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JOANA PORTELA
Me e Revisora de Texto
Primeira lio
Na escola primria
Ivo viu a uva
e aprendeu a ler.
Ao ficar rapaz
Ivo viu a Eva
e aprendeu a amar.
E sendo homem feito
Ivo viu o mundo,
seus comes e bebes.
Um dia num muro
Ivo soletrou
a lio da plebe.
E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?
Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.
Ldo Ivo, in Estao Central
Os factos, os nmeros e as
consequncias pessoais da baixa
literacia referidos na interveno O direito a compreender
foram, para mim, to perturbantes quanto reveladores. Parece-me, contudo, que este problema
tem permanecido incgnito na
sociedade, escondido e escurecido por uma certa invisibilidade
social e meditica, a que se alia
a ignorncia envergonhada
e sem voz das pessoas menos
letradas. Esta obscuridade silenciosa em torno do problema
da iliteracia traz-me memria
uma magnfica cano de Rui Veloso/Carlos T: A gente no l.
Vale a pena escut-la, pungente,
na pronncia nortenha de Isabel
Silvestre
(www.youtube.com/
watch?v=4BHdvDYyCVA) e recordar aqui alguns versos:
Ai, Senhor das Furnas,
Que escuro vai dentro de ns
[]
E do resto entender mal
Soletrar assinar em cruz
No ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trs da luz
[]
De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solido c no fundo
Fica-se sentado soleira
A ouvir os rudos do mundo
E a entend-los nossa maneira.
A cano de 1982, mas continua dolorosamente actual para
muitos portugueses. S que agora j no tempo, no, de ficar
sentado soleira e do resto
entender mal. tempo de voltar
escola, de fazer da educao de
adultos um desgnio nacional e,
em muitos casos, uma prioridade pessoal. Que promissor seria
se, no incio do ano lectivo, em
vez de lermos nos jornais Mi-
No basta saber ler que 'Eva viu a uva'. preciso compreender qual
a posio que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir a uva e quem lucra com esse trabalho. Paulo Freire, Educao na
Cidade.