira edigdo date de doze anos atrés, o livro recebeu na Franga mais quatro edig6es consecutivas, a tiltima das quais, em 1997, deu origem & presente tradugdo brasileira. Esse interesse continuo mostra que, longe de constituir uma obra ultrapassada pelo tempo, ela tem justamente 0 mérito de manter a atualidade de textos j4 hoje cldssicos no desenvolvimento histérico recente desse campo de estudos. De fato, em varias éas obras brasileiras de difusio acima aludidas encontra-se, dentre outros empréstimos tomados deste livro, uma transcri¢o da definigo de representagdo social proposta por Jodelet em seu capitulo “Representagées Sociais: um dominio em expansto”. Diz a autora que a representagdo social é “uma forma de conhecimento socialmente elaborada © compartilhada, que tem um objetivo prético € concorre para a construgdo de uma realidade comum a um conjunto social”. & interessante observar que esta definicao surge ao fim de um perfodo - contribui para encerré-lo ~ de criticas bastante acirradas ao conceito inaugurado por Moscoviei, que surgiram principalmente nos pafses de lingua inglesa mas também em outras partes, inclusive no Brasil. Este € um dos varios indicadores de sucesso de uma tarefa continua, de que Denise Jodelet espontaneamente se incumbira, qual seja, a de sistematizar os variados e ricos esforgos de desenvolvimento do novo campo de estudos psicossociais. ‘A reunido, neste livro, de algumas das contribuigdes mais significativas de dezoito autores envolvidos com o surgimento desse novo paradigma no dominio das ciéncias sociais — seja no sentido de promové-lo, de desdobré-lo te6rica e metodologicamente, de buscar articulagdes interdisciplinares, de descortinar ‘campos relevantes de aplicago pritica ou mesmo de criticé-lo — € outro inequivoco testemunho do sucesso do empreendimento de Jodelet. Tem-se aqui uma consistente documentago académica que pode seguramente beneficiar todos aqueles que ora voltam sua atengfo, interesse ¢ produtividade para tal dominio do conhecimento, ainda em construgao, ¢ passam assim a também fazer parte do processo histérico-cientifico de sua consolidagao no Brasil. ‘Alguns desses autores so historicamente responsdveis pelo desdobra- mento da teoria original de Moscovici em trés correntes te6ricas complementares, que se tém mostrado, por suas proposigdes e desenvolvimentos metodolégicos, excepcionalmente titeis & operacionalizagao da nogdo de representagées sociais, para os fins da pesquisa empfrica e da intervengo sobre as priticas sociais. A primeira dessas correntes, mais fiel & teoria original e associada a uma perspectiva etnogréfica, deve-se a influéncia de Denise Jodelet, em Paris. A Preficio A edigio brasileira ° segunda se propée a articular a teoria das represertagdes socials com uma perspectiva mais sociolégica e é liderada por Willen Doise, em Genebra. A terceira, que enfatiza a dimensdo cognitivo-estrutural das representacées, tem em Jean-Claude Abric seu principal representante, mas est também ligada aos nomes de dois outros autores de Aix-en-Provence inclufdos no livro: Claude Flament e Pierre Verges. Interessantemente, tais autores tém mantide uma relagio privilegiada com o estudo das representagées sociais no Brasil, ji tendo visitado ¢ trabalhado em algumas de nossas universidades, bem como recebido visitas de nossos estudiosos, em diferentes ocasides ¢ circunstincias, Mas € Denise Jodelet quem mais se destaca no amplo programa de cooperagio entre a Europa ¢ a América Latina a propésito desse campo de estudos. Nao apenas foi ela quem nos trouxe, hé cerca de vinte anos, as primeiras noticias a respeito da teoria das representagées sociais, mas tem também, durante todo esse tempo, alimentado continuamente tal intercdmbio. Foi com a autoridade dessa experiéncia que Denise expressou certa vez um sentimento que nos enche de justo orgulho, qual seja, 0 “de se estar assistindo & formagdo de uma ||verdadeira escola brasileira” no dominio das representagdes sociais, capaz ainda de contribuir em muito para seu desenvolvimento. Ela se referia ao crescente ntimero de livros, capitulos de livros, artigos em periddicos nacionais e internacionais, teses e dissertagées, que pudera testemunhar ao longo de sua convivéncia conosco. Dentre os livros e coletaneas de trabalhos constantes de tal inventério, encontrar-se-iam pelo menos os seguintes: Spink (1993), Guareschi e Jovchelovitch (1994), S4 (1996), Arruda (1998), Moreira ¢ Oliveira (1998), Sé (1998), Madeira e Tura (1998) e Jovehelovitch (2000). A rigor, todos eles trazem, de alguma maneira, a marca de um contato anterior com a obra de Denise Jodelet. E interessante ressaltar ainda que a maioria das coletineas referidas veicula néo apenas a produgdo brasileira, mas também trabalhos de autores estrangeiros convidados, como S. Moscovici (em prefécio), JC. Abric, R. Farr, M.-L. Rouquette, G. Duveen, W. Wagner, H. Joffe, N. Morant e D. Rose, M. Morin ¢ J.-P. Moatti, E. Lage ¢ a propria D. Jodelet. Certamente «Spin, Mc 1 (en). 0 conhecinenn no caidas. Sty Paso: Basins, 193 Gusti, B &ovehlovich, 8. (rs). Testor qyReresenases Soi, Perplis: Vues, 1994 SKC. P.Miclo cena dar Represenucies Soa. Pepe: once 198 ~ Arruda. A (org), Represetndeo alerdade- Popol: Veves, 1958 Moi, Os 0 (gs) dr medias deeper Sai Cia: ABE "998 $4... A eomsrarao do oben de pesguse 3 Reprennases Soci io de Sci: BAUER, 1598 “oselt,D'¢ Madey. M.£orga) Aids Repreetater Soci, Na EDUFRN, 1998 loveheloich, 8. Repertarser Soca xfer pubic. Peapl, Vous, 2000 \ 10 Celso Pereira de $4 so presengas que se fizeram, de tma forma o1 de outra, na esteira do generoso relacionamento acatiémico ¢ afetivo que se estabeleceu entre Den:se € seus numerosos amigos bresileiros, dentre os quais tenho @ grata satisfaco de me incluir. Mas no é apenas como amigo e pesquisaéor do campo que tenhe 0 prazer de prefaciar esta tradugio brasileira de Les Représentatiens Sociales. Faco-o também institucionalmente, ow seja, como vice-reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que se orgulha de proporcionar ao piiblico de Vingua portuguesa, por meio de sua editora, uma familiarizagao “nais 2streita com esta obra classica, imprescindivel a uma corpreensio plena da importincia e do alcance da teoria e da pesquisa das representagdes sociais nos Ambitos da Psicologia Social, das Ciéncias Sociais em geral e dos diversos domfnios aplicados que tm com elas estabelecido proveitosas interfaces. Celso Pereira de Sé APRESENTAGAO. Denise Jodelet Propesor iar da Ecole dee Haste BruesenSciece Socials (Parb). Aw de representagio social, que ha mais de vinte anos vem suscitando numerosos trabathos e debates em Psicologia Social, tende a ocupar uma posigo central no campo das Cigncias Humanas € Sociais, onde a propenso a se reportar As representagdes no péra de crescer. Este movimento, iniciado na Franga sob 0 impulso de Serge Moscovici, vem encontrando um interesse crescente em diversos paises, na Europa ¢ além-mar. A bibliografia apresentada no final do presente volume teflete o estado da arte, confirmado pelos encontros cientificos internacionais organizados em torno do estudo das representagdes sociais e pelo mimero de simpésios e comunicagdes que a elas fazem referéncia, Desde 1990, outros sinais vém atestando a vitalidade do campo de pesquisa. Um exemplo disso é a organizago da Rede Internacional de Comunicagio sobre Representagées Sociais (Social Representations Communication Network), para facilitar a difusdo de informagdes relativas as pesquisas e aos trabalhos empiricos. Esta rede, incentivada por W. Wagner da Universidade de Linz, na Austria, retine mais de 300 pesquisadores pertencentes aos seguintes paises: Alemanha, Inglaterra, Argentina, Australia, Austria, Bélgica, Bolivia, Bulgétia, Brasil, Canadé, Chile, Costa do Marfim, Cuba, Espanha, Estonia, Estados Unidos, Finlandia, Franga, Grécia, Hungria, {ndia, Irlanda, Israel, Itélia, Japiio, México, Nova Zelandia, Noruega, Polénia, Portugal, Reptblica Eslovaca, Reptiblica Tcheca, Roménia, Russia, Eslovénia, Suécia, Sufca e Venezuela. Em seguida, houve a criago de uma revista bianual para essa rede, que, concdbida como espago de discussiio e inicialmente Thamada Ongoing Productions on Social Representations, e, p6s 1993, Papers on Social Representations, & comum aos Institutos de Psicologia da ‘ 2 Denise Jodelst Universidade de Linz, da Universidade Técnica de Berlim, aos Departamentos de Psicologia da Universidade Auténoma de Barcelona e da Universidade de Montpellier IIT recebe ajuda do LaboratSrio Europeu de Psicologia Social da Maison des Sciences de Homme de Paris. E, finalmen:e, a realizagio, a cada dois anos, de conferéncias internacionais sobre representagdes socia's, que reuniram varias centenas de pesquisadores na [télia (Ravello, 1992), no Brasil (Rio de Janeiro, 1994) e na Frangz (Aix-en-Provence, 1996). A pesquisa sobre representagSes sociais apresenta um cardter ao mesmo tempo fundamental e aplicado e recorre a metodologias variadas: experimentagio em laboratério e campo; enquztes por meio de entrevistas, questiondrios e técnicas de associagdo de palavras; observagio participante; andlise documental ¢ de discurso etc. Ela toca em dominios e assuntos diversos. Lembremos os principais: dominio cientifico (teorias e disciplinas cientificas, difustio de conhecimentos, didética das ciéncias, desenvolvimento tecnolégico etc.); domfnio cultural (cultura, religido); dominios social e institucional (politica, movimentos sociais, economia, desvio e criminalidade, sistema juridico etc.); dominio da produgio (profissdes, trabalho, desemprego etc.); dominio ambiental (espagos construfdos e naturais, cidades, riscos ambientais etc.); dominio biolégico € médico (corpo, sexualidade, esporte, satide, doenga etc.); dominio psicolégico (personalidade, inteligéncia, grupos etc.); dominio educacional (instituigio escolar, papéis, formagdo etc.); estudo de papéis € atores sociais (criangas, mulheres, homens, diferenciagao de género etc.); relagdes intergrupais (nagao, etnias, sexos, categorias sociais, identidade etc.). ‘So muitos os elementos que atestam a fecundidade da nogdo, sua maturidade cientifica e sua pertinéncia para tratar dos problemas psicolégicos e sociais de nossa sociedade. Eis por que nos pareceu necessério situar o estado da pesquisa a respeito, destacando suas articulagdes tedricas € seus eixos de desenvolvimento maiores. E disso que trata esta obra. A primeira parte ~ aps 0 esbogo do campo de estudo das representagdes sociais em suas linhas mestras (cap. 1, por D. Jodelet) e sua hist6ria (cap. 2, por S. Moscovici) — examina algumas relacdes privilegiadas mantidas com outras dreas de estudo ou disciplinas de pesquisa: a Psicandlise (cap. 3, por R. Kas); a Antropologia (cap. 4, por D. Sperber); a Linguagem (cap. 5, por R. Harré); a Logica Natural (cap. 6, por J.-B. Grize); a Sociologia e a listica (cap. 7, por U. Windish). A segunda parte da obra est4 centrada mais especificamente no estudo psicossociolégico das representagdes sociais e em suas relagdes com conceitos centrais da Psicologia Social. Dois capitulos ilustram os progressos mais marcantes no estudo experimental e estrutural das representagdes (cap. 8, por J.-C. Abric, e cap. 9, por C. Flament). Em seguida, aborda-se a articulagao do Apresentasio tratamento das representagdes sociais com o das atitudes (cap. 10, por W. Doise), 0 dos protétipos (cap. 11, por G. Semin) ¢ 0 de atribuigio social (cap. 12, por M. Hewstone). © modo como as representacdes sociais so abordadas em campos de pesquisa ou de aplicagao especificos se constitui no objeto da terceira parte. Inicialmente consideram-se os dominios da Antropologia Médica (cap. 13, por F. Laplantine) e das profissdes psicolégicas (cap. 14, por A. Palmonari eB. Zani). Em seguida, trés capitulos so consagrados & infancia (cap. 15, por M.-J. Chombart de Lauwe e N. Feuerhahn), ao desenvolvimento cognitivo (cap. 16, por W. Doise) e ao campo educative (cap. 17, por M. Gilly). Finalmente, a difusdo dos conhecimentos € tratada em relag&o A Economia (cap. 18, por P. Vergés) e como forma de dar maior visibilidade a ciéncia (cap. 19, por B. Schiele e L. Boucher). Antes de tudo, esta obra é um empreendimento coletivo, ao qual tive © prazer de servir. Agradeco aos autores que, vindos de horizontes ¢ pafses diversos, aceitaram expor sua ciéncia e sua obra, com 0 objetivo de aclarar ¢ enriquecer um setor em plena evolugao e, por isso, de abordagem delicada. Com uma preocupaco notavel de torné-lo acessfvel, realizaram um trabalho de sfntese e exploracao, que faz deste livro mais do que uma introdugiio ao estudo das representagdes sociais: as pistas abertas por seus balangos, observagées ¢ criticas dario A pesquisa um novo impulso. 7) PRIMEIRA PARTE AS REPRESENTACOES SOCIAIS NO CAMPO DAS CIENCIAS HUMANAS oe REPRESENTAGOES SOCIAIS: UM DOMINIO EM EXPANSAO Denise Jodelet Prafessora ilar da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociale: (Pars) empre h4 necessidade de estarmos informados sobre o mundo & nossa volta. Além de nos ajustar a ele, precisamos saber como nos comportar, dominé-lo fisica ou intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se apresentam: é por isso que criamos representagSes. Frente a.esse mundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou idéias, néo somos (apenas) automatismos, nem estamos isolados num vazio social: partilhamos esse mundo com 0s outros, que nos serve de apoio, as vezes de forma convergente, outras pelo conflito, para compreendé-lo, administré-lo ou enfrenté-lo. Eis por que as representagGes so sociais e to importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diria, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisées e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva. Com as representagdes sociais, tratamos de fenémenos observaveis diretamente ou reconstrufdos por um trabalho cientifico. De alguns anos para cA, estes fendmenos vém-se tornando um assunto central para as ciéncias humanas. Em torno deles constituiu-se um dominio de pesquisa dotado de instrumentos conceituais e metodolégicos préprios, que interessa a varias disciplinas, como se pode depreender da composigio deste livro. Este capitulo esboga um quadro deste dominio e das questdes tratadas sobre essas realidades mentais, cuja evidéncia nos é sensivel cotidianamente. ~~ Na tealidade, a observagdo hs representagdes sociais é algo natural em miltiplas ocasides. Blas circulam nos discursos, sao trazidas pelas palavras e veiculadas em mens@gens imagens mididticas,' cristalizadas No original, médiatiques ~elaivas & midia. (N. T.) ‘ 18 Denise odelet em condutas e em orgenizagdes materiais ¢ espzciais. Nada melhor do que um exemplo para ilustrar, REPRESENTAGOES SODIAIS NO TRABALHO Este exemplo se refer2 aos fendmenos qu2 acompanharam, no inicio dos anos 80, o aparecimento da Aids — primeira doenca cujas hist6rias mécica e social se desenvelveram juntas, A midia e as pessoas se apoceraram deste mal descenhecido e estranho. cuja proximidade ainda nfo tinha sido reveleda. A auséncia de referéncias médicas favoreceu uma qualificagao social da doenga, mesmo com a permissdo da andlise do discurso da midia na observaza0 de uma ripida conjugagiio do progresso de conhecimentos cientificos e de imagens construidas ne espa¢o pablico, em torno da Aids e de suas vitimas (Herzlich e Pierret, 1988). Antes que a pesquisa biclégica trouxesse alguns esclarecimentos scbre a natureza da Aids, as pessoas elaboraram teorias apoiadas nos dados de que dispunham, relativos aos portadores (drogados, hemofilicos, homossexuais, receptores de transfusdes) ¢ aos vetores do mal (sangue, esperma). O que se sabia sobre a transmissdo da doenga e de suas vitimas favoreceu, em particular, a ecloséo de duas concepgdes: uma de tipo moral e social, outra de tipo biolégico, com a influéncia evidente de cada uma delas sobre os comportamentos, nas relagées intimas ou para com a pessoas afetadas pela doenga. No primeiro tipo de interpretacao, considera-se a Aids uma doenga- punigéo que se abate sobre a licenga sexual. Markova e Wilkie (1987) encontraram nos meios de comunicagao expressées em que a Aids é vista — tal qual a sifilis (Quetel, 1986) ~ como efeito de uma sociedade permissiva, uma condenagao pelas condutas degeneradas, uma punigdo pela irresponsabilidade sexual, um flagelo do qual sio poupados “os bons cristios que nem sonham em se comportar mal”. Ao lado desta visio, observam um retorno aos valores familiares tradicionais, o que representa simultaneamente uma garantia de protegdo contra a doenca e a defesa de uma ordem moral conservadora. Daf a deniincia das medidas que visam a assegurar uma vida sexual livre mas sadia, particularmente pelo uso dos preservativos. Esta interpretagio moral espontinea foi amplamente encorajada pelas insténcias religiosas. Pollack (1988) cita 0 exemplo do Brasil, onde a Conferéncia Nacional dos Bispos se levantou contra as campanhas governamentais de promogao do preservativo, qualificando a Aids de conseqiiéncia da decadéncia moral, castigo de Deus ou vinganga da natureza, Nesse caso, a proibigio religiosa veio reforgar as prevengdes de um machismo ambiente bastante desenvolvido: 0 qualificativo de homosexual como designago apenas daquele Representagies sociais: um dorsinio en expansio » que ocupa uma posigio feminina; os parceiros ativos ro se sentem aiingidos pelas medidas ligadas 4 homossexualidade, que julgam difamantes para si proprios. Esta visio moral faz da doenga um estigma social que pede provocar ostracismo e rejeigdo e, da parte daqueles que so assim estigmatizados ou exclufdos, submissio ou revolta. SubmissAo do travesti brasileiro, de quem ouvi: “Nao hé precaugao a tomar, jé que € uma doenga moral para punir 0 pecado. Se ela tem de vir, vem”. Revolta diante do uso social da doenga, considerada em 1985, por 70% dos homossexuais franceses, como pretexto para condenar a homossexualidade (Pollack, 1988). Revolta do cantor basco Ochoa, que disse, em 1988, numa entrevista ao jornal El Correo, que “a Aids 6 uma doenga inventada para excluir os homossexuais, sobretudo nos Estados Unidos, onde comegaram a surgir prefeitos ¢ candidatos homossexuais & eleigdo presidencial”. Revolta do antigo combatente do Vieini, atingido pela Aids, declarando a um jornalista nova-iorquino: “Terho essa teoria sobre a Aids: a doenga é feita pelo homem; é uma conspirago governamental em escala mundial para exterminar o indesej4vel. Eles querem cometer um genocidio conosco”. Esta interpretagao politica e criminal repete os rumores que imputavam a epidemia a experimentagdo de um produto para a guerra bacteriol6gica; exprime uma posigdo pessoal de vitima social marginalizada, apoiando-se num precedente hist6rico: o genocidio. Teoria politica e criminal que propaga rumores de forma a relacionar a origem do mal 4 experimentago de um produto utilizado para a guerra biol6gica. Desde 0 infcio, um outro aspecto da Aids acertou o piblico em cheio — sua transmissio pelo sangue e esperma, dando lugar a uma visdo biolégica muito mais inquietante: 0 contdgio poderia ocorrer também por meio de outros Ifquidos corporais além do esperma, particularmente a saliva e 0 suor. Assim, reavivavam-se crengas antigas, cujo vigor pude constatar a propdsito da representagio da doenga mental (Jodelet, 1989). Estas crengas, onde se encontram vestfgios da teoria dos humores, relacionam o contégio pelos liquidos do corpo a sua osmose com sangue e esperma. Tal como no caso da doenga mental cuja degenerescéncia afeta os nervos, ¢ o sangue se transmite pela saliva e pelo suor, assim seria com a Aids e com a sffilis, que podem contaminar por meio do simples contato com as secregdes corporais ou pelos objetos sobre os quais estio deposigadas. Corbin (197) lembra que estas crencas conduziram a aberragdes no caso da sifilis, mesmo nos meios médicos mais renomados; que elucubragdgs foram forjadas a propésito da sifilis dos igocentes, contaminados por destuido. As mesmas ameacas se manifestam com a Aids: Saberfios os terrores que inspiraram e continuam a inspirar, apesar dos desmentidos do corpo médico. Este ressurgimento de crengas 20 Denise Jodelet arcaicas ocorre em v.rtude da falta de informagao. Paradoxalmente, isso favoreceu uma assimilagio da Aids a doengas contagiosas correntes, reforgando © peso inquietante desta doenga (Jodelet et al., 1994), Entretan:o, sua forca advém também de seu valor sirrbélico: desde a Antigilidade, 0 perigo do contato corporal € ura tema recorrente do discurso racista, que utiliza a referéncia biol6gica para fundamentar a excluséo da alteridade (Delacampagne, 1983). Entao, nao é surpreendente ver um movimento como a Frente Nacional unindo sob 0 mesmo andtema imigrantes ¢ aidéticos, langar-se contra os riscos de contdgio que representam esses tltimos, preconizar precaucdes obsessivas para as pessoas que cuidam deles, e, para 0 corpo social, medidas de protegio, chegando até a criagdo de espagos reservados, como 0 aidetério,? de conotagdes sombrias. Detenhamo-nos um instante neste exernplo histérico, que teve alguns dados modificados gragas & luta contra os tiscos de exclusio das pessoas infectadas pelo HIV e os riscos de contagio, bem como pela mobilizagio da solidariedade coletiva, agdes empreendidas por campanhas de informagio ¢ pela midia. O que ocorreu? Um acontecimento surge:no horizonte social, que no se pode mostrar indiferente: mobiliza medo, atengio e uma atividade cognitiva para compreendé-lo, dominé-lo ¢ dele se defender. A falta de informagao e a incerteza da ciéncia favorecem o surgimento de representagdes que vio circular de boca em boca ou pular de um veiculo de comunicagao a outro. Desde 0 cartaz brandido nas ruas dos Estados Unidos (Jeanneney, 1987): “Deus nao criou Adam e Steve” (observe-se a imagem televisionada — 0 filhos na novela “Dinastia”, em que um, Steve, & homossexual ~ é elevada ao nivel da imagem biblica do casal Adio ¢ Eva, para significar a ilegitimidade da inversdo), até os jornais, a televisdo (investidos, além disso, de um papel educativo) e os panfletos politicos ou outros textos alarmistas. Elaboradas com 0 que se apresenta, estas representagdes se inscrevem nos quadros de pensamento preexistentes e enveredam por uma moral social — faga-se ou nao o amélgama entre perigos fisico e moral. A liberdade do sexo seguro se opée as “virtudes” da tradigao e encontra af um novo cavalo de batalha, sustentado pela autoridade religiosa. Valores e modelos sociais carregam de contetidos diferentes a palavra Aids, a doenga e suas vitimas Representagdes biol6gicas correspondentes a saberes enterrados na meméria social ressurgem, por causa de seu valor simbélico, as vezes orquestrado com fins politicos e sociais. Forjam-se palavras portadoras de representagao / aidético soa como “judaico”, “aidet6rio” como “‘sanat6rio” ou “cremat6rio”* 1 No orignal a Aids € chamads side, dal sidzorium € aidet6rio.(N.T.) No orignal sidigue (aidéico) #00 come judaique (vdsico,sdavorium (aidetrio) como sanatorium (sanatéci) 08 crematorium (crematteio), (N.T.) Representagies sociais: um dominio em expursio n com um poder de evocagao tal que induzem a enquadrar os doentes numa categoria & parte ¢ a adotar ou justificar condutas de discrimainagao. Assim, duas representagdes — uma_moral ¢ cutra bioldgica - sto construidas para acolher um elemento novo: veremos que se tata de uma fungao cognitiva maior da representacio social. Ap6iari-se em valores varidveis — segundo os grupos sociais de onde tiram suas significagées ~ em saberes anteriores, reavivados por uma situago social particular: notaremos que so processos centrais na elaboragio representativa, Estio ligadas tanto a sistemas de pensamento mais amplos, ideolégicos ou culturais, um estado dos conhecimentos cientificos, quanto 4 condigao social ¢ a esfera da experiéncia privada e afetiva dos individuos. As instancias ou substitutos institucionais e as redes de comunicagio informais ou da midia intervém em sua elaborago, abrindo caminho a processos de influéncia e até mesmo de manipulagao social — constataremos que se trata de fatores determinantes na construgdo representativa, Estas representacdes formam um sistema e dao lugar a teorias espontaneas, versoes da realidade encamnadas por imagens ou condensadas por palavras, umas ¢ outras carregadas de significages — concluiremos que se trata de estados apreendidos pelo estudo cientifico das representagdes sociais. Finalmente, por meio destas varias significagdes, as representagdes expressam aqueles (individuos ou grupos) que as forjam e dio uma definig’o especffica a0 objeto por elas representado. Estas definigGes partithadas pelos membros de um mesmo grupo constroem uma visdo consensual da realidade para esse grupo. Esta visio, que pode entrar em conflito com a de outros grupos, é um guia para as agdes e trocas cotidianas — trata-se das fungdes e da dindmica sociais das representagdes. ABORDAGENS DA NOCAO DE REPRESENTACAO SOCIAL Este exemplo mostra, como tantos outros poderiam fazé-lo, que as representagées sociais sio fendmenos complexos sempre ativados ¢ em agio na vida social. Em sua riqueza como fendmeno, descobrimos diversos elementos (alguns, as vezes, estudados de modo isolado): informativos, cognitivos, ideolégicos, normativos, crengas, valores, atitudes, opinides, imagens etc. Contudo, estes elementgs sao organizados sempre sob a aparéncia de um saber que diz algo sobre “estado da realidade. E esta totalidade significante que, em relagao com a a¢a0, encontra-se no centro da investigaco cientifica, a qual atribui como téefa descrevé-la, analisd-la, explicé-la em stfas dimensdes, formas, processos e funcionamento. Durkheim (1895) foi o primeiro a identificar tais objetos como produgdes mentais sociais; extraidos \ 2 Denise fodetet, de um estudo sobre a ideagao coletiva. Moscavici 2196.) renovou ¢ and insistindo sobre « especificidade dos fer 6meno: representativos nas scciedad. ccntemporaneas, caracterizadas por: intens dade e fuidez das tro comunicagézs; desenvolvimento da ciéncia; plaralidade e mobilidade soc ait Nosso exemple permite também a aproximagao de uma primeira caracterizagio da representagio social, sobre a qua. a comunidade cientifica esté de acordo: € uma forma ce conhecimento, socizlmente elaborada partilhada, com um ‘OBjetivo pritico, & que contribui para a construgac de uma fealidade comuin 2 Um cojunto social, Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saver ingSnuo, natural, esta forma de conhecimento € difezenciada, entre outras, do conhecimento cientifico Entretanto, é tids como um objeto de estudo t2o legftime quarto este, devido & sua importancia na vida social e & elucidagao possibilitadore dos processos cognitivos e das interagdes sociais. Geralmente, reconhece-se que as representagdes sociais — enquanto sistemas de interpretagdio que regem nossa relagio com o mundo e com os outros — orientam e crganizam as condutas e as comunicagdes sociais. Da mesma forma, elas intervém em processos variados, tais como a difusio e a assimilagio dos conhecimentos, 0 desenvolvimento individual e coletivo, a definigao das identidades pessoais e soci transformagoes sociais. ‘Como fendmenos cognitivos, envolvem a pertenga social dos individuos com as implicagdés afetivas e normativas, com as interiorizagbes de experiéncias, préticas, modelos de condutas € pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicagao social, que a ela estio ligadas. Por isso, seu estudo constitui uma contribuigdo decisiva para a abordagem da vida mental individual e coletiva. Desse ponto de vista, as representages sogiais so abordadas concomitantemente como produto € processo de uma atividade de apropriagao da realidade exterior ao pensamento e de elaboracdo psicolégica e social dessa realidade. Isto quer dizer que nos interessamos por uma modalidade de pensamento, sob seu aspecto constituinte ~ os processos — € constitufdo — os produtos ou contetidos. Modalidade de pensamento cuja especificidade vem de seu cardter social. De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensa- mento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto. Este pode ser tanto uma pessoa, quanto uma coisa, um acontecimento material, psiquico ou social, um fendmeno natural, uma idéia, uma teoria eic.; pode ser tanto real quanto imagindrio ou mitico, mas € sempre necessirio, Nao hé representagio sem objeto. Quanto ao ato de pensamento pelo qual se estabelece a relagdo entre sujeito e objeto, ele possui caracterfsticas especificas em relagdo a outras se Representages sociais: um dominio en exransio i atividades mentais (perceptiva, conceitual, mnem@nica etc.). Por oairo lado, a representagao mental ~ como a pictérica, a tearral ou a politica — apresenta esse objeto, o substitui, toma seu lugar; toma-o presente quanilo ele estd distante ou ausente. E assim o representante mental do objeto que ela restitui simbolicamente. Além disso, contetido concreto_do at Além disso, gonterido coneret> do: fepresentagaio menital traz a marca do sujeito e de sua aividal aspecto remete As caracteristicas de consirugao, criatividade ¢ autonomia da Tepresentagdo, que comportam uma parte de reconstrugio, de interpretagao do objeto e de expressio do sujeito Estas caracteristicas gerais do fato de representagao explicam os focos das pesquisas que tratam das representagdes sociais: consideragao da particularidade dos objetos; dupla centragao — sobre contetidos e sobre processos; atengio A dimenso social suscetfvel de infletir a atividade representativa e seu produto. Partindo da riqueza fenoménica observada intuitivamente, as difererites abordagens vao recortar objetos que sero colhides, analisados e manipulados, gracas a procedimentos empfricos comprovados, para desembocar em constructos cientificos, sujeitos a tratamento te6rico. A riqueza da nogo de representacao — como a diversidade das correntes de pesquisa — presta-se a Aingulos de ataque e 6ticas variados no tratamento dos fenémenos representativos. Vamos tentar seguir algumas pistas maiores. Mas antes, uma constatagio. VITALIDADE, TRANSVERSALIDADE E COMPLEXIDADE Qualquer pessoa que observe o campo de pesquisa hoje cristalizado em torno da nogio de representagio social nio deixaré de notar trés particularidades marcantes: vitalidade, transversalidade e complexidade A vitalidade: eis uma nogdo doravante consagrada nas Cigncias Humanas por um uso que, j4 hd uma década, tende a se generalizar, mas que, desde Durkheim, tem sido constante, Rapidamente caida em desuso, a nogo de representagao social, apés ter sido relangada na Psicologia Social por Moscovici, ainda teve de passar por um periodo de laténcia, antes de mobilizar uma vasta corrente de pesquisa da qual a bibliografia constante no inicio deste livro dé uma primeira idéia. Esta intensificagdo é atestada nio s6 pela quantidade de publicagées, mas jafhbém pela diversidade dos pafses onde € empregada, dos dominios onde & aplicada, das abordagens metodolégicas te6ricas que inspira, Tal conquista se explfSa pela supresso de obsticulos de tipo “epistemoldgtco que impediram o desdobramento da nogdo. Sob esse Angulo, Moscovici (cap. 2) aborda a fase que precedeu a retomada da nogio de Tepresentagao social. Para o perfodo seguinte, indiquei em outras obras (Jodelet, a 4 Denise Jodeiet 1984 e 1985) como seu desenvolvimento teve de enfrentar, dentre outros, un. duplo aprisionamento. Primeiramente, em Psicologia, por causa do dominin do modelo behaviorista, cue negava qualquer validaée A consideragio dos fendmenos mentais e de sua especificidade. Em seguida, nas Ciéacias Sociais, em virtude do domfnio de um modelo marxista, cuja concepgdo mecenicista das relag6es entre infra e superestrutura negava qualquer legitimidade a este campo de estudo, tido como povoado de puros reflexos ou suspeito de idealismo. Mas a evolugde das pesquisas ¢ as mudangas de paradigmas nas diversas Ciéncias Humanas devolveram & nogdo toda sua atualidade, abrindo perspectivas fecundas, inclusive com novas pesquisas Em Psicologia procuziu-se uma reviravolta, descrita por Markus & Zajonc (1987), que foi ao encontro do ponto de vista defendido desde 1961 por Moscovici. Nos anos 70, com c declinio do Behaviorismo ¢ as revolugdes do new look, , nos anos 80, do Cognitivismo, o paradigma estimulo-resposta (S-R) se enriqueceu progressivamente. Em um primeiro momento, 0 sujeito ~ denominado organismo ~ é integrado ao esquema original como instancia mediadora entre o estimulo e a resposta, traduzido pelo esquema S-O-R. Em um segundo momento, levando-se em conta as estruturas mentais, as representagdes — estados psicolégicos internos correspondentes a uma construgdo cognitiva ativa do ambiente, tributéria de fatores individuais & sociais — recebem um papel criador no processo de elaboragao da conduta. O que 0 esquema O-S-O-R exprime, que, por sua vez coincide com a proposta de Moscovici em sua critica ao esquema S-R, ao dizer que a representagao determina ao mesmo tempo o estimulo ¢ a resposta, é que nfo hé “ruptura entre 0 universo externo ¢ 0 universo interno do individuo (ou do grupo)” (1969, p. 9) O conceito, renovador em Psicologia Social, aparece como reunificador nas ciéncias sociais. A mudanga das concepg6es de ideologia (transformada, com os trabalhos da escola althusseriana, em instincia aut6noma, contexto de toda pritica, produzindo efeitos de conhecimento e dotada de uma eficdcia prépria) leva a superar as aporias da hierarquizagio dos niveis da estrutura social e a reabilitar a representagao. Esta é concebida pelo historiador como um elemento necessdrio & cadeia conceitual, permitindo pensar “as relagdes entre 0 material e o mental na evolucdo das sociedades” (Duby, 1978, p. 20) antropélogo the confere as seguintes propriedades: particularizar, em cada formagao social, a ordem cultural (Héritier, 1979); ser constitutiva do real go social (Augé, 1974; Godelier, 1984); ter uma eficdcia prépria ser. Para 0 sociélogo, ela explica comportamentos politicos (Michelat e Simon, 1977) e religiosos (Maitre, 1972) e aparece, via sua objetivacdo na linguagem e sua aceitagio pelo discurso politico, como um Representagées sociais: um dom{nio en expansio Pri fator de transformagio social (Bourdieu, 1982; Faye, 1973), Desde 1961, algumas propriedades so atribufdas a represertagio social por Moscovici, com quem convergem, por outro lado, a Sociologia do Conhecimento elaborada no quadro do interacionismo simbélico (Berger e Luckman, 1966), a Etmometodologia (Cicourel, 1973) ¢ a Fenomenologia (Schutz, 1962), que relacionam a realidade social a uma construgio consensual, estabelecida na interagdo e na comunicagao. Entretanto, esta dindmica — que ultrapassa amplamente os limites do dominio psicossociolégico - nao é suficiente para explicar suz fisionomia atual. E preciso também se reportar a fecundidade da nogio, mensurével pela diversidade das perspectivas e dos debates que suscita. Uma das razSes que levaram Moscovici (1969, 1984) a restabelecer 0 uso da nogo foi a reagao contra a insuficiéncia dos conceitos da Psicologia Social, a limitagzio de seus objetos © paradigmas. Esta perspectiva critica pode provocar uma certa impreciséo nocional, razéo também de fecundidade. Na realidade, autorizou empreendimentos empfricos e conceituais diversos e a articulapdio da concepgao psicossociolégica a de outras disciplinas. também motivo de vitalidade na medida em que autoriza interpretages miltiplas da nogio e das discusses que so fonte de avangos te6ricos, Este florescimento se relaciona diretamente ‘com outras caracterfsticas que mencionamos: transversalidade e complexidade. Situada na interface do psicolégico e do social, esta nogo interessa a todas as Ciéncias Humanas: é encontrada em Sociologia, Antropologia Hist6ria, estudada em suas relagdes com a ideologia, os sistemas simbélicos eas atitudes sociais refletidas pelas mentalidades. Sperber (cap. 4) e Laplantine (cap. 13) ilustram assim a operacionalidade da nogao e seu enriquecimento em Antropologia. Ela alcanga igualmente, via processos cognitivos envolvidos, © campo da Psicologia Cognitiva, da cognigao social com a qual Doise (cap. 10 e 16), Semin (cap. 11) e Hewstone (cap. 12) examinam algumas articulagdes. Remetendo a uma forma de pensamento, seu estudo diz respeito também A légica abordada sob seu aspecto natural, por Grize (cap. 6), ou social, por Windish (cap. 7). Ainda nao é tudo. Como mostram Kaés (cap. 3), Chombart de Lauwe e Feuerhahn (cap. 15), pode-se observar na producao representativa o jogo da fantasmagoria individual e do imagindrio social, 0 que nos remete & Psicanélise. Da mesma forma, o papel da linguagem nos fendmenos representativos analisqdés por Harré (cap. 5) envolve também a teflexdo dos teéricos da linguagem (Fodor, 1981; Searle, 1983). Esta multiplicidade de relages com disciplinas préximas confere ao tratamento psicossociolégico da representao um estatuto transverso que interpela e “articula diveréos campos de pesquisa, reclamando ndo uma justaposigaio, mas uma real coordenagao de seus pontos de vista. Sem diivida, nessa 4 6 Den se Jodclet transversalidade reside uma das contribu ges mais promissoras desse campo de estudo. Portanto, a nogio de rep-esentagao social apre que ela permite abordar, uma certa complexidade 2m saa definiggo e em seu tratamento. “Sua posigao mista na encrazilheda de urna sfrie de conceito: sociol6gicos ¢ de conceitos psicolégico:” (Moscovici, 1976, p. 39) implica sua relagdo com processes de dindmicas social e psfquica e com a elaboragao de um sistema teérico também complexo. Por um lado, deve-se levar em consideragio © funcionament cognitive e 0 do aparztho psiquico, ¢, por ‘outro, c funcionamento do sistema social, dos grupos e das interagdes, na medida em que afetam a génese, a estrutura e a evolugio das representacies que sio afetadas por sua intervenga0. Como veremos, vasto programa, longe de jé efetivado, esta ainda em curso. Mas € preciso dizer: as representagdes sociais devem ser estudadas articulando-se elementos afetivos, mentais e sociais e integrando ~ ac lado da cognigiio, da linguagem e da comunicagao =a consideragiio das relagdes sociais que afetam as representagoes ¢ a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas tém de intervir. E nessa perspectiva que Moscovici formulou ¢ desenvolveu sua teoria (cf. principalmente 1976, 1981, 1982 e 1984), que constitui a nica tentativa sistemética e global existente hoje em dia, como lembra Kerzlich (1972). De fato, numa exploragio em permanente tensio entre os pélos psicolégico e social, os diferentes trabalhos desenvolvidos em laboratério em campo tiveram freqtientemente seu foco, por preocupagao heuristica, sobre aspectos bem circunscritos dos fendmenos representativos. Nao sem correr, as vezes, 0 risco de levé-los a acontecimentos intra-individuais ou de dilui- los em processos ideolégicos ou culturais, O desenvolvimento teérico da nogiio pode padecer de limitagdes e reducionismos, 0 que é preciso evitar, como sublinha Doise: enta, como os fendmenos ‘A pluralidade de abordagens da nogao e a diversidade de significagdes que veiculam fazem dela um instrumento de trabalho dificil de manipular. Mas a propria tiqueza ywem com que se hesite em fazé- € a variedade dos trabathos inspirados por ela la evoluir por um reducionismo que privilegiatia, por exemplo, uma abordagem exclusivamente psicolégica ou sociolégica. Seria exatamente tirar-Ihe sua fungdo de articulagio de diferentes sistemas explicativos. Nao se pode eliminar da nogdo tiplos processos individuais, de representagio social as referéncias aos mt interindividuais, intergrupais ¢ ideol6gicos que freqiientemente reagem mutuamente uns aos outros ¢ cujas dindmicas de conjunto resultam nessas realidades vivas que sto, em dilkima instancia, as representagGes sociais (Doise, 1986, pp. 19-83). Representagoes socias: um domtito em expansao ‘Além disso, deve-se desenvolver a teoria em unia atordagem que respeite a complexidade dos fendmenos e dz nogdo, mesmo que isso parega um grande desafio. O ESPACO DE ESTUDO DAS REPRESENTAQOES SOCIAIS Durante mais de vinte anos, constituiu-se, particularrnente em Psicologia Social, um campo, objeto de matérias de revistas ¢ de comentirios diversos (Codol, 1969; Farr, 1977, 1984 e 1987; Harré, 1984; Herzlich, 1972; Jodetet, 1984; Potter e Litton, 1985), cujas conquistas apresentam nitidas convergéncias. Entretanto, a multiplicidade das perspectivas desenha territ6rios mais ou menos auténomos, em fungdo da énfase dada a aspectos especificos dos fendémenos representativos. Daf resulta um espago de estudo multidimensional que vamos tentar balizar, com 0 auxflio do quadro 1, que sintetiza as probleméticas e seus eixos de desenvolvimento. : No centro desse quadro figura o esquema de base, que caracteriza a representagio como uma forma de saber pritico ligando um sujeito a um objeto. Todos os territérios se revinem nesse esquema, mesmo que confiram a seus termos um alcance ¢ implicagdes varidveis. Nele encontramos elementos e relages, j4 mencionados, cujas modalidades as pesquisas buscam especificar e explicar. Vejamos quais so, antes de examinar as pesquisas: + a representaco social é sempre representagdo de alguma coisa (objeto) ¢ de alguém (sujeito). As caracteristicas do sujeito e do objeto nela se manifestam; + a representagao social tem com seu objeto uma relagdo de simbolizago (substituindo-o) ¢ de interpretagio (conferindo-lhe significagées). Estas significagoes resultam de uma atividade que faz da representacao ‘uma construgo ¢ uma expresso do sujeito. Esta atividade pode remeter a processos cognitivos ~ 0 sujeito é entio considerado de um ponto de vista epistémico -, assim como a mecanismos intrapsiquicos (projegdes fantasmiticas, investimentos pulsionais, identitérios, motivagdes etc.) — 0 sujeito ¢ considerado de um ponto de vista psicolégico. Mas a particularidade do estudo das representagdes sociais € o fato de integrar na andlise desses processqs ra pertenga ¢ a participagdo, sociais ou culturais, do sujeito. Bo qué“a distingue de uma perspectiva puramente cognitivista ou clfnica. Por outro lado, ela também pode relacionar-se Aatividade mental de umigrupo ou de uma coletividade, ou considerar essa atividade como o efeito de processos ideol6gicos que atravessam 0s individuos. Mais adiante voltaremos a esses pontos essenciais; i 28 Denise Jodelet + forma de saber: a -epresentagio sera apresentada 2omo uma mode'izagio do dbjetodiretamente egivel em (ou inferida de) diversos suporees lingiifsticos, comportameatais ou mater ais. Todo estudo de representarao passard por uma anilise das caracteristicas ligades ao fato de que ela é ums forma de conhecirrento; + qualificar esse saber de pritico se refere a experiéncia a partir da qual ele é produzido, aos contextos e condigdes em que ele 0 € e, sobretudo, ao faro de que a representacao serve para agir sotre o mundo e o outro, que desemboca em suas fungdes e eficicia sociais. ‘A posigdo ocupada pela representagio no ajustamento prético do sujeito a seu meio faré com que seja qualificada por alguns de compromisso psicossccial. ‘As questdes levantadas pela articulagao deste conjunto de elementos de relagées podem ser condensadas na seguinte formulagio: “Quem sabe € de onde sabe?"; “O que © como sabe?”: “Sobre 0 que sabe € com que efeitos?”, Estas perguntas desembocam em trés ordens de probleméticas apresentadas, da esquerda para.a direita, no quadro 1: a) condigdes de produgio € de circulagao; b) processos ¢ estados; c) estatuto epistemolégico das representagdes sociais. Estas problemiticas so interdependentes e abrangem os temas dos trabalhos teéricos e empiricos. Se acompanharmos o hist6rico do campo de pesquisa, teremos de nos voltar & relagdo da representagio com a ciéncia e a sociedade. De fato, quando Moscovici retomou o conceito de Durkheim, nao foi apenas numa perspectiva critica, que tinha, alids, uma intengo construtiva: dar a Psicologia Social objetos e instrumentos conceituais que permitissem um conhecimento cumulativo, em contato direto com as verdadeiras questdes colocadas pela vida social. A obra A psicandlise, sua imagem e seu piiblico, seguindo a deriva de uma teoria cientifica ~ a Psicandlise -, & medida que penetrava na sociedade, entendia estar contribuindo para uma psicossociologia do conhecimento entao inexistente, ao lado de uma sociologia do conhecimento florescente e de uma epistemologia do senso comum recém-nascida (Heider, 1958). Este estudo do choque entre uma teoria e os modos de pensamento préprios a diferentes grupos sociais delimitava como se opera a transformagao de um saber (cientifico) num outro (senso comum) e vice-versa. Dois eixos de preocupagao estio af associados: 0 primeiro se liga 4 fabricago de um conhecimento popular, & apropriagao social da ciéncia por uma sociedade pensante, composta de cientistas amadores, e ao estudo das caracteristicas distintivas do pensamento natural em relago ao pensamento cientifico (Moscovici e Hewstone, 1983 € 1984). O segundo eixo diz respeito a difusio [epresentagies sociais: um dominio em expansic 9 dos conhecimentos a que fazem referéncia Schiele e Boucher(cap. 19). Ecoa nos trabalhos que examinam, além da inteidependéncia entre os processos de representaco e de vulgarizagio (Ackermann et al., 1963, 1971 e 1973- 74; Barbichon, 1972; Roqueplo, 1974), a €nfase dada, com uma insisténcia crescente, em didatica das ciéncias e formacao de adultos, ao pagel das representagées sociais como sistema de acolhimento, podendo criar obstéculos ou servir de ponto de apoio para a assimilagao do saber cientffico e técnico (Albertini e Dussault, 1984; Astolfi, Giordan et al., 1978; Audigier et al., 1986), Estas duas éticas convergem em relagio ao fato de que o conhecimento ingénuo no deve ser invalidado como falso ou enviesado, 0 que vai a0 encontro de certos postulados cognitivistas, segundo os quais existiriam vieses naturais, inerentes ao funcionamento mental espontdneo (por exemplo, na atribuigdo de causalidade). Trata-se de um conhecimento “outro”, diferente da ciéncia, mas que adaptado & aco sobre o mundo e mesmo corroborado por ela. Sua especificidade, justificada por formagao e finalidades so constitui-se em objeto de estudo epistemol6gico nao apenas legitimo mas necessério para compreender plenamente os mecanismos do pensamento, além de ser pertinente para tratar do préprio saber cientifico, exemplificado por Palmonari e Zani (cap. 14) no campo da Psicologia. Assim, aproximamo-nos de um postulado fundamental no estudo das representagdes sociais: o da inter-relagdo, da correspondéncia, entre as formas de organizagao e de comunicagao sociais e as modalidades do pensamento social, considerado sob o Angulo de suas categorias, de suas operagdes e de sua l6gica. Sua primeira formulagao foi feita por Durkheim, que insistia no isomorfismo entre representagGes e instituigdes: as categorias, que servem @ classificagao das coisas, s4o solidérias as formas de agrupamento social; as relacdes entre classes 0 so face aquelas que organizam a sociedade. O postulado foi diferentemente desenvolvido, segundo os autores tenham dirigido sua atengdo sobre o vinculo existente entre comunicacao social de um lado ou estrutura social de outro, representacies. SOBRE 0 PAPEL DA COMUNICACAO, O postulado visto acima é umahipétese forte em Moscovici, que explica os fenémenos cognitivos a partir di divisées e interagbes sociais. Por diversas razes, insistiu particularmente no papel da comunicacao social: primeiro, trata-se de um objeto préprio dif Psicologia Social que contribui, de modo ‘original, para a abordagem dos fenémenos cognitivos. Em seguida, a comunicagao desempenha um papel fundamental nas trocas e interagdes que ‘ 30 Denise Jodelet concorrem para a criegdo de um unive-so consensual. Finalmente, remete a fendmenos de influéncia ¢ ce pertenga socias decisivos nz elaboragao dos sistemas intelectuais ¢ de suas formas. ‘A incidéncia da comun cago € examinada por Moscovici em tr3s niveis: 1) Ao nivel da emergéncia das representagSes cajas condigdes afetam os aspectos cognitivos. Dentre essas cndigdes, encontram-se: a dispersio ¢ a defasagem das informagézs relativas ao objeto representado e que siio desigualmente acessiveis de acordo 2om os grupos; 9 foco sobre certos aspectos do objeto, em fungao dos interesses da implicagio dos sujeitos; a pressio a inferéncia referente A necessidade de agir, de temar posigio ou de obter 0 reconhecimento ¢ a adesio dos outros — elementos que vaio difecenciar o pensamento natural em suas operagSes, sua légica e seu estilo; 2) Ao nivel dos processos de formagilo das representagies, a objetivagio ea ancoragem que explicam a interdependéncia entre a atividade cognitiva e suas condigées sociais de exercicio, nos planes da organizacio dos contetidos, das significagdes e da utilidade que lhe sdo conferidas; 3) Ao nivel das dimensdes das representagGes relacionadas a edificagao da conduta: opinido, atitude ¢ esterestipo, sobre os quais intervém os sistemas de comunicagao midiaticos, Estes, segundo pesquisas dos efeitos sobre sua audiéncia, tém propriedades estruturais diferentes, correspondentes a difusio, A propagagao ¢ & propaganda. A difusio é relacionada com a formagao das opinides; a propagagio com a formagdo das atitudes e a propaganda com a dos esterestipos. Assim, a comunicagdo social, sob seus aspectos interindividuais, institucionais e mididticos, aparece como condigio de possibilidade ¢ de determinagao das representagdes e do pensamento sociais. Numerosos autores desenvolveram as implicagdes de tal estatuto. Grize (1984 e neste livro) relaciona os processos de esquematizagdo das representagdes ¢ as propriedades da Idgica natural as relagdes de influéncia envolvidas nas situagdes de interlocugao, influéncia essa que visa a fazer de suas idéias evidéncias objetivas. Da mesma forma, as relagdes de influéncia fundamentam o papel da comunicagdo nos meios cientificos (Knorr-Cetina, 1981), quando se trata da fabricagdo da ciéncia e de seus fatos: intensamente De todas as atividades humanas, a fabricago dos fatos 6 a mai social; foi essa evidéncia que permitiu recentemente 4 sociologia das ciéncias desenvolver-se. © destino de um enunciado esté, literalmente, nas maos de uma multidio: cada um pode esquecé-lo, contradizé-lo, traduzi-lo, modificé-to, Representagoes sociais: um doninio em expansiie i transformé-lo cm artefato, escarnecer dele, introduzi-lo num eutro cortex'o a titulo de premissa, ou, em alguns casos, verificé-lo, comproré-o ¢ passi-le tal qual a outra pessoa, que, por sua vez, o passard adiante. A expressiio “é um fato’ Jos, mas alguns percurses pela rvultidao no define a esséncia de certos enun (Latour, 1983), Este percurso nao diz respeito apenas ao fato cientifico: esta na base de muitas produgdes mentais institucionais, Isso € particalarmente visfvel nas comunidades urbanas ou rurais, cujas unidade e identidade so asseguradas pelas trocas informais estabelecidas entre os grupos ‘‘co-ativos” (Maget, 1955) que as compdem. Eles partilham o mesmo tipo de atividade, constituindo, de modo dial6gico, o sistema normativo e nocional que rege sua vida profissional e cotidiana, Este processo aclara os obstaculos encontrados pela transferéncia e pela mudanga tecnol6gica exemplificada por Darré (1985), a propésito da criagao de animais no meio camponés. Existem igualmente causas emocionais na fabricagio dos fatos. Dessa forma, a comunicagdo serve de valvula para liberar os sentimentos disf6ricos suscitados por situagdes coletivas ansiégenas ou mal toleradas. f o que ocorre com os fenémenos de boatos que surgem freqiientemente no meio urbano por ocasido de crises ou conflitos intergrupais (Morin, 1970). O medo e a rejeigao da alteridade, entre outros, suscitam trocas que dio corpo a informagdes ou acontecimentos ficticios. Assim, criam-se verdadeiras “lendas urbanas” (Brunvand, 1981), cujos temas apresentam uma notdvel estabilidade no tempo e no espago (Campion-Vincent, 1989). A atuag&io do imaginério coletivo na comunicacéo é também ilustrada pelo discurso sobre a inseguranca (Ackermann, Dulong, Jeudy, 1983). Os relatos que as vitimas de agressio (roubos, ataques etc.) fazem do que Ihes aconteceu seguem ao pé da letra um. mesmo roteiro, retomado coletivamente, e permitem situar-se numa mesma categoria vitimada, forma de uma nova solidariedade social. Encontramos fendmenos semelhantes em relagao A Aids. Em seu capitulo, Sperber insiste sobre a importancia de considerar a circulagio das representagdes culturais. Sua observagdo vai além da Antropologia. As pesquisas que abordam as representagdes como formas de expresso cultural remetem mais ou menos diretamente a tais processos de difustio, quer se trate de cédigos sdciais, que servem para interpretar as experiéncias do individuo em sociedade — por exemplo, a da doenga (Herzlich, 1969) ~, quer se trate de valores ¢ modelos que servem para definir um estatuto social — por exemplo, a mulher, a €rianga (Chombart de Lauwe, 1963 e 1971) —“ou, ainda, a-dos.simbolos e invariantes que servem para pensar entidades coletivas — por exemplo, o grupo (Kaés, 1976) e a loucura (Schurmans, 1985). ‘ 32 Denise Jodelet Destes exemplos, sobressai a importéncia primordial da comanicagao nos fendmenos representativos. Primeiro, ela $ 0 vetor de transmissio da linguagem, portadora em si mesma de representagdes. Em seguida, ela incide sobre 0s aspectos estruturais e formais do pensamento social, A medida que engaja processos de interagio social, influéncia, consenso ou dissenso ¢ polémica. Finalmente, ela contribui para forjar representazées que, apoiadas numa energética social, sfo pertinentes para a vida prética e afetiva dos grupos. Energética ¢ pertinéncia cociais que explicam, juntamente com o poder performédtico das palavras e dos discursos, a forza com a qual as representagdes instauram versdes da realidade, comuns e partilhadas. © SOCIAL: DA PARTILHA A VIDA COLETIVA Ha quem credite todo seu alcance & partilha social das representagées. Seu caréter € freqiientemente reduzido dimenso extensiva no seio de um grupo ou da sociedade, o que dé margem a algumas criticas (Harré, 1985), alids, formuladas por Moscovici desde 1961. Este critério corre 0 risco de ser puramente formal e reducionista se nao se considerar a dindmica social que © sustenta, Na realidade, pode-se dizer que se partitha uma mesma idéia ou representagao, como se partilha um mesmo destino? Nao me parece, pois a representago supde um processo de adeso e participagiio que a aproxima da crenga. Como observa Veyne a propésito das mentalidades, as conotagdes sociais do conhecimento nao se prendem tanto a sua distribuicdo entre varios individuos, e sim & questéo de que “o pensamento de cada um deles é, de diversas maneiras, marcado pelo fato de os outros pensarem da mesma forma sobre algo” (1974, p. 74). Sem receio, pode-se acreditar no que dizem os especialistas: no se pode adquirir 0 conhecimento por uma espécie de “divisio do trabalho lingiifstico” (Putnam, 1975). Além do mais, a interiorizagao do outro favorece “a edificagao de castelos de cartas (onde cada individuo é uma carta) que desmoronam um belo dia, porque o apoio de uns sobre os outros desabou” (Veyne, idem, p. 80) Certamente, hd representagdes que cabem em nés como uma Iuva ou que atravessam os individuos: as impostas pela ideologia dominante ou as que estdo ligadas a uma condico definida no seio da estrutura social. Mas, mesmo nestes casos, a partilha implica uma dindmica social que explica a especificidade das representagdes. E 0 que vém desenvolvendo as pesquisas que relacionam o cardter social da representag3o 2 insergdo social dos individuos. O lugar, a posigao social que eles ocupam ou as fungdes que assumem determinam os contetidos representacionais e sua organizagio, por meio da relagdo ideolégica que mantém com o mundo social (Plon, 1972), steps sagSejuasosdas sep opnyso ap oSedse © *] oxpend, {sonaja anb woo a ages anb o aigog jaqes owi0o a anb Q jaqes apuo ap a aqes wang ——— — pacer naa ety ae vores een seiniep tintin i eee ee puseeein =O on 4 | | compete caste xornasmaad |—fanarrs TH cxtineony ————._ —— extensoos—! ero eateening oxenepon cx eter — fave eso wo sages 9p optmuejsuE « eo, ‘soweuay0o Sop ons = sossond sean « oognuap 3 anes ‘runas> ‘soppou + sowaumwuad ana S208 + soppznsoa lofts « ‘SPEEA IOI ‘sauodns (edu app ea.09) 8 Sividos sagSviNasaae Sivibos sagSvinasaas ‘Sivinos sags VINaSSTuaaUSvO s¥d o21ogrowaLsiag OLIVES sva soavisaa sossa00ua oydvinowig 3oySnaow aa sa9510NOD 4 Denise odele as normas instituciona s ¢ o: modelos ideolégicas acs quzis obedecen, Gilly (cap. 12) examira a articulagio entre estes elementos ro caso do sistema educacionel. Vergés (cap. 18) analisa sob uma dtica semelhante os componentes € determinantes das representagdes econdmicas. Outros trabalhcs, como o de Kaés (1968) e 0 de Larrue (1972) sobre as representagdes da cultura, iustiam o fato de que partilhar uma mesma condiga I (a condigéo operdria) — que € acompanhada de uma relacdo com o mundo, valores, modelos de vida, imposigdes ou desejos espectficos ~ produz efeitos sobre 0 modo de conceber a cultura. O mesmo € vélido para a pressio exercida pela ideologia difundida pelos aparethos de Estado, como o Judiciario (Rebert e Faugeron, 1978), ¢ que estrutura, por meio das atitudes sociais, os campos de representagao relativos aos diferentes dominios ¢ atores do sistema penal. Em todos estes casos, a partilha social se refere a um mecanismo de determinagdes ligadas a estrutura ¢ as relagGes sociais. Entretanto, mesmo nesses casos de determinacao, em que a partilha das representagSes é um dado preexistente & comunicagio, podem-se observar fenémenos de aderéncia as formas de pensamento da classe, do meio ou do grupo a que se pertence, por causa da solidariedade e da afiliagdo sociais. Partilhar uma idéia ou uma linguagem é também afirmar um vinculo social uma identidade, Nao faltam exempios de que essa fungio é evidente, quanto Thais nao fosse na esfera religiosa ou politica. A partilha serve A afirmagio simbélica de uma unidade e de uma pertenga. A adesio coletiva contribui para o estabelecimento € 0 reforgo do vinculo social. Ora, como observa Douglas (1986), nas Ciéncias Sociais prendemo-nos pouco “ao papel da cognigdo na formago do vinculo social” (p. 19). Acrescenta que se leva pouco em considerago o que se sabe muito bem: “Os grupos tém influéncia sobre © pensamento de seus membros e desenvolvem até mesmo estilos de pensamento distintivos” (p. 21). Olhando pelo angulo das representages das solidariedades que elas engendram, estamos prontos a elucidar os aspectos cognitivos que constituem a matéria e a trama da vida social. Assim, a _capacidade de extensiio das representagSes permite captar, ao nivel dos atributos intelectuais de uma coletividade, a expresso de sua particularidade E 0 que mostrou Moscovici a propésito das representagées da Psicanilisc, pelas quais os diferentes grupos definem seus contornos e sua identidade. A expresso identitéria jé havia sido sublinhada por Durkheim: “O que as representagées coletivas traduzem é 0 modo como o grupo se pensa em suas relagdes com os objetos que o afetam” (1895, p. xvii). soci Representagdes sociais: um domfaio em expaaisio 36 FUNGOES SOCIAIS RELAGAO COM O REAL Compreende-se que a representagdo preencha certas fungbes na manu- tengo da identidade social e do equilibrio sociocognitivo aela ligados. Basta observar as defesas mobilizadas pela irrupgio da novidade. Quando a Psicandlise apareceu, foi sentida como uma arneaga, porque infringia valores e modelos de pensamento vigentes em diferentes grupos religiosos ou polfticos. Da mesma forma, véem-se agrupamentos politicos considerarem como perigoso 0 fato de se informar sobre a teoria marxista ou-de falar dela, como se, com isso, corressem 0 risco de perturbar seus esquemas mentais, Todavia, quando a novidade € incontorndvel, A ago de evité-la segue-se um trabalfio de ancoragem, coin 6 objetivo de tornd-la familiar ¢ transformé. la a para integré-a no universo de penSanTeMo pre xistente. Este €um trabalho que corresponde a uma fungo cognitiva essencial da representacao e capaz também de se referir a todo elemento estranho ou desconhecido no ambiente social ou ideal. A propésito das representagées da inteligéncia, Mugny’e Carugati (1985) fazem uma andlise sutil desta dialética. A disparidade de inteligéncia aparece, quando nao se dispde de informago sobre suas causas sociais (heranga cultural, papel diferenciador da escola), como algo estranho que chama a atengio e leva a buscar explicagdes na ideologia do dom, mascarando e naturalizando as desigualdades sociais. Esta ideologia atende a um princfpio de economia cognitiva e 6 tanto mais facilmente invocada quanto a identidade social ¢ posta em questdo pelas diferengas de inteligéncia, como € 0 caso para pais e professores. Desse modo, acrescenta-se 4 fungaio cognitiva uma fungao de protegao e de legitimagao. Trata-se de processos igualmente observaveis em escala coletiva. Jé mostrei (1985) que, numa comunidade rural onde vivem doentes mentais em liberdade, a populagdo constréi um sistema de representagdes da loucura que Ihe permite nfo s6 gerenciar sua interagdo cotidiana com eles, mas também se defender de uma presenca que julga perigosa para sua imagem e sua integridade. Teme ser assimilada aos doentes e ndo pode aceitar que sejam integrados, com plenos direitos, no tecido social. Desenvolve uma representagaio da loucura, postulando uma insuficiéncia do controle cerebral sobre 0 funcionamento organico € mental, que criaria um impedimento & retomada de uma atividade ¢ de um lugar sociais normais. Afwsim, € possfvel manter os doentes num estatuto alienado e restritivo, opor-se a qualquer reivindicagao de inser¢do, em pé de igualdade, na localidade, no gue a representagao assemelha-se a ideolog ~ __ Estas fungGes se acrescem as de orientago das condutas e comunicagies, de justificagao’ antetipada ou retrospectiva das interagdes sociais ou relagdes intergrupais (Doise, 1973). No que chegamos a uma outra especificagio do 36 Denise Jodelet caréter social das representagées, com duas consegiiéncias taiores, embora diferentes. Uma diz respeito a> estudo das representagdes: 9 social nao é unidimensional nas representagdes e pode-se esperar ter de reporté-lo, segunde 8 cases, & partilha e/ou 2s determinagdes, e/ou as funzSes sociais da representagio ‘A segunda conseqiiéncia remete ao estatuto epistemoldgico de representagdo, Do que acabamos de ver, ressalta seu cardter pratico, isto é orientado para a ago e para a gestio da relagéo com 0 mundo. Como diz Piaget (1976), ela permanece um modo de conhecimento sociocéntrico, @ servigo das necessidadzs, desejos ¢ interesses do grupo. Esta finalidade e ¢ fato de a representago ser uma reconstrugdo do objeto, expressiva do sujeito provocam uma defasagem em relagao a seu referente. Esta defasagem pode ser devida igualmente a intervengao especificadora dos valores e cédigos coletivos, das implicagdes pesscais e dos engajamentos sociais dos individuos Produz trés tipos de efeito ao nivel dos contetidos representativos: distorgées, suplementagdes e subtragdes. No caso da distorcio, todos os atributos do objeto representado estdo presentes, porém acentuados ou atenuados, de modo especffico. Assim ocorre com as transformagées na avaliagao das qualidades de um objeto, de um ato, para reduzir uma dissondncia cognitiva (Festinger, 1957). Outro exemplo, tomado de Chombart de Lauwe (1984): a representagao de categorias sociais dominadas (criangas ou mulheres), que € elaborada tendo como referéncia uma categoria dominante (adultos ou homens). Os dominados tém tragos semelhantes aos dos dominantes de quem sdo, entretanto, copiados de duas maneiras: seja por um mecanismo de redugio — presenga das mesmas caracteristicas, mas sob forma atenuada, de menor qualidade; na imagem que a midia apresenta das criangas, as meninas se comportam como os meninos, ‘mas sua autonomia em relacHo ao entorno € menor; seja por um mecanismo de inversio ~ 0 dominado apresenta as caracteristicas inversas as do dominante; assim, a imagem da crianga auténtica é 0 reflexo invertido da imagem do adulto em sociedade. A suplementagio, que consiste em conferir atributos ¢ conotagdes que no Ihe séo préprias ao objeto representado, resulta de um acréscimo de significagdes devido ao investimento do sujeito naquilo e a seu imaginario, Analisando 0 “preconceito em ago”, Doise (1980) lembra resultados experimentais que colocam em evidéncia uma tendéncia a projetar em outra pessoa tragos que se possui, sobretudo se acreditamos que esses tragos so avaliados desfavoravelmente: a projegio sobre outro serve para restaurar a auto-estima, uma representagio do outro conforme a si mesmo valoriza sua propria imagem, construida a partir de grupos de referéncia. Num estudo sobre 0 meio ambiente, Lugassy (1970) ilustra esse aumento conotativo a Kepresentagées sociais: um dominio em expansio a propésito das representagdes da natureza ¢ da floresta. A primeira esta carregada de significagdes opostas as da cidade, espago de pressées sociais; a segunda, de imagens infantis que remetem ao corpo ¢ 4 sexualidade, Enfim, a subtragdo corresponde a supressio de atrisutos peitencentes a0 objeto: na maior parte dos casos, resulta do efeito repressivo das normas sociais. Encontramos uma ilustragao doravante clssica no esquema figurativo da teoria psicanalitica, destacado por Moscovici (1976). A representagio comporta conceitos centrais: consciente, inconsciente, recalque, complexo, mas exclui um conceito, também central, a libido, por causa de sua associagao com a sexualidade, sobre a qual pesa, no momento do estiido, um veto social. Da mesma forma, veremos a sexualidade dos deficientes mentais representada de modo radicalmente diferente por seus educadores ¢ por seus pais, devido aos respectivos papéis, de sua recusa comum de se identificar com eles. Os primeiros atribuem as criangas uma sexualidade selvagern, brutal © sem afetividade, ao passo que os segundos tém de seus filhos uma visio assexuada, mas transbordante de afetividade (Giami et al., 1983). EsTADOS E PROCESSOS REPRESENTACIONAIS A relagdo a um referente objetivo esta sintetizada na parte central do quadro 1: os estados e processos que caracterizam a representago como forma de saber. Significa terminar nosso percurso no que est no cerne de todas as pesquisas: o fendmeno cognitivo, apés ter situado o que define seu aspecto social e funcional, as condigdes que regem sua génese, seu funcionamento ¢ sua eficécia, © estudo do fendmeno cognitive se faz a partir dos contetidos representativos, tomados de diferentes suportes: linguagem, discurso, documentos, préticas, dispositivos materiais, sem prejulgar, no caso de alguns autores, a existéncia correspondente de eventos intra-individuais ou de hipdstases coletivas (espirito, consciéncia de grupo). Trabalhar sobre contetidos objetivados permite no sobrecarregar a pesquisa de debates que 0 trabalho empirico nao pode resolver. Isso resulta numa primeira diferenga com a Psicologia Cognitiva, nto modo de abordar a representagdo como saber. Esta se refere a objetos ¢ Processos hipotéticos ou apreendidos indiretamente por meio da realizagio de tarefas intelectuais ou provas de memorizagio, por exemplo. A abordagem social das representagées trata de umématéria concreta, diretamente observavel, mesmo que a organizagio latente de seus elementos tenha sido objeto de feconstrugao por parte do pesquigador. + _ Nesse modo de aprender 0 contetido das representagdes ~ tratado seja como campo estrufurado, seja como miicleo estruturante -, duas orientacées, y a 3 Denise Jodelet nao excludentes, destacam-se. Nc prime ro cco, 0 constituintss das representacdes (informagSes, imagers, crengas, valores, opinides, elementos culturais, ideolégicos etc.). Esta andlise cimensional € completada pela pesquisa do principio de coeréncia que estrumra os campos de representagio: organizadores socioculturais, atitudes, modelos normativos ou ainda esquemas cognitivos. Estes campos sio geralmente cclhidos por meic de métados de enquete por questionSrio, entrevista oa tratamento d= mate-ial verbal registrado em documentos (ver na bibliografia os textes que se relacionam as imagens de objetos socialmente valorizados, tais como o corpo, a cultura, a crianga, a mulher, o grupo, a doenga, a Psicologia, a satide, 0 trabalho etc.). Também sio abordados do ponto de vista semantico, conjuntos de significagies identificados com a ajuda de diferentes mé:odos de associagao de palavras (Di Giacomo, 1981 e 1985; Le Bouzdec, 1984; Galli e Nigro, 1986). Nesse iltimo caso, as pesquisas se aproximam da segunda orientagio, que busca destacar as estruturas elementares em torno das quais se cristalizam os sistemas de representagio. Abric (cap. 8) ¢ Flament (cap. 9) desenvolvem um modelo tedrico que distingue clementos centrais de periféricos, de onde tiram importantes implicagdes do ponto de vista tanto da estabilidade e da mudanga das representagées quanto de sua relag3o com a pritica. Estas propriedades estruturais so examinadas em representagdes jé constitufdas. Mas, para explicar a emergéncia das estruturas, 6 preciso se reportar aos processos que présidem a génese das representagées. Esta pode Ser analisada levando-se em conta as aprendizagens sociais que intervém no decorrer do desenvolvimento infantil (Duveen e Lloyd, 1986 ¢ 1988, Emler € Dickenson, 1985; Emler, Ohana, Moscovici, 1987; ver também os capitulos da presente obra, de Chombart de Lauwe ¢ Doise). Entretanto, independentemente dos aspectos de desenvolvimento, os processos de formagao das representagées explicam sua estruturagao. Isto vale particularmente para a objetivagao, processo evidenciado por Moscovici e ilustrado ¢ enriquecido por diversos autores. O processo & decomposto em trés fases: construgao seletiva, esquematizagio estruturante naturalizagdo. As duas primeiras, sobretudo, manifestam, como tivemos a oportunidade de observar, 0 efeito da comunicagio das pressdes, ligadas & pertenga social dos sujeitos, sobre a escolha e a organizagao dos elementos constitutivos da representacao Contetidos e estrutura sio infletidos por um outro processo, a ancoragem,. que interém a0 longo do processo de formagao das representagdes, assegurando Sia incorporagao a J. Por um lado, a ancoragem enrafza a representagio € seu objeto numa rede de significagdes que permite situd-los em relagao aos valores sociais ¢ dar-lhes coeréncia. Entretanto, nesse nivel, a ancoragem desempenha um papel decisivo, essencialmente no que se refere & realizagao Representagdes sociais: um dominio en expansar ay de sua inscriggo num sistema de acolhimento nocional, um j4 pesado. Porum trabalho da memé6ria, 0 pensamento constituinte apéia-se sobre 0 pensarnento constituido para enquadrar a novidade a esquemas antigos, a0 ji comhecido. Por outro lado, a ancoragem serve para a instrummentalizajao do saber, conferindo-Ihe um valor funcional para a interpretagdo e a gesiiodo ambiente. Assim, dé continuidade & objetivago. A naturalizagdo das nogdes Ihes dé valor de realidades concretas, diretamente legiveis ¢ utilizéveis na ago sobre © mundo ¢ os outros. De outra parte, a estrutura imagética da representazdo se torna guia de leitura e, para compreender’a réilidade. Estes processos generativos e funcionais, socialmente marcados, permitem que nos aproximemos das representagdes em diferentes niveis de complexidade. Desde a palavra até a teoria, que serve de versio do real; desde os conceitos ou categorias até as operages de pensamento, que os relacionam, e a légica natural, caracterfstica de um pensamento orientado & comunicagio e a agiio. Permitem igualmente explicar 0 carter ao mesmo tempo concreto e abstrato das representagdes e de seus elementos, que ¢m um estatuto misto de fendmeno percebido e de conceito. Estatuto ligado também ao fato de que o pensamento social remete a eventos concretos da prética social deve, para ser comunicado, permanecer vivo na sociedade, ser um pensamento em imagem, como destacava Halbwachs a propésito da meméria social: Nio ha idéia sem imagens: mais precisamente, idéia e imagem no designam dois elementos — um social e outro individual — de nossos estados de consciéncia, mas dois pontos de vista de onde a sociedade pode examinar os objetos, ao mesmo tempo em que os situa no conjunto de suas nogdes, ou em sua vida e sua histéria (1925, p. 281). Moscovici (1981) demonstrou a importancia dessas idéias-imagens na mobilizagao psicolégica das multidées. Com a ancoragem das representagdes na vida coletiva, voltamos & questdo de sua eficdcia. Ha af um carter distintivo do pensamento social que chama particularmente a atengdo das Ciéncias Sociais. O papel das representagdes no devir social se anuncia como um objeto de estudo estimulante no fuyiro. Conctusio é Conelufr unf percurso necessariamente incompleto ¢ freqiientemente demasiado alusivo nos faz avalia, espero, a especificidade da abordagem das 40 Denise Jodelet representagdes sociais e sua originalidade. Suas superposigdes com 0 rrodo pelo qual a Psicologia Cognitiva e as Ciéncias Sociais tratam a representagio deixam-se Facilmente entrever; suas divergéncias também. Encontram-se objetos comuns com o estudo cognitive do saber: estudo do contetido do pensamento, o saber declarativo e processual (saber 0 qaé ‘0 como); anélise desse saber em termos de estrutura e de meméria. Contado, remeter suas caracteristicas estruturais € processuais 4s condigdes sociais de produgdo, de circulagdo e & finalidade das representag6es cria uma diferenca radical. Conhecimento cerivado tanto quanto inferido, a representagao social no pode ser pensada de acordo com 0 modelo dominante do tratamento da informagdo. Seu estudo permite contornar as dificuldades que este tratamento levanta, a saber: 0 risco de reduzir 0 funcionamento mental ao funcionamento do computador, como diz Anderson (1983), para quem os “sistemas de produgo”, essas organizacdes de contetido onde so detectados os mecanismos € processos cognitivos, sio ambiguos pelo fato de serem em parte linguagens de programagao para computador e, em parte, teorias psicolégicas. Risco lembrado por Ehrlich, para quem a informética, embora respondendo & preocupagio de objetivar um funcionamento subjetivo, permanece, entretanto, criticdvel pela “sujeigio dos modelos de funcionamento do sujeito aos princfpios de funcionamento do computador e a problemdtica dos tratamentos de textos pelas méquinas” (1985, p. 286). Além disso, 0 fato de se interessar pela funcdo da representago e por sua relagao a um referente e & comunicagao permite esclarecer o que ainda resta das zonas obscuras na abordagem cognitiva da representagdo: a de seus funcionamentos e de suas fungdes (Ehrlich, idem); a da formagao e da transformagdo dos esquemas cognitivos, de sua relacao com a linguagem (Arault de La Menarditre e de Montmollin, 1985). Na verdade, pensar a cogni¢o como algo social abre novos caminhos de pesquisa. O mesmo se dé com as Ciéncias Sociais, que no integram, em sua abordagem do pensamento social, a dimensio propriamente cognitiva ¢ ndo esto em condigdes de pensar o social como cognitivo. Isso se impée como uma necessidade para alguns, como Douglas, que thes d4 como tarefa identificar os “processos cognitivos que fundam a ordem social”, estudar como “as instituigdes pensam” e como “o processo cognitivo individual mais elementar depende das instituigdes sociais” (1986, p. 45). Por isso, juntamo-nos a Piaget (1967), que vé a Psicologia e a Sociologia como “duas disciplinas que tratam do mesmo objeto”: “o conjunto das condutas humanas que comportam, cada uma delas, desde o nascimento e em graus diversos, um aspecto mental e um aspecto social” (p. 19), afirmando que “9 homem € um e que todas suas fungdes mentalizadas sto igualmente socializadas” (p. 20). Representagdes socias: um dominio em expansin a E nessa perspectiva que se desenvolvem as pesquisas sobre as representagdes sociais. Cada uma contribui com uma peda para a construgao de uma ciéncia psicolégica e social do conhecimento. Alguns pensarm que seria desejavel estabelecer um modelo unitério, uma “concepeao multicompativel” (Le Ny, 1985) da representacdo, devido, principalmente, as exigéncias da transdisciplinaridade e da existéncia de uma “solidariedade entre os conhecimentos e representagdes elementares de um indivfduo e os sistemas te6ricos auténomos” (Morf, 1984, p. 425). Nao haveria nesse caso riscos de reducionismo e nao seria demasiado cedo? A julgar pelo dominio que acabamos de sobrevoar, parece necessério aprofundar a reflexio a partir de territérios auténomos, abordando, cada um & sua maneira, a interface do psicolégico e do social, tendo como tinica condigao 0 acesso dos pesquisadores um arsenal de estilos de argumentago que transcenderi 0 que cada uma das disciplinas tradicionais propée. Essa € a esperanga no que se refere ap recente imteresse pelo desenvolvimento de uma ciéncia cognitiva (Fodor, 1981, p. 19). © que vernos atualmente? Um espaco de pesquisa que se vem ampliando hd vinte anos, com: uma multiplicagdo dos objetos de representagdio tomados como temas de pesquisa; abordagens metodol6gicas que se vao diversificando e fazem um recorte de setores de estudo especificos; probleméticas que visam a delimitar melhor certos aspectos dos fenémenos representativos; a emergéncia de teorias parciais que explicam estados e processos definidos: paradigmas que se propéem a elucidar, sob certos angulos, a dinamica representacional. Tudo isso leva a constituir campos independentes e dotados de instrumentos conceituais e empfticos s6lidos, onde florescem trabalhos coerentes, Tudo isso dé a impressfio de um universo em expanso no qual se estruturam galaxias de saber. Ao contrario do paradigma informético, que recobre todo o esforgo cientifico sob a capa de uma mesma forma, 0 modelo das representagGes sociais impulsiona a diversidade e a invengdo, traz o desafio da complexidade. B, se 6 verdade o que diz Aron: “E explorando um mundo por esséncia equivoco que se tem a oportunidade de alcangar a verdade. © conhecimento nao é inacabado porque nos falta a omnisciéncia, mas porque a riqueza das significagdes est4 inserita no objeto” (1955, p. 167), nao terminamos de explorar sua fecundfdade. é RepresentagGes sociais: um dominio em expnsai a EHRLICH, S. “La notion de représentation: diversié et convergences”. Les représentations, n. especial, Psychologie Francaise, n. 30, pp. 216-9, 1985. PAYE, J.-P. La critique du langage et son économie. Paris; Galilée, 1973. FESTINGER, L. A theory of cognitive dissonance, Evanston: Row, Peterson & Co., 1957. 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