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Centro de Documentagao e Informacio Polis Instituto de Estudos, Formacio e Assessoria em Politicas Sociais (51 Cidreira, Renata Pitombo Os sentidos da moda: vestuario, comunicagao e cultura. / Renata Pitombo Cidreira. — Sao Paulo: Annablume, 2005. 146p.; 14 x 21cm ISBN 85-7419-527-8 1. Moda. 2. Sociologia da Moda. 3. Histéria da Moda. 4. Antropologia da Moda. 5. Comunicacao da Moda. 6. Vestuario. 7. Comunicacao. 8. Cultura. 9. Estilo. I.Titulo. CDU 392 CDD 391 _ OS SENTIDOS DA MODA (VESTUARIO, COMUNICACAO E CULTURA) Coordenagao editorial Joaquim Antonio Pereira Produgéo Livia C. L. Pereira - Paginacgao Capa Pérsio Menezes Foto da autora Ricardo Fernandes CONSELHO EDITORIAL Eduardo Pefuela Cafizal Norval Baitello Junior Maria Odila Leite da Silva Dias Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeff Cecilia de Almeida Salles Pedro Jacobi Célia Maria Marinho de Azevedo 1* edigao: julho de 2005 1* reimpressao: fevereiro de 2006 © Renata Pitombo Cidreira ANNABLUME editora . comunicagao, Rua Padre Carvalho, 275 . Pinheiros 05427-100 . Sao Paulo . SP . Brasil Tel. e Fax. (011) 3812-6764 ~ Televendas 3031-9727 http://www.annablume.com.br SUMARIO INTRODUGAO - MODA E REVELACAO CAPITULO 1 - MODA: ETIMOLOGIA E HISTORIA 1.1 - Moda sob diversos olhares 1.2 - Moda como modo de fazer 1.3 - Vestuario e histéria 1.4 - Moda e inscrigao histérica CAPITULO 2 - MODA, MERCADO E ARTE 2.1 - Moda e Economia 2.2 - Moda e Brasil 2.3 - Moda e Consumo 2.4 - Moda e Artisticidade CAPITULO 3 - MODA E SIGNIFICACAO 3.1 - Moda e Personalidade 3.2 — Moda e Distincao 3.3 — Moda e Comunicacaéo 3.4 - Moda e Estilo CONCLUSAO - A CONQUISTA DE UM ESTILO BIBLIOGRAFIA 11 21 24 30 37 40 57 59 66 71 78 93 95 102 111 117 135 139 APRESENTACAO Apresentar um livro € sempre um desafio. 0 que aqui aceito eu por miltiplas e bastante motivadoras razées. A primeira é participar da divulgacéo de um excelente trabalho na area da comunicagdo e da cultura contemporaneas. Trabalho este que fortalece os lacos tedricos, pragmaticos e estratégicos entre as areas da comunicacao, das artes cénicas, da antropologia social e da sociologia comparada. A segunda razao refere-se ao fortalecimento dos estudos telativos as tematicas da contemporaneidade, aqui tratadas em torno de dois recortes de grande relevancia para a pesquisa, que sao a moda e as aparéncias juvenis, e que me sdo — ambos - muito caros. A busca dos sentidos nesse campo revela, aqui, o valor do estilo, inclusive o literério, de uma professora que apenas anuncia uma ainda maior - mas igualmente importante - contribui¢do, para os estudos relativos 4 comunicacao e a cultura na contemporaneidade. A terceira e dltima razdo para aceitar o desafio, que é o de apresentar um livro, é poder reafirmar a importancia da transdisciplinaridade e da relevancia de temas ja de ha muito estigmatizados, como é 0 caso, por exemplo, do tema da moda e da aparéncia individual e social, que chegou a marginalizar um pensador da estirpe de Georg Simmel, que é - felizmente - aqui, muito bem tratado. 10 RENATA PITOMBO CIDREIRA Enfim, o leitor podera saborear este presente que é 0 livro de Renata e atualizar seu saber sobre coisas que de tao visiveis nem nos damos conta. ArmInD0 BIAO Doutor em Artes Cénicas (Université de Paris V - Réné Descartes), coordenador fundador do Programa de Pés-Graduagao em Artes Cénicas e atual Diretor Geral da Fundagao Cultural do Estado da Bahia. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 14 RENATA PITOMBO CIDREIRA personatidade individual um valor projetivo (...). Pode-se entao perceber uma relagdo (mesmo imperfeita) entre certas caracteristicas pessoais e sociais e certos aspectos do vestir. Mas a vestimenta nao para de suscitar no outro reacGes e atencdes favoraveis ou nao, que em feedback podem afetar a maneira pela qual um sujeito se percebe (1981, p.71). Também o médico e psicanalista australiano Paul Schilder ja havia mencionado em 1968 (na publicacao L’Image du Corps) o quanto o corpo é transformado através de um habitual e corriqueiro ‘ato de vestir’ ou adornar. “Se uma mulher porta uma pluma em seu chapéu, seu corpo se prolongara até a extremidade da pluma e, automaticamente, ela adotara gestos e atitudes na sua nova dimensao. 0 artificio da vestimenta, do ornamento se integra e se interioriza perfeitamente. (...)” (SHILDER apud BOREL, 1992, p.19). Mais proximo de uma perspectiva sociolégico- comunicacional, o teérico canadense Marshall McLuhan também foi sensivel as transformacoes operadas no corpo em fungado do uso desta ou daquela indumentaria. Nao por acaso, quando se tefere ao vestuario, o autor lhe confere o estatuto de segunda pele, sugerindo, em dltima instancia, o grau de incorporacdo do vestuario ao corpo e seu potencial enquanto configurador e definidor de possibilidades sensério-motoras. A atencao de McLuhan ao que chamamos de ‘ato de vestir’ pode ser conferida em dois de seus trabalhos mais significativos: Guerra e Paz na Aldeia Global (1971) e Os meios de comunicagao como extensées do homem (1964). Em Guerra e Paz na Aldeia Global, a descrigdo que o autor faz das dificuldades de locomogao de uma mulher argelina sem o véu (purdah) é surpreendentemente esclarecedora da relagéo complexa que se estabelece entre o corpo e a roupa. De todo modo, acreditamos, intimamente, que cada um de nés ja experimentou a sensagdo de algum tipo de interferéncia ou modificagao dos habitos sensérios-motores, em fun¢ao do uso desta ou daquela veste. De fato, a indumentaria exerce um certo grau de constrangimento ao corpo, impondo e propiciando este aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 18 RENATA PITOMBO CIDREIRA Aparecer é consentir ao jogo social: (...) E aceitar nao ser a todo instante tudo que se é, para dar lugar ao ser dos outros, ou melhor, ainda, em boa sociedade civilizada, a seu proprio aparecer, ou seja, a seu proprio esforco em direcdo a troca e em direcdo a harmonia. Nao existe comunicaco entre os seres - entre os seres puros, eu quero dizer, os seres sem parandia, aqueles que recusam a sair um instante de seu espfrito para ir ver com o que ele se parece, visto de lado; (...). O ser é naturalmente invasor, barulhento, cheiroso e ingenuamente persuadido, sempre, que seu pretendido “natural” - que nao é sendo um cédigo entre outros - é universal como a natureza, e deve naturalmente permitir todas as trocas. 0 aparecer é renancia parcial a este ser, é verdade; e convém felicita-lo por isto, a meu ver. Ele € consentidamente provisério (...), aquele que nao pertence de modo algum nem a um nem a outro dos seres em presenca, mas que lhe permite escutar e coexistir. Ele é desvio, papel, personagem, contrato, literatura e, é preciso reconhecer, estratégia: menos ser para mais ser — tal é a aposta da negociacao que traz aos homens a felicidade e 0 tempo (CAMUS, 2000, p.32/33/34). Além de exibir a dimensao fragmentaria e transitéria constituinte do individuo, outro aspecto importante do aparecer, é que ele se recusa a reduzir o sentido ao sentido pratico, 0 gesto a sua funcdo, 0 espaco a seu uso doméstico, o prato a sua sustentacdo, a politica as sondagens, as relagdes sociais as leis do mais forte, ou dos mais ricos, e a frase a sua mensagem. Como explicita Camus, o aparecer foi inventado por aqueles que julgavam que existir, sobreviver, morrer, nao era suficiente; que neste intervalo entre aparecer e desaparecer seria interessante parar 0 tempo, se possivel, e tentar lhe dar uma forma, um sabor, uma substancia que se poderia partilhar com ele. “E o aparecer que de comer faz um prato, de amar ou sofrer uma frase, de um dia uma data, de um sacrificio uma religido, de viver um destino. Eo aparecer que do homem faz o homem” (2000, p.47). A forma, o sabor manifesta-se na maior parte das vezes através de um estilo, aqui concebido como um instrumento e nado aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. A primeira vista o vestudrio é um bom tema de pesquisa e reflexao: é um fato completo cujo estudo acaba por solicitar um olhar hist6rico, econémico, etnolégico, técnico, e talvez mesmo, veremos adiante, lingiiistico. Mas sobretudo como objeto mesmo do parecer 0 vestudrio atrai a curiosidade, (...) ele nos convida a ultrapassar os limites do individuo e da sociedade. 0 que nos interessa nele 6 que ele parece participar (...) da dindmica da sociabilidade. (...) Se se recupera a bibliografia, abundante mas andrquica, 0 vestudrio é um tema decepcionante (BARTHES, 2001, 47). Se na década de 50 podia-se denunciar e mesmo reclamar da caréncia de material intelectual significativo produzido sobre o tema, em pleno ano 2001, embora algumas das criticas se mantenham, afinal muitas das obras continuam sendo as mesmas, ja se tem acesso a um vasto e consideravel nimero de trabalhos que retratam, cada um a seu modo, a moda. A reunido e mesmo composicao pertinente de alguns desses olhares nos auxiliam, hoje, na compreenséo do fendémeno, que partilhando as palavras de Barthes, continua instigando a curiosidade e promovendo uma aproximagao de muitos temas caros a sociedade enquanto tal, talvez mesmo pela sua natureza aparentemente fitil, efémera. As ciéncias humanas redinem varias disciplinas as quais Possuem suas proprias ferramentas conceituais e metodolégicas aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. OS SENTIDOS DA MODA 27 corpo a mulher. Uma imposicéo vestimentar que funciona como signo do papel da mulher naquelas sociedades. Ainda nesta perspectiva, as abordagens de teor mais filos6fico vao, por um lado, através da perspectiva baudrillardiana (1981), analisar a moda e, num sentido mais especifico, a vestimenta como um objeto-signo entre outros. Seu estudo do consumo o leva a estigmatizar a moda, pois, para o autor, a moda nasce pela reproducéo de um modelo totalmente separado de seu original e, assim, ela pode ser interpretada como puro simulacro. De outro lado, vamos nos deparar com a analise de Gilles Lipovetsky (1989) que enfatiza o fato de que a dinamica moda se estende a outras esferas da cultura, sugerindo sua importancia nas sociedades modernas, engajadas sobre a veia do consumo e da comunica¢ao de massa. O autor defende a idéia de que é necessério admitir a existéncia do frivolo como um pedestal, do qual a moda é um instrumento, sobre o qual o individualismo e o conforto fundariam as sociedades liberais. A abordagem historica da vestimenta surgiu e se alimentou para fornecer aos artistas, pintores da época ou homens de teatro, os elementos figurativos da cor local necessaria as suas obras, ou para o historiador se esforcando em estabelecer uma equivaléncia entre a forma vestimentaria e o espirito geral de um tempo ou de um lugar. Os primeiros trabalhos datam de 1860 e preocupam-se em tratar o costume como uma adi¢ao de pecas, a peca vestimentar ela propria como uma espécie de evento histérico, da qual convém antes de tudo datar o aparecimento e sua origem circunstancial. A altima, entre as seis perspectivas, a sociolégica, talvez seja a que nos traz mais elementos para a compreensdo do fenédmeno da moda. Embora saibamos que somente através da complementaridade entre as varias abordagens possamos apreendé-la na sua totalidade. Todos os socidlogos parecem concordar ao menos sobre um ponto: a vestimenta ultrapassa sua funcao utilitaria e implica outras fungdes de dinamica social como a produgao, a difusdo, ou o consumo dos produtos de moda. Herbert Spencer descobre, desde 1854, a submissdo dos homens as leis da aparéncia. Ele foi o primeiro a entrever a moda, ou as aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. OS SENTIDOS DA MODA 31 maneira, feicdo, forma particular, jeito, sistema, pratica, via, habilidade e em alguns casos, processo de aculturacao. Ao recorrer as definicdes desses termos em lingua inglesa, como o faz Gilberto Freire (1997), vamos notar que a relacao entre eles também aqui é significativa. Mode aparece como “manner of doing or being; method; form; fashion; custom; way; style”. E Fashion, como “shape, manner; the make or form of anything; style, shape, appearance, or mode of structure; pattern; workmanship; execution. Prevailling, mode of style, mode of dress. Polite or genteel life. Social position; mode of action or conduct, manner, way” (Webster's International Dictionary, Springfield, 1907). No Le Robert Micro Poche (1998), Dictionnaire de la langue francaise, mode é@ associado também a “1. godts collectifs, maniéres passagéres de vivre, de sentir qui paraissent de bon ton dans une société déterminée. Les engouements de la mode; vogue (a la mode): conforme au godt du jour; 2. habitudes collectives et passagéres en matiére d’habillement (suivre la mode). 3. mode de..., forme particuliére sous laquelle se présente un fait, s'accomplit une action; forme, mode de vie, d’existence”. O termo moda é empregado geralmente para toda inven¢ao, todos os usos introduzidos na sociedade pela fantasia dos homens. Por moda se entende, ainda, certos ornamentos utilizados para embelezar os dois sexos e @ aqui que vamos encontrar o verdadeiro dominio da mudanga e do capricho. As modas se destroem e se sucedem continuamente, algumas vezes sem razdo aparente alguma, o bizarro sendo sempre preferido as mais belas coisas, pelo simples fato de que é o mais novo. A novidade acima de tudo. Alguns escritores mais sensiveis insistem em afirmar que a moda é o dnico procedimento que os homens encontraram para se auto-enganarem da monotonia da vida, na medida em que proclama a transformacao continua, a mudanga acelerada, o gosto pela novidade. Outros preferem situar-se no campo da prépria dificuldade em defini-la, enquadra-la. Mas de todo modo, apontam algumas das suas caracteristicas. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. OS SENTIDOS DA_MODA 35 dos primeiros a denunciar a mortificagao da carne pelos coletes em metal; e outras vozes vao se unir a sua, uma vez que os coletes foram, a partir da época de Petrarco, uma calamidade que atingia os dois sexos. “A nocividade de todo mecanismo que modificava a forma do abdomen e comprimia o térax foi freqiientemente sublinhada pela medicina ocidental, assim como no Oriente se criticava 0 aprisionamento dos pés” (BELL, 1992, p.21). Havia, ainda, uma forte objecéo aos decotes porque eles provocavam pneumonia e as longas caudas dos vestidos do final do século XIX e inicio do século XX, uma vez que eram considerados anti- higiénicos por arrastarem no chao. E claro que hoje em dia as proporcdes dessas imposicdes se alteraram, mas, em muitos casos, ainda persiste uma certa ditadura da moda, um certo ideal de beleza e seducado que é constantemente desejado e almejado pelas mulheres. Para tanto, elas continuam se submetendo as mais impensaveis torturas, colocando, muitas vezes, 0 corpo em risco, como no caso do bronzeamento artificial desmedido que pode vir a provocar um cancer de pele, o excesso de musculacao para ter um corpo rijo, que pode vir a comprometer certas articulagdes musculares, entre outros exemplos. Como vemos, a nossa sociedade continua, ainda hoje, reproduzindo padres de beleza, impondo certas condutas em busca da sedugao e do reconhecimento do outro. De fato, a moda sempre foi e continua sendo, em certa medida, alvo de sermées, criticas e mesmo condenacées, pois seus excessos suscitam a indignacao principalmente entre aqueles que tém fortes convicgées religiosas e morais ou mesmo patridticas. Entretanto, mesmo na mira de tantas criticas, a moda acaba sempre por triunfar. Jamais uma critica conseguiu transformar uma moda vestimentar; é@ muito freqiiente observarmos que por mais que uma nova moda seja ridicularizada, atacada, ela nasce, cresce e prospera, muitas vezes estimulada pela propria rejeicéo. Com tantas acusacées langadas contra a moda, por que o veredito quase sempre é favoravel? Por que as regulamentacoes oficiais (aqui estamos lembrando das leis suntuarias, particularmente) sao vencidas? Que mecanismo leva a esta adocao, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. OS SENTIDOS DA_MODA 39 Talvez possamos situar o trabalho do historiador Daniel Roche numa outra perspectiva. O proprio autor nos esclarece que existem duas dimensdes em que uma histéria do vestuario pode ser inscrita. Ora vejamos. Uma delas preocupa-se essencialmente com as fungdes vestimentares e a outra esta muito mais atenta para as mudancas de sensibilidade, das quais 0 vestudrio € um agente importante. De fato, quando remontamos a historia do vestuario percebemos que existe uma tendéncia quase absoluta em estabelecer vinculos entre a vestimenta e as necessidades elementares as quais ela satisfaz. As palavras chaves de interpretagaéo do vestuario, pudor e protecao, encontram-se intimamente ligadas a esta perspectiva utilitarista e mesmo quando se desloca a explicacgéo para o fendmeno da ornamentacao, ainda ai, reconhecemos a inscricéo a um campo de argumentacaéo comum, pela sua simples negagao. Nao que queiramos negar este seu estatuto utilitario, mas o mesmo pode nos condenar a ficar numa superficie, e sobretudo numa reconstrucao histérica, pode implicar numa narrativa e numa descrigéo que nao se preocupa em compreender o que condiciona, em profundidade, as formas, os comportamentos e sua evolucao. 0 vestuario, signo de pertencimento, de solidariedade, de hierarquia, de exclusdo é um dos meios de interpretacao do social. Por que o homem se veste? A esta pergunta tao essencial, foram muitas as tentativas de respostas, mas estas sempre estiveram repertoriadas em torno de trés aspectos fundamentais: pudor, protecao e ornamentacao. Pudor para esconder sua nudez, a protegdo contra as intempéries, e o adorno para se fazer notar. O papel do pudor @ mais facilmente compreensivel, uma vez que sob esta rubrica a midia vestimentar desvela mais ou menos claramente obrigacées, limitagdes religiosas e morais. Segundo a visdo psicanalitica, o pudor é considerado como a existéncia de uma tendéncia primeira que a indumentaria é encarregada de recalcar, conter. Ja o historiador, constata que existem periodos em que as pulsdes negativas triunfam e outros em que elas sao descartadas. E ele deve tragar as variagdes historicas das fronteiras de inconveniéncia sexual e social em ato nas estratégias matrimoniais e éticas. Na civilizacao classica, por aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. OS _SENTIDOS DA MODA 4B como for o que se pretende é apenas entender como essa nogado se difunde e que conseqiiéncias ela provoca. De um modo simplificador, pode-se afirmar - encontrando apoio nas palavras de Dumont - que onde o individuo é tido como valor supremo tem-se o individualismo; no caso oposto, onde o valor supremo encontra-se na sociedade como um todo, fala-se de holismo. 0 esforgo de Dumont concentra-se na tentativa de entender como esse novo conceito péde se desenvolver; tragar o movimento de transicaéo entre esses dois universos antagénicos, essas duas ideologias inconciliaveis. Importa neste momento, entretanto, reter a idéia de que para o autor, as raizes do individualismo se encontram na prépria ideologia crista, na medida em que a mesma concentra toda sua forga e estrutura em fungao da imagem de um Deus (cuja referéncia é humana). Estaria, portanto, demarcada uma das possiveis origens da proclamacao do individualismo na sociedade ocidental. Conhecer um pouco sobre o processo de emergéncia do individualismo permite, em dltima instancia, uma certa compreensdo da sua propria vigéncia e das implicagdes sdcio-culturais que provoca. Assim como também, entender o entrelagamento entre essa concepcaéo e o ideal moderno que, segundo as orientacées de Lipovetsky, esta marcado pela dinamica da moda - entendida aqui no seu sentido amplo - em que a sedugdo e o efémero sao os principios organizadores da vida coletiva. Retomando o tema central de discussao - a Moda - depois do longo paréntese aberto acima, pode-se perceber que a parceria entre moda e individualismo gera uma forte preocupagao do homem com sua imagem; um investimento de si, uma auto- observacao estética sem nenhum precedente. A moda instiga, ao mesmo tempo, o prazer de ver e o de ser visto, de exibir-se ao olhar do Outro e do Mundo. Ao que parece, portanto, a moda se constitui em um vetor de individualizagao narcisica, elemento de culto estético do “eu”. Oferece-se, nesse sentido, como luva perfeita para aquele que deseja a diferenca e o inédito na instancia da aparéncia, marcando, assim, uma “aparicao” individual, propria, personalizada. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. OS SENTIDOS DA_MODA 47 Sabe-se, enfim, que o amor plat6nico foi venerado por uma tribo de grande prestigio no mundo arabe, a dos Banu Odrah, onde se morria de amor a forca de exaltar 0 desejo casto, segundo o versiculo do Corao. Esbocando um certo quadro, percebe-se de um lado uma grande corrente religiosa maniqueista, originaria do Ira, que traz consigo a doutrina esotérica da Sofia-Maria e do amor pela “forma de luz”. De outro, uma retorica altamente sofisticada, simbélica, que remonta desde o Iraque dos sufistas “platonizantes” e “maniqueizantes” até a Espanha arabe e ultrapassa os Pirineus, encontrando no sul da Franca uma sociedade que, aparentemente, esperava apenas esses meios de linguagem para dizer aquilo que nado ousava nem podia confessar na lingua dos clérigos ou na fala vulgar. A poesia cortés nasceu desse encontro. Esse amor-paixao traz consigo um novo cédigo de conduta em que ha uma forte sublimagao do impulso sexual, acompanhado da superestima e da celebracao da mulher amada, submissdo e obediéncia do amante 4 dama. Vé-se, desse modo, uma transformagao profunda no estabelecimento das relacées entre os sexos, sobretudo, nas relagées de seducdo. E curioso perceber a seriedade com que se acolhia essa nova cultura, que se legitimava através do estabelecimento de uma série de leis, leis de amor. Desde 0 inicio do século XII, as “leis de amor” ja estavam definidas como um ritual: Mesura, Servico, Proeza, Longa Espera, Castidade, Segredo e Mercé. Todas essas virtudes experimentadas ritualisticamente conduziam 4 Alegria, acreditavam os trovadores. A nova dinamica amorosa requer uma espécie de atitude poética no ato de cortejar. A seducao necessita de toques de delicadeza em relacdéo a mulher, privilegiando a humildade e a discricéo. £ preciso, sobretudo, dominar os jogos de linguagem; fazer do verbo o suporte de seducdo e nesse empenho nao se deve desprezar a elegdncia do ato de expressao, incluindo aqui os maneirismos corporais. Nao € por acaso que esse periodo se caracteriza como um dos mais ricos em termos de confeccées de cartas e bilhetinhos amorosos. A escrita poetizada impde-se como um dos vetores de expresso mais densos na cultura do amor cortés. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. OS SENTIDOS DA_MODA 49 passado, ligando-se, assim, a tradigéo. Somente no momento em que o antigo e o tradicional ja nao sao considerados veneraveis e que a sua imitacao nao mais se impée como regra, obrigatoriedade, é que a exaltacdo do novo se instala na nossa cultura. Passa-se a privilegiar o tempo “presente” e as possibilidades que ele oferece. Numa digressdo mais arrojada, pode-se supor que essa nova atitude em relacéo 4 temporalidade encontra, de algum modo, ressonancias com a interpretacéo do tempo desenvolvida por Maurice Merleau-Ponty (1992). 0 filosofo vé a temporalidade nao mais pelo modelo do deslocamento - balizado por uma série de pontos ou momentos -, mas como dimensdo constitutiva de um mesmo campo de transcendéncia ou campo de presenca, trabalhado por uma diferenciagéo interna permanente, por uma alteracdo constante. Nao mais, portanto, passagem de um ponto a outro, mas sim autodiferenciagéo como modo de existéncia - temporal - do presente. Merleau-Ponty entende que o tempo é, na verdade, articulagéo e diferenciagaéo latente do passado e do futuro no campo do presente, pois este guarda os tracos de suas configuragdes passadas e evoca em si mesmo outras possiveis. Desse modo, quebra-se a crenga de que a temporalidade se exibe numa sucessao (de diferentes momentos ou instantes) e comeca a se perceber a existéncia do tempo na simultaneidade da presenca, essa presenca que é penetrada pelas “marcas do aquém e projetada para adiante pelos sinais do ausente inscritos nas suas dobras” (MERLEAU-PONTY apud CARDOSO, 1988, p.356). Com essa interpretagao instigante Merleau-Ponty convida aqueles que se interessam pela questao da temporalidade a vé-la nao mais como agregacdo, acumula¢do, mas - por ser o presente inacabado, lacunar e indeciso - como algo que se gesta por transformacao, quebra, alteracéo de um mesmo “campo”, do seu sentido. Se ha passagem, ela é, portanto, de uma configuracao de sentido. “A temporalidade, pois, sempre se encontra nas linhas do presente, no devir constitutivo de seu préprio sentido!” (id., ibid., p. 357). Acolhido dessa forma o presente ganha forca e vitalidade na sociedade em meados da Idade Média rompendo com o culto 50 RENATA PITOMBO CIDREIRA cego ao passado. Situada nesse novo quadro histérico a moda encontra um campo fértil para cultivar suas mudangas ciclicas. Nas suas “leis da imitacao” Gabriel de Tarde (1993) ja observava que nas “eras de costume” reinavam o prestigio da antiguidade e a imitacao dos ancestrais. Ja no que diz respeito as “eras de moda”, o que prevalece é a novidade, aquilo que se apresenta como Outro, diferente, estranho ao ja familiar. Como assinala Lipovetsky, “inteiramente centrada no respeito e na reproducao minuciosa do passado coletivo, a sociedade primitiva nao pode em nenhum momento deixar manifestar-se a sagracao da novidade, a fantasia dos particulares, a autonomia estética da moda” (1989, p.27). Nesse sentido, a moda parece ter contribuido para a liberagdo de uma instancia da vida coletiva da autoridade imemorial do passado, permitindo, de algum modo, a instalacéo de um novo tempo legitimo e de uma paixao prépria do Ocidente: a do moderno. Essa passagem sé foi possivel a partir do momento que se reconheceu o poder dos homens para modificar a organizacgaéo de seu mundo e que se percebeu 0 homem enquanto ser agente, construtor, que dispde de uma certa autonomia, um poder de decisao. Assiste-se, desse modo, a uma certa dissolucao no espaco social da ordem tradicional em beneficio de outras formas de sociabilidade, fundadas nos decretos versateis do presente. “A novidade tornou-se fonte de valor mundano, marca de exceléncia social; é preciso seguir o que se faz de novo e adotar as dltimas mudancas do momento: o presente se impés como eixo temporal que rege uma face superficial mas prestigiosa da vida das elites” (id., ibid., p.33). Apos a exibicéo de alguns dos fatores principais que proporcionaram o surgimento da moda entendida enquanto fendmeno cultural de carater coercitivo, que consiste na mudanca periddica, @ preciso, talvez, ir além e observar que a moda, em seu sentido historicamente e mercadologicamente especifico, implica, para comegar, a) numa expectativa de que pegas hegeménicas mudem em intervalos assumidamente definidos, b) numa cadeia de estilistas e demais profissionais que, de certa OS SENTIDOS DA MODA 51 forma, comandam essas mudancas ciclicas, produzindo vestimentas para um mercado anénimo, e c) num ciclo de inovacgGes que sao exibidas através de colecdes, as quais devem corresponder a uma certa homogeneidade estilistica. Se assim como o teérico da literatura Hans Ulrich Gumbrecht, da Universidade Stanford (EUA), consideramos que estas séo caracteristicas essenciais que definem o que chamamos de moda, é preciso, portanto, corrigir a convencao da historia da moda que elegeu Rose Bertin como a primeira estilista da moda no mundo, em finais do século XVIII. A costureira era responsavel pelas mudangas do guarda-roupa da rainha francesa Maria Antonieta, célebre pela vaidade, extravagancia e gosto por grandes festas. Seu sucesso se espalhou e aos poucos Bertin comecou a exercer ampla e reconhecida influéncia sobre o modo de vestir das mulheres das classes mais altas. Mas, como bem observa Gumbrecht, Bertin atendia a uma cliente e nao produzia para um mercado, além de nao ter uma produtividade intensa de novas criagées, num ritmo proximo ao que se poderia considerar propriamente moda. Foi Charles Frederick Worth quem, em 1850, em Paris, introduziu a dinamica moda tal como a conhecemos hoje, com a inauguragéo de uma loja e de uma produtora de moda, incorporando e promovendo mudangas regulares, visando o mercado através de colegdes que buscavam implantar uma identidade de marca. E a implantacéo da moda enquanto sistema. Podemos identificar facilmente dois momentos especificos de estruturagdo do fenémeno moda e qualquer tentativa de descrever seu desenvolvimento histérico deve necessariamente fazer referéncia a estes dois momentos de funcionamento e apropriacdo da indumentaria: a Alta Costura e o Prét-d-Porter. Atender aos anseios de uma elite. Assim pode ser definida a Alta Costura, cujo primeiro representante é Worth e cuja periodicidade é, em geral, caracterizada por 100 anos. Sustentada pelos anseios de distingéo de uma nova classe dirigente, a alta burguesia, a Alta Costura aparece como uma excelente alternativa para um piblico que deseja se fazer notar e que esta disposto a pagar qualquer quantia pela garantia de uma estética 52 RENATA PITOMBO CIDREIRA personalizada e exclusiva; bem como representa para os criadores da moda uma oportunidade sem precedente para o exercicio de suas inventividades. No século XVIII a Franca comanda as solugdes de criacao, enquanto a Inglaterra se sobressai na area técnica, como a alfaiataria. Uma certa cultura lddica marcou o periodo Rococé, através de trés estilos: Regéncia, Luis XV e Luis XVI. 0 primeiro privilegia roupas confortaveis e leves, o estilo Luis XV caracteriza- se, sobretudo pela valorizagdo dos penteados e o Luis XVI traz uma roupa simples, sem muito volume e decoragdo, j4 marcados pelos ecos da Revolucao Francesa. A transicéo do mundo antigo para a modernidade marca o século XIX, através do estilo neoclassico que traz indumentarias inspiradas ainda no espirito revolucionario e no consulato. Na sequéncia, surge o Romantismo, numa busca, ora passadista, ora futurista. 0 neo-rococé, como o proprio nome sugere, promove um retorno ao ludismo, incarnados agora na crinolina (armagao de arame das saias), numa silhueta de mulher que se assemelha a uma meia esfera. A partir de 1910, surgiram mudancas drasticas na indumentaria feminina: adocao de cores fortes, estreitamento das saias e 0 comprimento até a canela, decote “V”, aparecimento da calga-saia (para andar de bicicleta). O principio da Primeira Guerra Mundial (1914-18) fez com que a ostenta¢ao, o luxo, a extravagancia fossem abandonados nao sé por questées econdémicas, como também morais, uma vez que as mulheres nao se sentiam bem em usar roupas extravagantes num momento de contencao. Ja os anos 20 vao se caracterizar por um retorno ao gosto pela ornamentacao, pela preocupacao estética que, agora, valorizava um novo estilo de imagem feminina: 0 ideal erdtico passa a ser andrégino. As mulheres buscavam semelhancas com a aparéncia masculina, com cortes bem curtos, vestidos de cintura mais baixa, deslocada visando disfargar os quadris, comprimentos a altura dos joelhos, revelando, pela primeira vez na historia ocidental, as pernas femininas em pUblico. £ o periodo das melindrosas e da moda gargonne (a4 moda dos meninos). OS _SENTIDOS DA_MODA 53 Os anos 30 vivem sob a égide das imagens cinematograficas e a referéncia também no vestudrio é a estrela hollywoodiana, trazendo 4 tona muito glamour, ideais gregos de beleza e proporgdo. Drapeados, cabelos compridos e ondulados sdo os icones da aparéncia da época. Mais uma vez a guerra, a Segunda Guerra Mundial (1939- 45), promove um freio nas criagées vestimentares, tornando-as mais simples e austeras. Silhueta mais préxima ao corpo, gerando maior flexibilidade de movimentos e racionamento dos tecidos, incorporagéo de duas pecgas na composicao do look, visando praticidade, roupas recicladas, entre outras medidas de contencao. Interessante observar que estas mesmas restricdes acabam por estimular a criatividade, sobretudo da inddstria nos EUA, que culmina com a emergéncia do estilo sportwear americano. Ainda na década de 40, mas ja no pés-guerra, acontece uma das principais revolugdes da moda: o surgimento do New Look de Christian Dior, em 1947. Retornam, assim, a cintura ressaltada, marcada, o volume, amplitude e largura nas saias, que ficam a 30 centimetros de chao, e busto e ombros valorizados. Na década de 50, os quadris sao eleitos como o foco central de atencao dos estilistas, que visam, acima de tudo, muita feminilidade. Em 55 aparece o tweed discretamente pespontado com botdes duplos e saia abaixo do joelho, juntamente com cinturdo e bolso, com correntes douradas, instituindo o simbolo do estilo Chanel. A calca comprida mais curta e justa se populariza, os sutias sao bem pontudos e se espalha a moda de usar spray no cabelo. O prestigio da Alta Costura ndo perdura por muito mais tempo. Ja a partir de 53, gracas a novos costureiros (que comecaram fazendo Alta Costura) como Pierre Cardin, Yves Saint Laurent, entre outros, o Prét-d-Porter (o pronto para ser usado) comeca a se impor. A moda pronta-para-vestir, traducao literal do Prét-a-Porter, toma de empréstimo um conceito americano: o ‘read-to-wear’, surgido durante a Segunda Guerra Mundial como colaboracaéo do setor do vestuario ao esforco bélico e floresce, de fato, a partir de 63. Atendendo a todo um momento diferencial da cultura, dos costumes e dos gostos, o Prét-d-Porter tenta 54 RENATA PITOMBO CIDREIRA produzir industrialmente roupas acessiveis a todos que, inicialmente, séo imitacdes sersatas das formas inovadas da Alta- Costura. Consolidado, o Prét-d-Porter se impée com uma nova safra de criadores: Cacharel e seu elegante chemisier, Mary Quant com sua famosa mini-saia, Emmanuelle Khanh, André Courréges, com cores pastéis e saias curtissimas, Yves Saint Laurent e seu smoking feminino, entre outros; e pela emergéncia do elemento jovem no mercado. Os anos 60 também se caracterizam pelo surgimento do biquini e do movimento hippie (que atingira seu auge na década seguinte), além de ser o marco da substituicdo da expressdo costureiro por estilista. Na década de 70 o ritmo das mudangas se acelera ainda mais. Jovens criadores despontam no mundo da moda e o conceito de grife aparece no final da década que, em francés, significa garra, marca, assinatura do seu criador. O estilo flowerpower se dissemina entre os jovens, inspirados pelo movimento hippie que prega a paz e a liberdade, um certo retorno a natureza. Outros movimentos sociais que marcaram a moda neste periodo foram o feminismo e o romantismo, como se as rendas e estampas florais, aliados ao apelo sexy da calca jeans (que também incorpora o conceito de peca basica, que vige no periodo), silenciassem as anglstias de toda uma geracao pos 68. Também uma ‘onda’ de movimento antimoda é sustentada neste periodo, que promove uma certa necessidade de imagens individuais. Em meados da década, aparecem, em Londres, os punks, sintetizando uma atmosfera no future, a total falta de perspectiva gerada, sobretudo, pelo desemprego. Roupas rasgadas, muito preto, alfinetes, jaquetas de couro, coturnos e corte de cabelo estilo moicano retratam esse perfil de insatisfagao generalizada que encontra ressonancia na moda através da estilista Vivienne Westwood casada com Malcolm McLaren, do grupo Sex Pistols, e sua loja Sex. A década de 80 marca o surgimento das escolas de moda no Brasil e a moda ganha status no mundo, de modo geral. E o momento em que técnica e criatividade se aliam e o consumidor preocupa-se mais com sua aparéncia, 0 corpo vive seu auge: surgem as fashions victims. As mulheres descobrem seus poderes OS SENTIDOS DA MODA 55 e de seu corpo, exibindo uma imagem decidida, austera, mas ao mesmo tempo, sexy. A multiplicidade de grupos urbanos é impressionante: ainda os punks, new wavers, rappers, skinheads, gdticos, numa intensa relacao entre movimentos musicais e moda. Observa-se, desse modo, que ha uma explosdo de tendéncias por todos os lados. A imaginacdéo sem rédeas dos criadores - seu imaginario espontaneo, ludico e nao codificado dentro do tempo e da funcao - conduz a liberacao individual e da a todos ocasido de modular e combinar roupas, acessérios, maquiagem. Quem melhor soube incorporar esse espirito foi o estilista Jean-Paul Gaultier, com seus temas “estivador perverso”, “clochard celeste”, “terrorista sexy”, etc. Atentos para essa abertura no mundo fashion, Yohji Yamamoto e Rei Kawakubo propdem um contraponto a confusao de géneros: cortes retos, simples, numa indumentaria confortavel e sdbria. O lazer e a atividade esportiva também serao reverenciados pelo universo da moda e Vivienne Weestwod lanca nas passarelas ténis como acessério para a noite e roupas inspiradas em uniformes de equipes esportivas, criando uma moda funcional, basica, livre e modulavel, sintonizada com 0 momento. Tamanha diversidade se estende até a década de 90 que vai ser marcada pela liberdade de escolha do consumidor. Cada um procura ter uma imagem singular, construir seu préprio visual, ter um estilo. Ha um predominio no universo fashion da mistura de elementos, materiais e idéias: tudo é valido, tudo é permitido - uma peca anos 30 combinada com uma dos anos 50 podem conviver harmoniosamente, é a década das reciclagens, das teleituras, do retré (buscando inspiragao nos séculos XVIII e XIX). O aspecto plurifacetado e confuso dos anos 90 é tipico dos fins de século. Coexistem neste periodo, o estilo grunge, com seus bermudées e camisetées, que escondem o corpo e recusam as nocoes de elegancia, inspirados no movimento musical de rock de Seattle, através de grupos como Nirvana e Pearl Jam; 0 estilo étnico, 0 religioso, o fetichista, o clubber (da noite urbana) e o desconstrutivista (da escola belga liderada por Martin Margiela). Também vamos observar no Brasil uma preocupacado dos estilistas em propor uma identidade nacional na moda. Além de criadores como Lino Villaventura, dois exemplos concretos dessa 56 RENATA PITOMBO CIDREIRA tendéncia sao a CoopaRoca do Rio de Janeiro e o Olodum da Bahia que visam a producdo de uma roupa com caracteristicas tegionais. A Cooperativa de Mulheres da Rocinha transforma retalhos em produtos consumiveis, assumindo, assim, um trabalho também de reciclagem. A singularidade da sua roupa esta no fuxico - costura feita com pequenos pedagos de pano cortados em formato oval que tem a feigéo de gomos frocados, muito popular no Nordeste do Brasil. Ja 0 Olodum, cuja produgao de vestuario data de 1993, procura revitalizar a cultura baiana, resgatando suas raizes, sobretudo, sua origem negra. 0 forte da grife sdo os desenhos e as cores (verde, amarelo, vermelho e preto), encarnados em pecas basicas como a camisa e a calca bem folgada de tecido leve, apropriada ao clima tropical da Bahia litoranea. De todo modo, o mais importante é ressaltar que nos anos 90 a moda permite tudo. Pode-se adotar o estilo que se quiser ou mesmo varios estilos a um sO tempo. A multiplicidade de ofertas permite ao usuario marcar sua autenticidade e engajamento optando por um estilo de pertencimento, desde os hippies até os tecnos. Pode-se também se entregar as tendéncias da moda, seguindo-as aceleradamente, como o fazem as fashions victims, ou ainda escolher entrar na semiose ilimitada do supermercado de estilo e de seu pastiche vestimentar insolente e fantasioso, fazendo colagens de varios géneros ao mesmo tempo, criando uma estética irreverente e pessoal. Qs anos 2000 nos acenam com uma moda que privilegia 0 romantismo, a ingenuidade, a inocéncia, a calma, a suavidade. Colegdes de grandes nomes do mundo da moda trazem uma roupa em tons pastéis e na cor branca, simbolizando a paz; cortes simples e retos, tecidos leves, com caimento, sugerindo movimentos languidos e muito conforto. Assistimos, assim, a uma certa apologia do corpo, sim, mas um corpo saudavel, harmonioso e, quem sabe, coletivo. Capituto 2 Mopa, MERCADO E ARTE A constante renovagdo da moda faz dela um poderoso motor econémico. E um mercado vivo que se renova e cresce constantemente e que, historicamente, aparece como um elemento importante para a compreensdo da passagem do estado estacionario a idade nascente dos consumos urbanos, na medida em que pée em cena todos os problemas desta confrontacao entre estabilidade e movimento incessante. Pode-se mesmo afirmar que a introdugéo da moda como sistema de renovagao constante representa um marco definitivo da inversdo do consumo por necessidade e do consumo movido pelos desejos e fantasias. Ela é também um meio de distribuigéo das riquezas. A vaidade de homens e mulheres mesmo os mais pobres obriga aqueles da classe imediatamente superior a se distinguir e conduz assim um povo inteiro a viver além dos seus meios. E nao so. A um momento dado, é interessante notar o quanto o jogo das aparéncias passa a ser determinante para a confusdo e mesmo deslizamento dos parametros de distingao e separacao das classes sociais. 2.1 - MODA E ECONOMIA 0 estudo detalhado do historiador Daniel Roche sobre o sistema vestimentar parisiense entre 1700 e 1789 nos mostra o quanto o patriménio econémico de uma familia ou mesmo de um individuo isoladamente pode ser medido através do reconhecimento do seu guarda-roupa. Através do levantamento de inventarios, 0 autor consegue mapear a quantidade de pecas @ mesmo as quantias despendidas com o vestuario em varias camadas sociais em periodos diferentes, demonstrando assim, as 60 RENATA PITOMBO CIDREIRA mudangas operadas em nivel econémico e social, no coragao da sociedade parisiense. Consegue, de certo modo, verificar os novos habitos vestimentares. Ao menos durante este periodo pode-se afirmar que Paris é um mercado privilegiado; um ciclone de consumos disparatados e variados. A confrontagdo das hierarquias vestimentares, a aceleragéo dos fendmenos de imitagéo, a vertigem das classes abastadas em relacdo a moda, todos esses movimentos se apresentam significativamente no espetaculo da rua parisiense, com seus contrastes extremos, do luxo extravagante 4 extrema pobreza. No dominio vestimentar, o efeito dos habitos sociais de aquisigdo é sobretudo mais notavel nas escolhas mais ordinarias. E uma heranca cultural que se modifica lentamente sobre a acdo de influéncias numerosas. Sabemos que as vestimentas servem como elementos de atestagdo de pertencimentos e, tanto ontem quanto hoje, elas fazem parte do processo de constituicao das identificagdes sociais. Sabemos também o quanto elas sio importantes na dinamica da transmissao dos valores sociais: assim o valor do desperdicio aristocratico, multiplicado pela presenca dos servicais, essencialmente para a compreensaéo da economia do don, difundida por Marcel Mauss (1999); assim o valor da competéncia moral, sabia ou politica; assim ainda o valor da civilizagéo minimal pode-se provar pelo respeito as regras de civilidade. No vestido vermelho dos juizes no tribunal, no vestido preto dos professores e dos oficiais de justica, na maneira pela qual o homem de poucas posses, a crianca das escolas de caridade e os filhos do povo trabalhador sabem se apresentar, jogar com as regras da apresentacao, passa a todo momento a licgao de um estilo de vida em que as relagGes sociais se objetivam. De todo modo, apenas o estudo da distribuicaéo prévia tera permitido compreender como as praticas se articulam sobre as possessdes. A historia das sensibilidades nao deve fazer a economia de uma histéria das discriminagées sociais. Os inventarios pés-morte, comenta Roche, permitem comparar as fortunas e assim medir o lugar da vestimenta no patrimonio. Ele autoriza a descricaéo dos objetos possuidos e assim OS SENTIDOS DA MODA 61 permite interrogar sobre os modos de existéncia social dos habitos comuns. A dificuldade é a de ultrapassar ou transformar esta leitura das apropriacées funcionais, ditadas pelos usos, a uma apreensdo mais antropoldgica e simbdlica. Nesse sentido, o autor nos convida a olhar atentamente para o fato de que em torno da vestimenta se jogam as comédias sociais, familiares, amorosas; a aparéncia enquanto expresséo de miltiplas acdes simbélicas. E que, portanto, é preciso perceber que em torno dos usos vestimentares se tecem os contornos da redistribuigao e da economia, a animagao do prazer e do desejo. A autonomia vestimentar pode ser atestada em todos os meios. A vestimenta se insere perfeitamente e ocupa um espaco nao negligenciavel na economia do don, tanto pelas suas conseqiiéncias financeiras diretas, quanto pelos seus efeitos culturais indiretos, na medida em que as maneiras vestimentares de uns sdo colocadas a disposicdo de outros, seja pela revenda, seja pela distribuigéo benevolente. & muito curioso perceber o quanto a venda de pecas vestimentares, sobretudo das pessoas falecidas, passa a ser um meio de aquisicao de dinheiro entre os familiares, um recurso para pagamento de dividas, etc. Recolocadas na evolugaéo dos conjuntos das fortunas, as vestimentas permitem apreciar os usos sociais diferentes, mas também como estes séo embaralhados pelo fato mesmo de que eles resultam de uma combinacdo permanente entre os modos de apropriacdo individuais e coletivas. A vestimenta transforma-se, assim, num bom meio para compreender os processos de producao das personalidades sécio-culturais entre praticas de constituigao dos principais tipos de existéncia social e maneiras de economia ordinaria. Mas nao apenas ordinaria, mas economia a um nivel mais amplo, como ja tinhamos mencionado anteriormente, na medida em que a dinamica das aparéncias proporciona um movimento de consumo, um fluxo compra/venda significativo e um certo periodo histérico estonteante. Mesmo se a economia prospera pela fantasia da moda, o carater imprevisivel desta perturba a economia que se funda sobre a previsdo. 62 RENATA PITOMBO CIDREIRA A partir do momento em que a moda incentiva e acelera o desperdicio, ela comeca a chamar a atencao das autoridades que tentam controlar este desregramento vestimentar. Ja vemos ai o inicio e um precedente para a implantagao das leis suntuarias. Em 1717 um edital real limita o ndmero dos portadores autorizados e reduz as marcas da domesticidade a determinadas cores; em 1724, uma ordem interdita as pessoas de usarem ouro ou bronze em suas vestes, nem veludos sob pena de confisco das pecas, de uma multa para os patrées e de prisdo para os servicais. Como todas as leis suntuarias, estas ordens reiteradas sdo multiplicadas em vao. Os patrées sempre acabam dando um jeito de livrarem seus servicais das penas a eles dirigidas, e consequem mesmo, em alguns casos, com que as pecas nao sejam confiscadas, mantendo, assim, o luxo ostentatério de seus valets como um simbolo da sua propria riqueza e poder. E nao sé: acabam por minimizar as distancias, ao menos no campo das aparéncias, em nivel social e econdémico de seus servicais na medida em que lhes impdem um guarda-roupa nobre, luxuoso. Outro dado fundamental é o fato de que sao as categorias médias as responsaveis pelo grande consumo vestimentar. Se por um lado os mais ricos nao querem ceder, ao menos inicialmente, 4 vertigem da imitacao de um novo modelo, os mais pobres, de outro, simplesmente nao podem ceder as novidades, por falta mesmo de recursos. Resta, portanto, uma classe intermediaria, cujos papéis, mesmo sociais, ainda nao estao muito bem definidos e cujas distancias econémicas se dissipam confusamente. E é nesse campo intermediario que o jogo das aparéncias encontra terreno fértil para se desenvolver e progredir. A partir desta observacao, Roche chega a conclusdo de que no final do século XVII, na Franca, é possivel esbocar trés sensibilidades vestimentares distintas. Trés tipos de “habitus”, para utilizar uma nocao de Bourdieu, sao perceptiveis. 0 primeiro reduz as possessdes vestimentares ao uso utilitario: as pessoas possuem as vestimentas indispensaveis, que respondem as convencées do meio no qual ela se encontra inscrita, adaptadas as exigéncias religiosas, sociais e econdmicas. Para os mais pobres © comportamento vestimentar é ditado pela necessidade e os OS SENTIDOS DA _MODA 63 valores associados a protecdo atingem sua capacidade maxima. 0 segundo estabelece uma importancia evidente 4 utilizagdo da procura vestimentar como um indicador de distincao social. Essa preocupagao com a aparéncia, com os supostos efeitos que esta pode provocar, interessa, sobretudo, as camadas intermediarias das burguesias comerciantes, artesanais e liberais, ou seja, a armadura social profunda da vida urbana, nem pobres, nem ricos, mas aqueles desejosos em se elevar. Em terceiro lugar, aparecem os individuos e os micro-meios sensiveis 4 mudanca. Os valores de imitagao, as influéncias de modas vindas do alto ditam uma estética particular. Assim, na alvorada do século das Luzes, 0 sistema vestimentar parisiense se organiza segundo trés logicas: aquela da sociedade do status e das classes, aquela da racionalidade controlada do calculo das chances econémicas burguesas, e aquela das necessidades pelos pobres. Nenhuma dessas logicas coincide exatamente com um estrato social, mas elas se encadeiam através de todos os grupos pelos modos de relacdo, tendo cada um suas raz6es e limites que se entrecruzam no espaco da cidade (ROCHE, 1989, p.110). E interessante observar o quanto a moda ganha importancia, sobretudo nos séculos XVII e XVIII, na Franca, a ponto de interferir na vida econdmica do pais, muitas vezes subvertendo completamente as movimentagdes, o equilibrio entre perdas e ganhos, etc. calculados, previstos, em funcdo das renovacdes constantes e cada vez mais aceleradas, proprias a dinamica da moda. £, antes de tudo, com o objetivo de controlar, dominar e de policiar “o grande império” da moda que nascem os projetos das academias de moda. A academia imaginada por Antoine Furetiére descrita em Le roman bourgeois (1666), cujos trechos sao reproduzidos em Mode & Contre-Mode (2000) visa, assim, controlar a moda e seus acessos fantasticos a fim de que os notaveis da provincia ou os estrangeiros, que teriam feito o seu melhor e despendido verdadeiras fortunas pelo seu modelito nao incorressem mais ao ridiculo por simples ignorancia da dltima novidade. 64 RENATA PITOMBO CIDREIRA Através de um grande conselho de moda, auditores, juizes, corretores - homens prudentes que, de algum modo, colocariam limites as extravagancias -, seria, entaéo, possivel controlar a invencao e a fantasia. A idéia seria que as academias servissem verdadeiramente como um polo definidor e difusor das tendéncias a serem seguidas, tanto que se vislumbrava a imperativa necessidade de que todos os costureiros seguissem os modelos ditados pelos colegas mais reconhecidos e demais especialistas que integrariam a academia. Mas existem provas de que uma certa condessa teria, de fato, redigido um projeto objetivando o estabelecimento de uma academia de moda, preocupada nao apenas em controlar a fantasia propria a este universo, mas sobretudo a fim de prestigiar e institucionalizar um campo cuja artisticidade e importancia como motor econdmico nao poderiam ser desprezados. Em algumas passagens, a condessa chega a estabelecer uma comparacao entre a academia de Belas-Letras (ja existente na época) e a suposta academia de modas, argumentando que esta tltima resultaria em muitas coisas em favor da utilidade publica, uma vez que uma descoberta moderna no universo da moda faz abrir todas as bolsas, frutifica as Provincias, e faz circular, em apenas um més, um milhdo. Enquanto que um estabelecimento em favor da sabedoria, apenas alcanga a orelha de 500 eruditos, uma moda agradavel chama a atencao do Reino. E neste espirito que nds ousamos propor o estabelecimento de uma ACADEMIA DE MODA, que assinalando nosso gosto e multiplicando nossas riquezas, nos rendera a admiracao eo modelo de todo o Universo. (...) Nossa nova academia deve ser composta de cingiienta virtuosos, a saber, vinte e cinco homens e vinte e cinco mulheres reputados pelo seu bom gosto e escolhidos entre as pessoas da Corte e da cidade, que se distinquem pela elegancia a mais procurada. Estes cingiienta associados formarao dois escritorios. (...) Os dois escritérios se reunirao ao menos uma vez por més para definir juntos a forma mais sedutora dos ajustamentos que poderao vir a ser convenientes para os dois sexos conjuntamente. (...) Os cabelos seréo levados em conta OS _SENTIDOS DA_MODA 65 enquanto composic¢ao dos adornos e a Academia vai gerar 0 uso e as misturas. (...) 0 ornamento e a comodidade do corpo humano sera de interesse da Academia que, todas as semanas, dara sua aprova¢ao aos projetos propostos, ou os rejeitaré sem apelo. (...) Todo inventor, fabricante ou comerciante sera obrigado a remeter ao secretario de cada escritorio, segundo sua competéncia, a invencao ou 0 ‘chef-d’ceuvre’, para que este possa ser creditado, e submetido a uma anilise. (...) Serio estabelecidas duas cadeiras de moda, em que dois professores, homem e mulher, dardo, cada um, uma vez por semana, licées sobre a arte de inventar e de fabricar os objetos de gosto, de coqueteria e de modo geral, sobre tudo que tem relagéo com os meios de agradar. As poderao, pela manha, seguir um curso de adornos, como se segue aqueles de botanica, de fisica ou de astrologia. Sera distribuido anualmente duas medalhas aqueles que ser3o os mais marcantes pelas suas invencées novas ou pela pratica assidua das novidades. Tera também dois assessores para os alunos mais destacados. (...) Os secretarios teréo os mesmos honorérios, e cada integrante da Academia tera que se conformar a nova moda, desde que ela tenha sido aprovada pela Associacao. Os fundos da Academia serao estabelecidos sobre as recepcées, recebimentos dos costureiros, peruqueiros, chapeleiros, desenhadores, bijouteiristas e outros cooperadores a sustentacao da casa. Os comerciantes de moda pagarao igualmente, seguindo a tarifa que sera definida proporcionalmente de acordo com sua inddistria e seu crédito. (...) (LANG, 2000, p. 228/229/230). Uma longa citagéo que nos explicita o objetivo da academia, mas também nos revela sua estrutura de funcionamento. Importante mencionar a preocupacao em disseminar, de algum modo, o conhecimento sobre a arte da invencao e da fabricacgao de certos artefatos. Mas o mais importante a reter é a clareza em definir o proprio papel que a academia passaria a encenar na dinamica da criagao e difusdo dos produtos de moda e correlatos, como os acessérios em geral, passando, certamente, pela arte dos penteados, deixando claro sua atitude centralizadora. De certo modo, s6 reforca a idéia de institucionalizar a moda e, assim, 66 RENATA PITOMBO CIDREIRA procurar doma-la no que ela tem de excessiva e, sobretudo, de inusitada, através de suas renovagdes constantes. 0 que viria, assim, a facilitar um pouco mais a vida econémica do pais. Entre 1940 e 1944, a influéncia da moda na economia francesa é sentida de forma aguda. Por ocasido da invasao alema, a capital da moda vé sua inddstria abalada, que 6 também parte significativa da sua cultura. “O luxo e a qualidade sao inddstrias nacionais. Eles fazem entrara na caixa do Estado bilhdes em divisas estrangeiras que precisamos mais do que nunca... O que a Alemanha ganha com produtos quimicos, fertilizantes ou maquinas, nds ganhamos com mousselines diafanas, perfumes, flores ou fitas” (VEILLON, 2004, p.34). 2.2 - MODA E BRASIL Se ja nos séculos XVII e XVIII a moda estava no centro das preocupacoes econémicas, hoje nao é muito diferente, pois o universo da moda continua movimentando grandes e incalculaveis quantias por todos os cantos do mundo, ou quase todos. Atualmente este 6 um amplo universo que pode ser considerado como sinénimo de possibilidade de trabalho com uma gigantesca repercussao cultural e econdmica. As oportunidades profissionais neste campo crescem a cada dia, disponibilizando um leque de opcdes bastante diversificado. Somente para se ter uma idéia da area de moda hoje, no Brasil, no tocante a sua capacidade produtiva, a sua geracdo de emprego e percentuais de faturamento, podemos apresentar um breve panorama deste quadro, com base na excelente pesquisa realizada e compilada pela estilista e designer Marta Kasznar Feghali e pela professora de marketing e consultora de moda Daniela Dwyer na publicacdo As engrenagens da moda (2001). Atualmente, cerca de 4.391 inddstrias téxteis e 18 mil confeccées registradas compdem o complexo téxtil do Brasil, sem contar o grande namero de confecgGes informais que vem somar a estimativa de US$ 24 bilhdes aproximadamente de faturamento no setor. A cesta téxtil brasileira se caracteriza, sobretudo, pela producao de fios, tecidos e confeccionados de algodao (camisetas OS _SENTIDOS DA MODA 67 e tecidos felpudos), chegando a exportar mais direcionalmente para a América do Norte e para Comunidade Econémica Européia, que absorvem juntamente cerca de 67% das nossas vendas. Tal porcentagem faz com que o Brasil ocupe hoje o 21° lugar no ranking internacional dos maiores exportadores de produtos téxteis. Uma radiografia atual do setor evidencia que o mesmo é composto por 11 empresas de fibras téxteis, 700 tecelagens, 380 empresas dedicadas a acabamento, 300 que trabalham com fiacdes, 3.000 malharias e 18.000 confeccées. Em termos de absorgéo de mao-de-obra, as empresas téxteis brasileiras, tem em seus quadros, em geral, 500 funcionarios, concentrando mais de 50% da producao e emprego. A cadeia produtiva téxtil gera aproximadamente 25 mil postos de trabalho, num total de 1,4 milhado de trabalhadores espalhados pelo pais. Concentradas predominantemente na Regido Sudeste, as empresas de confecgées encontram-se entre os estados de Sao Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Minas Gerais, cujo potencial sdo as malharias e fabricas de lingerie. Mas ja se observa uma transferéncia dessas unidades para a Regido Nordeste, devido aos incentivos fiscais, dedicando-se, mais exclusivamente, ao setor de confeccdo de jeans e malhas. Ja a Regiado Sul se caracteriza por ser o maior polo produtor de artigos de cama, mesa e banho. Uma certa cultura mundial tem favorecido o crescimento da area de moda, através de uma nova concepcao do setor e do fenémeno moda em sua amplitude que passa a ser visto como um grande negécio, abrangendo mercados bastante diversificados, como, por exemplo, mercado editorial, metalirgico, artistico, além dos nichos de mercado especificos ao setor do vestuario (feminino, masculino, infantil, adolescente, etc.) e ao setor de producado de cama, mesa e banho. Em decorréncia dessa transformacao de “visio da moda” houve um grande desenvolvimento da area no Brasil e os anos 50, 60 e 70 podem ser considerados como marcos do inicio do estouro da moda no Brasil. Embora em crescimento, o complexo téxtil/confecgées no Brasil ainda precisa investir muito em modernizacao, sobretudo, tecnolégica, para que consiga ser competitivo internacionalmente. De todo modo, as inovacées, nos tltimos anos, concentraram-se 68 RENATA PITOMBO CIDREIRA em trés frentes: aprimoramento das matérias-primas, das maquinas e equipamentos e introdugdo de mecanismos microeletrénicos no processo produtivo. Mesmo defasado em relacao aos patses desenvolvidos, o Brasil fez alguns avancos tecnologicos significativos. Dentre as tecnologias ‘inteligentes’ aplicadas a inddstria brasileira destacam- se: a holografia, as fibras Oticas, o laser, a automatizacado, os programas de computacao e as redes de comunicacao. Sistemas de andlise de fibras possibilitam testar e monitorar 0 produto - da matéria-prima ao estagio final de tecido -, a fim de antecipar problemas de confeccao. Sistemas de gestao da informacao permitem aos fabricantes téxteis maior planejamento da producao, assegurando estoque minimo com reposicao projetada para prevenir a falta ou excesso de material, evitando paradas de produ¢do, ao mesmo tempo em que estdo capacitados para o atendimento de demandas imprevistas. Sistemas de codigo de barra sao usados em maquinas de corte automatico do tecido para informar a metragem aplicada e a quantidade existente de rolo de tecido (DWYER e FEGHALI, 2001, p.63/64). A principal mudanga no setor de confecgaéo até o momento foi a introdugao da tecnologia CAD/CAM, atuando nas fases de concepcao e desenho, como também na preparacdo e execugao do corte de tecidos. “O desenho dos modelos em computador (CAD) reduz quase 4 metade o tempo tradicional e torna a producao muito mais flexivel. Além disso, estima-se que a economia, em termos de matéria-prima, gire em torno de 10% com a utilizagao do sistema” observam Dwyer e Feghali, adiantando que através do uso deste sistema é possivel atuar de modo mais preciso no setor de modelagem, uma vez que o sistema CAD pode sugerir que base poderia ser usada, que pecas ou complementos podem ser adicionados a base existente e/ou mesmo eventuais modificagées que devem ser efetuadas na modelagem (um recorte, um ajuste de medida, etc.), garantindo, assim, uma otimizacaéo do uso do tecido. As pesquisadoras acrescentam que o processo da costura é 0 que menos tem sofrido alteracdes, permanecendo aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 72 RENATA PITOMBO CIDREIRA Ainda que o Prét-a-Porter seja o marco da democratizacéo da moda e, conseqiientemente, do afloramento de um consumo acelerado, mesmo no periodo da Alta Costura, em que se costumava dizer que as grandes casas ditavam a moda, pode-se facilmente observar que as mesmas sé atingiam suas grandezas a partir de um diadlogo com sua clientela. Um testemunho de um dos maiores criadores da moda, Paul Poiret, corrobora essa posigao. Eu sei que vocés me consideram um rei da Moda. E assim que me nomeiam os jornais e é como tal que sou recebido em todos 0s lugares, rodeado de honrarias e festa por um grande ntimero de pessoas. (...) E preciso, entretanto, que eu os esclareca sobre a qualidade do rei da Moda. Nos nao somos estes déspotas caprichosos que ao levantar pela manha decidem promover uma mudanca nos habitos, de suprimir as golas ou de introduzir mangas bufantes. Nés nao somos nem 4rbitros nem ditadores. Convém muito mais ver em nés os servidores cegos da mulher que é sempre prisioneira de mudanca e de novidade. Nosso papel e nosso dever consistem, entao, em adivinhar 0 momento em que ela estaré cansada do que ela porta, para the propor qualquer coisa outra que estara de acordo com seus desejos e necessidades. Munido com um par de antenas, e nao de um chicote, apresento-me diante de vocés e ndo é como mestre que eu vos falo, mas sim como escravo, desejoso de adivinhar seus pensamentos secretos (POIRET apud BELL, 1992, p. 97/98). 0 dialogo presente na Alta Costura se disseminou e cada vez mais a moda @ vista como uma criagao conjunta, em que a figura do estilista materializa os anseios dos consumidores. Exaltagéo do subjetivo, a moda deve ser entusiasta para fazer crescer 0 némero de consumidores desejosos em possuir objetos. As poderosas marcas mundiais, como Gucci, Armani, Prada, Zara, Calvin Klein, Gap, Louis Vuitton, H&M, etc., compreenderam a necessidade desta ativacdo do desejo e a realizam gracas a uma proximidade afetiva junto ao potencial consumidor, que passa, necessariamente, por um habilidoso trabalho de marketing. As referidas marcas se impuseram como marcas iniciaticas de um OS SENTIDOS DA MODA 73 suposto gosto internacional, marcas lideres de opiniao. 0 desafio que se impoe para todas elas é de tomar a distancia necessaria para que nao atinjam um certo saturamento junto aos seus consumidores e que consigam manter uma renovacao de oferta permanente sem comprometer o estilo de vida que, de algum modo, elas ja conseguiram encarnar enquanto imagem, elemento essencial para a adesdo do consumidor. De acordo com uma sondagem realizada pelo Centro Téxtil de Conjectura e Observacao Econémica (CTCOE), em 1997, com cerca de 1000 consumidores, para a Unido Francesa das Inddstrias de Vestimenta (UFIH), 67% dos consumidores compram a moda através dos coups de coeur. Essas impulses foram bem percebidas pelas grandes marcas como GAP, Zara e H&M, que surfam sobre as grandes correntes da moda, trabalhando com centenas de estilistas que circulam pelo mundo inteiro 4 procura de novas idéias. Estas, por sua vez, devem ser rapidamente transformadas em produtos de grande consumo. A cada semana estas empresas injetam em suas lojas linhas de novas pecas em séries limitadas, objetivando propor aos seus clientes novidades continuamente. Este marketing de apeténcia estimula a curiosidade, o desejo e acaba por provocar uma multiplicagéo de compras coup de coeur. £ preciso ter em mente que o consumo nas sociedades modernas nao regrediu e nado tegride: o que muda é a relacdo deste consumo. De uma certa apologia da abundancia nés passamos a um registro de seletividade exigente, na maioria das vezes, guiada pela transgressdo (sobretudo em se tratando do ptblico adolescente), Os pregos e o carater prioritario das compras (mesmo que esse seja relativizado, pois continuamos movidos pelo desejo). £ muito mais no plano de um discurso racional que estes critérios se apresentam, servindo como justificativa para tranqiilizar o consumidor dos seus impulsos “apaixonados” e “inconseqiientes”. Para acelerar artificialmente esta renovacdo, da qual o consumidor parece dependente, as empresas e marcas de vestimentas multiplicam as liquidagdes e promocées. Elas tepresentam quase 50% das vendas nos Estados Unidos, entre 30% e 40% na Europa. Segundo o Observatério Cetelem 2000, as aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. LUM \ | a O material aqui apresentado reune investigacdes sobre o papel da moda na cultura contemporanea — destacando sua relacao estreita com o consumo, sua dimensao artistica e sua capacidade comunicativa - e procura responder a crescente deman- da de estudos sobre moda, no atual ambiente universitario brasileiro. Hah M7sss74ios2

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