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CLIFFORD — GEER nova luz sobre ¢ a ANTROPOLOGIA JORGE ZAHAR EDITOR Nova luz sobre a antropologia O compromisso profissional de encarar os assuntos humanos de forma 1 do se ope a0 compromisso pessoal de encaré-los sob uma perspecti- va moral especifica. A ética profissional repousa na ética pessoal e dela extrai sua forga; obrigamo-nos a enxergar por uma conviccio de que a cegueira —ou. a ilusio — prejudica a virtude como prejudica as pessoas. O distanciamento provém nao do desinteresse, mas de um tipo de interesse flexivel bastante para suportar uma enorme tensao entre a reag4o moral e a observacao cientifi- a, uma tensio que s6 faz, aumentar & medida que a percepcao moral se apro- funda e a compreensio cientifica avanga. A fuga para o cientificismo ou, por outro lado, para o subjetivismo nao passa de um sinal de que a tensao nao pode ais ser suportada, de que os nervos nio agitentam e de que se fez.a opcio de suprimira prépria humanidade ou a prépria racionalidade. Estas sio as patolo- gias da ciéncia, néo a sua norma. Visto por esse prisma, 0 famoso relativismo de valor da antropologia nao éo pirronismo moral de que tantas vezes foi acusado, mas uma expressio da confi- anga em que tentar ver o comportamento humano em termos das forgas que 0 animam é um elemento essencial para compreendé-lo, ¢ em que julgar sem com- preender é uma ofensa & moral. Os valores sio mesmo valores, ¢ 0s fatos, infeliz- mente, s20 mesmo fatos. Mas comprometer-se com o estilo de pensamento chamado ciéncias sociais é tentar transcender a defasagem légica que os separa através um padréo de comportamento que, abarcando-os numa experiéncia uni- aria, ligue-os racionalmente. A vocagio para aplicar o “método cientifico” & in- Yestigasio dos assuntos humanos é uma vocagao para confrontar diretamente 0 divércio entre a razao eo sentimento, diagnosticada com acerto como a doenga do nosso tempo e a cuja cura John Dewey dedicou incondicionalmente todo 0 trabalho de sua vida, imperfeito como qualquer outro. 3 Anti anti-relativismo Nao hé melhor tarefa para um estudioso do que destruir um medo. © medo que eu queto destruir é 0 do relativismo cultural. Nao a coisa em si, que penso meramente existir, como a Transilvania, mas o pavor dela, que julgo infunda- do. Infundado porque as conseqiiéncias morais e intelectuais que comumente se supde decorrerem do relativismo — subjetivismo, niilismo, incoeréncia, maquiavelismo, estupidez ética, cegueira estética ¢ assim por diante — na ver- dade nfo decorrem dele, e porque as recompensas prometidas a quem escapa de suas garras, relacionadas sobretudo com um conhecimento pasteurizado, so ilusérias. Para ser mais claro, néo quero defender o relativismo, grito de guerra do passado e afinal uma palavra desgastada, mas atacar 0 anti-relativismo, que me parece estar em ampla ascensao e representar uma versio aerodinamica de um. erro antigo. © que quer que possa ser ou ter sido originalmente o relativismo cultural (e nao hd um s6 dos seus criticos que o tenha entendido bem), ele ser- ve, atualmente, sobretudo como um espectro para nos afugentar de certos mo- dos de pensar e nos encaminhar para outros. E, como os modos de pensar de que estamos sendo afastados me parecem mais convincentes do que aqueles fara os quais somos impelidos, além de estarem no cerne da heranga antropo- igica, eu gostaria de fazer algo a esse respeito. Exorcizar deménios é uma pré- tica a devemos aderir, além de estud4-la. Meu titulo no estilo através-do-espelho pretende sugerir esse esforso de objetara uma visio, em vez de defender a visio a que ela afirma opor-se. A ana- gia que tive em mente ao escolhé-lo — uma analogia légica, como creio que entendero; e nao uma analogia substantiva — foi o que, no auge da guerra fria (voces devem estar lembrados), era chamado de “anti-anticomunismo”. Aque- ¥ que se opunham ferozmente & obsessio — como a encardvamos — com 0 Perigo Vermelho eram assim denominados pelos que— como o encaravam — 1m esse Perigo como o fato primordial da vida politica da época, com a ini nuagao — absurdamente incorreta, na vasta maioria dos casos — de que, pela lei da dupla negativa, tinhamos uma simpatia secreta pela Unio Soviética, ‘Mais uma vez, pretendo usar essa analogia num sentido formal; nao penso que os relativistas sejam como os comunistas, que os anti-relativistas sejam como os anticomunistas e cteio que ninguém (bem... quase ninguém) esta se comportando como o senador McCarthy. Poderfamos estabelecer um parale= lismo semelhante com a controvérsia sobre o aborto. Aqueles de nés que nos opomos ao aumento das restrigdes legais ao aborto no somos, pelo que eu en= tendo, pré-aborto, no sentido de o considerar uma coisa maravilhosa e achar que, quanto maior o indice de abortos, maior ser4 0 bem-estar social; somos “anti-anti-pré-aborto” por razées bem diferentes, que no preciso enumeraf. Nesse contexto, a dupla negativa simplemente nao funciona da maneira usual —e nisso residem seus atrativos retéricos. Ela permite rejeitar algo sem que com isso nos comprometamos com aquilo que este algo rejeita. E é exatamente isso 0 que quero fazer com o anti-relativismo. Esta abordagem téo cartegada do assunto, que se explica e se desculpa & medida que avanga, é necessiria porque, como notou o fildsofo ¢ antropélogo John Ladd, “todas as definigées comuns do... relativismo sao formuladas por adversirios do relativismo... sio definigdes absolutistas”.’ (Ladd, cujo foco imediato é 0 famoso livro de Edward Westermarck, fala especificamente do “telativismo ético”, mas a questo é geral: sobre o “telativismo cognitivo”, pen sem na critica de Israel Scheffler a Thomas Kuhn; sobre o “relativismo estéti- co”, na critica de Wayne Booth a Stanley Fish.)"E, como Ladd também afirma, 0 resultado disso é que o relativismo, ou qualquer coisa que se pareca com ele segundo essas definig6es hostis, é identificado com o niilismo.° Sugerir que tal- ver nao existam fundamentos “s6lidos” para os juizos cognitivos, estéticos ou motais, ou, pelo menos, que sic duvidosos aqueles que nos so oferecidos, € ver-se acusado de descrer da existéncia do mundo fisico, de achar que as trivia~ lidades séo tao boas quanto a poesia, de ver Hitler apenas como um sujeito de gostos pouco convencionais, ou até, como me aconteceu recentemente, de ser acusado — com o perdio da palavra — de nao ter “nenhuma posigao politi ca”." A idéia de que alguém que nao pensa como vocé tem a visio inversa ou simplesmente nao tem nenhuma, seja qual for seu consolo para os que temem que a realidade desaparega se nao acreditarmos piamente nela, nao produzit muita clareza na discussio anti-relativista, mas apenas levou muito mais gente a gastar muito mais tempo do que parece proveitoso descrevendo longamente aquilo que nao defende. Tudo isso é relevante para a antropologia porque, naturalmente, foi atra- vés da idéia de relativismo, sumamente mal definida, que ela mais perturbou a intelectual geral. Desde nossos primérdios, mesmo quando a teoria antro- Jégica — evolucionista, difusionista ou elementargedankenisch (de idéias bé- 4s) — era tudo menos relativista, a mensagem que fomos tidos como do ao resto do mundo foi que, como as pessoas véem as coisas de jnaneita diferente eas fazem de modo diverso no Alasca ou em Entrecasteaux, { confianga em nossas préprias opinises e atitudes e nossa determinagio de fa- yer os outros partilhd-las tém uma base muito precéria. Também isso é comu- mente mal entendido. Nao foi a teoria antropolégica como tal que fez nosso ‘eampo de investigacéo parecer um argumento poderoso contra o absolutismo ho pensamento, na moral ¢ no juizo estético, mas sim os dados antropoldgicos: costumes, cranios, vestigios arqueol6gicos e Iéxicos. A idéia de que foram Boas, Benedict e Melville Herskovits, com a ajuda européia de Westermarck, que in- foctaram 0 nosso campo com o virus relativista, e de que Kroeber, Kluckhohn e Redfield, com ajuda similar de Lévi-Strauss, lutaram para nos livrar dele, nao passa de mais um mito a confundir toda essa discussio. Afinal, Montaigne pode tirar conclusdes relativistas, ou de aparéncia relativista, de ter ouvido falar que os caraibas nao usavam calcas; nao precisou ler Patterns of Culture. Mesmo antes disso, contemplando “certos indigenas da raga chamada calaciana’”, entre 8 quais dizia-se que os homens comiam os préprios pais, Herédoto chegou, como seria de esperar, a visGes semelhantes. A inclinagio relativista ou, mais exatamente, a inclinagao relativista a que ntropologia comumente induz os que lidam muito com seus materiais, est4, portanto, em certo sentido, implicica no campo antropolégico como tal, talvez particularmente na antropologia cultural, mas também em boa parte da arque- ologia, da lingiifstica antropolégica e da antropologia fisica. Nao se pode ler muito sobre a mattilinearidade nayar, o sacrificio asteca, 0 verbo hopi ou as convolug6es da transigio dos hominideos sem comegar por considerar pelo menos a possibilidade de que, para citar de novo Montaigne, “todo homem chame de barbarismo qualquer pratica que nao seja.a sua ... porque nao temos outro critério racional que nao o exemple e a idéia das opinides ¢ costumes do pais em que vivemos”.’ E improvavel que essa idéia, sejam quais forem seus problemas ¢ por mais delicadamente que se expresse, venha a se extinguir a me- nos que a antropologia desapareca. Foi a esse fato, progressivamente constatado como tal & medida que nossa iniciativa avangou e nossas descobertas se tornaram mais circunstanciadas, que reagiram, de acordo com suas sensibilidades, tanto 0s relativistas quanto os an- ti-relativistas. A percepgéo de que as informacdes de outras regides sobre 0 ca- samento fantasma, a destruigao ritual da propriedade, a felagio inicidtica, a imolacio real e o sexo despreocupado na adolescéncia davam & mente uma in- clinagao natural para ver as coisas sob um prisma do tipo “outras bestas, outros habitos” levou a discussées, alternadamente violentas, desesperadas ¢ efusivas, destinadas a nos convencer a resistir a essa inclinagao em nome da razio, ou & abragé-la com a mestna justificativa. O que parece um debate sobre as implicas ses mais amplas da pesquisa antropolégica é, na verdade, um debate sobre como viver com elas. Apreendido esse fato, ¢ sendo o “relativismo” e o “anti-relativismo” vistos ‘como respostas genéricas 4 maneira como nossa percepgao das coisas ¢ afetada pelo que Kroeber certa ver.chamou de impulso centrifugo da antropologia —« lugares distantes, épocas distances, espécies distantes.. gramaticas distantes — toda a discussio entra mais em foco. O suposto conflito entre o apelo de Bene- dict e Herskovits a tolerancia ea paixao intolerance com que eles o fizeram re= vela-se nao a simples contradi¢éo que tantos ldgicos amadores sustentaram que fosse, mas a expresso de uma percep¢ao (causada por muita reflexao sobre og Zuni ¢ os daomeanos) segundo a qual, sendo 0 mundo tao cheio de tantas coi: Sas, apressar-se a julgar é mais do que um erro, é um crime, De modo seme= Ihante, as verdades panculturais de Kroeber ¢ Klukhohn — as de Kroeber foram sobretudo acerca de confusos assuntos pessoais como o delitio ea mens- truagao, as de Kluckhohn, sobre complicados temas sociais, como a mentira ¢ © assassinato no prdprio grupo — revelaram-se nao exatamente as obsessies ar= biorérias e pessoais que tanto parecem ser, mas a expressio da preocupacio muito mais ampla (causada por muita reflexdo sobre anthropos em geral) de que, se algo nao esté alicergado em toda parte, nada pode estar alicercado em, lugar algum. Aqui, a teoria — se é assim que se devem chamar esses conselhos zelosos sobre como devemos encarar as coisas para sermos considerados decens tes — é bem mais uma troca de adverténcias do que uma discussio analitica, Oferecem-nos opgies de preocupagio. Aquilo com que os chamadlos relativistas querem que nos preocupemos é © provincianismo — o perigo de que nossa percepgo seja embotada, nosso in= telecto seja encolhido ¢ nossas simpatias sejam restringidas pelas escolhas ex- cessivamente internalizadas ¢ valorizadas de nossa prépria sociedade. Aquilo com que 0s auto-intitulados anti-relativistas querem que nos preocupemos — © nos preocupemos ao maximo, como se nossas préprias almas dependessem, disso — é com um tipo de entropia espiritual, uma espécie de morte mental por excesso de energia, no qual tudo ¢ tao importante e, portanto, tao insignifi- cante quanto todo o resto: vale tudo, a cada um o que é seu, € s6 pagar e esco- ther, sei o que eu quero, comigo nao, tout comprendre, c'est tour pardonner, Como jd sugeri, eu mesmo acho 0 provincianismo a mais real de todas as PKeocupagbes no que concerne ao que acontece no mundo (embora, mesmo af, possa haver exagero: “Voce tanto pode cair de cara no chao”, diz um dos mara. 10508 ditados de Thurber, “como se inclinar demais para tr vasto niimero de leitores de antropologia vagando por ai com uma men- Jade tio cosmopolita a ponto de nao terem opiniao sobre o que é ou nao ‘0, bom ou belo, parece-me sobretudo uma fantasia. Pode haver stas auténticos por af, na Rodeo Drive de Beverly Hills ou em Times uate, mas duvido que muitos se tenham tornado niilistas por excessiva sensi- jlidade aos apelos de outras culturas; e pelo menos a maioria das posons que {iencontro, leio ou sobre quem leio, assim como eu mesmo, ear fomprometida com uma coisa ou outta, em geral provinciana. “E aus Jnflincia que teme os deménios de brinquedo”: 0 anti-relativismo, em boa pat fe, engendrou a anguistia de que se alimenta. ‘Mas devo estar exagerando, nao é? Com certeza, os anti-relativistas, seguros de jue os chocalhos nao podem provocar trov6ese de que comer carne humana é ertado, néo podem ser tio irritaveis, certo? Ougam, entao, William a to- mancista, fildsofo, préciense observador atento dos caminhos da antropologia: Antropélogos ou nao, todos costumavamos chamé-los de “nativos” — aavel povo ilhéu, distant, selvagem e de baa estarura —e acabamos reconhecendo o esnobismo nada cientifico dessa atitude, Até nossas publicagoes mais respeitaveis podiam exibi-los nus sem ser ofensivas, porque as tetas caidas ou pontudas de suas mulheres eram tio inumanas para nds quanto os tberes de uma vaca. Logo caimos em nés e fizemo-los vestir-se. Comecamos por suspeitar de nossas pré- prias opinides, de nossas certezas, e abracamos 0 relativismo, embora ov it tuma rameira das mais miseréveis; e acabamos por endossar uma bela igualdade entre as culturas, cada qual desempenhando sua tarefa de aglutinas, a em nteragao e estruturar uma sociedade, A enorme sensagto de superioridade era uum dos fardos do homem branco, e esse peso, aliviado, foi substituide por um sentimento de culpa igualmente pesado. : MTAsim como nfo devemos eperar que um ciurgo diga “momen «jv tarde”, um antropélogo nao exclamaria, retirando-se da cultura que houvesse acabado de investigar como quem tirasse as roupas de trabalho: “Que jeito horro- ros de ive!” Porgus mesmo que os nsvos xtivesem pores cers dep ¢ feridas, ainda que tivessem sido esmagados por pés mais fortes até ficarem. oe tados, mesmo que estivessem morrendo como moscas, ainda assim 0 observador podia notar com que freqiiéncia eles riam, como era raro brigarem, ou como eram serenos. Podemos invejar nos Zuni seus modos pacificos ¢ nos Navajo seu giana como nos apaziguava descobrir que havia algum objetivo funcional nos tabus alimentares, na infibulacdo ou na clitorectomia; ¢, se ainda nos sentiamos moralmente melindrados com o sactificio humano ou a caca de cabegas, é claro que ainda estivamos espremidos num estreito ponto de vista eu- \ 52 Nova lus sobre a antropologia ropeu moderno ¢ nao tinhamos simpatia nem comprecnsio — nao podiamos compreender. No entanto, quando encontrévamos certos adolescentes de indo- lentes tribos praianas que tinham permisséo para transar sem nenhum tabu, ficé- vamos a imaginar se isso lhes permitia evitar os estresses dos nossos jovens, ¢ secretamente esperivamos que nao. Alguns antropélogos desataram 0 ponto de vista moral, to sagrado para Eliot, Arnold e Emerson, de toda e qualquer amarra (a ciéncia e a arte também flucuam na corrente do Devir), taxando de “fundamentalista” qualquer crenga no conhecimento objetivo, como se ele fosse a mesma coisa que o estiipido litera- ismo biblico, e defendendo a total mutabilidade do homem e a completa socio- ia do que, nessas circunstincias, ja no podia ser considerado conhecimento, mas apenas doxa, ou “opiniao”.‘ Essa visio acalorada do “ponto de vista antropoldgico”, que surge das bru- mas de argumentos caricaturais e mal compreendidos, para comego de conver- sa (uma das idéias de Gass é que Mary Douglas é uma espécie de cética, e a sitira de Benedict, mais sagaz que a dele, escapou-lhe inteiramente), deixa-nos com um belo fardo para carregar. Contudo, mesmo entre os antropélogos, as acusagées, embora expressas com menos originalidade, como convém a uma no sdo menos graves, O relativismo (“{P]ostura segundo a qual toda avaliagio é relativa a algum padrao, seja qual for, e os padres derivam de cul- turas”), no dizer de 1.C. Jarvie, tem as seguintes consegtiéncias censuréveis: a0 limitar a avaliagio critica das obras humanas, ele nos desarma, desumaniza e incapacita para entrarmos numa interagio comunicativa, ou seja, deixa-nos incapazes de criticar interculeura- nhum espago para a critica. Mais frente do que atrés, fazendo lembrar o espantalho € sino do lepto- so: certamente nenhum de nés, vestides e em nosso juizo perfeito, vai correr para abragar uma opiniio que nos desumaniza a ponto de nos tornar incapazes de nos comunicar com alguém. Os extremos a que pode chegar esse alerta con- tra a rameira miser4vel que pode eliminar a capacidade de critica sio indicados, para dar um tiltimo exemplo, pelo livro feroz de Paul Johnson sobre a histéria do mundo depois de 1917, Modern Times, que, comegando por um capitulo intitulado “Um mundo relativista” (a resenha do livro por Hugh Thomas, no Times Literary Supplement, foi mais adequadamente intitulada “O inferno do ivi descreve todo o desastre moderno — Lenin, Hitler, Amin, Bo- kassa, Sukarno, Mao, Nasser e Hammarskjild, o estruturalismo, 0 New Deal, © holocausto, as duas guerras mundiais, 1968, a inflagéo, o militarismo xinto- ea independéncia da India — como resultado de uma coisa cha- Anti anti-relativismo mada “a heresia relativista”."“Um grande trio de inventivos sébios alemaes Nietzsche, Marx e (com a poderosa ajuda de Frazer — nossa contribuic: cud — destruiu moralmente 0 século XIX, assim como Einstein, ao acal m © movimento absoluto, destruiu-o cognitivamente, e Joyce, ao abol rrativa absoluta, destruiu-o esteticamente: Marx descreveu um mundo no qual a dinamica central era o interesse eco: mico. Para Freud, 0 impulso principal era sexual. ... Nietzsche, 0 terceiro do t era também teu... [e] via [a morte de Deus] como ... um evento ria conseqiiéncias dramiticas, ... Entre as racas avangadas, o deel final do impulso religioso deixariam um imenso vazio. A histéria dos tempos n demos é, em grande parte, a histéria de como esse vazio [foi] preenchi Nietzsche percebeu corretamente que 0 candidato mais provavel seria o que chamou de “vontade de poder”... Em lugar da crenga religiosa haveria a id gia secular. Aqueles que outrora haviam integrado as fileiras do clero totalit tornar-se-iam politicos totalititios. ... O fim da velha ordem, com um mur desgovernado, a deriva num universo relativista, era um convite ao surgime esses gingsteres-estadistas. E eles nfo demoraram a surgir.” Depois disso, provavelmente no hé muito mais a dizer, exceto talvez 0 George Stocking, resumindo outros: “o relativismo cultural, que respaldat taque ao racialismo, [pode] ser percebido como uma espécie de neo-racial que justifica o atraso tecno-econdmico dos povos outrora colonizados”."" O ue diz Lionel Tiger, resu Wio-necessidade social ... das mo cultural que de hé muito caracteriza as ciéncias sociais que se recusaram a lar © comportamento humano nos processos biolégicos.”” Toleriir conseqtiente, intolerincia inconseqtiente; promiscuidade ideolégica, mo: ia ideolégica; hipocrisia igualitéria, simplismo igualitario — todos prov da mesma doenga. Assim como o Bem-Estar, a Midia, a Burguesia ou os Ci Dirigentes, o Relativismo Cultural causa tudo o que hé de ruim. Os antropélogos, batalhando em seu oficio e de algum modo refletindo ele, dficilmente poderiam, apesar de todo o seu peculiar provincianismo ferentes ao zumbido da inquiietasio filoséfica que se ergue por tod 6 sua volta, (Nem sequer mencionei os ferozes debates suscitados pelo polite mora, pelo aparecimento da critica Hein E 54 Nova luz sobre « antropologia gantesco circo antropoldgico, [mantendo] ruidosamente armadas todas as suas lonas” — possa acabar deixando-nos com pouco mais a dizer sendo que nos ou- tros lugares as coisas sio diferentes e que a cultura é 0 que a cultura faz." Esse medo intensificou-se tanto, na verdade, que nos conduziu por rumos sumamen- te conhecidos, na tentativa, a meu ver mal concebida, de aplacéto. Poder-se-ia alicercar essa ultima proposicio num bom ntimero de lugares do pensamento e da investigagao antropolégicos contemporaneos — desde o materialismo harrisoniano do “tudo que surge tem que convergir” até 0 evoluci- onismo popperiano do “Grande Divisor de Aguas”. (“Nés Temos a Ciéncia... oua Instrugao, ou a Competicao Intertedrica, ou a Concep¢io Cartesiana do Sa- ber... e Eles Nao.”)" Mas quero me concentrar aqui, de imediato, em dois pon- tos de importincia central, ou, pelo menos, muito populares: a tentativa de restaurar um conceito de “Natureza Humana” independente do contexto como um baluarte contra o relativismo, e a tentativa de reinstituir igualmente um con- ceito similar daquela outra velha amiga, “A Mente Humana”. De novo, € necessitio ser claro para nao ser acusado (sob a ja mencionada suposigao de que “se vocé no acredita em meu Deus, deve acreditar em meu. Deménio”) de defender posigées absurdas — um historicismo radical, que acha que a cultura é tudo, ou um empirismo primitivo, que vé 0 cérebro como um quadro-negro —, que ninguém com um minimo de seriedade defende, € que, muito possivelmente, fora um entusiasmo momentaneo aqui e ali, defen- deu. A questo nfo é se os seres humanos sao organismos biolégicos com carac- teristicas intrinsecas. Os homens nao podem voar e os pombos nao podem falar. Nem sc trata de saber se cles exibem atributos comuns de funcionamento mental onde quer que 0s encontremos. Os paptanos invejam, os aborigenes sonham. A questao ¢ como devemos entender esses fatos indiscutiveis ao expli carmos rituais, analisarmos ecossistemas, interpretamos seqiiéncias fésseis ou compararmos linguas. Esses dois movimentos para a restauracéo de concepgées nao pautadas na idéia de cultura do que consideramos o homo basico, de valor fixo, e © sapiens essen= cial, sem aditivos, adquirem formas bastante dispares, sem maior concordancia afora seu teor geral, naturalista num caso, racionalista no outro. Do lado natu= ralista esto, claro, a sociobiologia, a psicologia evolucionista e outras orienta ges hiperadaptativas, mas hd também perspectivas derivadas da psicandlise, da ecologia, da neurologia, da etologia do imprinting, de certos tipos de teoria do desenvovimento'e de algumas correntes do marxismo. Do lado racionalista es to, naturalmente, o neo-intelectualismo associado ao estruturalismo ¢ outray orientagées hiperlogicistas, mas ha também perspectivas derivadas da ling(fsti= Anti anti-relativismo ca gerativa, da psicologia experimental, da pesquisa sobre inteligéncia artifici da microssociologia do estratagema e contra-estratagema, de certos tipos de: oria do desenvolvimento de algumas correntes do marxismo. AAs tentativas bani 0 espectro do relativismo, seja escorregando da Grande Cadeia do S seja escalando-a a duras penas — a ostentagao por tras das aparéncias, a met aberta a todas as culturas — nao traduzem um empreendimento tnico, maci ¢ coordenado, mas uma mirfade desordenada de esforgos que nao se pode misturar, cada um a pressionar em diregao diferente, defendendo a prop causa. O pecado pode ser um s6, as propostas de salvagao so muitas, E por essa razao, também, que um ataque como o meu as tentativas de « ttair das investigagées biolégicas, psicolégicas, lingitisticas ou simplesmet culturais conceitos da “Natureza Humana’ e da “Mente Humana” que inc pendam do contexto nao deve ser tomado como um ataque a essas investi ges enquanto programas de pesquisa, Nao importa, em absoluto, se sociobiologia ¢ ou nao, como penso, um programa de pesquisa em degene glio, fadado a se esgotar em suas préprias confusdes, ¢ se a neurociéncia é ut investigasio em progresso (para usar os titeis ep{tetos de Imre Lakatos), na in néncia de obter resultados extraordindrios aos quais os antropélogos fari bem em atentar, com matizes variados de vereditos ambiguos, do tipo tal sim, talvez nao, sobre a gramética gerativa, a etologia, a inteligéncia artificial psicandlise, a ecologia, a microssociologia, o marxismo ¢ a psicologia do dese yolvimento." O que esté em questo nao é, ou nao é aqui, a validade das cié clas, reais ou supostas. O que me preocupa e deve preocupar-nos a todos sao machados que, com uma determinagao crescente, quase evangélica, estio s« do ativamente afiados com a ajuda delas. Como forma de penetrar em todo esse debate pelo lado naturalista, poc mos dar uma olhada numa discussao geral que é amplamente aceita— embc feja dificil entender por qué, uma vez que se compée basicamente de pronu clamentos — como uma profissio de fé equilibrada e moderada: 0 livro Be and Man, The Roots of Human Nature, de Mary Midgeley. No tom que se t Nou caracteristico desses discursos nos tiltimos anos, & moda do “antes eu ego, mas agora posso ver” que encontramos no Pilgrim's Progress, Midgel escrev Entrei pela primeira ver.nessa selva hé alguns anos, pulando o muro do drido j nho que na época era cultivado com o nome de Filosofia Moral Britini so numa tentativa de pensar a nacureza humana e o problema do mal. males do mundo, pensava, sio reais. O fato de que o sio nao é uma fantasia i posta a nés pela cultura ou criada pela nossa vontade ¢ imposta ao mundo. T suposigées no passam dle mA-fé, O que abominamos nko ¢ opeional A cult 56 Nov bez sobre a antropologia varia os detalhes, sem diivida, mas acontece que podemos criticar nossa cultura. Que modelo fobservem que’ palavraé usada no singular) usamos para isso? Qual estrutura subjacente & natureza humana deve a cultura completar e exp! Nesse emaranhado de perguntas, encontrei algumas clareiras sendo abertas por Psicélogos freudianos e junguianos, com base em prineipios que pareciam pro- missores mas nao eram muito claros para mim. Outras dreas estavam sendo ma- peadas por antropélogos, que pareciam ter algum interesse no meu problema, ‘mas se inclinavam a ... dizer que 0 que os seres humanos tinham em comum nao era afinal muito importante, que chave de todos os mistérios [estava] na cultura, Isso me pareceu simplério. ... [Por fim] cheguei a outra clareira, dessa vez uma "io das fronteiras da zoologia tradicional, feita por pessoas (Loren, Tin- bes-Eibesfeldt, Desmond Mortis] que vinham estudando a natureza de outras espécies. Elas tinham desenvolvido muitos trabalhos sobre a questio do que era essa natureza — trabalhos recentes, na linha de Darwin e até de Aristéte- les, diretamente relacionadas a problemas que jé haviam interessado a Aristoteles ‘mas que se tomnaram particularmente urgentes hoje em di Talvez possamos deixar que peresam por si mesmos os pressupostos de que essa declaragio dle consciéncia estd repleta — o pressuposto de que as fan- tasias que nos so impostas pelos jufzos culturais (os pobres nfo valem nada? os hegros sao sub-humanos? as mulheres, irracionais2) sio mal substanciadas para servir de fundamento ao mal real; o de que a cultura é 0 glact e a biologia, o bolo; de que néo temos escolha quanto ao que iremos odiat (os hippies, os pax es, os intelectuais?.. 0s relativistas?); 0 de que a diferenga é superficial, masa semelhanga, profunda; o de que Lorenz é um sujeito franco, direto, e Freud, misterioso. Apenas trocou-se um jardim por outro. A selva continua a muros € muros de distancia. Mais importante é saber que tipo de jardim é esse onde “Darwin encontra Aristételes”. Que abominagdes vio se tornar impositivas? Que fatos serio anti- naturais? Bem, as sociedades de admiragao mtitua, 0 sadismo, a ingratido, a mono- tonia ea rejeigao dos aleijados, entre outras coisas — pelo menos quando leva- dos ao excesso. Perceber isso [“que o natural nunca é apenas uma con tum certo veldessa condisao ou atividade, proporcional ao resto da vida da pes- soa"] permite superar uma dificuldade sobre conceitos como natural que fez. com que muita gente os considerasse imiteis. Além do sentido forte, que recomenda alguma coisa, eles tém um sentido fraco, que nao o faz. No se mo é natural. Isso 4 apenas que ele existe e que devemos portanto reco» nnhecé-lo. .. Mas, num sentido forte e perfeitamente correto, podemos dizer que © comportamento sidlico ¢ antinatural— no sentido de que uma politica baseada lo fraco, o sadis~ Anti anti-relativismo natural e presente durante toda a vida de uma pessoa sob a for lade organizada é, como disse [0 bispo] Butler, “inteiramente cx (0 da natureza humana”, ... Que adultos se mordam na car 3 mas que profes: nesse impul de uma a trdria A con: por consentimento miituo, é natural em todos os sent intimidem criangas pequenas para disso extrair uma satsfagao sexual nfo 0 algo de errado nessa atividade que vai além do prejuizo efetivo que ela inlige Podem-se encontrar exemplos desse erro — dessa nao naturalidade — que t envolvem outras pessoas como vitimas, a saber, o natcisismo exagerado, o su dio, a obsessividade, o incesto e as socicdades exclusivas de admiracio reciprc *, dizemos, querendo indicar que o seu centro est do lugar. Outros exemplos, que implicam a vitimagéo de terceiros, sio a agres desviada e redirecionada, a evitacéo dos deficientes, a ingratidéo, a vinganga patticidio. Todas essas coisas sio naturais no sentido de que hé impulsos conh dos para elas que fazem parte da natureza humana... Masa agressio redirecio dae outtas coisas do género podem ser corretamente chamiadas de antinatu quando pensamos na natureza em seu sentido mais pleno, nao apenas como soma de partes, mas como um todo organizado, Essas sio partes que destruir forma do todo se de algum modo Ihes for permitido controléclo. A parte o fato de legitimar um dos sofismas mais conhecidos do debate cual de hoje, afirmando a forma forte de um argumento e defendend fraca (0 sadismo é natural, desde que aa pessoa nao morda com demasiada f ga), esse malabarismo conceitual (0 natural pode ser antinatural quando pen nos na natureza “em seu sentido pleno”) revela a tese bisica de todos e argumentos fundamentados na Natureza Humana: a virtude (cognitiva, est ca, moral, tanto faz) esté para o vicio assim como a adequagio esta para a des dem, a normalidade para a anormalidade, bem-estar para a doenga. A tar orem, como a dos pulmdes ou da tiredide, é funcionar direito. Evita capacitados pode ser perigoso para a satide. Ou, como diz Stephen Salkever, cientista pol co e seguidor de Midgel re10 modelo mais desenvolvido ou andlogo para uma ciéncia social funcio bésica dos problemas enfrentados por esse sistema fisico autodirigido, e & luz uma idéia geral da satide ou estado de bom funcionamento do organismo com Nova lus sobre « antropologia Mais uma vez, podemos hoje encontrar praticamente em qualquer parte da antropologia exemplos do ressurgimento dessa mentalidade do “tudo se re- sume a” (genes, estrutura cerebral, caracteristicas da espécie, constituicio psi- co-sexual etc). Balance qualquer drvore e provavel que caia um altruista egocéntrico ou um estruturalista especializado em biogenética. Mas é melhor, creio eu, ou pelo menos nao tao dissimulado, nao ter como exemplo uma presa ficil nem um artefato autodestrutivo, Portanto, deixem-me examinar bem rapidamente os pontos de vista, em especial os mais recentes, de um de nossos etnégrafos e tedricos mais experientes ¢ influentes, além de formi- davel polemista, Melford Spiro. Poder-se-iam encontrat casos mais puros, me- nnos_matizados menos circunspectos, portanto melhores ainda para impressionar os leitores. Mas, recorrendo a Spito, pelo menos nao estamos li- dando com nenhum fenémeno marginal —como um Morris ou um Ardrey — facilmente descartavel como um entusiasta ou um divulgador, mas com uma fi- gura de destaque, que esta no centro ou quase no centro da disciplina. As mais importantes incursdes recentes de Spiro nas “profundezas” da an- tropologia do Homo — sua redescoberta do romance familiar de Freud, pri- meiro no seu préprio material sobre o kibutz ¢ depois no de Malinowski sobre os trobriandeses — so bem conhecidas e eu diria que ter’o tanto ou tio pouco poder de persuasio para os leitores quanto a teoria psicanalitica ortodoxa em geral. Mas minha preocupagio, de novo, é menos com isso do que com o an- ti-telativismo do tipo Aqui Vem o Homem Comum que ele desenvolve a par- tir dat. E, para termos uma idéia disso, serve muito bem um artigo em que ele resume seu progresso das confusdes passadas até clareza atual. Intitulado “Cul- ‘ura e natureza humana”, o artigo capta uma atitude ¢ uma postura muito mais difundidas do que sua criticada perspectiva teérica ja nada vanguardista." O texto de Spiro, como mencionei, também ¢ formulado no estilo “quando menino eu falava como crianga, mas, agora que estou grande, néo tenho essas in- fantilidades”, tao comum na literatura anti-relativista em geral. (Alids, teria sido melhor intitul4-lo tal como um outro antropélogo do sul da California — o re~ lativismo parece ser um perigo claro ¢ presente naquelas bandas — intitulou 0 relato da sua libertagao, “Confissdes de um ex-relativista cultural”,)” Spiro comega sua apologia admitindo que, quando chegou 4 antropolo- gia, no inicio dos anos 40, jé tinha sido preparado, por uma formacéo marxista ¢ por intimeros cursos de filosofia britanica, para uma visao radicalmente am- bientalista do homem, a qual prestimia uma visio da mente como tabula rasa, uma visio do comportamento sob o prisma de determinismo social, e uma vi. sao cultural relativista da... cultura. Em seguida, relata a histéria de suas gens de trabalho de campo como uma pardbola pata a nossa época, uma harrativa didética de como néo apenas veio a abandonar aquelas idéias, m. Anti anticrelativiemo 59 substitui-as por seus opostos. Em Ifaluk ele descobriu que um povo que de- monstrava pouquissima agressividade social podia, apesar disso, ser ssolado por sentimentos hostis. Em Israel descobriu que criangas “criadas no sistema totalmente comunitério e cooperativo” do kibutz e educadas para serem gen tis, amaveis e no competitivas, mesmo assim reagiam mal is tentativas de fae zé-las pantlharas coisas, mostrando-se resistentes ¢ hostis quando obrigadas a so. E na Birmania, descobriu que a ctenga na transitoriedade da existéncia sensivel, no nirvana budista e no desprendimento nao diminuia o interesse pe- las materialidades imediatas da vida cotidiana. Em suma, (minhas pesquisas de campo] convenceram-me de que muitas disposi- 56s motivacionais sio culeuralmente invariéves, assim como muitas orientagbes cognitivas. Taisdisposigoes « orientagdes invaridveis decorrem ... de constantes bioldgicas e culturais pan-humanas e incluem aquela natureza humana univer que tejctei anteriormente, junto com a opiniéo antropolégica adquirida, como mais um preconceito etnocéntrico. Resta saber se a imagem dos povos da Micronésia a0 Oriente Médio como moralistas iados, numa busca desonesta de interesses hedonisticos, ir liquidar por completo a suspeita de que um certo preconceito etnocéntico ainda est gado a visio de Spiro sobre a natureza humana universal. © que nio resta sa ber, porque ele é bem explicito quanto a isso, s20 08 tipos de idéias, produtos nocivos de um pernicioso relativismo, de que esse recurso ao funcionalismo médico destina-se a nos curar: [0] conceito de relativismo cultural... foi acionado para combater as nogbes r= cistas em geral ¢, em particular, a de uma mentalidade primitiva. .. [Mas] 0 rlae tivismo cultural também foi usado, 20 menos por alguns antropélogos, para perpetuar uma espécie de racismo as avessas. Quer dizer, foi usado como poclero= so instrumento de critica cultural, com a conseqiiente depreciagao da cultura o¢le dental e da mentalidade que ela produziu. Abragando a filosofia do primitivismo..., a imagem do homem primitivo foi usada ... como meio para conduzir utépicas investigacdes pessoais e/ou como veiculo para expressar 0 des contentamento pessoal com homem ¢ a sociedade ocidentais. As estratégias adotadas assumiram varias formas, das quais as seguintes sao bem representativas: (1) as tentativas de abolir a propriedade privada, a desigualdade ou a agressito nas sociedades ocidentais tém uma chance razoavelmente realista cle sticesso uma Ver que tal estado de coisas pode ser encontrado em muitas sociedades primitiyas. (2) mparado pelo menos a alguns primitivos, o homem ocidental é nico em mae téria de competigo, belicismo, intolerincia para com os desviantes, sexismo e sim por diante, (3) A parandia nfo é necessariamente uma coenga, porque 0 pensamento parandico ¢ institucionalizado 60 Nova luz sobre a antropologia mossexualidade nao é desviante porque os homossexuais sao focos culturais de atrago em algumas sociedades primitivas; a monogamia nio € vidvel porque a poligamia é a forma mais freqiiente de casamento nas sociedades primitivas.” Além de acrescentar mais alguns itens a lista de abominagGes nao opcio- nais, que promete ser infinita, ¢ a introdugio da idéia de “desvio”, concebido como afastamento de uma norma inerente, como uma batida cardfaca arritmi- ca, e nao como uma esquisitice estatistica como a poliandria fraterna, que constitui 0 gesto realmente crucial em meio a toda essa conversa bombéstica sobre “racismo As avessas”, “investigagGes utépicas” e “filosofia do primitivis- mo”. Pois é através dessa idéia, O Amigo do Legislador, que se faz.a transigao de Midgeley entre o natural natural (a agressio, a desigualdade) ¢ 0 natural an- tinatural (a parandia, a homossexualidade). Depois que o camelo enfia o nariz. do lado de dentro, a tenda —a rigor, todo ruidoso citco na barulheira de suas tendas — fica com um sétio problema. O tamanho do problema talvez possa ser visto com mais clareza no texto de Robert Edgerton que acompanha o de Spiro no mesmo livro: “Estudo do desvio; homem marginal ou homem comum?”” Apés um eclético e vitil balan- 0 dos estudos sobre o desvio em antropologia, psicologia e sociologia, incluin- do mais uma vez seu préprio ¢ interessante trabalho com excepcionais americanos ¢ intetsexuados africanos, também Edgerton chegou —alids, mui- to subitamente, como a lampada que se acende num desenho animado — & conclusao de que 0 necessério para tornar tal pesquisa réalmente produtiva é uma concepgio da natureza humana que independa do contexto — uma con cep¢io que veja os “potenciais de comportamento geneticamente codificados que todos temos em comum” como “subjacentes a [nossa universal] tendéncia a0 desvio”. O “instinto” de autopreservacéo do homem, seu mecanismo de luta e fuga e sua intolerincia ao tédio sio usados como exemplos; ¢, num argu- mento que em minha inocéncia eu supunha haver desaparecido da antropolo- gia, junto com o evemerismo e com a promiscuidade primitiva, sugere-se que, se tudo corre bem com a ciéncia, poderemos, com 0 tempo, ser capazes de jul= gar nao apenas individuos mas sociedades inteiras como desviantes, falhas e an- tinaturais: Mais importante ainda é a nossa incapacidade de testar qualquer proposigo $0 brea adequagio relativa de uma sociedade. Nossa tradigao relativistana antropo= logia demorou a aceitar a idéia de que pade existir a/sociedade desviant’, uma clade contratia & natureza humana... No entanto; idéia de sociedade des inte é central na tradigio da alienagio em sociologia e outros campos, ¢ consti- tui um desafio para a teoria antropolégica, Por sabermos to pouco sobre a natureza humana ,.. no podemos dizer se ¢ muito menos como uma sociedade Anti anti-relativismo 6 fracassa, ... Mesmo assim, basta passar os olhos numa reportagem de qualquer jornal urbano sobre o aumento dos indices de homicidios, suicidios, estupros € outros crimes violentos para ver que essa questo é relevante nao apenas para a teoria, mas também por questées de sobrevivéncia no mundo moderno.” Com isso completa-se 0 circulo ¢ a porta é batida com forca. © medo do relativismo espreitando em cada esquina como obsessao hipnética levou a uma ituagao em que a diversidade cultural no tempo e no espaco corresponde a uma série de expressdes, algumas sadias, outras ndo, de uma realidade subja- cente estavel — a natureza essencial do homem —, ea antropologia equivale a uma tentativa de discernir, através da bruma de tais express6es, a substincia dessa tealidade. Um conceito abrangente, esquemitico ¢ faminto de contetido, passivel de se amoldar a praticamente quialquer forma que aparesa, wilsoniana, lorenziana, freudiana, marxista, benthamiana ou aristotélica (“uma das carac- teristicas centrais da Natureza Humana”, teria dito algum génio anénimo, “é um judiciério auténomo”), torna-se a base sobre a qual vem repousar definiti- vamente a compreensio da conduta humana, do homicidio, do suicidio, do es- tupro ..., [em suma,] da depreciacéo da cultura ocidental. Alguns deuses de algumas maquinas parecem custar bem mais do que valem. Sobre essa outra conjuragio, “A Mente Humana”, erguida como cruz proteto- ra contra o Drécula relativista, posso ser um pouco mais sucinto; nos aspectos gerais, se nao no essencial, ela é praticamente a mesma coisa. H4 0 mesmo es- forgo de promover uma linguagem privilegiada da explicagao “teal” (“o voca- buldrio préprio da natureza”, como disse Richard Rorty, atacando a idéia como fantasia cientificista) e a mesma discordancia feroz. quanto a linguagem de que de fato se trata —a de Shannon, a de Saussure, a de Piaget?“ Ha a mes- ma tendéncia a vera diversidade como superficial ea universalidade como pro- funda. E ha o mesmo desejo de representar as interpretagdes pessoais no como construgSes impostas aos objetos — sociedades, culturas, linguas — no esforgo de compreendé-los um pouco, de algum modo, mas como qualidades essenci- ais desses objetos, impostas ao nosso pensamento. Ha também diferencas, é claro. Avolta da Natureza Humana como idéia feguladora foi sobretudo estimulada pelos avangos da genética e da teoria evo- lucionista, ea da Mente Humana, pelos avanos da lingiifstica, da informatica © da psicologia cognitiva. A tendéncia da primeira é ver o relativismo moral como fonte de todos os nossos males; a da segunda é jogar a culpa no relativis+! mo conceitual. E a predilecio pelos tropos ¢ imagens do discurso terapéutico (saiide e doenga, normal e anormal, fungio ¢ disfungio), de um lado, equipa- favse, de outro, & preferéncia pelo discurso epistemoldgico (conhecimento ¢ a Nova luz sobre a antropologia opiniao, fato ¢ ilusio, verdade ¢ falsidade). Mas essas diferengas pouco impor- tam contra impulso comum para andlise final: chegamos agora 4 Ciéncia, & explicagao. Amarrar as teorias numa coisa chamada Estrutura da Razio é um modo tio eficaz de isolé-las da histéria ¢ da cultura quanto inseri-las numa coi- sa chamada Constituigao do Homem. _ No que concerne a antropologia, porém, ha uma outra diferenga que mais ou menos deriva dessas ¢ que, embora também seja (desculpem a expresso) mais relativa do que radical, atua no sentido de levar as duas discuss6es para di- regdes algo divergentes e até contrétias, a saber, enquanto a orientagao da Na- tureza Humana leva a recolocar no centro da atengéo uma de nossas concepges classicas —a de “desvio social” —, a orientagio da Mente Huma- na traz de volta uma outra —a do “pensamento primitivo” (sauvage, primario, sem escrita). As angtistias anti-relativistas que se juntam em um discurso em torno dos enigmas da conduta juntam-se, no outro, em torno dos enigmas da crenga, Mais exatamente, juntam-se em torno de crengas “irracionais” (ou “misti- pré-Idgicas”, “afetivas” ou, especialmente hoje em dia, “nao cogniti- vas”). Enquanto foram préticas perturbadoras como a caca de cabecas, a escravidao, o sistema de castas ¢ a deformagao dos pés que levaram os antropé- logos a se unirem sob a grande e velha bandeira da Natureza Humana, com a impressdo de que s6 assim seria justificavel tomar uma distancia moral delas, foram concepgGes improvaveis como a da substncia da bruxaria, dos proteto- res animais, dos reis-deuses e (antecipando um exemplo ao qual voltarei num segundo) de um dragio de coragio de ouro e chifre na nuica que os levaram a se unirem sob a divisa da Mente Humana, com a impressao de que sé assim se poderia defender a adocao de um ceticismo empirico em relagao a elas. O que pteocupa tanto nao é bem como a outra metade se porta, mas — o que é real- mente bem pior — 0 que ela pensa. Ha, mais uma vez, um ntimero bem grande dessas perspectivas racion: tas ou neo-racionalistas na antropologia, com graus variéveis de pureza, forga de persuasio, coeréncia e aceitacao, nao totalmente consoantes entre si. Algu- mas invocam constancias formais, geralmente chamadas de universais cogniti- vos; algumas, constincias de desenvolvimento, geralmente chamadas de estigios cognitivos; outras, consténcias operacionais, em geral chamadas de processos cognitivos. Algumas sao estruturalistas, algumas junguianas, outras piagetianas, e outras buscam as tiltimas novidades do MIT, dos Bell Laborato- ries ou da Carnegie-Mellon. Todas estao atras de alguma coisa sdlida: a Reali- dade alcangada, a Razio salva do afogamento. O que elas tém em comum, portanto, nio é meramente um interesse no nosso funcionamento mental, Como o interesse em nossa constituigho biolé- cas’ Anti anti-relativisma gica, isso € indiscutivelmente Uma Coisa Boa, tanto em si quanto para andlise da cultura; ¢, se nem todas as descobertas do que vem sendo esperang samente chamado de “ciéncia cognitiva” revelam-se descobertas auténticas, gumas por certo 0 fardo ¢ alterarao significativamente nao s6 nosso modo ¢ pensar sobre como pensamos, mas também nosso modo de pensar sobre aqui que pensamos: O que elas tém em comum além disso, desde Claude Lé Strauss até Rodney Needham (0 que ¢ uma certa distancia), e que nao € téo i discutivelmente benéfico, é uma visio fundacionista da Mente. Isto é, uma sio da mente — assim como “Meios de Produgio”, “Estructura Social “Troca”, “Energia”, “Cultura” ou “Simbolo” em outras abordagens pragm: cas da teoria social, do tipo “essa é a esséncia da coisa” (e também, é clar como “Natureza Humana”) — como o tetmo soberano da explicacio, a h que brilha na escuridao telativista. Que este € o medo do relativismo, o anti-herdi de mil faces, que forne: boa parte do {mpeto do neo-racionalismo ¢ do neonaturalismo, e que ser como sua principal justificativa, pode ser convenientemente percebido na € celente coletinea de exortag6es anti-relativistas — somadas a uma ousada pe relativista maravilhosamente concebida para levar os outros ao desejado niv de ultraje — organizada por Martin Hollis e Steven Lukes: Rationality and R lativism.* Produto do chamado debate da racionalidade, que as histérias ¢ Evans-Pritchard, entre outras coisas, parecem ter induzido nas ciéncias socia britanicas e em boa parte da filosofia britinica (“Hi verdades absolutas que p dem ser gradualmente atingidas com o corret tempo, através de processos rac onais? Ou sero todos os modos e sistemas de pensamento igualmente valid se vistos a partir de seus quadros referenciais internamente coerentes?”), 0 liv mais ou menos cobre a drea da Razo em Perigo!” “As tentagdes do relativism iio petenes e difundidas”, comega a introdugio dos organizadores, como unt convocagao cromwelliana as barricadas. “[O] caminho florido que leva ao rel: vismo ... é pavimentado com afirmagées plausiveis.”” Os trés antropélogos da coletinea respondem com entusiasmo, todos ele esse apelo para que nos salvemos de nés mesmos. Ernest Gellner diz que fato de outras pessoas nao acreditarem no que nés, os Filhos de Galileu, acred mos sobre a maneira como se forma a realidade nao é argumento contra to de que aquilo em que acreditamos nao éa “Unica Visto Verdadeira” eco} teta.” E, especialmente uma vez que outras pessoas, até habitantes do Him: he parecem estar se convencendo dela, Gellner considera quase certo qu a seja a visio verdadeira. Robin Horton defende um “nticleo cognitivo ec mum”, uma “teoria primordial” do mundo, culturalmente universal e apen: com variagbes banais, que ¢ cheia de objetos duradouros e cle tamanho médi ter-telacionados em termos de um conceito de causalidade tipo " 64 Nova luz sobre a antropologia Anti anti-relasivismo 6 ga-desliga’, cinco dicotomias espaciais (esquerda/direita, acima/abaixo etc.), uma tricoromia temporal (antes/ao mesmo tempo/depois) e duas distingoes categ6ricas (humano/nio humano, selffoutro), cuja existéncia assegura que 0 Relativismo esté fadado a fracassar, enquanto 0 Universalismo poderd tet ste cesso um dia”,” quemas explicativos mais desenvolvidos, dos fetiches ou da genética, no fundo todos tém mais ou menos a mesma concepsao do mundo) ou de um cientifi- sismo agressivo (ha coisas que sao realmente idéias, como “atitudes propositi- vas” e “crengas representacionais”, e ha coisas que apenas parecem idéias, como “hd um dragio na estrada” e “as pessoas de culturas diferentes vivem em mun- dos diferentes”), a ressurreiggo da Mente Humana como ponto imével do mundo em rotagio desfaz.a ameaga do relativismo cultural ao desarmar a forca dda diversidade cultural. Como acontece com a “Natureza Humana”, a des- eonstrugio da alteridade ¢ 0 prego da verdade. Pode ser, mas nao é isso que su- jerem a histéria da antropologia, os materiais que cla reunit ou os ideais que a Moveram; nem tampouco so apenas os relativistas que dizem a seu piiblico 0 que ele quer ouvir. Hé alguns drag6es — “tigres em clima quente” — que me- fecem ser examinados. Mas é Dan Sperber, mais seguro de sua base racionalista (a visio computa: cional de representagdes mentais de Jerry Fodor) que qualquer desses dois e com Uma Visao Verdadeira toda dele (“nao existe essa coisa chamada fato nao literal”), que desfere o ataque mais vigoroso.””O relativismo, embora maravie Thosamente nocivo (cle torna “a etnografia... inexplicdvel e a psicologia, imen- samente dificil”), nao ¢ sequer uma posigéo indefensével: na verdade, nem sequer se qualifica como uma posigao. Suas idéias so meias idéias, suas cren« $8, semicrengas, suas proposigGes, semiproposig6es. Como o dragio de cora« ‘0 de ouro e chifre na nuca que um de seus informantes idosos do povo Do © convidou a cagar ¢ matar inocentemente, ou talvez nao téo inocentemen (desconfiado dos fatos nio literais, ele recusou 0 convite), os “lemas relativi tas”, tais como “povos de diferentes culturas vivem em mundos diferentes" nao sio, a rigor, crengas factuais. Sao representagées mal formadas e indefi das, tapa-buracos mentais que se produzem quando, menos circunspectos que os computadores, tentamos processar mais informagdes do que permi nossa capacidade conceitual intrinseca. Uteis, por vezes, para guardar o Iu até que possamos pdr em dia nossos poderes cognitivos, ocasionalmente di tidos para brincar enquanto esperamos, eaté, vex por outra, “fontes de inspi 40 no [auténtico] pensamento criativo”, eles nao sao, esses di académicos de coragéo de plistico ¢ sem chifie algum, coisa que sequer se maiores defensores tomem como verdadeiras, pois estes no compreendi nem podem compreender de fato 0 que eles significam. Sao acenos de mao ‘mais ou menos elaborados — de um tipo que, no cdmputo final, é confor ta, falsamente profundo, enganoso, “hermenéutico-psicodélico” ¢ interessel Hixaminar dragées, nao domesticé-los ou abominé-los, nem afogd-los em batris Ale teoria, étudo em que consiste a antropologia. Pelo menos, é no que consiste | #omo a entendo eu, que nao sou niilista nem subjetivista e que, como voces po- dem ver, tenho opinides bastante firmes sobre o que é real e 0 que nao é 0 que # louvavel e 0 que nao é, 0 que é sensato eo que nao é. Temos procurado, com ivesso nada desprezivel, manter o mundo em desequilibrio, puxando tapetes, Yitando mesas ¢ soltando rojaes. Tranqiiilizar ¢ tarefa de outros; a nossa é in; Wwietar. Australopitecos, Malandros, Cliques Fonéticos, Megalitos: apregoa- 0 andmalo, mascateamos 0 que é estranho, mercadores que somos dg *’ panto. Ver por outra, sem duivida, fomos longe demais nessa diregao ¢ transfor- iamos idiossincrasias em charadas, charadas em mistérios e mistérios em far- Mas essa atragao pelo que nao se enquadra e nao se conforma, pela realidade ada, ligou-nos ao tema condutor da histéria cultural dos “Tempos Mo- 198”. Pois essa histéria tem consistido numa sucess4o de campos de pensa- nto que tém que descobrit como continuar vivos sem as certezas que os ncadearam. Fato bruto, lei natural, verdade necesséria, beleza transcen- autoridade imanente, revelacao tinica, até o self aqui-dentro defrontan- @ com © mundo-é-fora, tudo isso foi submetido a um ataque to pesado hoje em dia essas coisas parecem simplicidades perdidas de um passado os drduo. Mas a ciéncia, o direito, a filosofia, a arte, a teoria politica, a reli- # teimosa insist@ncia do senso comum conseguiram continuar, apesar de ). Nio foi necessirio reviver as simplicidades. Creio que é precisamente a determinagio de néo nos agarrarmos ao que dia funcionou bem ¢ nos trouxe até onde estamos, mas que agora jé no A maior prova contra o relativismo é... a prépria atividade dos antropélogos, sso que a maior prova a favor dele [esté] nos eseritos dos antropélogos. reconstituirem os préprios passos [em suas obras], os antropélogos transfor em abismos insondiveis as fronteiras culturais rasase irregulares que nfo hat achado tao dificeis de transpor {no trabalho de campo], com isso protegendo proprio senso de identidade e dando a seu puiblico filoséfico ou leigo exatame ‘0 que ele quer ouvir." Em suma, seja na forma de um vigoroso bom senso (deixem para lia ra de visceras ou os ordculos de veneno; afinal, sempre entendemos mais menos as coisas), de ecumenism cheio de anseios (apesar das variagbes 66 Nova luz sobre a antropolegia funciona tao bem e nos leva a impasses reiterados, que faz avangar a ciéncia. Enquanto nao havia nada mais ligeiro que um maratonista, a fisica de Aristéte- les funcionou bastante bem, a despeito dos paradoxos eledticos. Enquanto os instrumentos técnicos mal podiam fazer-nos avangat um pouco e sait um pou- co do mundo dado pelos sentidos, a mecinica de Newton funcionou muito bem, a despeito das perplexidades da agio a distncia. Naofoi o relativismo — 0 Sexo, a Dialética ea Morte de Deus — que matou o moto perpétuo, 0 espago euclidiano ea causalidade universal. Foram fendmenos instaveis, feixes de on- das e saltos orbitais, diante dos quais cles ficaram impotentes. Tampouco foi 0 Relativismo — o Subjetivismo Hermenéutico-Psicodélico — que matou (se é gue eles foram mortos de fato) 0 cogito cartesiano, a visio conservadora da his- (ria e “o ponto de vista moral tao sagrado para Eliot, Arnold e Emerson”. Fo- ram fatos bizarros — contratos de casamentos de criancas, pinturas nao ilusionistas — que embaralharam as categorias. Nesse movimento de distanciamento de antigos triunfos transformados em comodismo, de grandes avangos de outrora transformados em barreiras, a antropologia desempenhou em nossa época tim papel de vanguarda. Fomos os primeiros a insistir numa série de coisas: que o mundo nao se divide entre de> votos e supersticiosos; que hé esculturas nas selvas ¢ pinturas nos desertos; que a ordem politica é possivel sem o poder centralizado, e a justiga, proba sem re- gras codificadas; que as normas da razio nio foram estabelecidas na Grécia nem a evolusao da moral se consumou na Inglaterra, Mais importante, foros os primeiros a insistir em que vemos a vida dos outros através das lentes que nés préprios polimos ¢ que os outros nos yéem através das deles, Nao é de sur- preender que isso tenha levado alguns a pensar que o céu estava desabando, que o solipsismo se apoderara de nds e que o intelecto, 0 jufzo ¢ até a simples possibilidade de comunicagao haviam desaparecido. A redefinigao de horizon- tes ea descentralizagao de perspectivas jé tiveram esse efeito antes. O cardeal Bellarmines sempre esteve entre nés; ¢, como alguém observou acerca dos poli nésios, é necessdrio um certo tipo de cabega para sair em alto-mar numa cas- quinha de canoa. Mas isso € 0 que temos feito, da melhor maneira possfvel e no nfvel maxi- mo de que somos capazes. E, a meu ver, seria uma grande léstima — agora que as distincias que estabelecemos ¢ os lugares outros que demarcamos comesam a surtir efeito, a mudar nosso sentido do sentido e nossa percepcao da percep- aio — se voltéssemos as velhas cangGes e a histérias mais antigas na esperanga de que, de algum modo, apenas o superficial precise mudar, e de que nao des- penquemos da beirada do mundo. A objecio ao anti-relativismo nao concerne a cle rejeitar uma abordagem do conhecimento do tipo “tudo depende da ma- neira como voce vé as coisas”, ou uma abordagem da moral do tipo “em Roma, Anti anti-relativiema como 0s romanos”, mas a0 fato de cle imaginar que tais abordagens sé pode ser derrotadas se a moral for posta acima da cultura eo conhecimento acima. ambas, Isso, falando de coisas que tém que set assim, jé nao é possivel. Se q séssemos verdades caseiras, deverfamos ter ficado em casa.

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