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fem Burocracia e politica no Brasil Desafios para a ordem democratica Tires talc MARIA RITA LOUREIRO FERNANDO LUIZ ABRUCIO REGINA SILVIA PACHECO (ORGANIZADORES) ~~ FeV Copyright © 2010 Maia Rita Loureiro, Fernando Luiz Abrucio Pacheco Regina Silvia Direitos desea edigio reservados 3 EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dantas, 37, 22231-010 — Rio de Janciro, RJ — Brasil ‘Tels: 080-021-7777 — 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430, E-mail: editora@fgubr — pedidoseditora@igvbe wonnigubr/edicora mete Impresso no Brasil/Printed in Brazil “Todos os direitos reservados. A reprodusio nio autorizada desta publicagio, no todo ‘our em parte constitu volagio do copyright (Lei n*9.610/98). (Os conceitos emitidos neste livo sio de inteira responsabilidade dos autores. Vedigio — 2010 Preparasio deoriginais: Marifior Rocha Eedisoragi cletrinica: aspeceo:design Revision Aleids de Beltran ¢ Marco Antonio Corréa Capa: aspecrosdesign Ficha catalogréfica elaborada pela Bibtioteca Mario Henrique Simonsen Burocracia © politica no Brasil : desafios para 2 ordem democritl- (2 mo século XKI J Orgs. Maria Rita Loureiro, Fermando Luiz Abrus clo, Regina Silvia Pacheco — Rio de J io de Janeiro : Editora F = GV, 2020. Inclu bibiograia, ISBN: 978-85-225-0777-2 1. Burocracia — Brasil. 2, Adminstragbo - Administragso publica — Brasil 5. Politcas poblicas — Brasil 4 Formulagdo de politicas — Brasil 5. Reforma _administratia — Brasil. Loureiro, Maria Rita Garcia, I. Abructo, Fernendo Lui. Il Pacheco, Regina Sitvia Viotto Montero. IV. Fundag8o Getullo Vargas. cop—355 Sumario Prefacio Luiz Carlos Bresser-Pereira Introdug3o Parte | — Burocracia e ordem democratica no Brasil ‘A formacao da burocracia brasileira: a trajetoria 0 significado das reformas administrativas FERNANDO Lul2 ABRUCIO, PAULA PEDROTI E MARCOS VINICIUS PO Burocratas, partidos e grupos de interesse: 0 debate sobre politica e burocracia no Brasil ‘Mania UTA LOUREIRO, CECILIA OUWIERI E ANA CRISTINR BRAGA MARTES 3. Controles democraticos sobre a administrac3o publica no Brasil: Legislativo, tribunais de contas, Judicidrio e Ministério Publico: RoGERIO BASTOS ARANTES, MARIA RITA LOUREIRO, CLAUDIO COUTO E MARCO ANTONIO CARVALHO TEDKEIRA kk. Monitoramento das politicas publicas e controle da burocracia: o sistema de controle interno: do Executivo federal brasileiro ceclLia OLE a 25 27 73 109 149 Parte ll — Gestdo da burocracia no Brasil contemporaneo 5. Aagenda da nova gestao publica REGINA SILVIA PaCHECO 6, Uma radiografia do emprego puiblico no Brasil: anilise e sugestdes de politicas NELSON MACON! Profissionalizago, mérito e protegao da burocracia no Brasil REGINA SIDA PaCHECO Carreiras burocraticas e suas transformacdes: © caso dos gestores governamentais no Brasil aches cruz 9. Nem politico nem burocrata: o debate sobre o dirigente public Dane DE BONIS € REGINA SIA PACHECO Referéncias Sobre os autores 181 183 219 277 307 329 363 389 7 A formacao da burocracia brasileira: a trajetoria e o significado das reformas administrativas Fernando Luiz Abrucio Paula Pedroti Marcos Vinicius P6 Este capitulo traga a trajetéria da burocracia brasileira, a fim de entender sua constituigao ¢ 0 papel ocupado no processo de modernizagio do Es- tado. Embora seja apresentado um amplo panorama histérico, o texto se concentra nos momentos em que ocorreram importantes transformag6es ¢ reformas da administragio piblica brasileira. Essa concentragio em eventos ou momentos estratégicos se deve ao fato de eles representarem, pparadigmas dos problemas enfrentados pelo reformismo no Brasil © capitulo se divide em cinco partes. Na primeira, discute-se a oti- gem da administeacio piiblica brasileira, em especial no periodo impe- rial, quando a alta burocracia teve uma ambigua atuagio de modemi- zagio do pais, com elementos progressistas ¢ conservadores. Mostra-se ainda a situagio na Primeira Repiblica, momento em que howve um retrocesso geral na estrutura burocritica, mas também a formagio das duas primeiras burocracias modernas no Brasil: as Forgas Armadas eadiplomacia. Na segunda parte é analisada aquela que & considerada a primeira re- forma administtativa do pais: o modelo daspiano, criado por Vargas. Seus 28 BUROCRACIA€ POLITICA No Beas dilemase suas ages tiveram um ef prolongado sobre a administragio publica brasileira ao longo do século XX. E possivel dizer que a visio daspiana de reforma foi a inspiragao © o fantasma das demais. O Decreto-Lei n* 200 ¢ 0 projeto de administragéo piblica dos mili- tates sio discutidos a seguir. Aqui, algumas caracteristicas varguistas sio levadas 20 paroxismo, combinadas com uma tentativa de modemizagéo gerencial de parcela da méquina piblica, Como resultado, pode-se dizer que esse modelo levou a0 ponto mais alto do Estado nacional desenvol- vinmentista, mas foi sepultado com a crise do regime autoritirio e do pro prio tipo de Estado ao qual dava suporte. A reforma do Estado tornou-se um tema central com a redemocrati- zagao do pais. Nesse contexto, o debate sobre a gestio puiblica tornou-se importance, embors, & primeira vista, em menor medida do que outros, como a democratizagio e a descentralizagio, No entanto, a discussio acerca da administrasio pablica ganhou um sentido mais amplo, envol- vendo mais aspectos do que noutros periodos ¢ se tornando pega-cha- ve para que as politicas piblicas deem conta da expansio erescente das demandas sociais. ‘Tendo a nova realidade democritica como pano de fundo, a quarta se- sao do capitulo procura analisar a trajetéria da reforma da administragio publica da Nova Republica até o governo Lula. O centro da discusséo sio as relagbes de complementatidade e confronto entre o modelo propug- nado pela Constituigio de 1988 e a proposta reformista apresentada pelo ‘ministro Bresser-Pereira, no primeiro mandato de FHC. Apesat de havet ‘outros movimentos paralelos de reformas,o entendimento desse debate é a melhor chave para explicar a situago atual da administragio piblica. Na conclusio, sio colocados os desafios mais importantes para a ges- to piiblica brasileira no século XXI, tomando como base nao s6 08 con- tetidos, mas também as escratégias reformistas, pensadas com base em nossa experiéncia histética, As origens da administracao publica brasileira ‘A administragio piblica genuinamente brasileira s6 pide nascer com a in- dependéncia do pais. Porém, nio é possivel entender suas bases iniciais sem. analisar os efeitos que o periodo colonial tinha deixado. Afinal, foram mais de 300 anos de colonizagio, além de os primeiros governantes do Brasil independente terem forte relasio com a metrépole portuguesa, Do ponto de vista administeativo, & possivel distinguir duas grandes formas de comando no periodo colonial.’ A primeira tinha um viés cen- tralizado, baseado no controle mais estrito, por parte da metrépole, das atividades administrativas realizadas no Brasil. Seus principais instru- mentos, como 0 Conselho Uleramarino e a Igreja Catélica, procuravam garantir uma uniformizagio do processo colonizador. A figura principal erao governo-geral,institwido como mecanismo contra o fracasso da.ad- ministragao privada das capitanias hereditirias. O modelo administrativo proposto caracterizava-se por um excesso de procedimentos eregulamen- tos, tendo como fundamento filoséfico uma visio de que o Estado vem antes da sociedade, tal qual Faoro (2001) descreveu o paradigma ibérico que perpasson a colonizagio do Brasil. ‘A outra forma de comando administrativo advinha de fatores des- centralizados de poder. Particularmente. resultavam da estrutura local de governanga, marcada pelo poderio patrimonialista presente tanto nas cAmaras municipais como nas capitanias hereditirias. Ademais, como 0 Estado portugués no aleancava a maior parte do territério brasileiro, prevalecia entao 0 que Sérgio Buarque (1997) chamava de personalisino, entendido como privatizacio do espago piiblico. |A mistura de centralismo excessivamente regulamentador, ¢ geral- mente pouco efetivo, com o patrimonialismo local resume bem 0 modelo de administragio colonial. Essa situagio comegou a mudar em meados 1 Sobre aadministragio piblica no periodo colonial ver Garcia (1975), Leal (1986) ¢ Ho- Janda (1997). A BRASILEINA | FoRIAGAO Da BuROCRA IKE POLITICA NO Baas. euro do século XVII, com as reformas pombalinas, em Portugal, que geraram maior intervengio sobre os assuntos da Colénia, particularmente nas reas de mineragao. Novo impulso ao poder piiblico foi dado pela che- gada da Familia Real portuguesa, em 1808, que colocou o Brasil como centro do Império portugues, criando instituig6es, principalmente no Rio (a Corte), que podem ser vistas como a base do Estado nacional que serd proclamado em 1822 (Costa, 2008:836). Na verdade, a inflexio no papel do Estado e da burocracia no Brasil se deveu principalmente as ages do marques de Pombal, que procurou formar liderangas politico-administrativas, particularmente em Coimbra, «que pudessem atuar como altos burocratas em todas as coldnias. Esse pro- cesso gerou uma nova elite de brasileiros, bastante homogenea em seus propésitos. No final do periodo colonial c inicio do Império, eal grupo ‘ocupou altos postos governamentais, endo sido central no processo de In- dependéncia ¢ na organizacio de um projeto de nagio (Carvalho, 2003). Inicia-se ai uma histéria em que a alta burocracia fard parte de varios ‘momentos estratégicos do pats, tendo, no geral, um ambiguo papel mo- dertzador. De um lado, foi esse grupo, centrado no Estado, que péde plancjar a Independéncia e atuar em prol da unidade nacional. Por outro, contudo, cla nao rompeu — ou nio teve como romper — com a insticui- fo mais arraigada do Brasil de entio: a escravidio, Se no caso do sistema escravocrata pode se dizer que essa elite fez 0 que era possivel, nao se pode esquecer que ela inaugurou uma forma “estado céntrica”e centralizada de fazer reformas, que, mesmo tendo sofrido modificagdes incrementais 20 longo do tempo, foi uma marca de nosso modus operandi reformista. abe frisar, no entanto, que os atores burocraticos, inclusive nos mo- ‘mentos de maior autonomia, sé podem ser compreendidos em sua inter- seeséo com o sistema politico. Uma anilise sintética do papel da burocra- cia no Império exemplifica bem esse argumento. Apés um periodo de grande turbuléncia, com a Regéncia, 0 Império consolida ¢ estabiliza seu modelo politico no Segundo Reinado, E nesse periodo a burocracia estatal seré fundamental para duas fungGes. Na pri- meira, mais nobre, participard da definigao das principais diretrizes do pais, seja por meio do exercicio de fungées especificamente burocriticas, seja por meio do Conselho de Estado, érgio de assessoria do imperador. © conselho era dominado por funcionérios piblicos, que li chegavam geralmente por conta de sua experiéncia politica, mas sua atuagio buro- critica prévia marcava sua visio de mundo, Essa alta burocracia era, no geral, selecionada segundo certo tipo de mérito, baseado num saber generalista. Contudo, nao era recrutada de acordo com principios universalistas como 0 concurso puiblico, nem era profissionalizada em termos de carreira.? Na verdade, mesmo na melhor parte da elite burocritica, meritocracia ¢ relacionamentos pessonis de apadrinhamento conviviam na selegio e promogio dos funcionarios. S6 que a burocracia também tinha outro papel. Bla servia para a distri- buicdo de empregos paiblicos para garantir apoio politico e social. Trata- se do fenémeno da patronagem, tio bem descrito por Graham (1997). Osbeneficidtios desse modelo eram cabos eleitorais eficazes na conquista do voto no interior — inclusive familiares da elite agriria decadente que 1ndo conseguiam melhores postos —, parcelas pobres nao escravizadas ¢ até minorias urbanas educadas que nao obtinham acesso a cargos buro- cerdticos mais nobres (Carvalho, 2003:165). No mundo escravocrata, © Estado tinha como uma das tarefas oferecer empreyos nunia economia ‘pouco dinamica — 0 que no dizer de Joaquim Nabuco significava que 0 “servigo piiblico era a vocagio de todos’ Foram gerados, entio, dois mundos burocriticos, um mais vinculado 0 mérito ¢ outro & patronagem. Desse tipo de dualidade dos primérdios daburocracia brasileira surgitam duasinterpretagdes clisscas. A primeira teve como grande expoente Oliveira Vianna (1987), analisea conservador 2 Une de 1831 insti, pla primi ve no Bras omecanimo do concuso plo, no cso pao ingress de fanconsis no Miniésio da Fenda, Porém, como most Carvalho (200368), esa lego fo dvs exes modifica, um provveindioda Aliuldade de cum | FORMAGKO DA BUROCRACIABRASILEIRA 32 BUROCRACIAE POLITICA NO BRASIL um dos inspiradores do Estado varguista (particularmente do modelo corporativo). Ele chamava o topo da burocracia imperial de “homens de mil” — afinal, cada qual valia, segundo 0 autor, por no minimo mil ho- ‘mens. Essa visio positiva estava muito marcada pela fragilizacao pela qual _passou a administragao piiblica na Primeita Repablica. Em linha oposta, esté Faoro (2001). Para cle, tratava-se de um estamento burecratico, isto é de um grupo que usava de forma patrimonialista o seu poder, de modo a enfraquecer a autonomia da sociedade perante o Estado. 0 fato € que a burocr a imperial tinha essas duas caracteristicas. Ela foi essencial para construir a nacéo brasileira, evitando o fracionamento que marcou o restante da América Latina e mitigando o localismo oligét- quico presente no pais. Mas o fez também reduzindo a esfera piblica a0 comando patrimonial dos agentes estarais. Em outras palavras, havia uma alta burocracia selecionada pelo mérito, mas que nio era piiblica ¢ tam- pouco controlada publicamente, nem no sentido liberal nem em termos democriticos. A alta burocracia respondia, basicamente, a0 imperador, ‘©-mesrpo que concentrava em si todos os quatro poderes definidos pela Consticuigio de 1824. Os “homens de mil” de Oliveira Vianna, na verdade, estavam bem Jonge do sentido moderno da burocracia, segundo a caracterizagio we- beriana. A selegio meritocratica estava vinculada a formagao intelectual dos escolhidos ¢ aos lagos sociais que tinham entre si,¢ nao a um modelo institucional de burocracia, tornando os altos funcionirios piblicos do Império diferentes dos daspianos eriados por Vargas, como veremos de- pois. Além disso, por vezes esses burocratas defendiam posigdes moder- nizadotas, como a aboli¢2o, porém, eles nao propunham um novo tipo de Estado e de administragéo puiblica para transformar a realidade social da «qual advinham: uma sociedade extremamente desigual. Havia na verdade uum conffito entre algumas de suas ideias e suas posigées sociais prévias ‘Também € preciso relativizar 0 poder dessa burocracia imperial. Boa parte das Fungées ditas estatais eram realizadas por entes privados, como a Guarda Nacional, principal instrumento de garantia da ordem publica, que congregava mais de 600 mil homens na década de 1870, a0 passo que todo o funcionalismo, nessa mesma época, estava em torno de 80 mil pes- soas (Carvalho, 2003:158). Em poucas palavras, 0 modelo centralizador, com uma pequena clite de mérito, no chegava aos recénditos do pais. Vale ressaltar que naquele momento as administragdes piblicas pelo mundo afora ainda eram igualmente marcadas por fortes tragos patrimo- nialistas. As primeiras reformas de sentido burocritico-weberiano come- garam na segunda metade ou no final do século XIX. © Brasil comesou de fato a perder o bonde da histéria com a Primeira Republica, quan- do houve um enfraquccimento do Estado brasileiro, inclusive no plano central, nivel de governo onde existiam as maiores capacidades estatais. O sistema estadualista ¢ oligérquico que prevaleceu na Repiblica Velha, ademais, tomou ainda mais importante o modelo de patronagem no pla- no subnacional, pela via da politica do coronelismo (Leal, 1986), uma vver.que era necessirio arrebanhar mais eleitores para legitimar 0 processo politico — embora as cleigées fossem marcadas pelas fraudes. Interessante notar que 0s governos estaduais, em comparagio as pro- vincias do Império, ganharam muito mais autonomia politico-admi- nistrativa; todavia, este poder no geral nio foi usado para modernizar a cestrutura administrativa estadual (Abrucio, 1998), salvo raras excegoes, como em algumas policias e nos sistemas de ensino do Rio Grande do Sul e de Séo Paulo. No entanto, houve duas excegées importantes na Primeira Repéblica no plano da administracio publica nacional: as Forgas Armadas ¢ 0 Ita- ‘maraty. No caso do Exército, o proceso se desenrola da seguinte forma, conforme relata Bresser-Pereira (2008:42) ‘A luta pela extingio da Guarda Nacional ¢ pelo recrutamento cobrigatério como uma prerrogativa do Exército sera luta politica ¢ institucional principal que os militares brasileiros desenvolve- ram nos primeiros 30 anos da Repiblica Velha, até serem vitorio- sos Para essa vtéria, so imporcances as reformas que jcomegam cine FORMAGAO DA BUROCRACIA BRASIL ‘em 1907-08, com Hermes da Fonseea como ministro da Guerra, « que ganham intensidade com a vinda da Missio Francesa, em 1915, Essas reformas dio finalmente a0 Exército um cariter de ‘organizagio burocratica moderna, profssional Cabe reforgar que este processo de modernizagio esteve vinculado Aconstrugao de um projeto de nagio, pois as liderangas militares que- riam constituir nao s6 uma instituigao meritocratica ¢ profissional. Elas procuraram montar uma estrutura institucional que lhes permitisse interferir na ordem politica. Foi isso que possibilitou as Forgas Arma- das terem um papel importante nos primérdios e ao longo do Estado nacional-desenvolvimentista No caso do Iramaraty, a escolha por uma selegio meritocritica se de- vyeu 8 necessidade dos governantes da Repiblica Velha e & lideranga de seus fundadores. Os presidentes da Primeira Republica precisavam de um corpo diplomético forte para lidar com as graves questées fronteirigas da época. Para tanto, buscaram inicialmente os membros da clite imperial que faziam a politica externa, auténticos “homens de mil’ Entre estes, papel destacado foi dado ao bario de Rio Branco. E aqui entra 0 fator estratégico: Rio Branco sabia que sua posicio ¢ de seus comandados era frégil, num pais dominado por instituicoes oligarquicas, c barganhou um, status diferenciado & diplomacia, como estructura permanente de Estado. Esse processo continuou apés sua morte e, na década de 1920, Mauricio Nabuco, membro de carreira, liderou a consolidagéo das caracteristicas de burocracia weberiana do Itamaraty A Primeira Repiblica foi marcada por um paradoxo no que se refere 4 modernizagio do aparato burocritico: a0 mesmo tempo que ela en- fraqueceu o Estado ¢ reforsou o modelo patrimonial, também foi nesse petiodo que se formaram as duas burocracias profissionais cujas caracte- 3 Sobre a formagio da burocracia do tamarary ver Cheibub (1985), risticas mais se aproximavam do projeto de modernizacéo administrativa preconizado pelo Estado varguisea. Em particular, os diplomatas, com seu modelo de meritocracia para o servigo civil, paradigma que serviu de ins- piragio para a criacio do Dasp, como veremos adiante, Mas nao se pode esquecer queas Forgas Armadas tiveram um papel essencial na pressio polt- tica por um Estado nacional mais forte e centralizador, foi por esse prisma {que se erigiu a administragio piblica moderna dos anos 1930. 0 modelo daspiano: criagao, caracteristicas, resultados e dilemas © modelo de administracio publica criado por Vargas inaugura uma nova cera por trés razées. A primeira € que a sua construgio obedeceré ao objeti- vo de expandir, num movimento sem precedentes, o papel do Estado, que aumentard sua intervengao nos dominios econémico ¢ social em nome de um projeto de modernizagao nacional-desenvolvimentista (Martins, 1976; Beesser-Pereira, 2008). Tratava-se de completar © processo de construgio nacional por intermédio de um novo tipo estatal voltado paraa industrial zagio, a urbanizagao e o desenvolvimento econdmico do pals. Para levar adiante este projeto de state-building, scria fundamental constituir uma administragao publica competente, capaz de implementar ce conduzir as diretrizes de modemizagio econémica ¢ desenvolvimento almejados. Como bem percebeu Rezende (2004:48), co esforgo de state-building pelo desenvolvimento nacional em am- pla escala, iniciado com 0 governo Vargas em 1930, dependeria em muito da construgio de uma burocracia com maior perfor- ‘mance. Essa foi uma das principais razdes para o inicio de uma grande reforma administeativa. Sé que essa nova burocracia nio seria constituida apenas pela selegio de bons quadros. A segunda especificidade do modelo varguista foi cria, | FORHAGRO DA BUROCRACIA BRASILEIRA 36 BUROCRACIAE POLITICA NO BRASIL pelo menos numa parte do aparelho estatal, uma estrutura institucional, profisional ¢ universaista de meritocracia. Em outras palavras, na com paragdo com 0 modelo dos “homens de mil” do Império, na proposta de administragio publica de Vargas valiam mais a instituigio € os objetivos do Eseado, do que os burocratas ¢ seus lagos sociais. Daf ser o primeiro mo- ‘mento institucionalizado de reforma administrativa da historia brasileira. ‘Como mostrado na seg anterios, as Forgas Armadas ea diplomacia ji tinham se ransformado, antes de 1930, em burocracias profissionais com caracteristicas tanto meritocraticas como universalistas. Além disso, clas se assemelhavam mais 20 tipo ideal weberiano de burocracia, hegeménico & época, pela forma como organizavam a carreira ¢ pelo modelo de racio- nalizagio pot procedimentos que vigorava nas duas instituigées. Se isso & vverdadeiro, o que seria distintivo da reforma varguista, uma ver que um dos, ramos do funcionalismo civil — os diplomatas — existia previamente? ‘Aqui, a especificidade do modelo varguista estava no apenas em ter ido além dos militares ¢ dos diplomatas, tendo uma amplitude maior. A tercgira singulatidade estar vinculada & criagio de uma burocracia, me- ritoctética, profissional e universalista, que, a0 atuar como 0 motor da expansio desenvolvimentista do Estado, tornouse entao a prim trutura burocritica weberiana destinada a produzir politicas pébli- cas em harg esta Em resumo, criou-se uma burocracia, a um s6 tempo, voltada ao de- senvolviment, instiucionalmente ligada ao mérito e a0 universalismo, sendo a primeira capaz de produzir politics piblicas em maior escala, Foram essas trés especificidades que marcaram 0 modelo varguista, que tem na ctiag’o do Departamento Administrative do Servigo Publico (Dasp), em 1938, sua principal marca.* Contudo, antes da constituigio esse 6rgio, foram implementadas medidas visando & racionalizagio do aparato estatal ¢& adogio de principios da meritocracia, mediante a cria~ {4 O trabalho mais completo de reconstrugio do processo de criagio do Dasp, ede coda a reforma administrative varguista, ¢0 de Wahrlich (1983), io de diferentes comissées ¢ leis. Tais resolucées foram essenciais para dar in{cio & montagem de um corpo burocritico profissional ‘Antes de descrever as medidas tomadas, cabe lembrar que, além da inspiragio advinda do Itamaraty, ts8s outras Fontes foram imporeantes paraa construgio do modelo daspiano. Em primeiro lugar, foi muito im- portante 0 trabalho de prospecgio que gerou o Dasp, com o estudo da burocracia de outros paises, inclusive com viagem aos Estados Unidos ‘para acompanhar a situacio do seu servigo puiblico ¢ trazer de ld também as principais inovagées em teoria da administragio da época. Outra fonte importante foi a propria experiencia politico-adminis- trativa de Gevilio Vargas. Em seu estado de origem, 0 Rio Grande do Sul, havia uma experiéncia importante de reforma na rea educacional «¢ uma visio mais meritocrética do funcionalismo. Afora isso, o fato de ‘Vargas cer sido ministro da Fazenda, em meados da década de 1920, permitiu nao s6 que ele percebesse que 0 papel do Estado deveria mudar, como principalmente que isso s6 poderia ser feito por uma burocracia profissional forte Por fim, destaca-se 0 trabalho dos dois principais reformadores, Mauricio Nabuco, vindo dos quadros diplomaticos, ¢ Luiz Simoes Lo- pes, braco direito do presidente e que foi, como bem percebeu Gaetani (2005), o principal empreendedor da politica da reforma daspiana. Para entender a reforma Dasp, € preciso ressaltar sua dupla face. Por uum lado, ela buscava modernizar a gestio piiblica, conforme os principios bburocriticos weberianos prevalecentes na época no plano internacional, ‘com o ineuito de criar um Estado eficaz nas suas novas tarefas desenvol- ‘vimentistas. Em linhas gerais, esse objetivo modernizador foi alcangado. Mas, por outro lado, sua matriz politica era bastante problemética: trata- vva-se de um modelo autorititio e centralizador, principalmente na versio consagrada pelo Estado Novo, cuja proposta modernizadora nao alterou profundamente o status quo representado pelos interesses agrérios, nem com a necessidade de ter uma parcela do Estado voltada & patronagem, com o propésito de manter 0 apoio de parcela da elite ao varguismo. | FORIAGKO DA RUROCRACIA BRASILEIRA 38 BUROCRACIAE POLITICA NO BRASIL Com relagio a face modernizadora, a primeira grande medida adota- da por Vargas em prol da organizagio administrativa ocorreu em 1931, quando foi criada a Comissio Permanente de Compras, com o objeti- vo de centralizar 0 processo de aquisic’o de materiais para o governo. Eis 0 primeiro passo adotado para incorporar & adminiseragio publica 0 controle e a padronizagio nos procedimentos. Na Constituigio de 1934, outro avango em prol de uma meritocracia profissionalizada: pela primei- +a vez em nossa historia constitucional, o concurso péblico foi proposto como regra geral de acesso aos cargos piiblicos (art. 169, caput) Em 1935, por meio da criagio da Comissio Especial do Legislativo ¢ do Executivo para Reforma Econdmico-Financeira (Lei n® 51, de 1935), presidida pelo embaixador Mauricio Nabuco, foram propostas medidas para reorganizar a administragao publica e também para padronizar os vencimentos, de modo que houvesse igualdade de remuneragio para os cargos com responsabilidades ¢ fungées semelhances, ¢ definigso de nor- 5) Apés o relatério da comissio, Luiz Simoes Lopes deu continuidade a ‘mas para ascensio entre cargos (Lima Jinior, 1998: tais propostas. Como resultado, em 1936 ¢ constituido o Conselho Fe- deral do Servigo Péblico Civil e € promulgada a Lei do Reajustamento (Lei n® 284, de 1936), definindo as normas bisicas € os sistemas de clas- sificasio de caigos. O conselho, que kespondia ditetamente ao presidente da Reptiblica e era composto por comissdes de eficiéncia em cada minis- té:io, sinha como principal atribuicéo conduzir a reforma, introduzindo principios de aprimoramento na administragao publica (Siegel, 1966:47; Lambert, 1969:173). A obrigatoriedade da realizagéo de concurso piiblico para os funcio- narios publicos permaneceu na Carta Constitucional de 1937, que tam- bém incluiu em seu texto 0 dispositive que eria um departamento admi- nistrativo vinculado a Presidéncia da Repiiblica (art. 67). E por meio da efetivagio desse dispositivo que em 1938 cria-se o Dasp. Com 0 objetivo de introduzir maior controle dos gastos, em 1940 ¢ pro- mulgado o Decreto-Lei n® 2.026, que eriou a Comissio de Orgamento do ‘Ministério da Fazenda, atuando como o primeiro érgéo central orgamen- trio e responsivel por estabelecer as normas orgamentérias. A comissio era subordinada administrativamente ao Ministério da Fazenda tecnicamen- te a0 Dasp (Lima Jinior, 1998:6; Ministério do Planejamento, 2009). © Dasp, portant, seria 0 Srgio central do sistema de controle da administragio piblica brasileira e a pega-chave para a constituigao de uma burocracia profissional institucionalizada, aos moldes weberianos. Guiado por esse objetivo, o drgio assumin a responsabilidade pela rea- lizagio dos concursos piiblicos ¢ a supervisio dos processos de gestio de pessoal, tais como promogées, transferéncias ¢ medidas disciplinares (Geddes, 1990:222; Siegel, 1966:48). Geddes (1990) aponta a importincia assumida pelo Dasp no processo de treinamento de sua equipe ¢ enfatiza 0 esforgo assumido pelo drgio ‘em atrair profissionais com boa qualificagio, a fim de criar um ambien- te onde seus funcionérios se mantivessem motivados ¢ alinhados com os principios daspianos. Seo Dasp fora muico bem-sucedido em sua tarefa de promover a qua- lificagao de parcela do corpo burocritico brasileiro, 0 mesmo nio se pode afirmar do processo de centralizagio de compras governamentais, que apresentava limitagées. Com efeito, cabia a0 érgao coordenar ¢ centrali- zat o processo de compras de todo o governo federal, tarefa que se mos- trara, evidentemente, bastante complexa (Siegel, 1966:48). Contudo, considerando o cendrio anterior de total auséncia de controle, 0 esforgo em criar normas ¢ procedimentos para 0 processo de compras pode ser considerado um legado positivo do érgio. ‘A rcforma administrativa conduzida pelo Dasp também foi respon- savel pela criagio de unidades administrativas descentralizadas da bu- rocracia federal, as chamadas autarquias. Discorrendo sobre © aumen- to da descentralizagio administrativa no governo Vargas, Lima Jinior (1998:8) relata que seu primeiro governo foi responsavel por uma signi- ficativa expansio da administracéo piblica brasileira: “até 1939, haviam sido criadas 35 agéncias estatais; entre 1940 ¢ 1945 surgiram 21 agéncias A FORNAHO 94 BUROCRACIABRASILERA BUROCRACIA€ POLITIC NO BRASIL englobando empresas piblicas, sociedades de economia mista, aucar- quias e fundag6es", Essa expansio estava inserida dentro do projeto nacional-desenvolvimentista de Vargas, uma vez que 0s novos érgios criados tinham a fungao, principalmente, de controlar ¢ intervir nas atividades econdmicas. E importante frisar que, além de exercer primordial papel no processo de controle ¢ organizacio administrativa do Estado, o Dasp teve aimpor- tante fungZo do controle politico, sendo um instrumento fundamental nos propésitos autoritérios ¢ centralizadores do Estado Novo. Sobre esse aspecto, Graham (1968, apud Campello de Souza, 1976:96) escreveu: Em teoria, o Dasp foi concebido como uma organizagio técni- «a, 0 que significava que os Srgios ministeriais e sujeitariam a cle em relagio a assuntos técnicos, mantendo-se sujeitos a hierarquia ‘usual para os assuntos de administracio geral. Na pritica, cont do, o Dasp funcionava de modo diferente. Tendo surgido no con- texto de uma ditadura comprometida com a modernizasio, sem tum partido de massas, o Dasp eriou meios convenientes para o controle central do sistema administrativo. Como agéncia do Exe- ccutivo federal, exercia responsabilidades que iam além das preo- ‘cupagées técnicas. Na realidade, o Dasp tornou-se uma espécie de superministério Assim, além de assumir o papel central de formulagio c implementagio das politicas administrativas, o Dasp trazia para si também a responsabili- dade do controle politico cxercido pelo Executivo federal perante os esta- dos, por meio da atuacio dos departamentos administrativos estaduais, ‘os chamados “daspinhos”, pecas Fundamentais na engrenagem aucoritiria centralizadora do Estado Novo. Eles eram subordinados a0 Miniseério da Justiga, ¢ seus presidentes regionais nomeados pelo Executivo fede- sal, Tais departamentos estaduais, para além de assumizem a fungio do controle administrativo dos estados, exerciam trés importantes fungbes politicas: a de estrucura supervisora das atividades do interventor, a de corpo legislativo e a de integrar novas elites regionais no modelo varguis- ta (Campello de Souza, 1976; Codato, 2008). Precisamente por exercer fungées de controle essenciais para a moder- nizagao autoritéria varguista, o Dasp tornou-se pega-chave nao s6 como forma de racionalizagio da gestio, mas também, e de forma estratégica, como instrumento politico. A arquitetura do governo Vargas comporta- va as duas caracteristicas. E aqui aparecem, entéo, 0s limites e ambiguidades do reformismo das- piano. O primeiro problema aparece na moldura politica do reformismo: as mudangas principais foram eferuadas sob o signo do autoritarismoede uma forte centralizagio no plano federal. Do vids autoritatio derivam tanto o Dasp como mecanismo de contro- le politico, buscando a “uniformizagio” dos aliados e a perseguicéo dos adversirios, quanto também uma forma burocritica que nao é integral- mente publica — isto , responde mais aos designios do governo de plan- tio do que da sociedade. Essas caracteristicas ficaram impregnadas em parte da burocracia meritocritica brasileira. Além disso, o autorivarismo afetou, dali para diante, 0 modelo reformista hegemOnico. A primeira grande reforma do pais nao envolveu negociagio com a classe politica © 05 setores sociais, de modo que o paradigma reformista vencedor foi cotalizante ¢ autoritario. Essa visio foi defendida outras yezes no sécu lo XX, sob 0 argumento de evitar a contaminagio da administragio publica pela politica clientelista. ‘A centralizasio politica e administrativa foi outra caracteristica do modelo daspiano. © problema nio estava s6 no modelo centralizador — até porque 0 processo de state-building em todo 0 mundo, pelo menos até a década de 1970, teve vis centralista. Em comparagio & outra refor- mma considerada centralizadora, a realizada pelos Estados Unidos naquele ‘mesmo momento hist6rico, a forma ¢os resultados foram bem diferentes. Enquanto o reformismo de Franklin Roosevelt foi baseado na naciona- lizagao do prine{pio do mérito contra as oligarquias locas, o paradigma varguista era o do controle das elites locais e nio o da transformagio po- 4 | FoRMAGAO DA BUROCRACIA 8 BUROCRACIA€ POLITICA HO BRASIL Iitica e gerencial dos governos subnacionais. Em outras palavras, o Dasp ampliou a diferenga entre a qualidade da burocracia federal ea precarie- dade administrativa da maioria dos estados e municlpios. ‘A manutengio das formas clientelistas é outro né do modelo moder- nizador de Vargas. Nem toda a maquina piblica federal foi dominada por um prine{pio universalista de mérito, o que na verdade significou que o pre- sidente da Repéblica fez um pacto com as antigas oligarquias para montat seu projeto de modernizagao, Paralclamente & estructura de patronagem, foi construida a moldura institucional do Dasp, mericocritica e universalista em seus dominios. Obviamente que essa convivéncia gerou confiontos, A solugio foi aquilo que Edson Nunes (1997) chamou de insulamento burocritico. Ou seja, 0 poder politico blindou as agéncias daspianas, instrumento modernizador do Estado, do clientelismo, criando uma situagio onde havia “ilhas de exceléncia” — dai a palavra insulamento — protegidas do jogo politico estabelecido com os setores mais atrasados. Ao insular 0 Dasp ¢ as novas agéncias voltadas ao desenvolvimento econdmico, o presidente Vargas péde conduzir seu projeto de moderni- zagao administrativa sem mexer com toda a estrutura politica ¢ social do pais. Apesar de ter sido bem-sucedido na realizagio de boa parte de seus objetivos, este modelo trazia em si o seu limite: a titica do insulamento burocratico que permitiu ao modelo daspiano sobreviver foi a scsi que impediu a expanso da logica meritocriticac universalista para o restante da administragio publica. O resultado do modelo daspiano, desse modo, foi a consagracio da modernizagio administrativa por um tipo de administragao paralcla. Assim, enquanto uma parte da administragio publica brasileira era re- sida pelos prinefpios da meritocracia ¢ profissionalismo, insulada das influéncias do clientelismo € da eroca de cargos por favores politicos, outra parcela fora mantida sob a égide do patrimonialismo, sendo co- ‘optada pelos diferentes grupos de interesse € atores que sustentariam politicamente Gettlio Vargas. O resumo desse processo foi bem capta- do por Campello de Souza (1976:85), “o desmantelamento da velha ordem nao ultrapassou os limites de uma ‘modernizagio conservadora’ sem qualquer reformulagio radical da estrutura socioecondmica exis- tente, encaixavam-se no sistema politico novos grupos ¢ interesses, de- vidamente cooptados e burocratizados’ Tnteressante notar que na reforma daspiana 0 modelo burocritico rclacionado A énfase em normas ¢ procedimentos espalhou-se mais pela administragio publica do que os prinefpios do mérito ¢ do universalis- mo. Sua valorizagio nesse contexto de ambigua modernizagio do Dasp evou 4 maior valorizagio dos meios em si do que dos fins relacionados A burocracia weberiana, Cabe frisar que esse resultado vincula-se a uma légica mais profunda do Estado brasileiro, desde o periodo colonial: 0 formalismo, isto é, a maior forga da formalidade vis-d-vis & pritica efe- tiva, conceito originalmente formulado por Guerreiro Ramos (1966). © formalismo néo sé atrapalha a eficiéncia do Estado como também permite que formas patrimoniais sejam travestidas de burocracia im- pessoal, por meio da utilizagao das normas e procedimentos com camu- flagem universal, mas cuja implantagio é efetivamente particularista. 'A queda do Estado Novo enfraqueceu 0 Dasp. © érgio deixa de exercer o controle dos ministérios e a gestdo de pessoal assim que Var- gasd da Repiblica. Os concursos piblicos foram cancelados ¢ os wuntioles © poder e José Linhares assume provisoriamente a Presidéncia administrativos perante as atividades dos ministérios, suspensos. Uma parcela enorme de cargos pablicos foi ocupada de forma patrimonia- lista, particularmente por meio da efetivagio dos funciondrios inte- rinos ¢ extranumeratios, admitidos sem concurso piblico (Guerzoni Filho, 1996:42). Definitivamente, 0 fim do primeiro governo Vargas representa uma inflexao no status do Dasp (Rezende, 2004:49; Geddes, 1990:223). Dali para diante, até sua extingio, na década de 1980, 0 6r- gio foi se tornando um grande cart6rio da administragao civil, embora ainda tivesse pessoal bastante qualificado (mesmo que decrescente 20 Jongo do tempo), 0 que o levou por vezes a alimentar outras partes do Estado com funciondtios selecionados pelo mérito. & A FORMAGEO OA BUROCRACI BRAS suROCRACIREFOUITICA NO BRASIL [A despeito de suas ambiguidades e do seu posterior enfraquecimento, ¢inegivel que o modelo daspiano trouxe aspectos positives para acriagio dos primeiros pilares institucionais da burocracia brasileira Pela primeita ‘vez na historia a administragio publica federal passou por um processo sistemético de organizagio dos seus principais componentes: orgamento, compras, gestio de pessoal, além de procedimentos gerais. Adcmais, 0 Dasp foi bem-sucedido em seu intento desenvolvimentista, sendo 0 pro- pulsor de grande parte da administragio indireta que iniciou o processo de intervengio estatal na érea econdmica. Como fruto mais profundo, o Dasp deixou dois legados a0 Estado desenvolvimentista. De um lado, varios de seus membros lideraram out fizeram parte da alta burocracia que comandou, geralmente com suces- 50, a gestdo em drgios do governo federal durante 0 nacional-desenvol- vimentismo. Por outro lado, o Dasp foi essencial na instalagéo, em alguns pontos da burocracia civil, de uma cultura de mérito que, mesmo quando colocada mais adiante em perigo, ficou impregnada em parte dos daspia- nos ¢ repassada a outros lideres e grupos burocriticos. Neste sentido, a modernizagio deixou de ser resultado das ag6es do drgio e passa a ser um e continuow na linha do insulamento buroctitico — casos da Petrobras € do BNDES, criados nos anos 1950. Mas o que estava em jogo no periodo posterior a0 Estado Novo era «thos, presente basicamente na administragio indireta, que se expan © processo de institucionalizacao das conquistas do Dasp. Entre 1946 ¢ 1964, onde foi possivel insular ércas governamentais ¢ recrutat funcio- nétios com o espirito daspiano, mantinha-se um quadro meritocritico. No entanto, nem mesmo a administracao indireta voltada ao desenvolvi- ‘mento livrou-se por completo da patronagem — embora 0 clientelismo fosse bem maior na administragio direta. Vargas tinha consciéncia dissoe ‘quando voltou ao poder, em 1951, voltou a0 tema da reforma administra: tiva, Tentou realizé-la, com a criagéo de um grupo de trabalho, em 1952. ‘S6 que fracassaram todas as tentativas de reformas admin racivas nesse periodo democritico. Como contrapeso poder-se-ia citar a aprovagao do Estatuto dos Funciondrios Pablicos Civis, em 1952, que reforgou o prin- efpio do concurso piblico como norma geral para admissio, Porém, esse dispositivo foi sistematicamente burlado, sendo o caso mais gravea Lei n® 4,069, de 1962, apelidada de Lei do Favor, que permitiu um verdadeiro “crem da alegria” (Guerzoni Filho, 1996:43). ‘0 caso do governo do presidente Juscelino Kubitschek ¢ paradigmati- co para entender os rumos da administragio publica daquela época. Para 0 desenvolvimento do Plano de Metas, seu principal projeto, JK adorou uma estratégia dual: tentou realizar uma reforma ampla do servigo pi blico a0 mesmo tempo que criow instituigdes paralelas ¢ insuladas para desenvolver ¢ coordenar as atividades do Plano de Metas. A primeira aca- bou abandonada devido &s resistencias enfrentadas no Congresso Nacio- nal, enquanto a segunda se mostrou mais eficiente aos objetivos governa- ‘mentais, Foi a vitoria da estratégia chamada de administragéo paralela Kubitschek valeu-se de sua experiéncia anterior no governo de Minas Gerais para conjugar as graméticas do clientelismo e do insulamento bu- roctitico, utilizando o primeiro para a manutengio de sua base de apoio politico eo segundo para o desenvolvimento de seus projetos desenvolvi- mentistas. Desa forma, o presidente mitigava os entraves da burocracia tradicional sem confronté-la dirctamente, conseguia atrair pessoal quali- ficado para os projetos e mancinha > espagos para o elientelismo. Pataas iniciativas setoriais foram crindos grupos de trabalho e grupos executivos, 0s quai, além dos especialistas, contavam com a presenga de membros das instituigdes que poderiam ser afetadas pela implemen- tagio das ages. Para a coordenagio mais ampla criou-se o Conselho de Desenvolvimento, que visava integrar as iniciativas setoriais e abrigava ‘membros destas ¢ da Presidéncia, além de dar espaco para a articulagio de inceresses. Esse sistema de vasos comunicantes era coordenado por profissionais experimentados e de competéncia reconhecida no servigo piiblico, o que garantia um gerenciamento eficaz dos recursos ¢ ages, ( resultado positivo desse modelo foi a ampliagio de focos desenvolvi- mentistas pelo pais. 45 A FontagRo D8 9u% {CRACIA EPOLITICA NO BRASIL Mas nem tudo deu certo na estratégia administrativa do Plano de Metas. Segundo Later (2002), Kubitschek teve que enfrentar um “con- gestionamento da Presidéncia da Repablica’, pois a criagéo de institui- ges paralelas para tratar de questdes setoriais especificas acabou por gerar uma grande quantidade € diversidade de érgios ligados direta- mente ao Poder Executivo, os quais diluiam as competéncias do gover- no, Além disso, muitas insticuigoes trabalhavam em defesa dos interes- ses de sua clientela, como o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), com pouca interligagio com o planejamento mais geral (Lafer, 2002:80). Tal situacéo mostrava as dificuldades da estratégia da administracio paralela sistema de administragio paralela com insulamento de certas agéncias governamentais, na verdade, nasceu com a reforma varguista. ‘Todavia, algumas diferencas entre os dois periodos devem ser ressal- tadas, Vargas buscou por meio do Dasp reforgar uma burocracia civil profissional e aumentar o controle sobre a maquina governamental, j que a administragao publica era pouco institucionalizada. JK, por sua ver, jf recebeu um pais com alguns mecanismos de controle do servigo piiblico razoavelmente instalados e privilegiou aprovciear os bons fun- cionatios piiblicos existentes — vindos do Dasp o da administragao indireta —, para por meio deles criar mecanismos de coordenagao ¢ execugdo dos projetos previstos no Plano de Metas, Nesse sentido, 0 projeto de Vargas visava mais & profissionalizagio da maquina piblica do que o de Juscelino, que péde utilizar o legado meritocritico advindo dos daspianos c afins. No balango final, se 0 modelo de administragio paralela de JK mos- trou sereficaz para implantagio de projetos desenvolvimentistas,acabou por gerar fragmentagio das estruturas governamentais em instituigdes se- torias especializadas que confitavam com os respectivos ministérios. As instieuigoes eriadas, com poucas excegées, tiveram menor grau de insti- tucionalizagio do que o Dasp ¢ nio conseguiram consolidar uma cultura meritocritica, gerando descontrole no recrutamento ¢ depois na estabi dade de suas equipes. Além disso, a fragmentagao ia de encontro A criagio de mecanismos de accountability no servigo piblico. O final do periodo 1946-64 mostrava nao s6 o enfraquecimento do Dasp, como também revelava os limites das estratégias de insulamento ¢ de administragio paralela. A proxima reforma, a do Decreto-Lei n® 200, procurou aproveitar todos os pontos positivos do modelo daspiano, ra- dicalizando ainda mais sua estrutura descentralizada e flexivel. Mas, 20 final, trard 0s fantasmas do reformismo varguista-daspiano de volea 0 modelo administrativo do regime milit © Decreto-Lei n® 200 Osproblemas decorrentes da administragio paralela se acentuaram apés co encerramento do mandato de Juscelino Kubitschek e as turbuléncias politicas do perfodo 1961-64 nao permitiram direcionar recursos para 4 sua resolugao. Algumas iniciativas reformistas foram tentadas no pe- iodo de governo de Jodo Goulare, como a Comissio Amaral Peixoto, mas, ao fim e a0 cabo, nao houve alteragdes na administragao pitblica brasileira. Com o golpe de 1964, os militares assumiram o poder ¢ exerceram-no de forma autoricéria, embora tenham procurado, em maior ou menor me- dida a0 longo do periodo, apoio em parcelas da elite politica e social para legitimar sua auroridade. © principal instrumento de legiimasio simbé- lica, além de um patriotismo difuso e do discurso anticomunista, advinha cde uma ideologia antipolitica vecnoburocritica, a partir da qual o regime se definia como um instrumento “modernizador” do pals. E por essa razio que aadministrasio piblica ganhou especial destaque no periodo. ‘A administragao piblica foi aperfeigoada em dererminados aspectos. © regime militar fortaleceu ou criou algumas carreiras de Estado com base em princ{pios meritocriticos. Isso ocorreu particularmente na drea econémica, como demonstram os exemplos da burocracia da Receita ¢ a | FORMAGAO OA BUROCRACIA BRASIL do Banco Central, esa tiltima instituigao criada pelos militares. Também foram fandados novos drgios ¢ entidades, desde o inicio sob o signo do iérito ¢ da profissionalizagio, como exemplifica bem a Empresa Brasilei- ra de Pesquisa Agropecuaria (Embrapa). ‘Também podem ser destacados dois outros elementos no que se re- fere 4 melhoria da gestao publica. O primeiro foi o reforgo dos meca- nismos de planejamento, incluindo nao s6 os famosos planos nacionais de desenvolvimento (PNDs) ¢ afins, mas principalmente a busca pelo aperfeicoamento das informagées sobre o pais. Apesar de ter havido muitas restrigdes de dados para a populagio, como mostrou 0 caso da epidemia de meningite em So Paulo, foi criada uma instituicéo impor- tantissima para andlise da realidade brasileira, o Instituto de Pesquisa Econémica Aplicada (Ipea), & época bastante ligada ao planejamento cfetivo das politicas puiblicas. Além disso, houve nesse periodo a expansio, institucionalizagio ¢ nacionalizagio de diversas politicas pablicas, como saneamento e habi- tagio. Na educagio foram dados passos decisivos para sua massificacio, enquanto a previdéncia foi estendida para o setor rural. O fato & que 0 moderno welfare state brasileiro, em termos de abrangéncia e estabilidade de politicas, foi fortemente alavancado pelo regime militar, embora esse processo tenha sofrido uma série de vicissitudes, advindas, no geral, das suas caracteristicas autoritérias ¢ tecnoburocriticas.> ‘Mas a grande marca do periodo, do ponto de vista administrativo, foi a continuacio da expansio do Estado brasileiro, especialmente pela via da administragio indireta. Nesse sentido, o varguismo foi levado a0 paro- xismo, pois o regime militar, mesmo tendo sido instalado sob o discurso 0, aumentou o tamanho € o poder de intervengao do aparclho estatal como nunca antes em nossa histéria. do anticomuni 5A melhor anilise sobre at polticas socais no segime militar encontra-se em Drsibe (1994). Para realizar essa expansio do aparato estatal, instrumento fundamen- tal foi a promulgagio do Decreto-Lei n® 200/67, considerado a segun- da grande reforma administrativa do século XX. Suas origens advém da concepgio de administrasio paralela que estava no DNA do varguismo, como 0 exemplo aqui destacado do Plano de Metas. Além disso, foi deci- sivaa discussio da Comissio Amaral Peixoto eda reforma administrativa feita pelo entio estado da Guanabara, no governo Carlos Lacerda. Entre as principais caracteristicas dessa reforma, destacam-se és. ‘A primeira foi a descentralizagio administrativa (ou desconcentragio, nome correto deste conceito), dando maior raio decisério e lexibilidade gerencial § administrago indireta, que era dividida, em grau crescente de autonomia, em autarquias, fundagies, empresas piblicas e empresas de economia mista — estas duas tltimas eram organizagées mais voltadas 2 incervengio direta no dominio ecconémico, Nesses drgios descentra- lizados, prevalecia a contratagio pelo regime de CLT, a fim, em tese, de favorecer um recrutamento com melhores salétios € maior flexibilidade para contratar e demicis, em vez do modelo estatusrio, mais “engessado” do ponto de vista da gestio de pessoal O objetivo dessa descentralizagio administrativa com flexibilizagio _gerencial era tornar o Estado mais égil para expandir suas agdes, parti- cularmente no terreno econémico. © regime militar, nesse ponto, am- pliou as atividades econdmicas inscritas no modelo varguista, como re- vela bem o exemplo das telecomunicagdes. Ademais, novas éreas foram contempladas, incluindo a social, principalmente quando estava vin- culada mais diretamente ao desenvolvimento econdmico. Nesse caso, pode ser citado 0 tema do desenvolvimento urbano, por meio da atua~ 0 do Banco Nacional de Habitacdo (BNH). O fato inequivoco é que quando uma politica piblica conseguia ganhar forca na agenda ¢ no tabuleizo politico, ela procurava se beneficiar da estrutura de descon- centragio com flexibilidade permitida pelas organizagées da adminis- tragio indireta. E, por analogia, as areas que estavam fora do campo das priotidades normalmente ficavam na administragio direta, que quase | FORIAGKO DA BUROCRACIAARASILEIRA BUROCRACHAE POLITICA NO BRASIL sempre fancionava como uma burocracia ineficiente, por conta do peso de fatores como a patronagem, 0 cartorialismo ea falta de incentivos & profissionalizagao do corpo de funciondtios. ‘Além do modelo de descentralizagio administrativa, uma segunda caracteristica do Decreto-Lei n® 200 era a previsio de formas de coorde- nagio ¢ controle das unidades descentralizadas, fortalecendo os érgios de planejamento ¢ criando ou remodelando as agéncias responsiveis pelo orcamento, auditorias, compras ¢ informagio estatistica. E interessante notar que os mecanismos formais de planejamento ¢ organizacio dos da- dos de fato ganharam mais forca, porém, isso nio significou menor frag- mentagio das ag6es estatais advindas do modelo descentralizador. O terceito elemento diz respeito & estrutura federativa do Estado bra- sileiro. © modelo administrative do Decreto-Lei n® 200 continha aqui tum paradoxo: ao mesmo tempo que propugnava maior descentralizagao administrativa, estimulava a reprodugio nos estados e municfpios da es- trutura institucional vigente no ambito federal, por meio de incentivos preyistos nos programas nacionais e nas formas de financiamento 20s go- vernos subnacionais (Medeiros, 1986). O fato € que no plano da federa- 40 criou-se um modelo unionista-autoritario, fortemente centralizador. Aclite tecnoburocratica de Brasilia o justificava com 0 argumento de que © rogime precisava “modernizat” o pais de “cima para baixo” (Abrucio, 199 zadora nao melhorou a forma de selegio € a carreira da burocracia nos 3). Mas cabe realgar que essa proposta pretensamente moderni- niveis locais de governo. O modelo reformista do regime militar continha quatro problemas bisicos, O primeiro, obviamente, é seu caréter auroritério, permeado ain- da por uma ideologia tecnocritica, que pode ser resumida pela ideia da superioridade da técnica sobre a politica. Desse modo, a burocracia fe- deral ficou insulada de qualquer controle piblico e, a0 contrario do que propugnam os defensores desta visio, essa protegio nio afistou os inte- resses privados da érbita do Estado, Surgiu aquilo que Fernando Hensi- {que Cardoso chamou de anéis burocriticos, definidos como “circulos de informagao ¢ presséo (portanto, de poder) que se constituem como me- canismo para permitir a articulagao entre setores do Estado (inclusive das Forgas Armadas) ¢ setores das classes sociais”, de modo que “no se trata cde um instrumento de pressio da sociedade sobre o Estado, mas da forma de articulagio sob a égide da sociedade politica” (Cardoso, 1975:208). O exemplo dos anéis burocriticos revela que a protegio autoritéria da tecnocracia nao necessariamente afasta o Estado do patrimonialismo, ‘uma vez que 0s interesses privados relacionam-se nessa arena com a bu- rocracia sem 0 menor controle piblico. Isso possibilita o favorecimento de determinados setores econdmicos,o trifico de interesses e, no limite, a corrupcio, Nada mais distante de um processo de modernizagio da ad- ministragio publica, (Outro problema da segunda reforma administrativa do século XX foia fragmentagio da administracio pitblica causada pelo Decreto-Lei n® 200, aque fracassou em seu objetivo de criar mecanismos de coordenagio. O sis- tema de controle nao funcionou conforme o esperado, sendo incapaz de implantar mecanismos de aferigio de desempenho das diversas unidades dlescentralizadas (Martins, 1985; Rezende, 2004). Ao final do periodo militar, os governos ja nao conseguiam minimamente direcionar a agi de algumas estatais, 0 que levou a criagio de uma secretaria destinada a controlé-las — sem muito sucesso, diga-se de passagem. Esse processo re- sultou em descontroles fiscais e gerenciais, os quais acabaram por contri- buir para a derrocada do regime. Cabe reforcar um ponto aqui, que serd importante nas reformas mais recentes: maior autonomia e flexibilizagio das agéncias piblicas s6 pode dar certo se houver mecanismos claros de controle do desempenho, algo que néo houve no Decreto-Lei n* 200. Em mais uma de suas limitagées, o modelo reformista do regime mi- litar avangou ainda mais na légica daspiana de fortalecer a administragio inditeta e, concomitantemente, nao conseguir dar o mesmo valor &admi- nistragio direta. Houve uma tentativa de mudar esse quadro, com a pro- mulgagio de uma nova lei de cargos, em 1970, que teria como objetivo estabelecer uma perspectiva positiva de desenvolvimento profissional no [a ToAMAGHO DA BUROCRACIA BRASILEIRA 5 fancionalismo pablico. Contudo, essa legislagio fracassou, c, salvo algu- mas rarascarteiras — como adrea diplomética ea de tributagio —, 0 qua- dro na administrasio dircta se detcriorou, principalmente com a criagio do plano de cargos ecarreiras (PCC), que desorganizou o servigo civil. © pior é que passaram a conviver, de forma esquizofrénica, um mundo esta- tal regulado por um plano de cargos mal articulado ¢ sem incentivos pro- fissionais adequados com uma parcela contratada pela CLT, mais flexivel, com melhores salirios, mas sem 0 devido controle (Abrucio, 1993:53). ‘A burocracia tinha se transformado numa multiplicagio de corpos admi- nistrativos, com formas de legitimidade e meritocracia diferentes e sem didlogo entre si, inviabilizando uma efetiva gestio de pessoal. © Decreto-Lei n* 200, por fim, ampliou o paradigma centralizador daspiano, em busea do controle ¢ uniformizagio dos governos subnacio- nais diante dos objetivos da Unio. Avangou um pouco mais do que 0 Dasp, uma vez que foi além do controle politico dos estados ¢ municfpios, obrigando-os a reproduzir estruturas técnicas propostas pelo governo fe- deral, as quais, de um modo ou de outro, tiveram algum impacto moderni- zador: Porém, nio incentivou os governantes locais a aprimorar a selegio e ‘desenvolvimento da burocracia, mantendo a porta aberta 4 patronagem. Mais uma vez, a reforma administrativa esquivou-se de entrar nas relages mais profundas entre politica ¢ estrutura burocratica, tendo como efeito mais importante a manutengio de um padrio frigil,incficiente, quando rio corrupto, dos servicos piblicos na ponta do sistema. No seu ocaso,o regime militar ainda teve uma importante agio admi- nistrativa, que foi a criagio do Programa Nacional de Desburocratizagio, idealizado pelo ministro Hélio Beltrao, em 1979.‘ Sem ditvida alguma foi ‘uma grande inovagio, no s6 em relagio historia cartorial e burocrati- zante da administragio publica brasileira, mas mesmo em comparagio a0 gue ocorria no plano internacional, como lembra um dos maiores estu- 6 As principais ideias da proposta de desburocratizagio sio expostas em Belstio et al (1982), diosos de reforma do Estado, Caiden (1991). O projeto procurava facili- tar 0 acesso dos cidadaos aos servigos do Estado, atuando particularmente contra a “papelada’ que dificulta o exercicio da cidadania pela populagio. [Antecipava aqui toda a discussio da nova gestio publica ¢ ja trazia os vventos do inicio da democratizagio do pais. Algumas poucas agbes foram adiante,’ mas as resisténcias dentro do governo enterraram a maior parte das propostas, pois 0s politicos situacionistas € militares temiam os seus efeitos democratizantes, enquanto a burocracia temia perder 0 seu poder de criar interpretar os procedimentos. Nao obstante, o debate causado pelo Programa Nacional de Desburocratizagio preparou o terreno para as novas ideias que apareceram na Constituinte ¢ na Reforma Bresser Gestao publica e redemocratizagao: os paradigmas da Constituigdo de 1988 e da Reforma Bresser’ processo recente de reforma do Estado no Brasil comegou com o fim do perfodo militar. Naquele momento, combinavam-se dois fendme- nos: a crise do regime autoritatio ¢, sobretudo, a derrocada do modelo nacional-desenvolvimentista. Era preciso atacar os problemas histsri- cos da burocracia brasileira, muitos deles agucados pelos militares, € encontrar solugées que dessem conta do novo momento, que exigia um , |AFORNAGHO DA BUROCRACIAARASILERA

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