Vous êtes sur la page 1sur 20
Fed REVISTA BRASILEIRA DE DESIGN ENSAIOS AGENDA Design em contexto: algumas considera¢ées sobre 0 caso brasileiro Zoy Anastassakis ATUALIDADES Introdugao LeiTuRA Nos tltimos anos, vem acontecenda, no Brasil, um aumento exponencial dos cursos de graduagao em design. Ao mesmo tempo, percebe-se uma tendéncia de reviséo dos parametros que organizam 0 ensino de design no ENSAIOS pais. Esse segundo movimento € perceptivel se levarmos em conta 0 ‘crescente numero de artigos apresentados em congressos e periddicos, capitulos de livros e mesmo livros inteiros dedicados a uma reflexéo sobre REPERTORIO a pratica de ensino de design no contexto brasileiro, Partindo de uma critica aos modelos que inspiraram, entre os anos de 1950 e 1960, a criagdo dos primeiros cursos de design modemo entre nds — cursos que Links estavam notadamente oientados por uma “releitura do funcionalismo >bauhausiano” (Lessa, 1994: 102) via Escola de Ulm (Hochschule fur Gestaltung), na Alemanha, esse movimento tem gerado debates, reflexes Contato académicas e experimentacdes didaticas instigantes, ao longo dos tltimos. cinqdenta anos. E a observago de algumas dessas iniciativas que me dedico nesse artigo, Com esse objetivo, recupero algumas das quest6es discutidas nas minhas pesquisas de mestrado (Anastassakis, 2007) e de CADASTRO doutorado (Anastassakis, 2011) Parto da ideia de que todo 0 debate sobre o ensino de design no Brasil se CONSELHO articula em tomo de uma critica (multi-situada e re-articulada de diversas formas go longo do tempo) ao modo como se estuurou save ensino, etre ts anos 1950.6 1960, a parti de uma signifeaiva intrtocugdo brestira om um modelo germantco sintsizado pela Hie de Ulm ssa critea, que se organiza a par do que o designer e pesquisador Dijon de Moraes ro denomia de ‘continue confontn ere as partcaleridedes 'ocass SELECIONAR EDICAO brasileiras ¢ os modelos internacionais no ambito do design” (Moraes, 2008: 31), 6 aravessada por uma relvindicagao-chave.a busca por Todas v contextualizagao. A critica a uma auséncia de didlogo do design que aqui Se nsala por vola da metade do sSeulo XX com o conlento sotto cultutal nacional ¢o que une uma serie de argumentos, dlscutsos, debates Gi facebook txpertencias e prateas que interessatiscutr agora, Essa busca por ontextualizagao tom levado, consegtientemente, a uma discussao sobre o que eotia, ue que devera ser, aidentidade do decign breslao. Assim, junto 8 questo da atengdo ao contexte, surge um debate sobre es BUSCA relagdes entre design e sua adequagao as especificidades da identidade Cualtiral brasira APOIADORES Tals debates podem ser nolados desde a década de 1960. Portanto, eles surgem contemporaneamente a criacao dos primelros cursos de design do pais, sendo ativados tanto de dentro quanto de fora do campo, ou seja, tanto por setores da sociedade civil, quanto por alunos e professores daqueles cursos. No fim dos anos sessenta, face ao quadro de revistio generalizada dos parametros sécio-culturais que organizavam o mundo ocidental, delineado de forma explosiva em 1968, a critica aos modelos de ensino em design ganha novos contornos, que se desdobram em uma série de buscas por alternativas de ensino e também da pratica de projeto (1). Esse movimento gera algumas propostas interessantes ao longo dos ‘anos 1970 e 1980, Entre os anos 1990 © 2000, quando comega a surgir uma historiografia do design no pais, o debate se expande, na medida em que alguns pesquisadores comecam a articular uma série de pesquisas ue tem por objetivo ampliar a compreensao sobre o campo do design e de ‘seu ensino no contexto brasileiro. ok Dotathar Busca Interessada em investigar as ideias que tem organizado a prética e 0 ensino do design no Brasil, bem como suas transformag6es ao longo do tempo, acredito que, perseguindo as disputas e os debates articulados por profissionais, alunos e instituigSes de ensino no period que compreende Ano: IV Numero: 45, ISSN: 1983-005 {08 tiltimos cingdlenta anos e analisando comparativamente algumas das {questdes centrais de alguns dos momentos-chave dessa trajetoria, ¢ Possivel iluminar as nossas proprias praticas de projeto e de ensino, hoje & no futuro. Com esse objetivo, retomo alguns pontos estatégicos do debate sobre 0 design no Brasil, articulando a reflexo em tomo de uma questo {ue considero central para 0 campo, a saber, a busca por contextualizagao da pratica do design. Buscando relacionar alguns fatos e corpos de reflexdo que se constitulram em diferentes momentos e lugares através ‘daquela nogao-chave, pretendo apontar tanto para algumas continuidades quanto para algumas descontinuidades e desdobramentos de tal debate, central para o design no Brasil ‘Assim, € a partir de trés ou quatto facos de observagao que se estrutura esta narrativa: em um primeiro momento, recupero os argumentos de alguns dos principais estudiosos da histéra do design no pais, observando ‘como eles discutem hoje o design e seu ensino e como, nessa discussto, se apresenta o debate em torno da contextualizacao do design, Em um ‘segundo momento, comento aspectos do que nomeio de ‘pensamento social de design’ de dois dos principais agentes fundadores daquela ‘busca por contextualizagao’ (ainda ld entre os anos 1960 e 1970), ou do {que 08 autores (apresentados na primeira seco) nomearam de ‘influential voices that spoke against this self-allenating attude” (Borges, 2009), ‘outra vertente" (Souza Leite, 2006), “lentaiva de contextualizacdo cultura", ‘vertente afirmativa’ (Lessa, 1994), tendéncia realmente independente™ (Moraes, 2008), ‘tendéncia nacionalista” (Souza, 1996) no design brasileiro. Nesse momento, entéo, comento os discursos da arquiteta italiana Lina Bo Bardi (1914-1992) e do designer pernambucano Aloisio Magalhées (1927-1982). Em um terceiro momento, descrevo alguns desdobramentos contemporaneos daquela inquietagao face a utlizagao de um modelo de ensino funcionalista de origem alema, me aproximando de ‘lgumas propostas didaticas que tem por objetivo iniciar os estudantes em uma pratica projetiva que se articula a partir da consideragao das relagoes possiveis entre contexto e conceito, praticas essas em que eu mesma estou inserida, enquanto professora da graduagao em design da PUC-Rio. Percebendo que todas essas iniciativas terminam por implicar em um estreitamento do didlogo entre o design e as humanidades, ou melhor, entre o design e as ciéncias sociais, me interessa entéo investigar também de que modos as abordagens especificas das ciéncias sociais padem contribuir para a constugao de uma pratica de design mais conectada com as quest6es do ‘mundo real’. Assim, além dos objetivos especfficos, acima ‘anunciados, a comunicagao tem, como objetiva mais amplo, discutr como ‘se constrdi no design brasileiro a ‘busca por contextualizagao' que vem apontando, cada vez mais, para um transito transdisciplinar entre essa disciplina e as chamadas ciéncias socials. A questo do contexto na histéria do design no Brasil Ahistoriogratia do design brasileiro é um fenémeno recente. Apenas nos tihimos dez ou quinze anas comega a existir um conjunte significative de reflexdes estruturadas sobre a histéria do design no Brasil. Em grande parte essa hist6ria tem sido construlda por designers que investiram em reflexdes sobre as praticas do seu proprio campo de atuacao. Entretanto, ‘em meio aos que mais tem contribuido para a criacdo de um campo de rellexdes sobre a historia do design brasileiro destaca-se um ‘ndo- designer, o historiador Rafael Cardoso, Seus esforgos, assim como a atuagdo da jomalista e curadora especializada em design Adélia Borges, tem sido decisivos para a ampliacao dos debates em tomno da trajetéria dessa atividade no pais. Além disso, ¢ preciso mencionar que, no campo da arquitetura, ha também um movimento significative de busca por uma reflexdo que se aproxime das quest6es de design. Tais iniciativas, somadas as dos proprios designers, que, muitas das vezes, tem procurado ‘construir perspectivas mais abrangentes para a apreciagao da historia do design no contexto brasileiro, comegam a configurar um campo de discussao mais sélido a partir de onde se discute o design no Brasil Um dos riscos de que softe a emergente pesquisa sobre a historia do design brasileiro ¢ 0 da construgao de perspectivas analiticas muito fechadas em si mesmas, que terminam por ser deveras acriticas, ou seja, pouco conscientes de seu proprio lugar dentro do campo e, por ‘consequéncia, do proprio campo dentro de uma perspectiva mais ampla. Ciente da difculdade de se observar uma disciplina com o necessario distanciamento critico fazendo parte dela, optei por realizar minhas pesquisas em um departamento de antropologia social. Assim, 20 me aproximar de uma perspectiva antropolégica, que busca observar as ‘concepeSes que informam os discursos a partir de um engajamento dialégico com eles, eu, uma designer de formaco, pés-graduada em antropologia social, busco me aproximar dos debates a partir de um duplo movimento, a saber, o de sucessivos distanciamentos e aproximagbes, que tom por objetivo viabilizar a discussao das questées a partir de uma perspectiva menos essencialista, mais relativista. A seguir, me aproximo da histéria do design brasileiro a partir da leitura de alguns dos seus principais pesquisadores. Nessa segao, busco perceber como eles narram (hoje) a {rajetéria da disciplina e de seu ensino no pais, e de como se apresenta neles (e através deles) a critica 4 descontextualizacao do modelo adotado para a instituigéo dos primeiros estabelecimentos de ensino de design entre n6s e a proposigao de altemativas para esse dilema. De volta ao futuro: design como a face possivel do moderno (1950 e 4960) No inicio dos anos 1950, ¢ criado, na cidade de Sao Paulo (maior centro industrial do pais), 0 primeiro curso regular de desenho industrial em terit6rio brasileiro, O curso do Instituto de Arte Contemporanea, vinculado ‘ao Museu de Arte de S4o Paulo, sinteliza algumas outras influéncias (entre elas a italiana, a norle-americana e a germanica) e insttui no pais um paradigma moderno de ensino de design. Fundado pelos italianos Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi e pelo suigo de nascimento Jacob Ruchti, 0 IAC-MASP foi responsavel por iniciar um didlogo que se estendeu por intimeros anos entre os brasileiros eo design de vertente germanica, articulado, inicialmente, em tomno da aproximagao de Max Bill, pimeiro diretor da Escola de Ulm, com o curso paulista, ‘Se 0 IAC durou apenas dois anos, ele teve uma importancia significativa para 0s desdobramentos da institucionalizagao de um ensino de design moderno no pais, no s6 porter iniciado 0 contato brasileiro com a vertente germanica do design, mas também por ter formado os primeiros profissionais brasileiros a se auto-intitularem designers. Além da vinda de Max Bill ao Brasil, em 1953, através de um programa de intercambio alguns alunos do |AC-MASP foram estudar na Hochschule fir Gestaltung, em Ulm. Enire eles, 0 paulista Alexandre Wollner, que, de volta ao pals, participou da crlagao daquele que ¢ considerado o primeira escritério de design brasileiro, o Forminform (1958), e também da criagao da primeira escola de graduagao em design, em 1963, no Rio de Janeiro, Assim, é a partir dessa ‘experiéncia que comega a se processar, de forma mais consistente, um debate entre o contexto brasileiro e a matriz germanica, que de certa forma tenta se impor, de forma hegeménica, contra a influéncia francesa, até entio predominante no pais, Actlago da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDN &, ainda hoje, um dos marcos simbélicos do surgimento do ensino de design modermo no pais, Bastante discutido, questionado, copiado e contestado, o modelo trazido para a Escola, ligado a tradiga0 funcionalista e a um estilo internacional, foi percebido de forma ambivalente: ao mesmo tempo em ‘que surgiu como uma face possivel para o desenvolvimento de um paradigma moderno no Brasil, sendo visto com bastante interesse entusiasmo tanto por setores do governo, que viabilizou a criagdo da Escola, quanto por parte dos profissionais ligados as artes e & arquitetura, {que a partir de uma aproximagao com a ESD! terminaram por se ‘converter’ ‘em designers, o modelo esdiano, vinculado matriz ulmiana e também aos preceitos bauhausianos, gerou quase que imediatamente um sentimento de desconfianga, questionamento e até mesmo repulsa, tanto externa quanto intemamente. Alguns eriticos afirmam que esse sentimento ambivalente em relagao & escola carioca ¢ uma reagao a postura com que, a partir dela, se estabeleceu, no pals, uma pratica de design pouco afeita as especificidades da realidade s6cio-cultural nacional, Se os ideais da Escola de Ulm seduziram parte da intelectualidade ¢ agentes do governo, 6 porque talvez eles se afinassem a um projeto de pais que se delineava desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e que tinha na construg&o da nova capital-ederal, Brasilia, seu simbolo maior, Um Brasil “que buscava a independéncia tecnolégica, soberania produtva e ideais de erradicagao da pobreza local pela estrada e viés da modemizacao” (Moraes, 2005: 60). E “o projeto ESD | incorporava uma expectativa de transformagao da sociedade associada ideologicamente a modernidade” (Oliveira, 2009: 31). Por isso 0s valores relacionados ao modelo racional-uncionalista alemao firmam-se como a principal referéncia para a constituigo do campo profissional do design no pals, naquele momento, O italiano Andrea Branzi (2006), que prefacia o livro de Moraes, lembra que foi através de uma 'visdo purista do modemo”, proposta nao apenas no Brasil, mas em toda a América do Sul, como modelo de sua redengo e de futuro, que se elaborou, entre nds, "um modelo irreal de modemnidade, [..] uma modemidade utopica" (2008: 05) Em suas palavras, “este modelo ideal, fundado sobre uma alianga entre ciéncia e projeto, fol ofruto da contaminacao entre a distante América do Sul, a Escola de Frankfurt e a esperanca politica europeia. Uma utopia que se onsolidou também no Brasil, como modelo tinico, de referéncia para a didatica do seu design. Isso a partir da fundagao, em 1963, da ESDI,no Rio de Janeiro, defensora da ortodoxia ulmiana e do seu modelo didatico, quase uma espécie de protetorado cultural, desvinculado da realidade brasileira, mas por isso mesmo de dificil remacao" (idem: 06). Asso se soma o fato de que o modelo esdiano serviu de parametro para a criagao da maioria das escolas de design no pais, desde os anos 1960, ‘como coloca a pesquisadora do ensino de design, Izabel Oliveira: 0 modelo da ESDI consolidou-se como base para 0s primeiros cursos criados no Brasil e originou, com sua estrutura curricular adotada a partir de 1968, a referéncia para o primeira currlculo minimo aprovado pelo Consetho Federal de Educago para cursos de bacharelado em desenho industrial" (Oliveira, 2009: 10). Assim, na ESDI "se desenvolve uma cexperiéncia pedagégica que ira influenciar a conformagao de principios para a pedagogia do design no Brasil" (2009: 31). Alguns afirmam que a matriz ulmiana, tal como transposta para a ESDI, implicava a adocao de uma linguagem formal pouco afeita as ccontingéncias do tempo e as caracteristicas da cultura’ (Souza Leite, 2006b: 253), 0 que terminau por resultar em um distanciamento do design do restante da sociedade. Para o designer e pesquisador, professor e ex- aluno da ESD), Joao de Souza Leite, o design “instalou-se arrogantemente, portador de uma voz detentora de um pretense conhecimento a respeito de ‘como 0 modemo deveria se constitur, Independentemente do contexto no qual estivesse operando” (2006b: 254). A questo do “alheamento ao Préprio contexto" (idem: 279) também é abordada pela jornalista e ‘curadora de design Adélia Borges, que aponta na mesma dire¢o quando firma que “these close ties with Ulm and its funcionalist principles ‘separated Brazilian design from the cultural roots of the country, wich were deemed irrelevant and viewed as a symbol of regression that needed to be abandoned in order to assure for the nation a privileged spot on the international scene. Combined with the inferiority complex of a colonized people, who place greater value on whatever comes from abroad, the result was a type of design that took its points of reference from outside the local realty” (Borges, 2009: 84-85), Concentrando-se nas atividades projetivas, o modelo de ensino de design adotado na ESDI teria deixado de lado “as quest6es relativas a um ‘aprofundamento de conhecimento que buscasse uma adequago ao mundo real" (Souza Leite, 2006b: 278). Associado 2 isso, havia, segundo o historiador Rafael Cardoso, um “tom muito forte de ant-ntelectualismo" (Cardoso, 2005b: 94), fator que seria decorrente também da leitura esdiana de um modelo ulmiano, que terminou por se transformar, segundo Souza Leite, em "uma verso do mito bauhausiano parcialmente transformado em totem funcionalista, provido de intensa coergo formal alicergada em uma coibida razao critica e investigativa’ (Souza Leite, 2006b: 277). ‘Além da critica & postura com que o design moderno se afirmou no pais a partir da ESDI, furtando-se a dialogar com o contexlo, Cardoso pondera que *o aspecto mais problematico de afirmar o inicio de um design brasileiro por volta de 1960 reside na recusa em reconhecer como design tudo o que veio antes" (Cardoso, 200Sa: 08). Esse seria mais um dos fatores comprometedores, se pensarmos em termos de consequéncias negativas para a instituigao do campo do design no pais, pois na medida ‘em que 0 modelo nega tanto o que acontecia antes quanto o que se dava {20 seu redor, ele contribuia para um alienamento tanto de suas origens, ‘quanto das suas especificidades e, mais ainda, de suas possibilidades de expanséo. Como afirma Souza Leite, “o questionamento a respeito da @ficdcia [do modelo de origem alema] nunca se deu fora do seu proprio Ambito. Ao considerar que o design era originario deste modelo, toda a crtica do Brasil sempre abriu mao do que o precedeu, deixando de ser crtica, para de certo modo reiterar os principios que buscava discutir. Na medida em que a visdo historica foi abafada pela mitica estabelecida por essa espécie de visdo olimpica, nao houve possibilidade de distanciamento que pudesse autorizar uma verdadeira e densa visao contica” (Souza Leite, 2006b: 278). Para esses autores, por trés dessa postura escondem-se, de fato, inumeras disputas por territério no campo do design nacional, Para Cardoso, seria interesse de alguns dos “idedlogos remanescentes do modemnismo" (Cardoso, 2005a: 08) negar tudo que nao estivesse relacionado a perspectiva mais diretamente ligada a verso germanica do design modemo, praticada por eles. Negando-se a discutir com o contexto, essa perspectiva teria contribuido para o desenvolvimento de uma certa attude naturalizante, ou acritica, adotada por grande parte dos profissionals, das instituiges de ensino e da propria historiogratia do design brasileiro, que delimita o marco fundante da institucionalizagao do ensino de design no Brasil em tomo da ESD], furtando-se a examinar tanto as iniciativas anteriores quanto as contemporaneas a ela. Barges, Cara, Couto, Souza Leite, Nobre, Moraes e Pereira também abordam essa questo quando buscam discutir e complexificar as influéncias absorvidas pelo contexto brasileiro de design. Nesse sentido, percebe-se, desde os anos 1960 até hoje, um série de esforgos signifcativos, nao s6 em termos de investimento ‘em pesquisa, mas também de exploracdo de novas formas de ensino da hist6ria do design do pais e da propria pratica projetiva. ‘Se a ESD! foi fundada em 1963, endo se pode negar que ela serviu de referéncia para a criagao de intimeros outros cursos universitarios de design, principalmente a partir dos anos 1960, ¢ preciso salientar que, no momento em que ela estava sendo criada, articulava-se a criagao de dois, ‘outros cursos de design que seguiriam orientagdes bastantes distintas. daquelas adotadas pela escola cariaca, Em 1962, ano que em que se estruturava a criagéo da ESDI, gestava-se, na cidade de S4o Paulo e em Salvador, na Bahia, duas outras iniciativas de implantagao de ensino do design, vinculadas a outras matrizes conceituais. Além disso, entre a dissolugao do IAC e a criagao da ESDI, surgiu, em Minas Gerais, na Universidade Mineira de Arte, um curso técnico de desenho industrial, que ‘se tornou um curso superior reconhecido pelo Ministério da Educagao em 1968. Em 1962, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de S20 Paulo realiza uma reforma curricular que culmina, entre outras coisas, com ‘a criagao de uma sequéncia de desenho industrial dentro do curso de arquitetura. Assim, assume um posicionamento diferente do da ESDIno {que tange a compreensao do design. Na FAU-USP 0 design ¢ assimilado ‘como parte das atribuigSes relativas a pratica de arquitetura, Nesse sentido, 0 arquiteto e pesquisador Juliano Pereira afirma que “a ‘compreensao do desenho industial, por varios segmentos da FAU-USP, revela em certa medida uma conceituagao da prépria arquitetura e do uurbanismo, focando os irs, juntamente com a programagao visual como ‘campos complementares e relatives a um mesmo exercicio profissional” (Pereira, 2010: 04). O madelo da FAU acabou ficando restrito a USP, nao ‘se mulliplicando tanto quanto 0 modelo esdiano, Futuramente, a Universidade de S4o Paulo acabou criando uma graduagao de design, independente da graduagao em arquitetura. Entre 1962 e 1963, em Salvador, a italiana Lina Bo Bardi, que havia Partcipado, dez anos antes, da criagao do curso do IAC-MASP, idealizava ‘a criagao de uma Escola de Desenho Industral e Artesanato, que reunisse estudantes de design e artesdos e que colaborasse para 0 desenvolvimento da Regido Nordeste, que se encontrava em enorme desvantagem em relagao Sudeste, onde se concentrava a industria do pais, e também as escolas de design e arquitetura, tais como a FAU-USP & 2 ESDI. Nas consideragdes do arquiteto Eduardo Rossetto projeto da Escola guarda muitas semelhangas com as propostas de Walter Gropius para a Bauhaus, apesar de que no plano elaborado para a Escola, Lina se manifeste negativamente em relago a Bauhaus e também a Escola de Ulm, as quais Lina qualifica de ‘metafisicas' e ‘experimentais’. Nas palavras a italiana: "uma escola tipo Bauhaus ou Ulm, metafisico-experimental seria initl para um pals joven (..) 0 Brasil no comecou ainda uma produgao nacional original de objetos industria, limitando-se apenas & importagao de formas e desenhos estrangeiros. Uma produgao nacional no pode ser criada sem a ligagao com a heranga cultural do passado e ‘sem ser fundada no terreno das necessidades efetivas do pals” (Bardi, apud Rossetti, 2002: 72-73). A escola ndo chegou a funcionar, uma vez que em 1964, devido ao golpe militar de direita que toma o poder no pals, Lina foi forgada a deixar o MAMB e a Bahia Nessa batalha por vis6es do design, travada de forma indireta, entre as propostas feitas no Rio de Janeiro, em Sao Paulo e em Salvador, entre os ‘anos 1962 e 1963, saiu vencedora a matriz alema (Souza Leite, 2006b. 253) - uma matriz que “implicava a adogao de uma linguagem formal ouco afeita as contingéncias do tempo e as caracteristicas da cultura” (idem). Em decorréncia dessa configuragao inicial, surgiram “persistentes ‘questtes no reconhecimento social dessa identidade profissional’ (idem): 0 designer teria ocupado “um lugar diferenciado do restante da sociedade” (idem). “Cultivou-se uma imagem para o designer, de costas para o real, dissociada efetiva e afetivamente das circunstancias da vida social, cultural e econémica brasileira” (Idem: 254). Para Souza Leite, o design modemo, tal como desenvolvido pela matriz alema que serviu de modelo as primeiras escolas de design no Brasil, se cconstitulu, para além do territério alemdio, "independente do contexto no {qual estivesse operando” (idem), Para este autor, “este fol talvez o erro — ‘compreensivel, entretanto — mais critico de toda sua histéria: voltar as, costas para a realidade e operarno estrito campo da idealizagao. Tornou- se caracteristica marcante do implante mal-tragado do design no Brasil, do qual, ainda hoje, no alvorecer do terceiro milénio, queixam-se muitos por serem incompreendidos' (idem: 259-260), Design om contexto: Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhaes (1960 0 1970) Para este autor, “uma outra vertente” (idem: 260), & qual Aloisio Magalhaes pertencia, foi delineada pela arquiteta italiana Lina Bo Bardi, em Salvador, na Bahia, quando ela idealizou "um projeto de escola de desenho industrial atrelado 4 produgao artesanal nordestina. De certo modo, Lina recuperava uma linha de acdo vinculada ao ensinamento dos oficios inserida em uma visao cultural mais ampla, nao codificada pelo vocabulério do construtvismo internacional, aqui, concretismo, Em 1962 — portanto, contemporanea as discuss6es para a implantacao da ESDI, Lina Projetou uma ampla e detalhada agao para a criagao de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato, visando estabelecer outros rumos para 0 desenvolvimento do design no pais” (idem), Mas € preciso lembrar que a atuagao de Lina Bo Bardi no campo do ensino de design remonta ao inicio da década de 1950, em Sao Paulo. Sua atuagdo frente ao Museu de Arte Modema de Sao Paulo e ao Instituto de ‘Aste Contemporanea é fundamental para a instituico do design como ‘campo profissional no Brasil. Com a vinda do sulco Max Bill em 1951 & 1953, inicia-se um dilogo entre o Brasil e a Escola de Ulm, na Alemanha, A partir dessa aproximago surgem a Escola Técnica de Criagao no MAM- RJe a ESD), iniciativas das quais Aloisio Magalhaes participou de forma decisiva, No entanto, Lina, que, na década de 1950, partihava “até certo ponto do mesmo quadro de reféréncias, acabou por esgrimar com a vertente construtiva e cosmopolita que dominava a criagao da ESDI' (Nobre, 2008, 98). Sua postura, combativa ao racionalismo em tomo do projeto mademo, bem como a *postura mais flexivel de Aloisio Magalhaes no interior da prépria ESDI, o questionamento dessa mesma escola por Rogério Duarte, ‘0 mobilidrio de expressao regionalista de Sérgio Rodrigues ou, no meio editorial, 0 projeto grafico de Carlos Scliar para a revista Senhor e as capas de Eugenio Hirsch para a editora Civilizacdo Brasileira” (2008: 98-99), so alguns dos “sinais de divergéncia” (idem: 98) emitidos no campo do design em relagdo a matriz germanica, no Brasil, ainda nos anos 1960. Lina, que havia contribuido para a aproximagao brasileira a um modelo de design ulmiano no inicio dos anos 1950, no fim da década comeca a reorientar sua perspectiva de ago, reagindo contra a vertente alema do design; assim como Aloisio que, em sua proposta de lexibilizagao do mesmo modelo dentro e fora da ESDI, apresenta propostas que, segundo Souza, “raziam em si um outro género de inquietacao, autras formas de pensar e discutir o design” (Souza, 1996: 232). Ainda no momento de idealizagao da escola, Aloisio teria exposto, segundo Souza Leite, "sua descrenga quanto a propriedade da ado¢o de um modelo elaborado tao fora de contexto” (2006b: 259) ‘Souza pondera que, "um pouco em conseatiéncia dessas idéias, surgiu uma tendéncia nacionalista do design” (Souza, 1996: idem). Essa tendéncia “insinua-se no debate cultural brasileiro a partir do final da década de 1950" (Cara, 2008: 80), e ganha forga ao longo dos anos 1960. ‘Como altemativa ao modelo concretista (da qual a vertente ulmiana é um dos bragos), vislumbra-se a possibilidade de conjugacao entre a “produgao artesanal /local e o desenvolvimento do processo de produsfo industrial 1no Brasil" (2008: idem). Ou seja, a discussdo sobre a identidade do produto brasileiro, naquele momento, apresenta uma ‘abordagem prioritariamente associada a uma assimilag&o da cultura popular e da experiéncia lacal ‘com as perspectivas de um projeto participativo de toda a sociedade brasileira” (2008: 140). Quando se comenta a “construgao de um desenho industrial autonomo com caracteristicas nacionais” (2008: 88), a literatura destaca as atuagies de Lina e Aloisio. ‘Se ela “pautava-se entéio por uma concepcdo de design que apostava na fusdo de limites da produgao industrial e da produgao artistica e se atribula tarefa positiva na propria construgao social" (Nobre: 2008:25), ele, "da mesma forma que Lucio Costa, com elegancia e civilidade, através também de uma bem sucedida atividade pratica, conseguiu delinear as formas, sendo, portanto, um designer na estrita acepcao do arquiteto, de um design menos vinculado a ortedaxia de Ulm" (Souza, 1996: 270). ‘Se Moraes (2006) acredita que, “dentre os protagonistas do design brasileiro, [Lina e Aloisio] foram importantes representantes a enfrentar os desafios da inserpao da cultura local - autdctone e popular — no design nacional" (idem: 58), ele entende também que ‘nenhum desses dois modelos promovidos por Magalhaes e Bo Bardi foram disseminados de maneira sistematica no Ambito do ensino de design no Brasil, ao ponto de tornarem-se reconheciveis como possiveis referéncias e como simbolo de uma escola de design local” (idem: 59). Assim também é para Pedro Luiz Pereira de Souza. Ele afirma que ‘arquitetura e design que buscaram a identidade nacional nunca foram além de discursos" (Souza, 1996: 269). Se os modelos propostos por ‘ambos n&o foram disseminados sistematicamente nos momentos em que foram propostos (as ages de Lina na Bahia foram interrompidas pelo governo militar e sua Escola de Desenho Industrial e Artesanato nao ‘chegou a funcionar, de fato: e as agdes de Aloisio foram parcialmente interrompidas com sua morte em 1982), percebo, sim, a existéncia, hoje, de um fendmeno de re-apropriagdo dos pensamentos e das propostas de ‘ambos que vem se consolidando de forma significativa desde o fim da década de 1980, seja durante o proceso de formulagao da Constituicao de 1988, que, no que tange as politicas de patriménio cultural, usou as propostas de Aloisio como base, seja nas administragSes municipais de Luiza Erundina, em Sao Paulo, ¢ de Mario Kértesz, em Salvador, que convidaram Lina, nos anos 1980 e 90, a colaborar com a criagao de projetos e programas arquiteténicos-urbanisticos, seja nas diversas pesquisas que tém se dedicado a investigar uma série de aspectos das ‘obras e dos pensamentos desses dois autores. Esse fendmeno, que se estende do campo polltico-governamental ao campo académico, merece uma olhar mais atento, uma vez que em tomo dele articulam-se questées fundamentais para uma reflexdo sobre design e sociedade no Brasil, também hoje. ‘Tendo atuado em frentes diferentes aproximadamente no mesmo periodo de tempo — ela com uma trajetéria mais longa que a dele -¢ tendo proposto, cada um a sua maneira, novas possibilidades dentro do campo de projeto no Brasil, Lina teve sua atuago poltico-cultural (& época baseada em Salvador, Bahia) refreada pela ditadura militar que se instalou no pais em 1964, enquanto Aloisio encontrou no mesmo regime ditatorial 0 espago onde desenvolveu sua atuagao junto as pollticas de design, arlesanato e cultura, Estando dentro das insttuic6es que viabilizaram 0 didlogo Brasil-Alemanha (ela no |AC-MASP e no MAM-BA, ele no MAM-RJ ena ESD), sendo figuras estratégicas para a criagao do ambiente de design no Brasil, Lina e Aloisio nao se furtaram a problematizar as ‘consequiéncias da transposi¢&o do modelo ulmiano para o contexto brasileiro, buscando nos EUA, na Ita e no contexto popular nacional o suporte para o desenvolvimento de outras perspectivas para a pratica projetiva no pals. Em momentos diferentes - ela na Salvador dos anos 1960, ele no Rio de Janeiro ao longo daquela década e, de forma mais objetiva, na Brasilia dos ‘anos 1970, os dois chegaram a romper (de forma mais ou menos explicita) ‘com a posigao majoritaria vigente no projeto de instalagao do design, tal qual ele foi levado a cabo no pais, propondo, cada um a seu modo, alternativas - tanto para a pratica projetual, quanto para o ensino e para a pesquisa em design, E curioso perceber que o direcionamento de seus discursos e de suas propostas ndo representa um rompimento com a tradi¢o europeia, nem tampouco uma identificagao total e irrestrita com 0 modernismo arquitet6nico brasileiro, sintetizado na figura de Lucio Costa, Observando a realizagdo de um projeto modemo de construgdo de uma determinada cultura material face as possibilidades apresentadas pelo contexio brasileiro, Lina e Aloisio, e cada um deles a seu modo, pareciam estar discutindo o estabelecimento de uma pratica de design mais sintonizada ‘com 0 proprio pals e, nesse sentido, seria necessario repensar tanto a perspectiva adotada pelo madernismo arquiteténico brasileiro quanto aquela proposta pela vertente alema do design modemo, afastando-se, inclusive, dos limites mais estrtos do design até uma aproximagao com questBes ligadas de forma mais ampla as condigBes de produgao da cultura material no contexto nacional. Algumas experiéncias de ensino de um humanismo projetual (de 1980 aos dias de hoje) Passemos agora para o desenvolvimento de uma proposta de ensino de design que se pretendia uma altemativa ao modelo desenvolvido pela ESDI, proposta essa que se configurou no inicio dos anos 1980, na {graduagao em design da Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro, na mesma cidade, portanto, que a primeira escola. E importante salientar que os dois cursos estao ainda hoje em funcionamento, sendo os dois principais cursos de design da cidade. O que proponho, aqui, é tomar proposta de ensino da PUC-Rio como um estudo de caso de uma das iniciativas acontecidas, entre os anos 1960 e 1980, como parte do movimento maior de busca pela contextualizagao do design no Brasil, No curso de graduagao em design da PUC-Rio, os alunos cursam disciplinas de projeto em todos os semestres do curso, que tem duragao de 4 anos. Tais disciplinas sao formadas por alunos de todas as quatro habiltagbes que 0 curso oferece (comunicagao visual, midia digital, moda, projeto de produto). As duas primeiras disciplinas de projeto, que os alunos devem cursar no primeiro eno segundo semestre do curso, s8o “orientadas, pela enfoque metodologico do design em parceria, (que consiste er] exercicios de projeto em um contexto real, junto a um grupo social com o qual [o aluno} desenvolvera um trabalho, chegando até a construgéo de protétipos que podem ser experimentados e, muitas vezes, utlizados' Ribeiro, 2002: 17) Tal enfoque metodolégico do projeto, também chamado, na PUC-Rio, de design social (Couto, 1991), fol frmulado pelos professores Ana Maria Branco e José Luiz Mendes Ripper, no inicio dos anos 1980 (mais exatamente a parti de 1982), a parlir do que Ribeiro nomeia de uma insatisfag4o com a pratica de projeto centrada em tomno da relagao professor/aluno, que terminava por afastar do processo os sujeitos para os {uals se projeta (Ribeiro, 2002: 18).O objetivo daquela proposta seria entio transformar o sujeito para quem se projeta em alguém com quem se projeta, em um parceiro de projeto. Ainda segundo Ribeiro, quando Branco @ Ripper, que nao concordavam com o modelo esdiano, que havia inspirado o curriculo do curso da PUC, “resolveram, como eles mesmo dizem, dar uma reviravolta na proposta pedagdgica do curso, o primeiro asso jé havia sido dado: identificar o que estava deixando a desejar na antiga proposta. O segundo passo foi convidar uma professora de antropologia, Lélia Gonzalles, para auxiliar na conceituagao da nova proposta. Logo chegaram a conclusao de que ela deveria colocar o aluno além dos muros da universidade, para buscar na sociedade temas reais de projeto, e assim quebrar 0 bin6mio professor/aluno, como também obter ‘outros pontos de vista a respeito do projeto executado, pontos de vista estes que muitas vezes seriam bem mais abrangentes do que o do proprio professor. Os processos de projeto passaram, a partirdeste momento, a se ajustarem aos grupos sociais e os objetos resultantes destes processos ‘comegaram a ser construldos e experimentados” (2002: 19). Para 08 dois professores, a “abstragdo do contexto real gerava resultados sem significado sociale era contraditéria em um departamento pertencente ‘a0 Centro de Ciéncias Humanas, como ¢ 0 caso do Departamento de Artes [e Design da PUC-Rio]. Foi essa aproximago com a realidade do meio extra-universitario que comecou a delinear a atividade do design social na PUC" (Couto, 1991: 12). Esse modo de projetar, que tem por objetivo ‘rabalhar com contextos reais e com necessidades deste contexto” (1991 13) levava os alunos a "procurar o seu tema de projeto fora do contexto da PUG" (idem), ou seja, extra-muros. Na definigao da pesquisadora do ensino de design Rita Maria de Souza Couto, "o design social é uma atitude de projeto que tem por objetivo desenvolver trabalhos dentro de uma realidade social, em um contexto definido' (idem: 19) e “tem como caracteristica a participagdo efetiva do individuo ou grupo social com o qual Se projeta, em praticamente todas as etapas do processo de produgao de ‘objetos” (idem). Nessa proposta, "busca-se incentivar nos alunos o trabalho ‘com a realidade social, através da pesquisa direta, em um contexto real definido, contribuindo, assim, para estimular a ctiatividade, desenvolver 0 ‘senso critica e favorecer a descoberta de valores culturais” (Idem: 21). Assim, podemos perceber que o movimento ‘para fora’ leva 0 curso a ter de ‘olhar também ‘para dentro’, ou seja, buscar uma pratica de projeto que se aproxime dos contextos reais onde se configuram os significados dos ‘objetos implica, como terminou por acontecer na PUC-Rio, em uma reorganizagdo de todo o curriculo do curso. Entre as infuéncias tedricas que informaram a proposta desse modo de projetar na PUC-Rio, Heliana Pacheco (autora da primeira dissertagao de mestrado em design do pais) destaca a colaboraco das ideias do socidlogo Jean Baudrillard, dos designers Gui Bonsiepe e Victor Papanek (que visitou a PUC entre o fim dos anos 1970 e o inicio dos anos 1980), e do arquiteto e designer C. Alexander (Pacheco, 1996: 02), Além das influéncias acima descritas, e de tantas outras apontadas pelas pesquisas que se dedicam a investigar 0 ensino de design na PUC-Rio (ver Couto, Oliveira, Pacheco, Ribeiro, entre ‘oulsos) ¢ importante lembrar, também, que no momento de formulagao da proposta, Ripper e Branco contaram com a contribuigdo de uma antropéloga. Assim, percebe-se que contetidos e abordagens oriundos daquela ciéncia social informam o design social praticado na PUC-Rio desde a sua instalagao, E tacito, entdo, afirmar que existe, naquele curso, uma tradicao, consolidada ao longo de quase 30 anos de pratica e de ensino, de um design que se alinha com uma perspectiva antropolégica. Vale também ‘observar com mais alengao porque o primeiro projeto realizado pelos alunos se organiza através das relagbes entre contexto e conceito. Se vimos que, historicamente, a reflexdo sobre design no Brasil se organiza ‘em toro de uma busca por contextualizago da pratica da atividade, & ‘curioso notar que uma proposta que se langa ao desafio de criarnovas perspectivas para o ensino de projeto tenha como eixo organizador aquela mesma categoria, a de contexto. Ou seja, se o design brasileiro parece estar buscando, de diversas maneiras, a0 longo dos iiltimos cinquenta ou sessenta anos, encontrar um lugar de fala a partir da propria cullura onde se formula, e ele parece ter orientado seus proprios questionamentos a partir da busca por contextualiza¢o, é compreensivel que essa mesma categoria seja ativada quando se busca formular uma proposta pedagégica alternativa, Se era interacao com o contexto 0 que faltava, voltemos nossa pratica projetual para ele entao, nao apenas no sentido de projetarmos para o contexto, mas no contexto, em contexto. ‘A aproximagao de uma abordagem antropolégica tem por objetivo néo somente ‘antropologizar’ a pratica do design, mas, sim, em ultima andlise, preparar o aluno a lidar com diferentes perspectivas, tecnicas, metodologias e ferramentas proprias de outras disciplinas e areas do saber. Se a antropologia os auxilia a construir um olhar mais contextualizador e relativistico sobre a sua prépria pratica, bem como sobre ‘08 contextos culturais em que essa pratica se realiza, assim, certamente, esses futuros designers estaréo mais aptos a lidar com os desafios cada ‘vez mais complexos que se apresentam a sua pratica Aproximando-me da perspectiva adotada por Rochfort, que afirma que, “as 4 prerequisite itis absolutely essential for design education to create a foundational framework of leaming that equips a design student with the ability fo reach across disciplines, to bring in information, ot extract ideas, to think critically and to make connections, This calls for a skilful Blending of arts and humanities, sciences and technology'(Rochfort, 2002: 163), acredito que uma pratica de projeto mais comprometida com as questées relativas ao contexto cultural em que se formula a proposta de design é uma saida para o dilema que nos afige, de forma cronica, seja no Brasil, ‘como também em diversos outros contextos, onde @ questo de um ensimesmamento do design tem sido incansavelmente discutida, Consideracées finals ‘Observando algumas séries de debates e iniciativas em tomo da pratica e do ensino de design no Brasil, tal como ensaiei nesta comunicagao, tenho por objetivo trazer a tona diferentes aspectos e significados que vem ganhando a discussao sobre a especificidade do design praticado no pals. Organizando esse ‘passeio’ através da nogdo de contexto, espero ter podido levantar algumas quest6es que podem servir de alavanca para intimeros outros debates em tomo do que pode ser a pratica eo ensino do design daqui para a frente. ‘Sema pretensdo de esgotar nenhum dos debates apresentados, busquel colocar em relagao, a partir da ideia de uma busca por contextualizagao da pratica de design, diferentes momentos e atores significativos para o design brasileiro dos titimos cingdenta anos. Relacionando discursos e rellexdes em tomo da historia e da pratica pedagégica do design no pals, ‘espero contribuir néo somente para o debate sobre as inter-relagdes possiveis entre o design e as ciéncias sociais, mas também, para a discussao entre o design e a sua prépria identidade enquanto disciplina, em diferentes contextos. Nota (1) Esse nao é um fendmeno que se restringe ao design brasileiro. Nigel Gross aponta para algumas repercuss6es do clima sécio-cultural do fim dos anos 1960, que implicou em um emergente questionamento contra os métodos utlizados pelo design até entéo (Cross, 2007: 120), Citando ‘apenas o contexto inglés, é preciso lembrar que tanto Cross quanto Bruche ‘Archer (ente outros) discutiam intensamente o que deveria ser o ensino de design. Os debates ocorridos na Inglaterra, assim como no Brasil e em tanios outros lugares, entre os anos 1970 ¢ 1980, so decorréncia da ‘agitagao cultural do fim dos anos 1960, como colocam Archer, Baynes © Roberts: “Thinking on design education in the 1970s and 80s was inevitably influencied by the intellectual currents ofthe period. This was a time of intense speculation about the nature of human creativity and the factors that had allowed humans to spread their material culture throughout the globe’ Archer, Baynes, Roberts: 2005: 04). Entendendo que esse foi um fenémeno global, opto por restringiro foco de atencdo para 0 contexto brasileiro. Referéncias Bibliograficas ANASTASSAKIS, Zoy. Triunfos e impasses: Lina Bo Bardi, Aloisio ‘Magalhaes e a insttucionalizagéo do design no Brasil. Tese de Doutorado, Programa de Pés-Graduago em Antropologia SocialMuseu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011 ANASTASSAKIS, Zoy. Dentro e fora da politica offcial de preservacéo do patriménio cultural no Brasil: Aloisio Magalhées e 0 Centro Nacional de Referéncia Cultural, Dissertagao de Mestrado. Programa de Pés- Graduago em Antropologia Social/Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. ARCHER, Bruce, BAYNES, Ken, ROBERTS, Phil. A framework for design and design education. Warwickshire: DATA and Loughborough University, 2005 BORGES, Adélia, “Popular Culture in Contemporary Brazil’. In: Schwartz- Clauss, Mathias; VEGESACK, Alexander von (eds). Antibodies. Fermando & ‘Humberto Campana 1989-2009. Weil am Rein: Vitra Design Museum, 2009, p. 83-92. BRANZI, Andrea. °O Brasil como modelo do mundo”. in: MORAES, Dijon de. Andlise do design brasileiro: entre mimese e mesticagem. So Paulo: Edgard Blucher, 2008, p. 03-17. CARDOSO, Rafael. "introdugao". 0 design brasileiro antes do design: aspectos da histéria grafica. S40 Paulo: Cosac Naify, 2005a, p. 07-16. ‘CARDOSO, Rafael, “Design: objetivos e perspectivas’. In: LIMA, Guilherme Cunha (org,), Design: objetivos e perspectivas. Rio de Janeiro: PPDESDI UERJ, 20050, p. 86-96, CARDOSO, Rafael, “Tudo ¢ moderno: nada é Brasil: design e a busca de uma identidade nacional”. In: CAVALCANTI, Lauro (org). Tudo 6 Brasil, ‘$40 Paulo: tat! Cultural; Rio de Janeiro: Pago Imperial, 2004, p. 81-90. ‘COUTO, Rita Maria de Souza. O ensino da disciplina de projeto basico sob ‘0 enfoque do design social. Dissertagao de Mestrado. Departamento de Educago, Pontificia Universidade Catdlica do Rio de Janeiro, 1991 CROSS, Nigel. Designerly ways of knowing. Basel: Birkhauser Verlag AG, 2007. FRASCARA, Jorge (ed.). Design and the social sciences: making ‘connections. London and New York: Taylor & Francis, 2002. LESSA, Washington Dias. “A ESD1 e a contextualizagao do design’. In Piracema, revista de arte e cultura, n® 2, ano 2. Rio de Janeiro: Funarte, 1994, p, 102-107. MORAES, Dijon de. Andlise do design brasileiro: entre mimese & ‘mesticagem. Sao Paulo: Edgard Bldcher, 2006. PEREIRA, Juliano, Desenho industrial e arquitetura no ensino da FAU USP (1948-1968). Tese de Doutorado, Departamento de Arquitetura Urbanismo da Escola de Engenharia de Séo Carlos, Universidade de So Paulo, 2009. COLIVEIRA, izabel Maria de. 0 ensino de projeto na graduagéo em design 1no Brasil: discurso da pratica pedagdgica. Tese de Doutorado. Departamento de Artes e Design, Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro, 2009, Oliveira Roberto Cardoso de. 0 trabalho do antropélogo. Brasilia: Paralelo 15, 2006. PACHECO, Heliana Soneghet, O design e o aprendizado. Barraca: quando design social desagua no desenho coletiva. Dissertacao de Mestrado. Departamento de Artes e Design, Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro, 1996. NOBRE, Ana Luiza de Souza. Fios cortantes: projeto e produto, arquitetura @ design no Rio de Janeiro (1950-70). Tese de Doutorado. Programa de Pés-Graduagao em Histéria Social da Cultura, Departamento de Historia, PUC-Rio, 2008. RIBEIRO, Flavia Nizia da Fonseca. Préticas pedagdgicas em cursos de

Vous aimerez peut-être aussi