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BEETHOVEN

Carlos Drummond de Andrade

Meu caro Lus, que vens fazer nesta hora


de antimsica pelo mundo afora?
Pattica, herica, pastoral ou trgica,
tua voz sempre um grito modulado,
um caminho lunar conduzindo alegria.
Ao no-rumor tiraste a percepo mais ntima
do corao da Terra, que era o teu.
Urso-maior uivando a solido
aberta em cntico: entre mulheres
passando sem amor. Meu rude Lus,
tua imagem assusta na parede,
em medalho soturno sobre o piano.
Que tempestade passou em ti e continua
a devastar-te no limite
em que a prpria morte exausta se socorre
da vida, e reinstala
o homem na fatalidade de ser homem?
Ns, os surdos, no captamos
o amor doado em sinfonia, a paz
em allegro enrgico sobre o caos,
que nos ofertas do fundo
de teu mundo clausurado.
Ns, computadores, no programamos
a exaltao romntica filtrada
em sonatino adgio murmurante.
Ns, guerreiros nucleares, no isolamos
o ncleo da paixo de onde se espraia
pela praia infinita essa abstrata
superao do tempo e do destino
que razo de viver, razo florente
e grave.
Tanto mais liberto quanto mais
em tua concha no acstica cerrado,
livre da corte, da contingncia, do barroco,
erguendo o sentimento culminncia
da divina exploso, que purifica
o resduo mortal, angstia msera,
que vens fazer, do longe de dois sculos,
escuro Lus, Lus luminoso
em nosso tempo de compromisso e omisso?

Do fogo em que te queimaste,


uma fasca resta para incendiar
coraes maconhados, sonolentos,
servos da alienao e da aparncia?
Quem compor a Apassionata de nosso tempo,
que remover as cinzas, despertar a brasa,
quem reinventar o amor, as penas de amor,
quem sacudir os homens do seu torpor?
Boto no pickup o teu mar de msica,
nele me afogo acima das estrelas.

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