Vous êtes sur la page 1sur 104
Tendo como objetivo bésico éxpor "tao claramonl quanto possivel o pensamento sociolbgico de Max Waly, este ivro ndo apresenta, portanto, uma interpretago peasant do autor, nem discute as que foram propostas por vivo autores. Julien Freund aborda as trés premissas do Pensamento weberiano, mostradas logo no inicio do lio, que so de suma importancia para se perceber por qui sociologia de Max Weber foi um verdadeiro marco na histéria desta cisciplina. Dentre as inimeras obras existentes sobre a matirla, sem divida esta, que a Exitora Forense Universitaria tom 0 prazer de reeditar, se destaca pela fidelidade ao pensamento daquele que pode ser considerado 0 maior teérioo di sociologia, fazendo com que ela se tome indispensivel quem quer realmente conhecer 0 pensamento de Max Weber. Sociologia 08 max ue veewe iil Wl = & AIM JULIEN FREUND SOCIOLOGIA DE MAX WEBER 5* edigao UNIVERSTIARIA [RRCUUDADE Bs, Sigiems intes 80 ee 2436 WDBOBRA 5 igh brasilin/1 reimpreso 2008, Tradrida de Socilogie de Max Weber © Copyright 106, by Presses Universitaires de France Este pequeno livro pretende expor tio claramente quanto possivel 0 pensamento sociolégico de Weurr, da mesma maneira que YON SCHLTING expds seu pensamento epistemologico, e R. ARON, seu pensamento hist6rico. Nao se trata absolutamente de apresentar uma interpretacao pessoal, nem de discutir as que foram propostas por vdrios autores, quer sob forma agiogrdfica, como, por exemplo, HONIGSHEIM ou LOEWENSTEIN, ou sob’ forma mais polémica, como L. STRAUS ou L. FLEISCHMANN. Dedico esta obra 4 meméria daquele que testemunhou minhas primetras leituras weberianas, ANDRE LEVY, 0 a7rigo do meu tempo de estudante, 0 companheiro de Gergdvia, 0 ctimplice na Resisténcia, 0 camarada de prisiio, fuzilado em Songes, nas cercanias de Bordéus, a 29 de julho de 1944. [enpisuigteca CENTRAL CAN ec Resa on dion de ropa este pel 'EDITORA FORENSE UNIVERSTTANIA io de Jani: Ws Rosi 100 ~ Cena = CEP 0041002 So Paulo: Largo de Sia Francisco, 2) ~ Cento ~ CEP O1005-010 INDICE Nova .... Sodood bpdapocoecuaeoceoss CavituLo I — A Visdo do Mundo 9 1. Realidade e sistema, 9 — 2. Sociologia cienti- fica e sociologia reformadora, 13 — 3. A raciona- lizago, 18 — 4. O antagonismo dos valores, 24 — 5. A personalidade de Weber, 29. CapituLo IL — A Metodotogia sees 32 1. Método naturalista e método histérico, 32 — 2, Quantificagao e experiéncia vivida, 35 — 3. Causalidade, relagio com os valores e interpre- tago, 39 — 4. O “tipo ideal”, 47 — 5. Possibili- dade ‘objetiva © causa adequada, 55 — 6. A neu- tralidade axiolégica, 61. CAPITULO IIT — A Sociologia Compreensiva ..... 67 1. A nogio de sociologia compreensiva, 67 — 2. A compreensio, 71 — 3. A atividade social seus diversos tipos, 17 — 4. O individuo, 8 — 5. As oportunidades e as estruturas sociais, 88 = 6. A relagio social e os conceitos fundamentais da sociologia, 92. CapituLo IV — As Sociologias Especiais .... 100 1. Sociologia hist6rica e sociologia sistematica, 100 —2. A singularidade da civilizacdo ocidental, 105. TA S0cIOLOGIA ECONOMICA ..-2..0.+2 un 3. As diversas orientagdes da sociologia eco- nomica. 111 — 4. O agrupamento econdmt. co, 14 — 8. Concetes fundamentats da mia, 120°— 6. A tipologia ica; © capitalismo, 124. ologia economia; 11 ABoctotocta REts610s4 - 7. A area da Sociologia religiosa, 180 — 8.'O3 coneeitos e sua evolugio, 137 ~~ 0. Os tipos religiosos, 142 — 10. Atitudes das diversas camadas ‘sociais diante do fendmeno religio- so, 146 — 11. Protestantismo e capitalis- m6, 148 — 121A etica econsinien das wei mundiais, 153. sons TI — A Sociotocia Pouftica ............ 13. A politica e o Estado, 159 — 14. 0 presif- gio e as outras nogdes, 162 — 15. Os trés tipos de legitimidade, 166 — 16. A burocracia, 0 pa: trimonialismo "eas dificuldades do ‘cari. ma, IV — A Soctovocia Juripica sees 17. Tarefas da sociologia juridica © definica do direito, 178 — 18. Quatro distingdes, 181 Tar tgh? Mitelte itracional a0 direlto Facio- nal, 186. V — A SoctoLocta DA ARTE E DA TECNICA 20. Objeto da sociologia da arte, 193 — 21. O exemplo da musica, 196 — 22. Conside- ragdes sobre a técnica, 201. concLus40 BIBLIOGRAFIA 130 159 178 193, CAPITULO I A VISAO DO MUNDO 1. Realidade e sistema Nenhuma necessidade interna do pensamento de WEBER exige que se comece o estudo de sua sociologia por uma exposigio de suas concepgoes gerais ou filosdficas. Este pro- cesso nos parece simplesmente 0 mais cémodo para pene trar nesta obra complexa e lhe dar um aspecto de unidade que, alids, WEBER Tecusava conscientemente. Com eteito, uma das caracteristicas de seu pensamento consiste de um lado na disperséo metodoldgica, cientifica e filosdfica que acredita poder renunciar a qualquer nticleo central, e de outro no espetdculo de todos os antagonismos possiveis, irredutiveis em principio a qualquer sistema. E licito per- guntar, portanto, se ndo seria uma infidelidade a WEBER tentar conferir uma aparéncia de harmonia a essa i intencional. Parece que no, e isso por varias razoes. ‘Em primeiro lugar, a dispersio em WEBER € totalmente estranha a incoeréncia, a uma confusio dos géneros, ou mesmo ao ecletismo, Ninguém punha mais paixio do que ele em definir rigorosamente os conceitos que utilizava, em Gistinguir as diferentes ordens de problemas e os diversos niveis de uma questo. Basta considerar sua obra metodo- Jozica, para constatar a obstinagao com que ele evitava as inconseqiiéncias ldgicas, os equivacos, a auséncia de rigor no raciocinio e a imprecisio. Era tao pouco eclético que no deixou de denunciar, como uma das piores ilusdes do Sabio, a prética do comprometimento no plano das idéias. Nao Somente a solugéo ou a linha médias no se deixam 9 Justificar cientiticamente, tanto quanto uma posigi mada, mas também em’geral elas sio um ninho de equ Yocos. A objetividade depende unicamente do esforco orien. tado no sentido da maior. univocidade e justeza, capaz de perturbar, gracas a um juigamento extremo, porém perspl cez e fundamentado, os preconceitos © as opiniges mais solidamente estabelecidos. Em outras palavras, a fragmen. tagio que se constata em WeBek € 0 resultado de sua Preocupagio com a andlise rigorosa, minuciosa mesmo, que Eepera 0 ous €-losicamente incomparivel ¢ eens relagdes que se impdem por forga do estado da. pesquisa, Elo nfo era um adversério incondicional da sistematizagas de modo geral, mas considerava que no estado attal da ciéncia, exposta a incessantes corregdes, modificagdes ¢ Te viravoltas por forga do earéter indefinido da pesquisa como tal, seria impossivel edificar sistemas definitivos. Mais exa- tamente, a eficicia do trabalho cientifico pode exigir aue em dado momento ©” sabio tento sistemntint 0 coajiets Gos conhecimentos adquiridos em uma ciencia ou em Gm setor limitado de uma ciéncia, com a condiczo > salv Buardar 0 cardter hipotético de’ semethante pratica, levando em conta outras interpretacdes e sistematizacdes possiveis, com base em outras pressuposigées, e no desenvolvimento futuro da disciplina, Por ora, e enquanto # viencla estiver acabada —o que ningtiém seria capaz de prover todo sistema continua necessariamente um ponto de vista ao qual se podem opor outros pontos de vista igualmente justificavels. Segue'se daf que uma sintese de todo 0 futuro humano, ou da ciéncia em seu conjunto, ou mesmo apenas de determinada disciplina como a socioiogia, € impossivel choga ida ser-anticlenifica se: preteen, gimpnssteel validade universal e definitiva. O unico crédito que se Ihe pode dar é de ser uma antecipagdo util ou um fio condutor na pesquisa. Em suma, 0 sébio pode unir provisoriamente corte mimoto de folagtes, mas nko pode consti, ous i sdbio, uma unidade rnd ae global do saber no sentido segundo lugar, 0 pensamento de WEBER i: inconfessdveis entre os temas que parecem mais antino- micos. E com razio que os comentaristas insistem na dis. sociagio radical que ele estabelece entre 0 conhecimento € a acdo, entre a ciéncia e a politica, Todavia, seria erro ver nisso uma contradi¢ao “dilacerante” ou “desésperadora”, nio tanto pelo fato de ‘ser tal atitude estranha ao tempera. 10 mento de WEBER, mas principalmente ao espirito de sua visio do mundo.’ Ao contrério, ha uma verdadeira solida- riedade entre 0 comportamento que ele exige do sibio e 0 do homem de agéo, conquanto sejam opostos relativamente fa seu sentido. A separacdo estrita que ele acredita encontrar entre valor e fato, entre vontade e saber, tem por objeto nao somente delimitar claramente a esséncia logica de cada. uma das duas atividades, seu respectivo dominio e, por conseguinte, a natureza dos problemas que cada uma delas capaz de resolver com os meios que lhes sao préprios, mas também tornar mais frutifera sua eventual colabo- ragio, por forga mesmo de sua distinc&o, por eliminagao das confusées que séo prejudiciais a uma e a outra. B em virtude dos limites do trabalho cientifico que a acao adquire todo o seu sentido, com seu coroldrio que é a escolha entre valores cuja validade escapa & jurisdicéo da objetividade cientifica. A ciéncia ajuda o homem de acao a melhor com- preender 0 que quer e pode fazer, mas nao poderia pres. creverlhe 0 que deve querer. Nao resulta absolutamente da incompeténcia da ciéncia na esfera da escolha dos fins tiltimos, que estes sejam fiiteis e inuiteis, mas somente que pertencem ao dominio das crengas e das convicgdes, tao indispensdveis 20 homem quanto o saber positivo. Apesar de_sua antinomia, o rigor cientifico é correlato da liber- dade de escolha, ho sentido do devotamento a uma causa, sob pena de desvirtuamento no primeiro caso e paixdo estéril no segundo, Além dessa afinidade, outra existe, mais profunda, Em um sentido, a concepgio'de WEBER tem da ciéncia € comandada pela da politica; o que significa que & multiplicidade e ao antagonismo dos valores e dos fins correspondem a multiplicidade e o antagonismo dos pontos de vista sob os quais um fendmeno se deixa explicar cienti- ficamente. Apesar do rigor dos conceitos e das demonstra. ces, a ciéncia ndo estd isenta da rivalidade entre hipsteses e da competigio entre teorias, cada uma fundamentando-se em certo mimero de fatos fidedignos e constatdveis, por vezes muito bem escolhidos para as necessidades da causa, com excluséo de outros fatos igualmente bem estabelecidos. Em outras palavras, sua teoria da ciéncia esté impregnada de sua teoria da acdo, salvo que a primeira tenta vencer as contradig6es da qual @ segunda se alimenta. Aqu! chegamos ao cerne do problema que, como RICKERT, WEBER denomina ‘a “relagéo com os valores”. Voltaremos’ ao assunto, pois nao eabe agora entrarmos em todos os detalhes das cor- respondéncias do pensamento weberlano. Nos os descobri- i temos com a continuagio de nosso comentario critico, purticularmente a propésito das relagdes metodolégicas thire 0 “tipo ideal” e as categorias de possibilidade obje- tiva ede causalidade adequada. E finalmente, conquanto WeseR tenha sempre evitado reduzir suas interrogacdes e suas explicagdes a um micleo central ou principio unico, parte entretanto de uma intul sao originaria e fundamental, a da infinidade extensiva e intensiva da realidade empirica. Isto signifiea primeiro que @ realidade 6 incomensurdvel a0 poder de nosso entendi- mento, de maneira que este nunca cessou de explorar os acontecimentos e suas variagdes no espago e no tempo, ou de agir sobre eles; em seguida, que ¢ impossivel des. crever integralmente até mesmo a ‘menor parcela do real, ou levar em conta todos os dados, todos os elementos © todas as conseqiiéncias no momento de agir. O conhect- mento e a acdo nunca se realizaram definitivamente, pois todo conhecimento requer outros conheclmentos, e' toda ac&o, outras agdes. Nenhuma ciéncia particular, nem tam- pouco 0 conjunto das ciéncias, tem condigdes para satis. fazer nosso saber, porque o entendimento nao é capaz de reproruzir ou de’ copiar o real, mas unicamente de ela- boré-lo por forca dos conceitos. Entre o real e 0 conceito, a distancia é infinita. No podemos, pois, chegar a conhecer Sendo fragmentos, jamais 0 todo, pois 0 todo é ele proprio uma espécie de singularidade que desafia a soma de todas as singularidades concebiveis. Até 0 nosso saber adquirido, seja ele o mais s6lido aparentemente, se deixa questionar: quando um sabio 0 encara de um ponto de vista novo € inédito, Seja qual for 0 método adotado, tudo o que & possivel € ordenar relativamente o real, munca esgoté-lo. Para esse fim pode-se utilizar 0 método generalizante cujo objetivo é 0 estabelecimento de leis gerais por reducio das diferencas qualitativas a quantidades mensuraveis com precisio. Esta pratica despoja a realidade da riqueza do singular, cons. truindo conceitos cujo contetido empobrece & medida que sua validade geral se torna maior. O outro método, que se pode denominar individualizante, se atém aos aspectos sin: gulares e qualitativos dos fenémenos. Todavia, desde 0 mo: mento que pretenda chegar a um conhecimento, também nio poderd dispensar conceitos, mesmo que sejam mais ricos de contetido do que os precedentes. Desde que se trate de conceitos, sio eles incapazes de reproduzir o real integralmente. Por conseguinte, a adi¢o dos resultados de hk uum e outro meétodo permanecerd inevitavelmente aqu da plenitude da realidade, porque, seja como for, nao podem sendo fornecer-nos aspectos do mundo empirico. Por este motivo, WEBER se opde incisivamente a todos os sistemas, sejam ‘eles classificadores, dialéticos ou outros, os quais, depois de construirem uma tela de conceitos’ tao densa quanto possivel, acreditam estar em condicdes de dai extrair realidade. Tais filosofias que ele chama “emanatistas” sao, sob todos os pontos de vista, simulacros, 2. Sociologia cientifica ¢ sociologia reformadora Estes pontos de vista de WEBER sfo de importancia capital para se compreender em que sentido sua sociologia fol um verdadeiro marco na historia desta disciplina; ela vaise tornar uma ciéncia positiva e empirica na_pratica. Malgrado todos os protestos de fidelidade ao espirito cien. tifico e as especulagdes sobre a possibilidade de aplicar 20 estudo da sociedade os processos comuns do meétodo cienti fico (observacao, experimentagio, indugao levando ao esta- belecimento de leis, quantificagéo e comparacao) as diversas sociologias do século XIX foram muito mais doutrindrias do que realmente cientificas. Tanto em Comte como em MARX ou SPENCER, por exemplo, a sintese romantica preva. lecia sobre a anilise modesta, precisa e prudente. Para todos aqueles pensadores, era natural que ciéncia e filosofia da histéria concordassem intimamente, uma constituindo © prolongamento necessério da outra. Deixamos de lado a questi de saber até que ponto a idéia que eles tinham da ciéncia era correta ou nao. O que nos parece essencial, aqui, 6 que todos partiam de uma idéia da sociedade, da cultura ou da civilizacao entendidas como um todo, quer no sentido do espirito objetivo de HecEL, quer no do mate- rialismo dialético de Marx, quer no da humanidade de Comte. Em outras palavras ‘pressupunham todos uma uni- dade @ priori da historia passada e futura, de maneira que no haveria nenhuma dificuldade de ler 0 pretenso sentido Yinico e global do futuro. Evoluindo o desenvolvimento historico por fases, no sentido em que uma seria a razio necessiria da seguinte, 0 individuo se vé na contingéncia de suportar a racionalidade imanente e progressiva do devir até 2 fase do pleno desabrochar final. Nenhuma necessi- dade, portanto, havia absolutamente de analisar de perto as estruturas verdadelras das sociedades particulares, ou 13 ‘@ seu favor um saber enciclopédico, que nfo se viu mais em nenhum outro socidlogo. O leitor de sua obra sente-se a0 mesmo tempo perplexo e satisfeito ao constatar a facili- dade com que domina uma erudigio téo competente na histdria, na economia e no direito de todos os pafses, quanto ‘nas sutilezas das diversas religiées da China, da fndia, da Europa ou da Africa, ou ainda na formagéo do espirito cientifico e na evolucao das artes. Esta imensa documentagéo dificulta por certo 0 raciocinio; mas a0 Tesmo tempo, as comparagées uteis que ela Ihe permitia fazer o mantinham afastado das generdlizacdes apressadas prematuras, Nao que WEBER tenha sido sistematicamente contrério & sintese; ele the atribuia um valor incontestavel, como processo do pensamento, na elaboragio da significa ‘a0 limitada de um fendmeno determinado, mas era hostil As vastas construgdes que, sob o pretexto de racionalizar as previsées, se perdem em um conjunto de profecias de card: ter divinatorio. Conhecia bem demais as surpresas, os disfarces e as reviravoltas da Historia para misturar com a andlise rigo- Tosa os entusiasmos ou os pesares relatives ao socialismo futuro ou ao futuro do capitalismo, A sociologia deve ser fiel apenas aos postulados que fazem dela a ciéncia que 6, € no a convicedes que Ihe sao estranhas, sejam elas morais, Teligiosas, politicas ou estéticas. Sobretudo, seu papel é argumentar cientificamente sobre problemas propriamente sociolégicos, e nfo confirmar ou refutar uma doutrina filos6fica. Ela no precisa ser marxista ou naturalista, espi- Titualista ou materialista, mas sim unicamente uma verda- deira ciéncia. Nao hé diivida de que se podem encontrar erros e falhas na obra de WEBER, mas trata-se de erros de sébio. Devem-se, por exemplo,’a lacunas na informa go ou a debilidades na interpretagio critica, pois as com- paragoes uteis nfo foram feitas; permanecem, contudo, sempre controlveis. Evidentemente, o trabalho’ do socié- logo, assim compreendido, nao tem nada: de grandioso: ‘WEBER foi o primeiro a réconhecer o que existe de para- doxal e acabrunhante na paixio do sébio: “Todo ser que 6 ineapaz, por assim dizer, de colocar anto- thos @ de se limitar A idéia “de que’ o. desting de sua alma depende da ‘necessidade de fazer tal conjectura, © precisamente aquela, a determinada altura de determinado ‘manuserito, me- Thor "toriaabstendowse "simplesmente "do. trabalho cleific, sentir em si mesmo. que se pode chamar a “expe- Héncia vivide” da ciéncia, Sem esta singular embriogues, “de 16 ‘que zombam todos os que permanecem estranhos A ciéncia, fem esta paixlo, sem esta certeza... de saber sc és capar de fazer aquela conjectura, nunea possuirds a vocagio do. adbio€ seria melhor que tomasseis outro caminho”.* Se 6 licito falar de um progresso justificado pela cien- la, € aquele progresso de um conheciniento destinado a ser ulttapassado. O trabatho de um socidlogo candidato ao titulo de sébio « essencialmente critico; consiste de uma anilise e de uma Interpretacao controlavel. Esta critica, todavia, é constru- liva, nao no sentido de permitir a elaboracio de uma dou- trina filos6fica, mas no da constituiglo da ciéncia socio- logica que, como todas as outras disciplinas, precisa, para poder progredir, de documentos sélidos, de relagoes verifi- cadas @ de conéeitos claros e precisos. O fato de poderem os resultados do trabalho sociolégico ser utilizados para fins praticos de ordem politica, econdmica ou técnica nao tem influéncia sobre sua validade l6gica; sio cientificamen- te validos porque so verdadeiros ou aproximadamente exatos e nfo porque podem igualmente servir a designios estranhos ciéncia. Tanto quanto a fisica, a sociologia nio tem por fim perscrutar 0 sentido ultimo do futuro mundial, Apresenta-sehe, entretanto, um problema de significado, pelo fato de serem as atividades humanas, as instituigdes © os agrupamentos, de natureza teleoldgica, pois se desen- volvem ou se estabelecem em vista de um fim. B claro que fugiriam a0 seu objetivo se omitissem esas questdes. Entretanto, s6 existe uma forma de encarélas cientifica mente: aterse a0 significado especifico e particular de tal atividade ou de tal instituicao no contexto de seu fim e seus meios proprios, e reconhecer que uma mesma instituicio, por exemplo, pode variar com 0 tempo e, por conseguinte, também seu significado que, de uma geragdo para outra, pode mesmo vir a ser contraditdrio, ou passar por digno de consideragio aos olhos de um grupo e absurda aos de outro. Eisnos dante do problema weberiano da relagao ym Os valores, que veremos com maior profundidade mais tarde, Digamos rapidamente em que consiste. As atividades politica e econdmica, por exemplo, tem para o homem um significado geral, que’ depende de seu fim Tespectivo. Independentemente deste significado, que pode ser determinado racionalmente, um socialista e um capita. "Max Ween, Le savant ot le politique, Paris, Plon, 1958, ph. 7 7 lista hao de Ihe dar outro sentido; da mesma forma que © Estado moderno tem um significado diferente da cidade grega, Este ultimo género de significados s0 se deixa carac- terizar cientificamente pela relacao com os valores, também’ ela_varisivel. Quando, pois, estudamos histérica ou socio- Jogicamente a cidade grega, s6 se pode determinar o sen- tido que cla possuia para oS homens daquela época relacio- nandoa com os valores que eles consideravam essenciais. Mas nds, historiadores e socidlogos do século XX, podemos encontrar nessa instituicao outro significado, relacionando-a com os valores que so os nossos, ou estudar o que Ihe atri- buiam escritores politicos do século XVI, relacionando-a com os valores destes, O essencial ¢ que no momento em que julgamos o significado da cidade grega, precisemos sempre com asoluta clareza a que ordem de valores nos referimos, senéo nos arriscaremos a cair numa confusio prejudicial ao trabalho cientifico pelo fato de termos talvez atribuido nossa escala de valores aos gregos, ou inversa- mente, ou por termos embaralhado indistintamente todas estas Séries de valores. Estas diversas relacdes com os va: Iores sio igualmente legitimas, com a condicao de distin guilos cuidadosamente, sob pena de fazer nosso trabalho perder todo interesse cientifico. Com efeito, todos os racio- cinios falaciosos, especiais e sofisticos, tem por origem esta confusio. Quando o historiador e o socidlogo estudam um fendmeno qualquer, o Estado, a burocracia, a lei, a classe social ou 0 partido’ politico, no executam verdadeiramente um trabatho de sfbio, a ndo ser que se limitem a extrair © significado de cada um desses fendmenos e indiquem os valores aos quais se referem. Certamente, ninguém pode proibilos de procurar um significado mais geral, uma re- lacéo com um sentido presumido do futuro mundial com base em um sistema de valores definido, mas entéo deixam de ser sbios para se tornarem fildsofos ou profetas. 3. A racionalizacdo ___ WEBER limitou-se 0 mais estritamente possivel a esta linha de conduta em seus trabalhos de sociologia e perante seus alunos, No eram palavras vas ou afirmacao de uma simples convicgio, mas sim a expresséo da disciplina que ele se impunha pessoalmente, quando declarava que em sua cdtedra o professor deve evitar toda tomada de posicao avaliativa e lmitar-se unicamente aos problemas de sua 18 sspecialidade, enquanto pode bancar 0 demagogo e€ 0 pro- fela na Tua, nas revistas e jornais, enfim, por onde quer que a livre’ discussao e a critica publica ‘sejam possivels. ‘A sobriedade de seu ensino so encontrava paralelo na jmixdo com que defendia suas posigdes pessoais em puiblico. Vale dizer que ele era também partiddrio de uma visao do nmndo cujo essencial se acha exposto em suas célebres tonferéncias A funedo e a vocacdo do sdbio e A funcdo ¢ a nacaeao do Romem politico. Nao se percebe afinidades com os autores das grandes sinteses do século XIX, salvo, talvez, tom FIewTB, 20 passo que muito se aproxima de espiritos como BEAUDELAIRE, SHOPENHAUER, NIETZSTHE, DOSTOIEVSKY « BURCKHARDT, O conceito dominante dessa visio nos pa: rece ser o da racionalizagdo. Que entendia ele por isso? ‘Nao deve ser confundida de maneira alguma com a pre- tensa racionalidade imanente a Historia, que arrastaria © devir humano em um movimento de progresso universal, tujo desfecho seria uma espécie de epifania da razio enten- dida como desabrochar da verdadeira justica, da verdadeira Virtude, da igualdade, da paz etc. A racionelizacio, como ele h compreende, que ele por vezes associava & nogao de inte: Ieetualizagao, € 0 resultado da especializacao clentifica e da diferenciagao técnica peculiar & civilizagio ocidental.-Con- siste na organizacéo da vida, por diviséo e coordenagio das diversas atividades, com base em um estudo preciso das relagdes entre os homens, com seus instrumentos ¢ seu meio, com vistas & maior eficdcia e rendimento. Tratase, pois, de um puro desenvolvimento pratico operado pelo ‘no téenico do homem. WEBER caracteriza ainda esta Fucionalizagéo como uma sublimagao, quer dizer como um refinamento engenhoso da conduta da vida e um dominio erescente do mundo exterior. Veremos mais adiante; ele nnalisard a evolugio em todos os dominios essenciais da vida humana, o da religiio, do direito, da arte, da ciéneia, n politica ¢ da economia, esforcando-se, enttetanto, por permanecer sempre nos limites do que ¢ objetivamente Constatdvel, desde que a andlise aspire a uma validade Clentifica, & apenas nas duas conferéncias que acabamos de citar, e em seu artigo sobre a Neutralidade atioldgica que ele ‘tomara a liberdade de dar um tom pessoal & sua concepedo de racionalizacao, indicando as implicagbes filo- Néficas ¢ metafisicas que acredita descobrir nela. Pelo proprio fato de Weser fazer da racionalizacko um fendmeno essencialmente peculiar & civilizagio ocidental, 6 claro que essa nogao nada tem de um poder metafisico 19 que arraste necessariamente o futuro mundial em um sen- tido determinado, e na direcéo de uma meta final que se ossa prever teoricamente. Ao contrario, ela é obra contin. gente de um certo tipo de homens que podem eventual mente transmiti-la ao resto da Humanidade. Mais exata- mente, ela caracteriza 0 sentido que esses homens deram @ suas atividades, nao o fim inelutdvel do desenvolvimento do mundo, anunciado pelas filosofias “emanatistas” da His. toria. A civilizagio dos incas ou dos astecas nao continha em germe as imensas possibilidades da civilizacdo ocidental. Weser faz também do dominio técnico uma das caracter! ticas essenciais desta tltima civilizagéo, recusando-se a0 mesmo tempo a reduzir a ela o conjunto da cultura que ela fez nascer. Conquanto sendo um dos socidlogos que mais insistiram na importancia da técnica, rejeitou 0 “desvio' tecnolégico de Marx? Com efeito, nio é possivel, a seu ver, vincular to estreitamente assim este ultimo ‘sistema econémico com o desenvolvimento técnico (moinho a brago @ feudalismo, ‘moinho a vapor e capitalismo), sem calr no “emanatismo”. O que a reflexao sobre a técnica nos ensina 6 0 respeito 20 genio criador dos individuos que conse. guem, gragas a invengGes muitas vezes surpreendentes, transformar as condigdes materiais da existéncia de uma coletividade. Longe de ser uma época a continuacéo inelu- tavel da precedente, € preciso saber captar a originalidade de cada ‘uma delas, como de cada civillzacéo: todas si0 obras-primas. Em outras palavras, a possibilidade de esia- belecer entre elas relagdes de ‘conseqliéncia nao deve fazer-nos negligenciar, por um lado, sua singularidade e, Por outro, O papel criador dos individuos que, por sua contribuicao pessoal, ajudaram a Ihes dar uma contigura- cao prépria ¢ particular. A racionalizagio crescente esté longe de representar um progresso no ‘sentido corrente do termo, e até mesmo de ser razodvel. Conquanto tenha por fundamento a técnica cientifica, niio se pode dizer que constitua um progresso do saber no sentido de um melhor conhecimento de nossas condicges de vida. Que sabe, por exemplo, o usuario de uma mdquina eletronica dos teoremas e das leis cientificas que séo a base de sua construcéo? Tomemos mesmo exem- plos mais simples que sio os de WEBER. Quem utiliza um fer a intervengio de Weare no toma Téenica ¢ Cultura, por ‘peasido do 1 Congress da Sociedade Alema de Sociologia em 1910, em Geoommelte Aufaitzs sur Sosiologie und Sobiaipolitik, pigs, 449-408, 20 honde ou um elevador pouco sabe dos princfpios que coa- dicionam © funcionamento desses instrumentos, e tampouco subem 0 motorneiro e 0 ascensorista, Que sabemos nds mente das propriedades do uso da moeda, se os pré: prios espectalistas da economia financeira nao chegam a um wordo nesse terreno? O consumidor compra na mercearia uma quantidade de produtos sem saber quais as matérias- primas que entraram em sua fabricacdo. Entretanto, 0 “pri mitive” na selva sabe mnito mais sobre suas condicées de wt, Sobre as ferramentas que utiliza e sobre os produtos ".. que se alimenta, “A intetectuatiagio © a racionalizagio ereseentes nio_ sige nificam, “pois, absslutamente um conhcimento. jeeral creseente as condigoes’ em ale Vivemon.. Antes signifies que. sabemos, 0 acraditamos, que ‘a eada instante poderemos, eo. quisermos, Drovar que’ nao existe em principio nenhum poder ‘misterivso Imprevisivet “que interfira no curso da vidas podemos dominar todas as coisas pola previsio” em suma, que Seria erro maior ainda acreditar que a racionalizagio facultaria a razio no sentido nao somente das luzes, mas lumbém no de um progresso moral individual ou coletivo, Com efeito, ela tem a ver com a organizacio social exterior © nao com a vida intima e racional do homem. Ha pelo menos tanto de razio na tradicio, quanto no ‘progresso léenico, mesmo no que concerne & previsiio. No seio de um sistema tradicional uma geracao sabe como se comportard mais ou menos a seguinte; por conseguinte, ela possul \ falta da verdade cientifica, 0 consolo de ‘ma cortez: Wenrr teria podido citar a propésito PascaL, que consid rava muito razoavel aceitar que o primogénito da. reinha sicedesse no trono ao rei, porque tal processo permite climinar as contestacdes vaidosas relativas & maior habili- dade ou & maior virtude. Teria podido igualmente pergun- tara si mesmo se a racionalizacio crescente tornou os homens mais paeificos, mais morais, mais conscienciosos, mais tolerantes. Por acaso um eriminoso que se organizasse racionalmente seria eventualmente menos culpado do que uum assassino em um sistema tradicional? Inversamente, Sicrarrs seria um filésofo de menor envergadura do que um THsske, ou um Sarre? Mas WrrER prefere citar ‘Torstor para ir mais diretamente ao Amago do problema © dar A sua pergunta a maior profundidade possivel. Ax Weoen, Le savant et le politique, pig. 18. 2n A racionalizagdo pretende ser eudemonista. Na realidade, sob a aparéncia de um otimismo que no conhece mais limites, ela no passa, talvez, de um pessimismo que orga- niza 0 desespero. E verdade ‘que ela vem a ser a alavanca da felicidade? ABkAKo morreu saciado de vida, porque pode gozar de tudo 0 que a existéncia podia oferecer ihe. Nao tinha mais nada a esperar nesta terra, O homem raciona- izado sabe que vive no provisério, no incerto; sofre, por que a felicidade € para amanhd, ou para depois’ de amanha, © porque se eneontra situado em um movimento que nao cessa de maravilhélo e de decepeioné-lo com novus pro- messas. A racionalizagio tem, pois, um cardter utopista: deixa acreditar que a felicidade € para os filhos, para os netos, ¢ assim por diante. E por que 0 horem de hoje nio deve desfrutdéla? Por forca de que injustiga? Assim, a seducio das condigdes exteriores, sempre tio distantes, porém cada vex mais desejaveis, 0 langa presentemente na desgraca. A felicidade adiada sempre o impede de se satis- fazer com 0 que Ihe € oferecido. Por que morrer? Que significa a morte? Nao vem a ser mais do que o obstdculo que impede 0 homem de provar a felicidade: um absurdo, ¥ quando a morte nao tem mais sentido, a vida também nao tem mais. Assim, a racionalizagio ¢ a intelectualizagao crescentes transformam a dialética do interior e do exterior na de um vazio real e de uma plenitude iluséria, Todos os significados desabam e nada mais resta além do arbitrario das aparéncias. progresso é inegavel, porém nfo existe em toda parte. © problema ¢, pois, situé-lo ¢ definir sua natureza, de vex que em si mesma a’ racionalizagdio ainda nio é um ‘sinal de progresso, Wei 0 demonstrou a propdsito da musica em seu optisculo dedicado aos Fundamentos racionais ¢ socio: logicos da misica. Tomemos 0 exemplo da pintura: os qua- dros dos primitivos, que ignoravam a perspectiva, nao sio menos belos do que os dos artistas da Renascenea ou de outras épocas. Uma obra de arte é “acabada”; nao poderia ser ultrapassada ou melhorada, néio poderia envelhecer. Em politica, os cidadios dos” nos sistemas moder- nos, mas néo participam mais do que antigamente nas decisées, sem levar em conta que o poder e a luta continuam a comandar esta atividade. Em economia, gracas a mola técnica industrial, as necessidades até entao primarias se saluram mais facilmente, porém outras necessidades até entio sccundarias assumem caréter de urgéncia. Conhece mos melhor, gragas & psicologia, & psicofisica e A psicanaly 22 no, certos fendmenos como as sensagées, ou as motivagbes {low xentimentos e das paixdes, porém o amor nao se tornow mus amor, nem o citime se tornou menos citime. Acha-se uwealmente que os mormons sao mais bem adaptados do tie os indios, que viviam antes deles, as condicdes de vida tm tomo do’ lago Salgado, gracas a tudo o que para ld jovuram, Tal julgamento 6 apenas uma aprcciagio subje- liv, pois 0 progresso técnico pode-nos fazer ter saudade «lu vida a0 ar livre, do encanto da solidao e do repouso no niléneio. O progresso tem um sentido no dominio da ciéncia © da técnica sempre que 0 actmulo do saber condiciona a possibilidade de novos conhecimentos e sempre que a nabi- Iidade técnica de certos construtores permite, por exemplo, resolver 0 problema da curvatura de certos espagos e dar nuscimento ao estilo gético. Nao se poderia, entretanto, dizer que 0 gético constitui um progresso em relacdo a0 romantico. Em suma, 0 progresso existe em todas as ordens «jue obedecem a lei do quantitativo; praticamente nao tem nentido na esfera do puro qualitativo. ‘A racionalizagiio e a intelectualizagio crescentes tém, entretanto, uma conseqtiéncia decisiva, sobre a qual WEBER Insiste com veeméncia; elas desencantaram 0 mundo. Com ‘os progressos da ciéncia e da técnica, 0 homem deixou de nereditar nos poderes migicos, nos espiritos e nos demd- nios: perdeu o sentido profético e, sobretudo o do sagrado. © real se tornou aborrecido, cansativo e utilitério, deixando nas almas um grande vazio que elas tentam preencher com tv agitagao e com toda espécie de artificios e de sucedaneos. Entregues ao relativismo precério, a0 provisdrio e a0 ceti- smo tedioso, oS seres tentam mobiliar sua alma com uma confuséo de religiosidade, estetismo, moralismo e cienticis- mo, enfim, com uma espécie de filosofia pluralista que acolhe indistintamente as méximas mais heterdclitas de todos os cantos do mundo. A mistica se torna mistificaga a comunidade, comunitarismo, e a vida se reduz a um: seqiiéncia de ‘experiéncias vividas. Pede-se aos université tios e aos intelectuais que apresentem mensagens, enquan- to, por forca das coisas, eles estdo confinados ‘em uma ‘especialidade. Envaidecidds de seu papel, eles substituem © sopro profético por um charlatanismo que apregoa falsas devocdes. "A racionalizaciéo e a intelectualizacio despojaram 0 mundo de um encanto que se procura substituir pela énfase do militantismo, Diante dessa situacéo, Werner vé apenas duas solugdes: voltar & quictude das’ velhas igrejas ou 23. enfrentar 0 destino com virilidade, consistindo esta, na maioria das veres, na coragem frente & modesta tarefa de todos os dias. No fundo, a posicio de WERER ¢ a do individualista que hesita entre as duas versdes da atividade: prometeana e epimeteana. 4, 0 antagonismo dos vatores Apesar de sua progressio em superficie, por todos os dominios da atividade humana, a racionalizacio e a inte- lectualizacao néo conseguem solapar o império do irracional. Ao contrario, com a racionalizaeio erescente, o irracional se reforea em intensidade. Ai esté uma idéia mestra que, embora WEBER nao tenha manifestado em nenhuma ocasiao com nitidez, domina toda a sua filosofia. A que se refere a racionalizacdo? Gracas & previsio que a ciéncia e a técnica asseguram por meio do célculo das probabilidades, 0 ho- mem _consegue unicamente racionalizar as relagdes exterio- res. Isso quer dizer, como WEBER 0 explica no fim de seu Ensaio sobre algumas categorias da sociologia compreen: siva, que se trata essencialmente das relacées entre prodt- tos artificiais, criados pelo proprio homem, que ele pode dominar, controlar e nos quais pode confiar, de vez que esté em condices de avaliar seu alcance e seus efeitos. ¥ nesse plano que a conduta racional por finalidade adquire todo o seu sentido: 6 ela a mais facilmente comoreensivel, Poraue tem por base a avaliardo técnica da relacio entre © fim e os meios mais adequados. O fato de ser ela a mais compreensivel no auer dizer, entretanto, que seia a mais frectiente, embora WeneR tivesse deseiado aue se tornasse. Todavia, seu sentimento profundo, aue ele mani- festa em varias ‘onortunidades tanto no estdo sobre a Obietividade do conhecimento como em A funcdo ea voca- eGo do homem politico, 6 de que a vida e 0 mundo séo fundamentalmente irracionais. Como se deve entender a irracionalidade? WenER reieita, categoricamente a idéia de que a liberdade hymana teria por fundamento o irracional ou que ela o introduziria no mundo, "0 que existe de, errineo na suposicdio que faz crer que a “‘iberdade do querer”, pouco importando como seja entendida, seria idéntiea ‘A “irracionalidade” da atividude, ‘ou entio. que festa, dltima seria doterminada pela primeira, ‘alta sos olhas. 24 A cpmcide pete ae armae toe prvi em So race, peclngo So Nu Com ea it Sen toe cm, bare, aed, et Se ee et at se ha ace be a Foren ee ee ee a eae ee a nee gpa es ea ar calc ieee Ce are eae Tonoes een ee aaa aa cpio do aoe, sre ws Tacs mt aE a eee eae capo, mo cum Savin some ratonaonde, ees ser aos snfroniag vlores mato @ fine sit ae ee alae acta mos aoe Pes, mca, ees mete natonde, Bem o gun gosrany 0 Morante © Dat 2 Fe ee eee el ane are ee bi, os urea, coca cee Pe 2° oe sepia enters rote ee ash emcee aera achat Bain ices do cruaonioe doy sores eat ea oe lamenia inti Sadana an Tea © desea do mumee, pala recionain, peta clnis dace ate sien, uo aoe fob oie de ee a ae cian 1968, TM Wengp, “Estudos crticon para, servrem 2 Trica cian dg ure om Bevaie sur te there de fa eeenee, Ba pe. is 25 Com efeito, assim como antigamente ofereciam-se em gran- de quantidade sacrificios a Afrodite, a Apolo e aos deuses da cidade, tentamos agora servir & paz, a justica, a0 amor, & verdade, @ igualdade; entretanto, se escolhermos um desses valores, mesmo temporariamente, arriscamo-nos a ferir ¢ irritar os outros. Descobrimos aqui a razio profunda da hostilidade de WeBER contra os fildsofos unitérios da Histéria, que esperam reconciliar definitivamente todos os valores e fins em uma tltima etapa do devir. Na realidade, esta unificacdo final repousa muitissimas vezes na exclusio de certos valores, como a politica e a religiio, por isso mesmo conservando as razes do antagonismo. Gertamente € possivel encontrar em determinadas circunstancias com- promissos entre todos esses fins, mas tal acordo perma- nece provisrio e a qualquer momento pode rompersse, malgrado 0s imperativos da oportunidade ou os votos da prudéncia. © antagonismo dos valores é simplesmente insu- perdvel. E mais ainda, pode ser encontrado em todos os niveis da atividade humana. £ imitil querer atribuir definitiva- mente orientagées tio fundamentais quanto a economia, a politica, a moral, a arte, a religiao e a ciéncia, pois nao existe nenhuma harmonia necessdria entre 0 poder, a ne- cessidade, 0 interesse, a pureza e 0 conhecimento. Isso depende no somente’ da diversidade dos temperamentos e dos gostos, como também da propria escolha que € por esséncia geradora de conflito. Definir uma posigao opor-se. Por outro lado, o conflito pode surgir no interior de uma mesma atividade, por exemplo, no selo de uma mesma religiio, nfio somente entre 0 catolicismo e o protestan- tismo, mas também no protestantismo ou no catolicismo. Da mesma maneira, como separar a questio da superiori- dade da cultura francesa ou da cultura alema? Ai tam. bém diferentes deuses ou valores travam combate e sem diivida para sempre. Viver segundo os preceitos da moral 6 louvavel; mas € preciso nao perder de vista que, tendo escolhido ‘vencer 0 mal, chocamnos, por exemplo, com a oposicao entre 0 preceito evangélico da nfo-resisténcia e a vontade de combater 0 mal por meios violentos. Pode-se escolher uma ou outra destas atitudes, mas nenhuma teoria ética no mundo tem condicdes de definir qual das duas € melhor ou superior a outra, e além disso, todas se arris cam yor sua vez a entrar em conflito. Em suma, um fim Particular como a justica ou a igualdade dissimula por seu 26 twoprio equivoco um antagonismo. Quem quer que escolha hy tisliga Chocase com a evertual oposic¢ao entre a justica nnutaliva e a justiga distributiva; e quem quiser realizar ww tnitildade se vé diate do dilema: & preciso conceder mais no que Kus merece Ou a0 contrdrio exigit mais dele? ‘© segundo aspecto da irracionalidade ética 6 0 para- tara dus conseqiicncias. Para bem compreendé-lo, 6 pre- « lembrar brevemente a célebre distingao entre a’ética de eonsiceio e a éticn de responsabilidade. O partidério da prancira é © homem dos principios, da pureza intransigente, iinmado unicamente pelo sentimenfo de obrigagio para com © que considera como seu dever, sem considerar us cons: uinwencias que poderia acarretar ‘a realizagio de seu idea ho caso do pacifista puramente doutrinario que reciama paz a qualquer preco, scm levar em conta as cireunstan- clas, a relagio das forgas ¢ dos problemas em jogo. © tam- hent 0 caso daquele que exige, em nome da verdade abso- lita, que se esclareea toda’ uma questio, quaisquer que svjam as paixGes que as revelagdes possam provocar e as conseqiiGneias funestas que possim dai resultar para os ou vos, Tratase, pois, de uma moral incondicional do tudo ; por esta razio, quando ela se choca com uma resistencia decidida, muitas vezes volta atris e cai no mile- narismo, quer atribuindo sua Impoténcia a imbecilidade humana, quer recorrendo a extrema sob pretexto dle querer por fim a toda violéneia, O partidério da ética de responsabilidade, entretanto, leva em conta 0 possivel, avalia os meios mais apropriacos para atingir © fim, cons- ciente que 6 do fim a realizar e de sua responsabilidade para com os outros, ¢ das conseqiiéneias que podem re- sultar, Esta distingdo das duas morais, por mais tipica que seja do ponto de vista tedrico, nao exciui, entretanto, a pos- Sibilidade de se agir com conviegio e com o sentido da responsabilidade no devotamento a uma. WERER ve mesmo nesta unio a caracteristica do homem “atitentico”. Apesar de tudo, no plano tipico da pureza desta oposi- cio, 6 preciso constatar que 56a conduta do partidirio da tea de responsbilidade ¢ racional por finalidade, por levar em conta em suas avaliagdes a0 mesmo tempo a irraciona lidade do mundo e dos meios disponiveis, bem como das conseatiéncias previsivels. Ao contrario, a do partidario da ética de convicedo 6 irracional, ou unicamente racional por valor, na medida em que ele se desinteressa dos meios e das consegiiéncias. Na melhor das hipsteses, ele se retugia ‘em pensamento em um ideal “racionalista” de’ordem cosmo- 27 “tiea, porque nao supurta a irracionalidade imediata do mundo. Nao depende da pureza da conviccio que a possi bilidade de atingir um fim “bom” se concilie necessaria- mente com meios igualmente “bons”; € preciso, por vezes, contar com meios desonestos, ou pelo menos perigosos, © com conseqiiéncias desagradivels, Seja como for, nenhu: ma ¢tica no mundo tem condicées de dizer em que mo- mento © em que medica um fim bom justifica 0s meios © as conseqiiéncias perigosas. Aqui se encontra 0 abstaculo da pureza ingénua de toda ética de conviccdo; com maior razao, da que se fundamenta em uma doutrina religiosa, uma vez que, como explica WERER exaustivamente nas tilt mas paginas’ da conferéncia sobre a Funcéo e a vocagao do homem politico, a experiéncia da irracionalidade do mundo foi precisamente a forca motriz de todas as reli- giGes. Quanto a0 que é animado de uma conviegao de natu- Teza politica, deve saber que todo aquele que se envolve com tal espécie de negécios nao pode evitar a violéneia nem © comprometimento com os poderes diabdlicos, e sé poderd realizar 0 objetivo de sua crenga se se cercar de um apare- tho humano, de partidarios, de modo que se expde as irra- cionalidades'da_violéncia. AS consegiiéncias sio de duas espécies, umas previsiveis © outras imprevisiveis. Sao principalmente estas titimas que, por seu paradoxo, revelam a irracionalidade do mundo. Um dos fatos fundamentais e dos menos discutidos da His. toria e da experiéncia humana é que o resultado de uma atividade, sobretudo de ordem politica, corresponde rara- mente AS esperancas e A intencio primitiva dos agentes. Ai est 0 aspecto mais desconcertante da acio, quando em face do objetivo da conviceio: a oposicio do resultado @ da intencao. F 0 que se verifica com uma operacio tio Timitada quanto uma greve e com um empreendimento tao espetacular e grandioso quanto uma revolucio. O bem esté Jonge de resultar do bem, como o mal est longe de resul- tar do mal. A realidade ¢ infinitamente mais comolexa. AS conseniténcias mais desastrosas acompanham muitas vezes as intencdes mais puras e mais nobres. Seria facil agit se © bem s6 produzisse 0 bem, e nfo se teria qualauer difi- culdade em resolver com uma clareza por assim dizer Iéeica os Impasses morais € os conflitos de dever ou de conscién- cia, De um lado haveria as aces louvaveis, do outro as acdes condendveis, de sorte cue bastaria escolher as pri- meiras com a maior tranqililidade de espirito. Certamente, um tal maniqueismo corresponde muito bem ao raciona- 28 linmo intelectualista da ética de conviccéo; porém entra em tontrndigéo com a realidade da vida. O paradoxo das con- mwlienclas se complica, outrossim, com a repercussao in- tuntrolivel e indefinida dos atos uns sobre os outros, (lw sorle que ninguém tem condigdes de prever quando nem como se completaré uma acio empreendida. Empreender tun atividade, principalmente de carater politico, nao é a imwstna coisa, diz WEBER, que sentar-se em um fiacre (ou wn liixi) que se faz parar onde se quer. As conseqiiéncias dus consegiiéncias, nao cessam por forga de uma ordem ou segundo o belprazer de quem tomou a iniciativa de 5. A personalidade de Weber Quando, em nossos dias, este conjunto de reflexdes de WeneR entrou no dominio comum da filosofia, tem-se difi- culdade de imaginar as resisténcias duras e amargas que tle péde encontrar em vida, Teve ele, por certo, alunos © pretensos confidentes entusiastas (muitos dos quais infe- lizmente fizeram do weberianismo uma espécie de carreira nos Estados Unidos), mas a bem dizer nao teve discipulos. New pensamento continua controvertido, como ele 0 de- xwJou, Em carta a GoitLOttllienfeld, de 18 de abril de 1906, ole pediu a este que polemizasse tio rudemente quanto hwossivel contra suas proprias concepgdes, desde que pare- cossem contestaveis. WEBER continua um inspirador; nunca fol nem quis ser um mestre. Também néo existe uma escola weberiana, como certas escolas marxistas, comtianas ou mesmo durkheimianas. 7 Ocorreu mesmo que, por diversas ocasiées, WEBER se vit completamente isolado, abandonado por aqueles que se di- vlam seus melhores amigos. Nao ha dtivida de que sua utitude politica e particularmente sua hostilidade as aven- turas do imperador Gu'LHERME II tém relacio com o seu Isolamento. Mas também aconteceu que no terreno pura mente cientifico da discussio da nocéo de neutralidade nxiolégica ele se viu abandonado por todo mundo, por ‘exemplo, quando de certas sessées memorfveis da Associa- do para a Politica Social. - Algumas de suas atitudes publicas provocaram o tu: multo dos estudantes nacionalistas, que chegaram a ocupar & forca a sala de aula, para o impedirem de falar. Lendo a devotada biografia de sua esposa Marianne Weber, sO se 29 consegue fazer uma fraca idéia das explosées, das revoltas| e dos escandalos que ele pode provocar. Os ‘que 0 conhe- ceram se referem a ele como um vulcio em permanente erupgio, ao mesmo tempo que ele conservava em seu intimo uma tranqiiilidade que mais exacerbava seus adver- sdrios. Era 0 homem que sabia sempre manter-se afastado, apesar de uma curiosidade sempre aguda, tanto pelo menor trabalho de erudigéo a respeito de um insignificante aspecto da China antiga, como pelas questdes de mais viva atuali dade. Foi antes ‘de tudo um s4bio. Uma ou outra vez foi tentado, sem éxito, pela carreira politica. Esta lhe interes- sava humanamente demais para constituir sua vocacao. Pode-se perguntar: que teria ele feito se tivesse seguide este tiltimo caminho? Sem ser despropositada, esta pergunta 86 oferece pouco interesse, pois 0 que sabemds de seu card- ter nos deixa pensar que ele nao via nesse rumo o seu futuro pessoal. Com efeito, assim como em sua fungao universitaria sempre se recusou a ser um mestre cercado de discfpulos — preferia muito mais as conversagoes de uma sociedade aberta — sempre teve medo da eventuall- dade de ser obrigado a recrutar um aparelho humano: partidarios. Ora, como ele prdprio reconheceu, essa é uma condigao fundamental de eficicia politica. Em tudo e sob todas ‘as circunstancias, foi ele um ser completamente in- dependente, o que explica em parte certas atitudes e decla- ragGes que’ podem parecer contraditérias. Por isso desejou que atirassem no primeiro funcionario polonés que entrasse em Dantzig e pediu a execucio do conde von ARco, que tinha assassinado Kurt EISNER, chefe do governo revolucio- ndrio da Baviera. Detestava LUDENDORF e, no entanto, estava Pronto a defendélo se o atacassem injustamente. Combatia a exclusao dos anarquistas, dos socialistas, e dos judeus das catedras universitdrias e sé desprezo tinha pelas iniciativas revolucionarias, no dia seguinte ao da derrota de 1918. Ao mesmo tempo que tomava partido em favor dos estudantes Pacifistas, preconizava o “chauvinismo” no caso de vir a paz a ser pura e simplesmente imposta pelos Aliados, No plano cientifico, pode-se indagar por que WEBER, que passava por ateu, tanto se ocupou de sociologia reli: giosa. Esta, efetivamente, constitu trés alentados volumes de suas obras completas, sem contar 0 projeto de acrés- cimo de um quarto tomo dedicado a0 islamismo, e os capitulos de Economia e Sociedade, que tratam da mesma questo. Trata-se, pois, afinal de contas, da parte mais im- Portante de seu trabalho socioldgico. Sem abrir aqui um 30 \lebate sobre 0 sentimento religioso de WEBER, é preciso de novo insistir na liberdade de espirito, aliada ao escripulo tla siibio, que se recusa a deixar transparecer em sua uh de ‘socidlogo as tomadas de posigao subjetivas do humem, O fato é que as estruturas sociais, econémicas © pwliticas sempre estiveram impregnadas das conviecdes teligiosas dos povos, e continuam a estar. Seria, pois, mu- lular a sociologia o 'fato de negligenciar este aspecto ‘capi: tul de todo estudo das sociedades; mas seria um atentaco 4 objetividade do espirito cientifico combater a religiio wy nome da ciéneia. Além do mais, como a religiio é.uma das antenas tla sonsibitidade humana, seria uma traigio ao fendmeno da eulttira 0 fato de mostrar indiferenca para com ela. Sem diivida Wener nfo teria renegado a bela formula paradoxal (le MIGUEL DE UNAMUNO: sé Deus é ateu, 3 CAPITULO II A METODOLOGIA 1, Método naturalista e método historico A reflexio epistemoldgica de WEBER tem por base a disputa metodolégica que dividiu os universitarios alemaes a0 apagar das luzes do século XTX. Economistas (Sci mor- LER, MENGER), psicdlogos (WUNDT), historiadores (LAM. PRECHT, E. MEYER, VON BELOV), fildlogos (VossiER), fildso- EY, WILDELBAND, RICKERT) @ autores menos nhecidos intervieram no debate. O objeto do litigio re- lacionava'se com 0 estatuto das ciéncias humanas (também denominadas ciéncias histéricas, ciéncias sociais, ciéneias do espirito, ciéncias da cultura’ etc.) : seria preciso redu- zilas, segundo a intencdo dos positivistas, as ciéncias da natureza, ou, ao contrario, afirmar sua autonomia? Natu- ralmente, 0 debate logo se converteu em uma discuss sobre a classificacao das ciéncias e nesse particular 0s par- tidarios da autonomia das ciéneias humanas tomaram por sua vez partido contrario. Uns, e entre eles DILTHEY, ach: am que o fundamento dessa classificacdo seria a diferenca de objeto, com base na distingao entre o reino da natureza € 0 do espirito ou da Histéria: a realidade se deixaria divi- dir em setores auténomos, cada um dos quais comandando uma categoria especial de ciéncias. Outros, entre os quais WINDFLBAND @ RICKERT, rejeitaram o fracionamento da realidade, que permanece una e sempre idéntica a si mes- ma, e propuseram um fundamento ldgico; as ciéneias abor- dam o estudo do real por caminhos diferentes, de sorte que a diversidade dos métodos constituiria 0 principio da 32 vhwsineagao: 9 sébio procura conhecer as relagdes gerais hut leis, ou ento o fendmeno em sua singularidade. Haveria iwssst forma duas espécies de métodos principais, um que ‘w pode chamar generalizante; e 0 outro, individualizante. (ar resultam duas categorias fundamentais de ciéncias que WINDELBAND chama nomotéticas e idiogrificas, e RICKERT, ewneias da natureza e ciéncias da cultura. A psicologia, por exemplo, embora se ocupe essencialmente de fendmenos wuiais, procede, entretanto, de maneira naturalistica e, wr conseguinte, pertence & categoria das ciéncias da natu vera ¢ nfo & das eiéncias da cultura, ‘Tomando a sia distincao entre 0 método generalizante © 0 método individualizante, WenEe nio aceita as conclusées (lv WINDELBAND e de RICKBRT, particularmente a divisio das ci’neias que eles fundamentam sobre tal diferenga metodo lnpica. A seu ver no existe, por exemplo, nenhuma razio pura se classificar a psicologia entre as ciéncias da natureza © nao entre as da cultura. Nada mais contestavel do que reservar um desses métodos a uma série de ciéncias e 0 outro a outra série, Ao contrério, qualquer ciéncia utiliza, no saber das circunstancias, um @ outro desses caminhos. Segundo as necessidades e orientagdo da pesquisa, a so- clologia ou a psicologia empregam 0 método generalizante ‘ou 0 método individualizante; da mesma forma, a Diolo- xia ou a astronomia procuram estabelecer leis ou estudar uum fendmeno em sua singularidade. Por conseguinte, mes- mo sendo justificadas do ponto de vista Idgico a distincao entre o geral eo singular e as duas espécies de processos dela resultantes, 6 falso dizer que na pratica as ciéncias da natureza utilizam exclusivamente 0 processo naturalis- tico ou generalizante, e as da cultura o proceso historico ou individualizante, As primeiras se ocupam de singularida- des (por exemplo, as propriedades particulares de um planeta ou de um tecido) e as outras podem interessarse pelo estabelecimento de leis gerais. ‘Nenhum destes métodos possui privilégio ou superiori- dade em relaco 20 outro, Fiel ao espirito da epistemologia kantiana, WEBER nega que o conhecimento possa ser uma reproducéo ou uma cépia integral da realidade, tanto no sentido da extensio, como da compreensio. O real € infi- nito e inesgotével. Conseqtientemente, 0 problema funda- mental da teoria do conhecimento é 0 das relagoes entre Ici e histéria, entre conceito e realidade. Qualquer que seja © método adotado, cada um faz uma selecio na infinita diversidade da realidade empirica. Dessa forma, por causa 33 de seu fim, 0 método generalizante despoja 0 real de todos os aspectos contingentes e singulares, reduzindo as diferencas qualitativas a quantidades que ‘podem ser medidas com precisio e podem formar uma proposigéo geral de carter legal. © método individualizante omite os elementos genéricos, a fim de dirigir sua atengao apenas nos caracteres qualitativos e singulares dos fendmenos. Neste sentido, um e outro se afastam da realidade por forca das necessidades da conceitualizagdo, sem a qual no poderia haver conhecimento cientifico. Por conseguinte, hada nos permite dizer que, em confronto com a realidade, uum desses méiodos seria mais vidvel, mais exato ou mais completo do que 0 outro. Estas _nocOes conferem sentido teoria weberiana do metodo. Sendo 0 método uma téeniea do conhecimento, 6 comandado pela lel de toda técnica, ou seja, a eficdcia, Nio se poderia dizer @ priori que determinado processo € melhor do que outro; tudo depende do faro do sabio, do sentido da pesquisa e da habilidade na aplicacao, de ‘ma neira que somente os resultados obtidos decidem retrospec- tivamente sobre sua validade. Nao somente nao existe mé- todo universal, como também a oportunidade de um pro- cosso varia de acordo com os problemas a resolver: eficaz em um caso, ele pode fracassar em outro andlogo. A propria idéia da legitimidade de um método em uma ciéncia parti- cular nio é senéo um falso problema. Neste ponto, WEBER 6 contrario a todo dogmatismo: a fungao de um meétodo & fazer progredir o saber, e nao ser fiel a um pretenso ideal do conhecimento. Como a ciéncia é uma pesquisa indefi- ida, ndo se admite que possa haver um método ideal ou completo, ou mesmo um processo definitive. Insurgese principalmente repetidas vezes contra a concepeio de AU- Gusto CowTE, para quem, face a classificagio hiersrquica das ciéneias, haveria dependéncia de uma ciéneia para com a outra, de tal maneira que as cléncias sociais s6 se pode- riam constituir com base nas ciéncias da natureza ja exis tentes, Foi esse dogmatismo que levou CoMTE a recusar & psicologia o estatuto de uma ciéncia aut6noma, para fazer dela um ramo da biologia, e a acreditar que n&o poderia haver senfio uma tinica ciéncla da sociedade, quando as proprias cléncias da natureza sdo multiplas. Segundo Wenex, podem existir tantas ciéncias quantos pontos de vista espe- Cificos no exeme de um problema, e nada nos autoriza & pensar jé termos esgotado todos os pontos de vista pos- siveis. Pelas mesmas razdes, ele rejeita como estérels as 34 Inutativas dos filésofos ocupados em encontrar um funda: jwento Unico para as ciéneias humanas, reduzindo-as, por tacmplo, & psicologia, Sendo autonomas todas as ciéncias, tm viriude de seus proprios pressupostos, nenhuma serve tie modelo 3 outras. E preciso, pois, relegar ao plano dos: ilivertimentos intelectuais os estoreos tendentes a fazer da trivologia 0 fundamento da sociologia, sob 0. pretexto fle que esta encontra no curso de suas pesquisas fendmenos: jmintticos, Também nfo encontra, por acaso, fénémenos ber _nificos, médieos, econdmicos e politicos? Por que entéo fio Ihe dar como fundamento a geografia, a medicina, t_eeonomia ou a politica? A validade da sociologia como tenia depende unicamente dos problemas especificos que ei se propde a resolver, 2. Quantificacao ¢ experiéncia vivida Com base nestas consideragées, WEBER submete a uma severa critica 0s dois conceitos que, contraditoriamente, hevachava em sua época (e ainda hoje se acha) que coman- (vam a investigagao cientifica tanto em historia como em ‘a ou sociologia: a quantificagao e a experiéncia erro acreditar que nfo haveria conhecimento cienti- fico vailido que nao fosse de ordem quantitativa. Com efcito, iv quantificagio e a medida siio ¢ nao so sendio processos melodologicos. Como tais, néo poderiam constituir o fim tia ciéneia, pois este consiste na verdade para todos os que querem al verdade, Wenek também investe, de um lado, Contra o prestigio de que desfrutam as matemiticas na teoria tradicional da ciéncia, e de outro lado, contra o sim: plismo de certos sébios e' socidlogos, que acreditam ter yralizado uma obra cientifica pelo fato de haverem tradu- qido em miimeros e equacdes diversas observagdes, O fato de ter sido 0 conhecimento matematico cronologicamente © primeiro a alcangar rigor cientifico néo The confere fonhuta superioridade ldgica. Com efeito, 0 processo ma, tomitico opera, como qualquer outro, uma selegio entre os nspectos da realidade infinita; sé vale, pois, dentro dos limites dos postulados que Ihe'sio proprios, sem jurisdicio Nobre o que se acha no exterior. Por conseguinte, nao Constitui um método universal nem tampouco exemplar. SEmbora fosse ridiculo contestar a exatidéo das proposi- Goes numéricas, como sua fecundidade na aplicacio técnica, 35 nao é possivel, entretanto, subordinar a elas as outras disci- plinas, Cabe a cada sabio decidir, em sua ordem, quais 0s coneeitos que Ihe sao uteis e que rigor convém Ihes dar com vistas aos fins de sua pesquisa. Com efeito, nio & verdade que o rigor conceitual s6 pode ser obtido pela precisio numérica: pode também ser obra da critica, da ra- cionalizagio l6gica, da exatidao nas observacdes ‘ou da acuidade da intuicao. Pelo f'0 de se terem moldado no cadinho matemético, muitas teorias da ciéncia acabaram por entrar em contra: dicio com a experiéncia do infinito extensivo e intensivo, porque elas acreditam que seria possivel deduzir a realidade a partir de conceitos. O imperialismo cientista acha, com efeito, que 4 medida que 0 homem descobre leis sempre mais ‘gerais, sera possivel construir um dia um sistema de conceitos suficientemente completo e rico do qual se poderia deduzir toda a realidade. O que se esquece apenas 6 que 0 conceito é por esséncia seletivo e que a soma de coneeitos, ¢ por conseguinte de selegdes, jamais equiva. leré & totalidade do real. O infinito nao é uma adicéo de coisas definidas, sem contar que a generalizagao nao_po- deria captar, em virtude de sua limitagio, a singularidade que sempre negligenciou no curso de suas operacdes. Os diferentes sistemas filosficos do século XIX acreditaram no milagre Sendo bom todo processo eficaz no sentido de fazer progredir a pesquisa, WEnFR, entretanto, nao vé nenhum inconveniente em tirar proveito da quantificagao em socio- logia, se esse processo se mostra fértil. Como economista, ele proprio foi levado a utilizar os mimeros;* além do mais, em seu estudo A lei psicofisica e 0 marginalismo, zombou dos que se opdem a este método por preconceito dogmético. Daf a dizer, como a propésito de certos socié- logos americanos, que’ WEBER foi o principal obreiro da matematizacao socioldgica, vai uma distdncia que nao sera transposta por nenhum verdadeiro conhecedor de seu pen- samento, pois sabe que ele condenou da mesma forma aqueles que, & maneira de SoLvay, por exemplo, tentaram reduzir sistematicamente toda a vida social e qualquer fe- némeno sociolégico a uma férmula numérica. Que pode acrescentar o ntimero a fendmenos que se compreendem por si ss? Tudo 0 que pode haver € 0 risco de confusées T Botge outras coisas em seu longo ensalo intitlado: Zur Pay: chophysik der industriellen Arbeit. * 36 ‘om problemas que séo claros, e de aparéncia cientifica em (ruhilhos que néo 0 sio. O fato de se fazer da utilidade poclil uma varidvel numérica, no interior de uma equacio, inv impede absolutamente esta varidvel de néo ser um vonceito preciso e de comportar toda uma gama de julga- inwntos de valor subjetivos e indeterminados. A que ordem ilo julgamentos pertencem as categorias de produtivi tule ou de energia social? As da ciéncia, ou da avaliacéo? Muitos estudos sociolégicos, que procedem por quantifica- go, malham em ferro frio, ‘pois sio absolutamente initeis. © importante é fazer de cada vez a distingio entre uma iedida numérica capaz de ajudar a compreensio de um problema e a moda pseudocientifica que acredita ter resol- vido uma dificuldade pelo simples fato de havé-la vestido de cifras, de operagdes mateméticas ou de grificos. ‘Outros tedricos das cléncias tomam rumo oposto & nereditam poder dar como fundamento para a sociologia ¢ disciplinas afins a intuic&o, entendida ora como intropatia (Hinfihlung) ora como revivescéncia (Nacherleben), ou seja © conhecimento imediato de outrem por uma espécie de introjeigio em sua experiéncia vivida. A isso WEBER objeta que a intuigéo pertence & esfera do sentimento ¢ que como lial ndo é um conhecimento cientifico, pois este exige nio somente uma elaboracéio e uma construgio conceituais, mas lambém conceitos rigorosos. De maneira alguma 0 vago do vivido poderia substituflo, j4 que é pessoal, incomunicdvel, © refratério A comprovagio. Constitui uma abordagem esté- tica e nao cientifica da realidade. Além disso, fazse de modo geral uma idéia erronea da intuicdo: jamais coincide com a diversidade infinita do real, pois também ela rea liza uma selegsio. Nunca podemos, pois, reviver por intro- patia se ndo alguns aspectos do ‘nosso vivido ou do de outrem; longe de reproduzir ou de repetir um estado ante- rior, a’ consciéncia intuitiva que tomamos dele constitui antes uma nova experiéncia vivida original. Seja qual for © papel da intuicso (e WEBER néo o minimiza absoluta- mente), a experiéncia vivida nunca como tal um conheci- mento ‘ientifico. Pode vir a sélo, com a condicéo de se submeter aos imperativos comuns da transformagao concei- tual, da verificacao e dos demais processos da administra: 0 da prova, ficando entendido que uma proposigfio nio exige absolutamente, para ser cientifica, a classificacdo sob uma lei. Seja como for, um saber so € cientifico quando procura ser acessivel a todos, e nfio quando agrada o gosto de alguns. Na base da teoria da quantificagdo, como da experién- cia vivida, oncontra-se um mesmo preconceito: o devir fisico seria mais racional que o devir psiquico ou umano. Apenas as conseqtiéncias que se inferem nos dois casos so dife- rentes. No primeiro, acha-se que o irracional é desprezivel € que convém reduzir tanto quanto possivel todos os ele- mentos da atividade humana a fendmenos da natureza; no segundo, tenta-se preservar o irracional e edifiear uma cién- cia que’ tenha seus principios e seus métodos préprios, mesmo que estejam em contradic&o com os das ciéncias ‘da natureza. Ao que WEBER objeta que as duas posicdes fogem a esséncia da ciéncia. Por um lado, esta no conhece dominio reservado e pode ‘em principio’ aplicar-se a toda a realidade; nenhum motivo, pois, existe para se excluir 0 irracional do campo de sua investigacdo. Por outro lado, nao poderia haver duas ciéncias contraditérias. Qualquer que seja a anilise com pretensGes ao titulo de conhecimen to cientifico, deve submeterse is regras do controle, da verificacio € da prova, que so as mesmas para todas as ciénelas positivas e empiricas. Nao se trata de um simples voto piedoso da epistemologia, se se quiser reconhecer que © devir fisico 6 tio racional’ ou téo irracional quanto o devir psiquico. Que se entende, de modo geral, pela nocio de irracionalidade? A imprevisibilidade e a contingéncia, Ora, em que o nuimero de fragmentos de um bloco de pedra que’ tenha caido e se espatifado é mais previsivel do que um ato praticado sob o impulso de uma paixio? Podemos porventura prever o tempo que faré daqui a um més, me Thor do que as aces de um homem? Inversamente, ‘uma agio que, uma vez definido o fim, utiliza os meios adequa- dos é té6 racional quanto a lei geral da fisica; pode entao também ser acessivel a um saber nomoldgico. Em ultima andlise, o tegulamento militar ou a lel penal contam racio- nalmente com a intervencio de certo mimero de conseqtién- cias, da mesma maneira que as avaliagdes estatisticas de tum ‘construtor de pontes e as previsées de um agricultor que utiliza adubos quimicos. Por conseguinte, entre a possi bilidade de prever os fenmenos singulares da natureza e a expectativa das conseaiiéncias de uma agdo humana, ndo existe diferenca de principio. B verdade que também se compreende outra coisa pelo coneeito de irracionalidade: identificamo-lo com o da liber dade da vontade. Admite-se também que a diferenca entre as ciéneias da natureza e as da cultura tenha por funda. mento a oposicio do inerte e da liberdade. Na opinido de 38 Wren esta tese € t&o errénea quanto a anterior. Como vinos no pardgrafo 4° do capitulo precedente, a liberdade Immnana nao € mais irracional do que o determinismo, pois nu as agdes que temos consciéneia de haver executado racronalmente que fazemos acompanhar do mais alto grau ie sentimento empirico da liberdade. Parece intitil, portan- tw, tindamentar a diferenca entre quantificacao e experién- 1 vivida sobre a oposigao entre o determinismo e a liber- ucts, pois pode haver tanta irracionalidade e imprevisibili- tue’ ow respectivamente, racionalidade, em uma esfera quumto na outra. E deturpar o trabalho cientifico atri- huirdhe a funcio de provar a verdade exclusiva de um wi de outro desses dois conceitos; e contradizer a essén- ei da ciéncia tentar justifiear a competéncia de uma dessas nogOes em uma ou Outra categoria de ciéncias, Tal tarefa permanece alheia & investigacio positiva. O determinismo tu liberdade sao, quando muito, dados que ¢ preciso acei- tur nas mesmas condigGes da contingéncia, da loucura, da vida ete, Nio poderiam, pois, constituir o fundamento «lv uma pesquisa nem o seu fim. Com efeito, a necessidade tomo a liberdade se situam em uma regio que transcende © saber empirico e escapa & sua jurisdicao: nao devem, pois, orfentar o trabalho do sabio. Este pode levé-las em conta a titulo de hipsteses, sem contudo pronunciar-se quanto & sua validade metafisica, sob pena de deixar o cam- po da ciéncia pelo das avaliag6es nao-controlaveis. Evidentemente nao € possivel entrarmos aqui em todos os detathes da concepeo metodolégica de WEBER. Limita- remos nossa exposigid & andlise dos conceitos que ele proprio considerava como os mais expressivos. 8. Causalidade, relacdo com os valores e interpretacao S6 hd ciénela do que existe. © problema vem a ser, portanto, explicar 0 que existe, enveredando de modo geral pelo caminho da pesquisa das causas. Infelizmente, a re- lugio de causalidade deu margem a tantos mal-entendidos quanto a confusdes. Uns identificam, por exemplo, causal de e legalidade, no sentido em que s6 a condigéo capaz de ser subordinada a uma lei mereceria ser chamada causa. F um erro! diz WEBER. Um efeito acidental depende tanto dle causas quanto um fendmeno dito necessario, e no fundo, todas as coisas que se produzem no mundo déviam produ 39 zirse da maneira como se manifestaram e nao de outra Em outras palavras, todo fendmeno, seja ou nao acidental, 0 que devia ser. Por conseguinte, um acontecimento sin- gular é também ele o resultado de causas, entre as quais faigumas podem ter sido apenas circunstancias singulares, E, por exemplo, impossivel excluir da andlise das causas dé uma guerra a deciséo singular dos que a quiseram. De maneira mais geral, tudo o que € produzido produz por sua vez uma acao (bewirkt und wirkend). Em suma, 0 que se considera, sob certo ponto de vista, como efeito pode por sua vez agir como causa, assim como o que se chama causa pode ser considerado, sob outro ponto de vista, como efeito. Existem duas manciras de encarar a causalidade, segundo & ratio essendi e a ratio cognoscendi, Tomemos primeiramente um exemplo de WEBER: as cartas de GOETHE @ Mme. de STEIN. Sua leitura pode ajudarnos a apreender causalmente qual foi a influéncia real que as relagdes com ‘Mme. de STPIN exerceram efetivamente na evolugao de GorTHE (causalidade entendida como razio de ser). Podem igualmente permitirmos conhecer ou caracterizar melhor a personalidade de Gorrie ou os meios culturais alemies Gaguela época. Neste caso, néo séo mais um elo real na cadeia catisal da evolucdo histérica e real de Gorrie, mas unicamente um meio de conhecer um tipo de homem ou um tipo de cultura (razio de conhecer). E tomemos também outro exemplo nfo weberiano, porém mais clissico: 0 das causas de guerra, Quando ‘no curso de uma anélise das causas da guerra de 1914-1918, se considera o atentado de Sarajevo, 0 ultimato da Austria etc., tais acontecimentos tém o valor de causas no sentido da ratio essendi; sio elos, reais que contribuiram efetivamente para a deflagracio do conflito. No entanto, quando falamos das causas econdmicas Gas guerras, colocamonos em outro plano, o do tipico, isto 6, 0 da ratio cognoscendi da guerra em geral. Ora, 6 preciso lamentar que em geral os historiadores, como ‘0s socidlogos, confundam, em detrimento da clareza e da explicagao cientifica, estas duas maneiras de encarar a cau salidade, ‘A verdade € que o método generalizante utiliza a re- lagéo de causalidade de modo diferente do método indivi- dualizante. No sentido original e pleno, a causalidade com: porta duas idéias fundamentais: de um'lado, a de uma acao Telacional, de uma espécle de dindmica entre dois fenome- nos qualitativamente diferentes, e de outro lado, a de uma Subordinagéo a uma regra geral. O método generalizante 40 tende a apagar a nocd de agéo e, por conseguinte, a de causa, pata deixar aparecer apenas a de lei, no sentido dle uma igualdade matemitica entre os fendmenos conside: rudos. No método individualizante, ao contrério, € a nocdo de regra que tende a apagarse para por em evidéncia ‘unicidade qualitativa do devir em geral ou a singularidade qualitativa de um de seus fragmentos. Nada nos autoriza, cniretanto, a declarar que o primeiro modo de empregar n causalidade seria mais valido do que o outro, ou entio que a causalidade nfo teria seu lugar nas ciéncias hist6- vicas, ou ainda, que a andlise ai seria menos rigorosa ou nenos cientifica. preciso entrarmos ainda mais no émago das coisas. © que aprendemos a conhecer pela causalidade (tanto na ostera da natureza como na da cultura) nao passa jamais de uma visio fragmentéria e parcial da realidade sobre tv base de uma estimativa de carater probabilistico. Desde que a diversidade do real é infinita do ponto de vista txtensivo e intensivo, a regressao causal é indefinida, Se ‘quiséssemos esgotar ‘0 conhecimento causal de um fend- meno, seria preciso levar em conta a totalidade do devir, pois odo o devir contribufu finalmente para a producio do efeito singular que é objeto da andlise. “Em toda cidncia empiriea de carter causal, a sparigio ‘de um feito nio ge deixa,estabelecer a partir de ‘um momento dado, mas sim desde toda a eternidade”? Seja qual for o método, ele sempre dirige sua atencéio apenas para certos aspectos do devir e dos fendmenos, n saber, os que parecem importantes em funcio de suas pressuposigdes, e considera os outros como despreziveis. Contentamonos de cada vez com 0 que se chama a razio suficiente, ou seja, realizamos uma selegio na infinita diver- sidade. Em principio, nenhum aspecto, nenhum elemento sio despreziveis. Se consideramos alguns como tais, é por motivo do rumo da nossa curiosidade e do fim da pesquisa, Disso resulta que, apesar da hipstese tedrica: causa aequat effectum, para a qual tende a causalidade concebida como uma igualdade matemética, praticamente a pesquisa causal sempre estabelece uma desigualdade entre os fendmenos, por tratar alguns como importantes e essenciais e outros tomo secundarios e despreziveis. O método naturalistic ] Bevais sur la théorie de ta science, pig. 821. tgnora a contingéneia, 0 acidental e outros aspectos deste See oe ae ae eae ie aio see ou lala vee tada de RICKERT: a relagéo com os valores. A primeira Sade Oe Rene rte com clogs po € licito a0 historiador e a0 socidlogo se referirem aos valo- fone Summ sa coe sa aig oe are Sob tals condigoes, falar de ula principio’ de objet 2h fa, Snaites, tta do um Principle oe chit aoe para determinar em seguida sua natureza e seu ‘osaramente, ela nada ten do comum com um julen moa ement, nada te com com am jg ean att cate anna mami, contri, comeualade anole, de ardoroso nas ciéncias socioldgicas @ econdmicas. Com efeito, a avaliagéo que glorifica ou condena, aprova ou Seat no di, gee ciel, jaan ann eee cea tm item ooo voca e definitiva. A elaboragdo de tal sistema depende da Hetgatttn, A eniargt ce a gta, depent Homeless ou, ee, ge ae, een Ear epee ee ase ea soae eles $m rales nous dn eatin Gu sie Rane bers etantoaald ™mentos do saber tedrico. Pp * Pols. we Lede ias Re nr ing {nein Som So rnores costal bana de pares Dopo afoot oe ee ear lak tea ae ee ernie aealsoon Sera mila anes omuare: Bera ines, ou sno, pose < tmprtanth 2 Wana oo ce honte: por que é importante e em relagéo a qué? A respos- tw it primeira pergunta como & segunda implica numa tferéneia a valores. Com efeito, o devir em si mesmo # Indiferente a0 significado; nao é nele que se encontra o iWrio que determina nossa curiosidade ou nosso_inte- fesse, nem tampouco as razdes que nos fazem considerar ‘rlas coisas como importantes e outras como secundarias. Uni vez que tenhamos escolhido nosso objeto de reflexdes, rwuinimos os documentos e os elementos entre os quais mos uma triagem, pois uns parecem essenciais enquan- tw outros parecem despreziveis. Ora, em virtude de que roulizamos essa selecso, senio segundo uma relacio com tw valores? Esta exprime, pois, o momento arbitrario que se 1a no ponto de partida de’ toda reflexio e de todo tra- lho cientifico (talvez pudéssemos, sob certo ponto de vista, estabelecer aqui uma comparacao util com 0 axioms- lico). B apenas nos limites desta selecao que o sdbio aplica ‘os processos ordindrios da investigacéo cientifica: observa- cho precisa, critica dos textos, dos inquéritos ou dos do- cumentos, deterrainagao das rélacdes da causalidade, com- pragdes ete, E nesse ponto que se torna indispensdvel nfastar toda apreciagao valorizante, no sentido de aprovar ont desaprovar em nome de razdes puramente pessoais 0 «levir, a agao de um heréi ou 0 comportamento social que estamos estudando. Sob todos os aspectos, 0 sdbio deve esforgar-se por fornecer ao leitor a possibilidade de contro- lr a precisfio de seu raciocinio e a solidez de suas const. dleragoes. Os valores com os quais 0 socidlogo e 0 historiador relacionam a realidade sio naturalmente varidveis. WEBER chega mesmo a falar de nossos valores, no sentido em que, por exemplo, 0 sociélogo que estuda o puritanismo de uma dieterminada’ época esté em condigdes de nos dar novos Tudimentos sobre esta doutrina e sobre seu papel, confron- tando os valores dos homens daquele tempo com os nossos. Por conseguinte, o especialista das ciéncias huma. nas potienos fornecer, ‘gragas & relacio com os valores, uma visio nova sobre um problema, ou ainda renové-lo, porque é levado a considerar como importantes elementos que outros sibios haviam deixado & margem por motivo de sua propria relacdo com os valores. A variagdo dos valores com 0s quais relacionamos a realidade surge assim como a condi¢ao da variagio dos pontos de vista sob os quais podemos estudéla. Seria tao absurdo acreditar que uum socidlogo poderia apresentar uma conclusio definitive, 43 sobre o fenémeno que esté estudando, quanto pensar que a_verdade se deixaria exprimir em uma tinica proposi- do, e a moral em um 56 ato, Nenhum socidlogo tem condiges para nos fornecer um conhecimento completo das relagées sociais no seio do regime capitalista, porém cada um projeta uma luz nova sobre a questéo, ‘porque, por causa de sta relacéo com os valores, ele faz aborda: gens inéditas, levanta novos problemas, descobre aspectos novos. E 0 conjunto de todos os pontos de vista possiveis que, precisamente, nos permite fazer uma idéia to exata quanto possfvel de um problema, Nao é dado a nenhum sabio esgotar em sua integralidade os conhecimentos que temos da realidade; a0 contrério, ela se torna cada vez mais inteligivel em sua complexidade & medida que novos historiadores, socidlogos, economistas ou Politdlogos a estu- dam em funcéo de outras relagdes com os valores. F pelo mesmo motivo que 0 historiador de hoje encontraré no relato da guerra do Peloponeso, feito por Tuctowes, tanto interesse quanto no de autor mais moderno, € para o so- cidlogo SAINTSIMON, A. ComTE ou DURKHEIM permanecem atuais, sendo sempre proveitoso consulté-los, E' facil perceber agora o papel e a significagio da relago com os valores. Dada a infinidade extensiva e in- tensiva da realidade empfrica que nenhuma ciéncia conse: gue abarcar integralmente, aquela relagéo surge como prin- cipio de selecio, condicdo’ de um conhecimento pelo menos parcial. Mais exatamente, ela é 0 momento subjetivo que torna possivel um conhecimento objetivo limitado, desde que 0 sabio tenha consciéneia dessa limitagdo inevitdvel. Vale dizer que a personalidade do socidlogo e do histo: dor intervém necessariamente no trabalho a realizar. A cién- cla varla sem cessar com os problemas novos que nascem dos novos pontos de vista sob os quais se aborda a reali- dade. Longe de limitar 0 estudo, a relacéo com os valores alarga, ao contrério, seu horizonte. Além disso, exprime © cardter indefinido’ da pesquisa. Um sdbio e sua escola podem ter a impressio de haver apresentado a palavra decisiva sobre um problema, porém um outro reformulard toda a questio, pois terd encontrado outra relacio com 0s valores. A ciéncia € obra de todos os sabios. ““Surgem constantemente problemas culturais sempre novos fe revestidos de novas cores, que nao deixam de agitar os hu- manos, de sorte que permanece flutuante esfera do. que, no {fluxo infinite do ‘singular, adquire para més signifieagoe' im- portincla ese torna uma individualidade historiea. Variam “4 igvalmente as relagies intelectuais sob a5 quais os encaramos ‘wralmegtt ann Glenflesmente, Ar cléncas ‘da ~cultara perma hacer, por coneeguint, vantvea, no foto. ideterminad, ‘tuanto ‘uimacopesie de. estupor chinés do esprito nao vier des iiluae os homens de formular indagagies &, vida sempre ineazotiv UUmmsistema das cleacias da cultura, que fixasse sistematicament etinitivameate ede mado objetivamente valio, as questies © eetos de" que deve tratar seria, um absurdo em si-mesmo”.? Se quisermos precisar 0 papel da relagio com os valo- res, devemos considerar os seguintes pontos: a). ela deter: nita a selegio do tema a tratar, isto é, permite destacar tin objeto da realidade difusa; b) uma vez escolhido 0 tema, ln orienta a triagem entre o essencial € 0 acessdrio, isto ¢, Wlefine a individualidade histérica ou a unidade do problema, vencendo a infinidade dos detalhes, elementos ¢ documentos; ©) assim agindo, ela 6 a razio do relacionamento entre 05 iliversos elementos e da significacio que se Ihes atribui; i) indica igualmente quais as relagbes de causalidade a esta- hwlecer e até que ponto € preciso levar a regressio causal; vy enfim, pelo fato de no ser uma avaliacao e exigir um pensamento articulado, que permita o controle e a verifi engao do acerto das proposicées, ela afasta 0 que é simples- niente vivido ou vagamente sentido Donde se segue que toda ciéncia humana procede neces- suriamente por interpretagio. Esta consiste no método des- linado a nos fazer compreender 0 sentido de uma atividade ou de um fenémeno e a significagio dos diversos elementos luns em relagiio aos outros, como sugerem os dois termos ulemaes deuten (interpretar) e bedeuten (significar). Sendo © devir em si mesmo estranho a qualquer sentido, e por- tanto, humanamente indiferente, é a interpretacdo funda: mentada na relagéo com os valores que Ihe confere uma significagao, por se colocarem em evidéncia ao mesmo tempo 0s motives e 0 fim de uma atividade. Esta nocio de evidéncia € particularmente importante, pois WEBER dectara : “Toda, interpretagio, como aliés a ciéncia em geral, tende para a evidincia”. Pelo método demonstrativo que thes é préprio, as mate- matieas se esforgam por nos tornar evidentes as relagdes 3 Essaie sur Ta théorie de ta science, pags. 171-172 4 Wirtschaft woud Gesellschaft, pag. 2 numéricas ou quantitativas; pela interpretagdo, as ciéncias hhumanas e em particular a sociologia procuram tornar-nos evidentes as significacoes. Os mal-entendidos se originam do fato de tomar a inter- pretacdo diversos sentidos, que WEBER distingue com muito cuidado. Trés sio essenciais. Primeiro, a interpretacio que ele chama filoldgica: consiste na apreensio do sentido lite- ral de um texto, na critica dos documentos, dos ingué ritos etc. Tratase de um trabalho preparatdrio de toda ciéncla humana, que se faz paralelamente com o estudo das fontes. O segundo, que ele designa como interpretagao avaliativa ou axiolégica, valoriza 0 objeto; faz sobre ele um julgamento de aprovacéo ou de desaprovacao. Comporta diferentes graus, desde a avaliagio puramente emocional, Por intropatia dos acontecimentos e das circunstancias qué atravessam nossa vida cotidiana, até A esfera mais apurada € mais refletida dos julgamentos de gosto e das apreciagdes morais. Finalmente, a interpretagao que ele denomina raci nal, cujo fim 6 nos fazer compreender pela causalidade ou pela compreensio, as relagGes significativas entre os fend- menos ou os elementos de um mesmo fendmeno. Na me- dida em que a primeira forma de interpretagio opera uma selecdo entre os documentos e as fontes, pode implicar numa relacdo com os valores. Quanto & segunda, que valo riza diretamente um objeto, ndo é um procedimento cienti- fico, embora 0 sdbio por vezes deva levé-la em conta no curso de seu trabalho, pois ndo poderia ficar indiferente ante o fato de uma atividade passar geralmente por boa e importante, enguanto outra provoca reprovacao. Entre- tanto, ele ndo deve deixarse levar por essas apreciacdes, mas sim estudar, por exemplo, o fenémeno da prostituicao com 0 mesmo rigor com que estudaria o de uma crenea religiosa. Todavia, sO a interpretacdo racional intervém de maneira determinante na elaboracio de uma reflexio cien- tifica, Como foi dito, esta ultima é detentora do sentido, quer tente o sdbio determinar a significagao que individuos, por exemplo os puritanos, dio a seus atos, ligando-os 2 estes ou aqueles valores religiosos, quer se refira a nossos valo- res para extrair a significaclo histdrica ou sociolégica de uma doutrina, de um acontecimento ou do desenvolvimento de uma situacdo. Trata-se, pois, de uma andlise que se propde a precisar quais eram os valores que estavam em jogo no curso de uma atividade, e nao apreciar uma ativi- Gade como boa ou mé em nome de principios éticos pes- 46 nonls. WEBER insiste na necessidade, para esta interpreta. tin, de se operar com os procedimentos ordinarios do: faniiecimento clentifico e de se submeter & administracio {in prova, E por isso que ele a chama também interpretagao sal ow explicativa, E particularmente importante em huciologia, quando da andlise do sentido de uma atividade Chm efeito, toda atividade se vincula a relagdo de meios twin fim; em particclar, compreendemos, com um alto grau tie evideneia, a que se orienta para um fim consciente, com pleno conhécimento dos meios mais apropriados. Neste i, 08 melos se tornam as causas do fim esperado. (importante € que a andlise permanega no plano do que é ttulo, empiricamente, j4 que ela se esforca por captar wt relagéo significativa entre os meios utilizados eo fim tiesiejado, sem se pronunciar sobre o valor ético do fim tr dos melos. Cabe, por exemplo, & soclologia interpretar Iwsitiva ou racionaimente o sentido de certas medidas de bolicia, explicando as raz6es pelas quais foram tomadas. ft quais ‘suas conseqiiéncias; portanto, captar as significa (rs em Telagiio ao designio do governo ou relativamente ft vvolugéo de uma situacao, mas nao apreciar positiva ow ieyativamente estas medidas, nem tampouco pronunciar-se i favor ou contra a policia, Seria erro acreditar que a socio- loxia pode dispensar esta interpretagio racional, pois se Intdesse, néo teriamos mais condigées de compreender uma Mividade nem de expliciéla. Vése imediatamente que esta hivedo se vincula ac conceito de compreensio; vamos reen- contréla mais adiante, no capitulo dedicado & concepeio: weberiana da sociologia compreensiva. 4, 0 “tipo ideal” Sem rigor conceitual, ndo existe ciéncia digna desse nome, O método naturalistico conta com a vantagem de dispor de conceites univocos, porque sio determindveis: mumericamente, como os de poténcia, forga, massa, ener ula ete, Utilizadas pelas ciéncias humanas, estas mesmas hogdes ficam vagas e dio margem a todos os equivocos, hu todas as confus6es possivels. A propdsito de nogdes como ts de capitalismo, de socialismo, de protestantismo ou de produtividade, a historia e a sociologia esbarram em difl- culdades ainda mejores, por causa das variagdes de seu contetido significativo segundo as épocas ou as escolas. © que se entendie por calvinismo, no século XVII, nic ar corresponde exatamente ao que hoje entendemos pelo mes- mo vocdbulo. Certamente todo mundo compreende alguma coise por esse termo, mas esta indistinedo ndo pode satis- fazer 0 sébio. Desde que 0 contetido de um conceito histé- Tico varia com as épocas, convém precisar, cada vez, em que sentido é tomado, sob pena de se embaralhar a andlise e de se chegar a resultados inconsistentes, ora tendo-se tirado, por exemplo, para o capitalismo em geral concludes que sé valem para’uma forma de capitalismo de determi- nado periodo, ora tendo-se atribufdo ao cristianismo em geral uma regra de vida peculiar unicamente a uma de suas formas histéricas. O historiador e 0 socidlogo acreditam descrever cientificamente a realidade e, no entanto, sua lin- guagem é formada de termos nio trabalhados pela refle xo, desprovidos de toda univocidade, dos quais se extrai a significacio por sugestéo, sem qualquer seguranca nem exatiddo. Como poderia uma anilise ser precisa, se os meios intelectuais empregados nao o sfio? & para dar aos concel tos utilizados pelo método histérico um rigor suficiente, que WEBER criou a nocio do tipo ideal. “Obtém-se um tipo ideal, diz cle, acentuando unilateralmente tum ou varios ‘pontos de vista e encadeando uma multidio de fendmenos isolados, difusos e. diacretos, que se encontram ora em grande nimero, ora em pequeno numero, até o minimo pos- Sivel, que se ordenam segundo os anteriores’ pontos de vista” et colhidos unilateralmente para formarem um quadro de pensamento hhomogeneo”. 5 Assim compreendido, 0 tipo ideal designa o conjunto dos conceitos que o especialista das ciéncias humanas cons- trdi unicamente para os fins da pesquisa. J4 vimos, a pro- pOsito da relagéo com os valores, que WEBER rejeita a con- cepedo antiga da ciéncia no sentido em que esta esteja em condigées de alcangar a substancia das coisas para reuni-las em um sistema completo, que seja o pensamento fiel de toda a realidade. A seu ver, nenhum sistema é capaz de reproduzir integralmente a infinidade do real e nenhum conceito € capaz de reproduzir integralmente a diversidade intensiva de um fendmeno particular. Em suma, nao existe conhecimento nao-hipotético. O tipo ideal é um outro mo- mento da selecéo que fazem o historiador e 0 socidlogo, por abordarem necessariamente 0 real a partir de certos 5 Essaie eur la théorie de la scionce, pig. 181, 48 ntos de vista em fungdo da relacdo com os valores. Fulretanto, esta apenas orienta o trabalho, elimina o que mule ser @esprezedo; néo confere ainda rigor conceitual 4 sjuestio estudada. Esse ¢ 0 papel do tipo ideal. E ele 0 iil de construgio de conceitos peculiar ao método his- {orieo ou individuatizante, cujo objeto sabemos que 6 0 estu- tli da realidade e dos ‘fendmenos em sua singularidade is, com efeito, a questdo formulada por WEBER: como vinborar 0 concetto rigoroso de uma realidade singular se mio se pode proceder por generalizagao, no sentido da toma- tu de conseiéncia das analogias e dis semelhangas com twutras realidades, j4 que tal medida subordina os fend- tnenos a eis ow a conceitos genéricos que precisamente espojam o singular de seus caracteres distintivos e par lures? Mais brevemente ainda: € possivel formar conc tos individuais, embora admitindo-se correntemente que s6 existe coneeitos gerais? O capitalismo é uma manifesta- gio singular da vida econdmica; 0 protestantismo, da vida fwligiosa; e 0 romantismo, da vida artistica; assim’ também, © capitalismo antigo tem suas caracteristicas proprias, dife. rentes das do capitalismo moderno, ou ainda, 0 capitalismo imiglo-saxOnico 6 diferente do capitalismo da Europa Cont hwntal, Querer explicar 0 capitalismo ou o protestantismo wnquadrando-os sob os termos gerais da economia e da Wwligido, € omitir os aspectos que constituem sua originali- dude (embora tal préitica possa igualmente ajudar-nos a compreendé-los, pois 0 método individualizante nao exclui ‘© método generalizante). Chega-se a um resultado insignifi- tunte quando se tenta determinar essas realidades singula- res pela adig&o das caracteristicas comuns a todas as formas «lo capitalismo e ce protestantismo, ou ento pelo estabele- timento de uma média dos tracos peculiares as diversas formas desses dois fendmenos. © mesmo problema surge 4 propésito da maioria das nogdes historicas ou sociolégi- as, quer se trate de esclarecer 0 conceito de cidade grega, quucr os de economia rural, artesanato, socialismo ete. Acredita Wesmr achar a solugdo do problema no con- evlto de tipo entendido de certa maneira. Com efeito, esta hiwgdo pode tomar o sentido de um conjunto de tragos comuns (0 tipo médio), mas também o de uma estilizagio que poe em evidéncia os elementos caracteristicos, distin Livos ou “tipicos”. Procedamos por comparacio. A ‘avareza 4 um conceito geral, mas 0 avaro que MOLIERE criou é um ipo. HARPAGON no é 0 avaro médio; gracas a um proceso do aumento, de exagero e de amplificagao, MouiiRE Ihe deu 49 fa significacdo de uma individualidade caracteristica: é uma especie de avarento ideal, Nao resume os tracos comuns aos avarentos, mas é um personagem estilizado, por valo- rizar 0 que lid de tipico em tal comportamento. Mutatis ‘mutandis, 6 de maneira andloga que se deve compreender © tipo ideal de Weuer, quando ele fala, em sua definicao, de uma acentuacio ou de uma amplificagio unilateral de pontos de vista, que reinem em um quadro de pensamento hhomogéneo tracos e caracteristicas de uma realidade sin- gular. A idealidade desta construgao conceitual se exprime no fato de que ela é uma utopia, ou melhor, uma racionali- zacho utdpica, que nunca se encontra ou s6 raramente & encontrada em sua pureza na realidade empirica e concreta. © tipo ideal do capitalismo retine, por exemplo, em um quadro de pensamento, 0s tracos caracteristicos que defi- nem sua originalidade de doutrina economica, mesmo que 86 se encontrem de modo difuso na realidade, e mesmo que um ou outro estoja ausente de uma organizacio eco- némica concreta. O tipo ideal do capitalismo compreende igualmente as tendéncias e os fins a que ele vis objetivo, mesmo que nao tenham sido realizados plenamen- te em parte alguma, A freqiténcia de um elemento é, pois, menos importante do que a propriedade caracteristica € original que determina a individualidade e a singularidade de uma tal organizacio econdmica. & preciso igualmente insistir na nocio de unilateralidade, pois é ela que permite dar o rigor a0 tipo ideal, porque ¢ a condicio ao mesmo tempo de amplificagio dos tracos caracteristicos e da ela: poragio do quadro de pensamento em um conjunto coe- rente e ndo contraditdrio. Além das aplicagdes concretas da doutrina capitalista, que so em geral equivocas, por se fundamentarem em compromissos, 0 tipo ideal. apresenta © seu “desenho” racional, isto 6, a estrutura logica inde- pendentemente das flutuagdes do’ real. Em suma, ele con: siste em uma representacao ideal e conseqtiente de uma totalidade historica singular, obtida por meio de racionali- zacio utépica e de acentuacao unilateral dos tragos caracte- risticos e originais, para dar uma significacdo coerente @ rigorosa a0 que aparece como confuso e cadtico em nossa experiéncia puramente existencial ‘WeRER faz acompanhar a explicagao positiva do tipo ideal de certas precisdes negativas, a fim de evitar qual- quer confusio. Em primeiro lugar, ‘ele 0 opée 20 conceito de substdncia que pretende captar a realidade das coisas, no seio de uma hierarquia das espécies e dos géneros, quer 50 como + om um sistema de leis naturais, quer em um conjunto de Slementos componentes e gerais que seriam seu flel reflexo- (lipo ideal néo precisa identificarse com a realidade no wilido em que exprimisse a verdade “auténtica” desta. AO tontrario, ele nos afasta dela por sua propria irrealidade, guru melhor dominéla intelectual e cientificamente, embora lin maneira necessariamente fragmentéria, Além do mais, nupondo ele a relagio com os valores, a idéia que fazemos, por exemplo, de uma época ou de uma doutrina sob a forma to tipo ideal, a fim de captar sua significagio, no corres: jwnde forgosamente & idéia que os contemporaneos daquela Apoca ou os militantes daquela doutrina fazem delas. Se qundo a natureza da pesquisa, podemos construir 0 tipo Meal do liberalismo com base nos valores com os quais nous promotores Telacionavam a realidade social, mas pode Mos ‘igualmente construir um outro relacionando essa (loulrina com nossos valores, ou com os de uma doutrina Contréria, Em segundo lugar, a idealidade desta construgio fda tem de comum com o ideal ou o dever ser no sen: ido ético. © tipo ideal nada tem de exemplar e ndo se deixa confundir com um modelo no sentido axiolégico, fem com uma norma prética para a aco. Sua unica per- foigio 6 de ordem légica e néo moral; ele exclul toda fwaliagao. Embora esta confusiio seja embaracosa e assaz freqtiente, 0 s4bio que constr6i o tipo ideal do cristianismo para estudar sua significacdo cultural nao precisa relacio- har esta religiao com a idéia do que ela deveria ser sob seu puro ponto de vista subjetivo e pessoal. No entanto, € pos: Fivel construir 0 tipo ideal do que o cristianismo considera como o seu deverser ou seu fim ideal. ‘f certo que pode parecer pedante transformar em tipos ideais a maioria das nogdes vulgares utilizadas pelo histo- Hador e 0 socidlogo. Nao obstante, é somente com essa condigao que se chega ao rigor conceitual, e que se evita fa retorica oca, as confusdes légicas, os equivocos e os erros perniciosos. Tomemos o exemplo do livre comércio. Diver- Sos economistas modernos ridicularizam esta nocdo | sob © preterto de qu? seria anacrénica e ultrapassada, futll, portanto, do ponto de vista da pesquisa econémica. WEBER Ihes dé razio ao criticarem os Iiberais, que pensam que ela corresponderia as lels naturais e a elevam & dignidade de corr epagepcao do mundo ou, ainda, de uma norma de vali dade empirica que exprimiria toda a verdade da economia. la é, no entanto, util como racionalizacdo utdpica das relagses comerciais, elaborada por pensadores que tentaram 51 apreender 0 sentido do comércio. Seria um erro, pois, no} levar em conta seu valor euristico a titulo de ‘tipo ideal, pois ignorando.o, arriscamo-nos a erros sobre a natureza| do comércio. © mesmo acontece quanto ao marxismo. AS leis € construcdes desta doutrina sio extremamente prove tosas como tipos ideais, porém nos enganamos se Ihes atri- buirmos uma validade empfrica no sentido de serem 0 re- flexo da realidade econémica verdadeira. Nada seria, pois, mais ridiculo do que condenar os especialistas das ciéncias humanas por construirem novos conceltos — os progressos da ciéncia se fazem a esse prego, sem contar que esse tra balho é indispensavel por forga do incessante deslocamento dos problemas e dos pontos de vista, em conseatiéncia da evolucio e da transformacio continuas da civilizagao, Por esse motivo, 6 escusado pensar que seria possivel elaborar uma, sintese definitiva da realidade. Conseaiientemente, © sabio nunca deve perder de vista os limites dos conceitos que é levado a utilizar. Quando ele acredita ter penctrado no sentido do devir, a humanidade pode bruscamente tomar um outro rumo, Jamais pode ele compreender senio uma parte finita e em constante mutacio do desenvolvimento castico e prodigioso dos acontecimentos que se desen- rolam no tempo. Simultaneamente, encontram-se precisados © papel e a significacio metodoldgica dos tipos ideais. Em hipstese alguma WeseR os concebe como fins do conhecimento, no sentido em que deveriam resumir ou con. ter a realidade e formar um sistema completo da ciéncia. ‘Nao passam de instrumentos, de meios euristicos destinados a dar uma univocidade significativa a0 objeto da pesquisa, Mais precisamente ainda, constituem priticas puramente experimentais que o sabio cria voluntdria e arbitrariamen. te, segundo as necessidades cla investigacio, e que ele aban: dona da mesma maneira se nfo prestam o Servico esperado. Seu valor se deixa, pols, determinar unicamente por sua eficdicia e sua fecundidade na pesquisa. Se nao existirem ou estiverem extintas, é licito ao socidlogo construir outros tipos ideais mais apropriados. Em si mesmos, nao sio, pois, verdadeiros nem falsos; porém, como todo instrumento técnico, so tteis ou intiteis. Todas estas observacées se ligam idéia que WeseR faz da ciéncia. Como é uma pes. quisa indefinida, os conceitos devem ficar sempre supe rados, pois 0 conhecimento s6 progride em virtude exata- mente dessa superacao. Daf a necessidade de elaborar tipos ideais sempre novos, nio somente porque “o fluxo eterna. mente mével da civilizagio levanta problemas sempre 52 mivos", mas também porque a humanidade nfo essa de lulnjat, a partir ce outros pontos de vista, a realidade que tin neredita conhecer. Esta’ perpetia juventude da eléncia Tiny Justamente ao sibio ‘0 culdado e 0 rigor. “Sustamente por ser 0 contesdo dos. concetes hstricos neceadariamente variivel, 6 que ¢ Indispensivel formulélos sempre onrmaior precio. Exigivsess apense ama cola a ocesida ‘imantar fom prccaudn seu carton depo lel” nomen poe causa da rarigao.inevitvel an. isins “de valor dietivas, ho poderia Raver conceitn hisGrion verdadeirament. dfiltives tities de tren sondeadoe ano fim aiina o gral ber, sdmitirasd goo, tendo-te conreruldo conceit riguross © Sneek ay 0 pono de viet singular que orienta 0 trabalh, fuleraed‘caramente tomar conscsnei’ dou limites do aun val- taaese Conforme a necessidade, 0 sébio poderd construir dife- rontes tipos ideais de um mesmo fendmeno e precisamente © ntimero que Ihe parecer necessario para compreendé-lo cada vez melhor a partir de todos os pontos de vista pos- Nueis, Poderd criar um tipo ideal do cristianismo ou tomar essa nogio como um coneeito genéri 2, para construir, se- xundo o interesse da sua pesquisa, upos ideais do cristia- hismo primitivo, a cristianismo medieval, do cristianismo Jesuitico, anglicdno, catdlico ou protestante; mas, amplifi- cando tal trago czracte stico ao invés de outro (a caridade na f6 ou a Organizacao juridica des igrejas, ou entio as estruturas sociais), nada o impede .e elaborar varias cons- trugdes de tipos ideais do desenvolvimento do cristianismo em geral ou de uma de suas formas historias. Efetivamen- te, WEBER nao sejeita a possibilidade de elaborar_ tipos ideais de uma evolugio. Nenhuma destas construcdes se pareceria com a outra, nem se deixaria observar na reali- dade empirica, rorém’ cada uma poderia pretender com justa razio representar a “idéia” do cristianismo, desde ‘que selecionou, ra realidade, tracos caracteristicos signifi- cativos por sua singularidade, Por conseguinte, assim como existe uma variedade extrema de pontos de vista possiveis orientando a relagéo com os valores, podese igualmente apelar para os principios mais variados a fim de selecionar ‘aS relagdes tipicas capazes de formar um quadro de pensa- mento homogéneo. Isso se explica facilmente: como nosso conhecimento da realidade infinita é necessariamente par- © Beoaie sur la théorie de ta science, pig. 205. 53 cial e fragmentéria, ele no pode igualmente ser senio aprozimativo. A multiplicidade dos tipos ideats nao tem Por objeto sendo tornar esta aproximacio to precisa, tao circunstanciada e tao clara quanto possivel © verdadeiro papel do tipo ideal é, pois, ser um fator do inteligibilidade, nos dois niveis da pesquisa e da expo- sicdo. Tomemos 0 primeiro aspecto. A construcao de tipo ideal permite formar julgamentos de imputagio causal, nio pelo fato de reivindicar a qualidade de uma hipotese, mas sim porque guia a elaboragio das hipsteses, com’ base numa imaginacio nutrida da experiéncia e disciplinada por um método rigoroso. At esté um ponto essencial. Com efeito, a utopia racional permite determinar a singularidade de um desenvolvimento, de uma doutrina e de uma situa- 40, indicando, em cada caso particular, até que ponto @ realidade se’ afasta do quadro de pensamento homoge. neo ¢ irreal. O tipo ideal serve por assim dizer de instru mento de medida. Suponhamos que se queira estudar © artesanato da Idade Média. Construirseé um tipo ideal com base nos tragos caracteristicos e tipicos da organizagao artesanal. Compararseé em seguida a realidade empirica, de sorte que se possa determinar se a sociedade medieval era ou nao puramente artesanal ou se, a0 contririo, ele- mentos de uma outra forma econdmica (por exemplo, capi- talista) ja no se revelavam Ii, Nessas condigées, serd mais fécil instruir a imputacio causal, Na mesma ‘ordem de idéias, a construcéo do tipo ideal da economia urbana na Idade Média permitiré precisar até que ponto uma deter- minada cidade obedecia a este regime econdmico, ou vivia sob principios de um regime mais antigo, ou ao contrario anunciava uma nova organizacdo. A irrealidade do tipo ideal Ihe dé a significacao de um conceito limitado, que permite medir 0 desenvolvimento real e esclarecer a vida empfrica quanto a seus elementos mals importantes, No plano da exposicao, ele nfo pretende absolutamente reproduzir a realidade, mas sim dotar a descrigao de meios de expressées univocos e precisos. Em geral, 0 historiador € 0 socidlogo que renunciam as construgoes de tipos ideais, sob pretexto de serem imiteis ou pesadas, as empregam mesmo assim, embora inconscientemente e sem qualquer elaboracio légica, de maneira que thes acontece fazerem passar seus julgamentos de valor por ciéncia, ou ficarem enterrados na esfera do que é puramente sentido, Que sao, pois, os térmos gerais de cristianismo, feudalismo, chels se do empresa, valor — ou para empregar um conceito mais lero: Sociedade industrial — senao tpos ideais? Nada ede © socidlozo Ge proceder por sugestao, mas assim do nsio deve pensar que est realzando obra cientifica. WEBER tinha perteita consciénca das falnas de sua tworia, da qual, alias, sO fez tragar as Imnas mestras, sem entrar no detaihe de todas as implicagoes metodoldgicas. Muitas vezes 0 condenaram. Da imensa literatura consa- urnda @ sua obra, a maior parte se ocupa, aiid, de sua tworia do conhecimento e particularmente ‘do tipo ideal, muitas vezes sob a forma de uma critica negativa. De fato, bla insiste assim indiretamente na questéo levantada por Wee, Ele respondeu antecipadamente a seus eventuais ounsores, convidando-os a meditar sobre as proposicdes, “onquanto ndo estiverem em condigées de substituilas por igo melhor” Possibilidade objetiva e causa adequada © tipo ideal comanda, enfim, a teoria da possibilidade objetiva e da causa adequada.’ Weser explicou_principal- mente estas duas eategorias em seus Estudos Criticos, isto ®, no ensaio que dedicou & metodologia da Histéria.’ Exi- miuse de refaze: a teoria delas para os seus trabalhos nociolégicos, em que se contenta em aplicéas aos diversos conceitos sociolézicos importantes, como o da atividade nacional por finalidade. Seguiremos’ aqui o mesmo caminho © procederemos da aniilise do método da Histéria para o da Sociologia. ‘A categoria de possibilidade objetiva situa sob outra forma o problema da imputacao causal. Querer explicar um acontecimento histérico enquadrando-o sob uma lei geral, 7 Wissenschaftslehre, pig. 196. Pode-se considerar esta tentativa slo Weber como a. tiais coerente © a mais iicida de todas as que s ropuseram a dar maior rigor aos conceites das, ciéncias “humanas. Cortamente, acaba elanuina dispersio dos pontos de vista e das and Tiws, em detrimento de um sistema da ciéncia. A questio € saber $0 i wistema da elgneia deve chegar possibilitar a obtengao de resultados ‘ilidos.. Com efeite, o método de tipo ideal tem a vantagem de salva- huurdar no rigor eorceitual a unidade e originalidade de um conjunto istivieo, eada ver que @ curiosidade nos leva a estudi-lo em sua singu- inridade, Assim compreendida, a teoria do tipo ideal pode servir de Iinse a uma reflexao mais avangada sobre o método historico, em opo- rigio as critieas purnmnente negath ‘chegam nunca superar nun negatividade. 55 6 desvirtuar « Historia, que 6 formada de uma sucessao de acontecimentos singulares. O tinico método compativel 6 0 método individualizante, que vincula um fato singular a causas singulares ou a um conjunto singular que WEBER denomina uma_constelacdo. Embora todos os elementos dessa constelagao intervenham na producio de um aconte- cimento, nfio adquirem todos eles a mesma importancia aos olhos do historiador. Este faz uma selecio, de sorte que nos vemos diante do problema: como determinar 0 peso de uma causa? Para responder a esta pergunta, WEBER toma alguns julgamentos nas obras de um dos melhores historiadores ‘alemaes deste século, EpuAnpo Myer, Este declara, por exemplo, que a vitéria de MARATONA foi de grande’ aleance histérico para o futuro da cultura grega; que ® guerra de 1856 contra a Austria fol a conseqliéncia de uma decisio de BisMARcK; mas que, no entanto, os tiros que, na noite de marco de 1848, deflagraram a revolugio de Berlim, no foram determinantes, pois o clima na capi- tal prussidna era tal, naquele momento, que qualquer inci- dente podia provocar a desordem. Estes julgamentos ¢ outros andlogos, que se encontram em todas as obras de historiadores, atribuem, portanto, a cortas causas, mais im- portancla do que a outras. O problema que Wener levanta € 0 seguinte: qual a operacio Idgica que permite ao histo- Tiador introduzir uma desigualdade significativa entre os antecedentes do objeto que ele se propée a analisar? Para atribuir importncia & batalha de MARATONA e de Sapova, como aos tiros em Berlim, o historiador formula, implicitamente pelo menos, a pergunta: que teria aconteci- do se os persas tivessem vencido ou se BISMARCK nio tivesse tomado aquela decisio, ou ainda, se os tiros nao tivessem sido disparados? Afinal de contas, esta pergunta 6 andloga & do criminologista ou do juiz que indaga a si mesmo sob que condigéo pode afirmar que um individuo 6 responstivel por seus atos, salvo que, diferentemente do historiador, o julz pretende, além do mais, avaliar a culpa- bilidade, para ‘aplicar uma pena, se for 0 caso. Conside- rando as coisas mais de perto, vé-se que 0 historiador isola em pensamento uma causa (a vitdria de MARATONA, a deci- so de BISMARCK e os tiros), que ele elimina por abstragao da constelagio dos antecedentes, ou a coloca fora de cir- culagao, para indagar a si mesmo se 0 curso dos aconteci- mentos’ teria sido 0 mesmo ou diferente sem ela. Se no tivessem sido disparados os tiros, MEYER admite que, mes- mo assim, a revolucao teria ocorrido, sendo, portanto, 56 wea importdneia essa causa, No entanto, no caso da vits Po aorta IsMARCK nao tivesse tormido Sua decisio, vwmsidern ele Ne case etorminantes; Mais. exatarnente vie tiacodo. 0 hstoriador essa a iS onal un tunday fazeng? 9 ePeoteas, para determinay A eausas re tie WENE cone ryeaios @ mas fontes que Poss, 0-Disto- hive os, Contec mn igho. possivel, por eliminacho. de wiador ‘imaging, m8 ger dcierminar. sua ‘ignifieacao’ © nt Ae roses gossiilidade objetiva? ‘Pomemos o exem- eee Sess iaextona Hin. Gecidiu entre dss Poss Fete toe ee yin grew, quo teve lugar e de dings, portanto-o curso historic eal cues consegue: Wrminot, Porrdopendéncia heléniea, o desenvolvimento ri removes woltado para os bens deste Tun, © € um espiito vrs, vee Grientada no sentido da ciéncia, roy ofn e de (adas as expecies de valores outros, cha: ta tlosof Camstan"= dos guais_continaamos “a nos all aan aro, a vitor, persa, Ore, segundo 0 que irre pela histeia an olin persa nos paises cong sabes Del Junio peta atitude para. com "0 ovo Jude, I oer re ort bersa tivesse executado igualmente nf { poseivel ae ©, Ze utllzase a religiao autdotonc como Instrumento de dominio. Ha, pois, grandes possibilidades Instrumente de, goromovido na Gréela una cultura teoeré ie a ee eajos fundamentos.terlam. sido 0S, misterios eee rpa A. possbidade do semelante fato 6 ob) tuk gets nonsadsuposigaes.tém_ por base 0 conhecimento Uva, Dole oe “ae. palltica persa em pais conaulstado, 1 ratltFeregcrn do elementos teocraten Teligoses a «também 9 presence oe fandamonta, pois, em nosso saber sestitodas condigdes ententes na Grin em ROSS I aes soot apoiado nas Tegras gerais da. experienc ner namelec ope do po, na notes Mirus sm unm suport ralonl, due 9 dota car’ timero de elementos idos. ‘ear Boro @ tig lea, « possioilidade objetiva éonstrét um “quadro imagindrio”, uma utopia, ou melhor, uma ucronia, “ner eee descent ages. crncteritcas, el wet eer pensamento, de uin ou varios elementos tur la théorie do la science, phe. 919. 37 mentado, a possibilidade nao 6 a expresso de um nio-sabel uma vez'que ela se refere ao que ns conhecemos por ex} riéneia, Errariamos, entretanto, se concluissemos que a c dicho assim modificada, ou suprimida, na constelacéo do antecedentes, seria a tinica causa do acontecimento consid rado; ela toma somente a significacio de uma condicao portante entre outras, pois a Historia no conhece ca Unica. Por outro lado, a categoria de possibilidade objeti nao afirma absolutamente que em caso de vitdria pers © desenvolvimento da cultura teocréticoreligiosa teria. si necessario: nfo era senao uma conseqiiéncia provavel. Ei outras palavras, ela nao se pronuncia sobre'o que d acontecer efetivamente neste caso, pois apenas 0 que acon. teceu, a vitoria grega, é real. Conseqiientemente, para atri| io temos necessidade de precisar © que, teria. acontecdo Daste-nos saber quo ae coisas terlam sido outeas™® a Assim fica precisada a natureza da causalidai cléneias humans, quo procedem pelo metode niatoree: ee ¢ de ordem probabilistica, E isso nfo somente por causa da imperfelcdo de nosso saber, devida muitas vezes & pre ¢ariedade das fontes, mas também em virtude da multiplict Gade dos antecedentes, dos quais nio nos podemos dar gonta, de sorte que somos obrigados a constritir um curso imagindrio das coisas para defini os que parecem mais Importantes. Além disso, por mais completo que possa ser nosso saber, 0 inevitivel momento subjetivo da selecao bas. tarla para introduzir a probabilidade. Apesar do cardter apoditico de suas proposicdes, nfo ha e jamais haverd ma- tematica sem os mateméticos; uma Histéria, sem historia. dores que a escrevem e formulem incessantes indagacbes novas para o futuro é igualmente impossivel © grau de probabilidade que resulta de uma construgio objetivamente possivel é varidvel. Malgrado o clima insurre. clonal que reinava em Berlim em 1848, nenhum historiador pode dizer com certeza que a revolugéo teria acontecido, Ro Anon, La sociologie alleman pig. 1 ABN: Le sociolopie allemande contemporaine, Patis, 1950, 58 Miexmo sem os tims de fuzil. Isso quer dizer que, embora W yrau de possibilidade objetiva em favor de um curso de Nunntecimentos diferente do que teve lugar seja fraco se Nlntrairmos aqueles dois tiros de fuzil, no se poderia, eniretinto, dizer cue sua significagdo tenha sido absoluta- fhiwnle mula, Inversamente, embora o grau de possibilidade Ohjetiva de um desenvolvimento teocrético-religioso da civi- inno grega em caso de vitdria persa tivesse sido muito itide, nO se poderia dizer que essa evoluco seria abso- Iitumente inevitdvel. © papel da categoria de possibitidade Uhjetiva nfio 6, pois, formar julgamentos de necessidade, fms sim pesar a significado das diversas causas de um wwontecimento, Quando a probabilidade, resultante de uma mistrucao objetivamente possivel, é muito grande, WeRER ‘muigere que se fale de uma causalidade adequada; e’ quando elu 6 fraca, de causalidade acidental. Assim, a evolugéo twneritica na Grécia teria sido, nfio a conseaiiéncia neces- mirit, mas sim adequada, da vitéria persa. No entanto, os tiros'de fuzil diante do castelo de Berlim em 1848 perten- 2 ordem das causas acidentais, desde que se admita tue a atmosfera geral era favoravel & insurreigao. A recusa Weer em aplicar a palavra “necessdrio”, para substi (uita por adequado, se explica por sua preocupagio de nustentar para o devir seu cardter irracional, uma vez que ‘le nunca fem outra significacio além da que ihe atribuimos. Mle se opde dessa forma a uma concepcio naturalista € puramente determinista da Historia, preservando a validade tle uma explicacdo causal. Em suma, a Histéria nao é racio- em si mesma, mas 0 historiador consegue racionalizéla rolitivamente, o que significa que, na medida em que ele vonsegue formular julgamentos objetivos de ordem proba- hilistica sob a forma de uma relacdo adequada entre a causa © 0 efeito, & possivel um conhecimento cientifico da His- tiria, apesar do encontro de irregularidades devidas ao wwasd OW Ros acidentes @ & intervers7i0 da vovtade humana. Nio existe obstacalo légico para uma ciénsia do singular. Conquanto a Histdria se ocupe de atos smeulares da vontade, ou de decisdes, e que a Sociologia se esforce por estubelecer regras gerais, seguem as duas em certos nontos tum método comum, por tratarem ambas da atividnde hu- mana. Com efeito, para WEBER nao ha diferenca de natnreza entre uma atividade individual e uma atividade social ou voletive, © desenvolvimento da cultura helénica, ror cxem- plo, embora cons:ituindo um acontecimento sing ior, nao obra de um tinico ser, mas de uma sociedad. Monde se 59 eventualmente transformar em problemas considera que passam como evidentes” os olnos. da. quase. Tod dade dos juristas. Combateu ele, no mesmo sentido, colegas que se recusavam a confiar uma cdtedra univer taria a socialistas e a marxistas. O que ele ndo admit cra que se apresentassem como verdades clentifioas iogdes pessoais e subjetivas sob o hébil subterfigic onfunde, com uma pretensa boaté, as observagdes mpl camente constatdveis ou cientificamente controlaveis ¢ tomadas de posicio ou julgamentos de valor cuja just cacdo se apdia unicamente numa crenca em fins ultim contestavels arbitririos. Para evitar qualquer equiva BHER distingue dois : 9 Wane ig planos: 0 da pedagogia e o da pe Nao se onde em princfpio as avaliacdes de catodra, Alls, a quostho Togs a qualquer discussio dled tifica © nao poderia por isso ser resolvida definitivamente pois depende, ela propria, de uma avaliacio, particula mente da politica do ensino que cada pais resolve sesuir| Entretanto, num século em que triunfa a espectalizagé universitzria correlativamente & liberdade de opinido, na se compreende que um sdbio sirfta a necessidade inculcar nos estudantes, além da matéria especial que objeto de seu ensino, uma concepefio do mundo. Nao tem especialidades fevestidas da‘ qualidade de_profeci professorais, Além disso, se inicialmente esta manelra juntar num mesmo embrulho a anilise rigorosa e o jul mento de valor pessoal permite ao professor obter ut éxito facil, acaba por cansar. Por uma questo de simpl Gignidade ‘pessoal, 0 professor deveria, em sua qualidad de professor, dar cumprimento & sua tarefa pedagdgica vez de fazer as vezés de reformador cultural sem mei praticos, ou de se atribuir qualidades de chefe de Est quem ‘falta 0 essencial: a coletividade estatal a organizar. Fazer exibicio, a propésito de tudo e de nada, de suas| impressées pessoais, muitas vezes insipidas, é dar prova| de mau gosto. Ninguém manifesta absolutamente sua pers sonalidade apresentando com ostentagao sua nota pessoal, mas unicamente pela qualidade de seu trabalho e de suas| atitudes. E desconhecer 0 sentido da instituicdo université-| ria utilizar uma sala de aula como uma arena piiblica. L4 © estudante € levado a manter siléncio; seria, pois, faltar| ao respeito ¢ & lealdade para com ele tentar impingirhe, ao abrigo de qualquer contradi¢ao, uma convicgao que ele no Partilha. A simples honestidade’exige do professor que quer 62 propagar seus ideas, que use os meios que esto & dispo- Hicw de qualquer cidaddo: a reuniao ptiblica onde a con- {nuligao 6 possivel, bem como a adesio a uma organizagio tua -um efreulo orientados para a propaganda, a imprensa, tv onsaio literarios e politico, a passeata nas ruas etc. A essas Teflexdes de ordem ctica WEBER acrescenta wutras que pertencem antes a sociologia da pedagogia. Se professor deve evitar ostentagdes em nome de valores iw The so pessoais, convém igualmente que se abstenha |i se pronunciar sobre questdes que as autoridades cor {uitis 0 estimulam a tratar. Vale ainda observar que nao fs6 0 poder que procura influenciar a universidade, tanto Uw certos professores se fazem, consciente ou inconsciente- intérpretes de grupos de pressfio e de interesses de ‘especie. Seja como for, desde que se considere a sala ila como 0 lugar ondé se podem debater problemas de lileoldgicos @ préticos, 6 preciso conceder sem recrimina: gies. 0 mesmo direito &s opinides contrérias. A universidade fino € privilégio de nenhuma doutrina especial. Vé-se facil: tmente a que chega a liberdade absoluta de se fazer advo- julo de ideais préticos: & desqualificagio do trabalho Hiiramente profissional, de sorte que a propria funcéo do professor perde todo seu crédito, & preciso, todavia, com: Jrecnder bem o que WEBER entende por neutralidade axiolo- Kien, do ponto de vista pedagégico: ela é inteiramente fstranha A atitude temerosa do ser que se recusa a ter {ima opinido ou a expressé-la por medo, por hipocrisia ou por receio de prejudicar sua carreira. Também af € preciso muber assumir a Tesponsabilidade de seus atos e adquirir niliciente dominio de si mesmo para afirmar a indepen: (iénela de seu ensino. Fsta Independéncia sé possivel, ontretanto, se ele nao for o instrumento, nem 0 zelador, dle influéncias externas & universidade, de qualquer natu reza, sentido ou generosidade ética, ‘sos olhos de WERER, a linha de conduta de um. pro: fessor deveria ser a seguinte: cumprir com simplicidade 4 sua tarefa, subtraindo sua pessoa, para servir apenas @ causa do ensino; néo ignorar, quando da exposicao dos problemas de sua disciplina, os fatos desagradéveis ¢ sobre tudo os que poderiam vir a sélo em face de sua posicao pessoal, e fazer a distingio entre a constatacio empirica © os julgamentos de valor, entre a pesquisa e a conviccao particular. A lucidez é, portanto, a virtude essencial de uma Ieao universitdria. Quando um’ mestre faz uma exposi¢ao de economia politica, de sociologia ou de politicologia, nao 63 deve procurar qual a posigio moral mais justa nem con: feccionar um ramalhete multicor dos valores culturais que Ihe parecem mais consoladores; sua funcio é ficar a servieo da disciplina que ministra. Se nao puder deixar de fazer avaliag6es, que tenha pelo menos a coragem e a probidade de dizer a seus alunos 0 que, em sua aula, se apoia no puro raciocinio l6gico ou na explicagao empirica e o que se apoia em suas apreciagdes pessoais e em suas crengas subjetivas. Isso implica em estar ele proprio em condigdes de tomar consciéncla da_heterogeneidade entre a esfera da ciéncia © a da conviccao. Se 0 professor se sujeitar a isso, ndo ha objegdo & liberdade de fazer avaliagdes ou de professar ez cathedra uma concepgéo do mundo fundamentada na ética ou na cultura em geral. De qualquer maneira, este método pode mesmo conduzir 4 uma problemdtica insuspe- tada. Em qualquer circunstancia, nenhum professor pode- ria prescrever a um outro o camihho a seguir, uma vez que, como jd vimos, a neutralidade axiolégica no campo da pedagogia depende, também ela, de uma avaliacéo. Nao 6 0 que acontece no campo da pesquisa. Essencial- mente, a ciéncia ¢ refratdria aos julgamentos de valor. Ela nao quer agir por forga de convicgdes pessoais, mas, sim, mostrar que suas proposi¢des se impdem a todos os que querem a verdade. “ecifithsfelt, 6 veriade e continua a abo que nn eafrn das citi totitin "oa “dennsienglo centile ceases Sat feta e pretends er atlnpds seu fin dere pole ae eet Some Coada usin. forum nba ae ig ree evo er ete abjeliay efora "abo ee tse” natal tees plenamente ‘om ttade fo ume, insufiinee ae antes aka [osi tammy 6 vordade que 'andiee ae om “righ sate aPaereqdag neu‘ conta tach ‘ions ila te eee explicagéo das conseqiiéncias que dai decorrem légica ¢ pratica- mente quando se deve considerar que.a busca foi corosda de exit eve iguuient sep saldas pare um cnsy £2 Sena ge xe tho entender naa’ de nossey perties as Tents Psst JSNor"@'eue pro ie far tas vse) pl eal'c Savalactes Contttay Sortenet an Waal te Sle Valor cientifico da andlise tedrica™.10 ame Isso quer dizer que no campo da pesquisa a distingao entre @ ciéncia e convicgéo corresponde a uma necessidade logica, de sorte que se comete um pecado contra o espirito da ciéncia, desvirtuando-a em posigdes subjetivas. Mesmo 38 Besais sur ia théorie de la science, pigs. 191-192. 64 fazer a separagio entre a constatagio empi fica € @ avaliagdo pratica, ela é obrigatéria em virtude dos pressupostos da ciencia, Sendo deixa-se de ser sabio. Certamente, nada profbe ao socidlogo que tome por objeto de suas’ pesquisas as opinides diversas dos indivi duos sobre uma determinada questo, porém nao esta mais, fazendo eiéncia quando emite outra opiniéio sobre essas spinides. Seu papel 6 interpretar, analisar, expor uma situa eno com todos os recursos do método cientifico, e nio ipresentar seu parecer pessoal, ou aprovar um género de opiniio e desaprovar os outros. Nao ¢, pois, vedado & cién- cia estudar avaliagSes, desde que por sua vez nfo avalic. him suma, um sébio ndo deve.ser naturalista ou espiritua. lista, nem mesmo cientista, Se topa com fatos que nio pode explicar com 0s meios atuais da investigacao cienti- fica, no Ihe cabe negélos em nome de uma concepedo subjetiva da ciéncia, ignorélos ou relegé-los @ espera da superstigo, mas sim reconhecer simplesmente que néo pode explicé-los. Ao contrario da axiologia, a ciéncia nio carece de apologética. Quando ela envereda pelo terreno dla justificagao ética, ou da exaltagdo cultural, nao aumenta em’ nada sua validade objetiva. Ao contrario, ela apenas se arrisea a deturpagdes quanto a0 scu préprio. sentido © a0 da ética, Censegtientemente, enquanto se ficar nos limites estritos da ciéncia, € preciso banir todas as con- cepgdes do mundo, inclusive as que pretendem fundamen- arse em base cientifica. Tudo 0 que 0 sabio pode oferecer no homem de acd indicarthe, uma vez fixada a meta, Guais 0s meios mais apropriados para atingila, quais as ventuais consequiéncias de seu empreendimento, 0 que The pode custar, portanto, a realizacdo do fim desejado. Pode tinda ajudélo a compreender a importineia de set. pro- to, a tomar consciéncia das circunstancias ¢ das condi- {es de sua aco, colocé-lo em guarda contra os valores com os quais ele ée arrisca a entrar em conflito. Em hips- tese alguma pode dobrar a vontade ao ponto de uma de iso, Isso cabe a escolha e ndo ao conhecimento tedrico. Enfim, a ciéncia pode dizernos 0 que podemos e, confor- me 0 caso, 0 que queremos fazer; de modo algum, porém, © que devemos fazer. Emi resumo, se a neutralidade axioldgica permanece um problema no campo da pedagogia, que cada professor pode resolver a seu modo, podese impor com wma necessidade logica no campo da pesquisa, sob pena de desvirtuar a cién- cla, Cabe ao médico encontrar os melhores remédios ou 65 o melhor tratamento para curar um doente; nfo 6 atrk bulgdo sua pronunciar-se sobre o valor da vida e dizer, por} exemplo, se ela vale ou nao a pena ser vivida. Com efelto,| esta questao faz intervirem outros pontos de vista que nao} os simplesmente médicos ou cientificos. O problema do! historiador da arte é estudar as obras, sua génese, a volt 80 dos movimentos artisticos, e nao dar uma’ resposta| A pergunta: devese ou nao fazer arte? O socidlogo tem’ por tarefa analisar as estruturas da sociedade, a natu Teza das conveng6es, do direito, da politica e da economia,| © nao fazer as vezes de reformador social ou decretar qual a sociedade melhor. ¥ verdade, observa WEBER, quel certos sabios e alguns espiritos simplérios que ocupam| cétedras universitérias continuam animados de otimismo ingénuo, que Ihes faz acreditar que poderio_descobrir © caminho da felicidade individual e social. Para fazer Justiga a tal esperanca, basta ler a passagem em que Nrerzscue julga os tltimos homens que descobriram a feli- cidade. Pode-se sempre perguntar ciéncia: Que devemos fazer? Como devemos viver? Nao daré nenhuma resposta, porque ela é teoria. Esta resposta cada um deve procurar em si mesmo, de acordo com seu génio ou sua fraqueza, 66 CAPITULO TIT A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA 1, A nogao de sociologia compreensiva A definigdo que comumente se dé da Sociologia é a seguinte: 6 a ciéncia dos fatos sociais, As dificuldades comegam e as divergéncias e confusdes se produzem quan do se trata de precisar a nogio de fato social, Afora algu mas tentativas para captar seu contetido (que é de natureza coletiva e implica um imperativo exterior), contentamo-nos na maioria das veres com 0 proceso enumerativo, e deno- minamos fatos sociais 0 conjunto das estruturas da socie dade, das instituig6es, dos costumes, das crencas coleti vas ete. Assim compreendida, a Sociologia se torna uma disciplina essencialmente formal. Estudam-se profundamen te o crime, 0 direito, o costume e eventualmente sua evolu 0, de acordo com as sociedades e através das idades da Humanidade, desde as sociedades primitivas até as contemy pordneas. Mais cheia de sutilezas é a posigao de DURKHEIM. Ele divide a Sociologia em duas partes principais: de um lado, a morfologia social, que tem por fim descrever as estruturas com base em’ seu condicionamento geogréfico, ecolégico, demogrifico, econdmico etc. e de outro lado, a fisiologia social, cujo objetivo é o estudo do funciona mento dessas estruturas, para descobrir as lels de sua evolugio. Apesar de tudo, tem-se a impressiio de que a seu ver 0 fatos sociais se desenvolvem por si sds, como se obedecessem a uma dindmica interna, fora da participagio do homem. No méximo evoca ele aqui e ali uma agdo ou 67 luna relngiio reciproca que ele tem bastante cuidado de no procisur de maneira diferente. A originalidade de WEBER € nfo ter ele cortado as estruturas e instituigdes sociais da atividade multiforme do homem, que ao mesmo tempo o seu obreiro e 0 dono de stias significagSes. Encontramos no centro de sua sociologia a nogio de atividade social (soziales Handeln) , nao avaliar ou ‘apreciar as estruturas no sentido em qué podem ser boas ou mds, oportunas ou inoportunas, porém para compreender 0 mais objetivamente possivel como os homens avaliam e apreciam, utilizam, criam e destroem as diversas relagdes sociais. Ele procura, pois, captar con- cretamente 0 homem que vive no seio da sociedade. Nao nega absolutamente o valor dos estudos puramente estiti- cos © descritivos dos diversos agrupamentos socials, por exemplo, as categorias de sociedade e de comunidade elabo- radas por TONNIES, mas acrescenta a elas uma andlise esta- tistica destinada a compreender como os homens vivem em média todas essas estruturas. O vocabulério que ele emprega ja suficientemente significativo. O que Ihe inte- essa, 6 como o homem se comporta na comunidade e na sociedade, como forma essas relagdes e as transforma, Também, em vez de termos como Gesellschaft e Gemein- schaft, ele emprega Vergeselischaftung (socializagio) e Ver- gemethschaftung (comunalizacao). Contentar-se como estu- Gar a evolucdo de uma instituicio unicamente no aspecto exterior, independentemente do que ela vem a ser pela acio do homem, é fugir a um aspecto capital da vida social. Efetivamente, 0 desenvolvimento de uma relagio so- cial se explica igualmente pelas intengdes que nela poe © ser humano, os interesses que nela encontra e o sentido Giferente que’ ele Ine atribui no curso do tempo. Daf importancia que WenEr dé 4 relatividade significativa (sinnhafte Bezogenheit), que permite compreender, além da evolugao objetiva, o' sentido a que o homem visa de cada vez, subjetivamente, no curso de seu comportamento social. Tomemos 0 exemplo de uma lei. “Enquanto, diz Wen, s¢ discute @ elaboracio de uma nova lei ou um novo parégrafo dos estatatos de ume associaglo, as pessoas particularmente interessadas no astunto examina comu- Irente em mindcias 0 sentido vieado realmente. pelo novo regula ‘mento, Uma vez quo a lei se torna familiar, pode acontecer que yno sentido original, que seus autores haviam visado de modo ‘mais ou menos univoco, ain. no ‘eequecimento oa desaparega em consogdénela de uma alterapio de significado, de maneira que #6 68 a infima pareda dos juizes © advogados pode penetrar realmente hha finalidade yara a qual aquelas normas juridieas embaralhadas tinham sido artes elaboradas ¢ emitidas. publica por tua Ver nada sabe de razio de ser nem da validade empiriea dag normas Jurfdicas e, por eonseguinte, das oportunidades que delat decorrem, Talvez mesmo ninguém conheca muitas vezes a vali- dade de uma lei, a interpretacio que em média se Ihe dé, @ 0 imperativo que Ihe é implicito, melhor do que quem tem a intencio de violéa. © objetivo de WenrR aparece dessa forma claramente. Em momento algum rejeita ele a concepcdo geral que se tem da sociologis, a saber, que se trata de uma disciplina cujo objetivo é elaborar relacdes gerais e fornecer um saber nomol6gico. Ele préprio enveredou por esse caminho 40 construir os tipos ideais do agrupamento, da institui- 40, do dominio, do direito, da burocracia, ou ao estabe- lecer estatisticamente segundo as regras gerais da experién- cia, 0 sentido a que os homens visam em média ao se dobrarem a uma relagao social. Apenas, conforme vimos no capitulo precedente, ele se recusa a limitar a sociologia a esse tinico aspecto. Qualquer ciéncla pode proceder, se- gundo as necessidades de sua pesquisa, pelo método gene- Talizante ou pelo método individualizante, Desde que 0 exa- me cientifico do problema permaneca sempre aberto e no feche questéo em nome de preconceltos e de prescricdes filoséticas @ priori, nio hé motivo para que a sociologia despreze por parii'pris o singular. A explicac&o pelas leis gerais e a compreensio do individual sao igualmente legi- timas, e uma néo pode prevalecer sobre a outra. E mais ainda, sio duas medidas soliddrias e complementares, ambas indispensiveis, desde que tentemos dominar, na medida do possivel, a diversidade infinita do devir ¢ da realidade social. 8,’a0 contrério, um erro vedar & socio- logia certos meios de investigagio capazes de enriquecer nosso saber. Por conseguinte, quando WEBER emprega a denominac&o de sociologia compreensiva, nio tem absoluta- mente a intengéo de privilegiar a compreensio relativa- mente & explicagio, nem tampouco de condenar as outras orientagdes da sociologia, mas pretende apenas marcar suas insuficiéncias, por vezes deliberadas, e acentuar a estreiteza T Bessie eur fa théorie de la science, pigs. 396-396. 69 de certos pontos de vista. Ela é compreensiva no sentido em que abre novas perspectivas & sociologia tradicional. Se uma limitacdo existe a introduzir, é de ordem intei. ramente diferente. Certa tendéncia imperialista gostaria de anexar & sociologia disciplinas como a geografia (humana), @ demografia, a etnologia e a etnogratia e, de modo geral, 0 estudo das civilizagdes. Semelhante pretensio é insustentdvel, pois essas disciptinas constituem ciéncias ‘autonomas, cada uma com objetivo proprio de pesquisa. ¥ tio ridicula quanto a eventual tentativa de fazer da economia um ramo da biologia vegetal ou da geologia, porque ela se interessa pelos recursos vegetais ¢ minerais de um pais, ou inversamente, de subordinar pelas mesmas razées a biologia e a geologia & economia. Isso ndo quer dizer que ‘a sociologia deve guardar distancia em relagio &s pesquisas de ordem demogratica, geogréfica ou etno- W6gica. Ao contrério! Fla leva em conta o mimero dos nascimentos e dos dbitos ou as caracteristicas raciais, da mesma maneira que os fenémenos de hereditariedade, as observagées psicanaliticas, os resultados da climatolo: gia ou da ciéncia juridica. Todos esses elementos ela consi- dera como problemas a resolver por outras ciéncias e nfo apenas pelos meios do método socioldgico. Vé neles, pois, puros dados, isto é, condicdes e circunstancias do desento- lar da atividade social, desde que entrem na explicacdo do comportamento significative dos homens uns em relacio a0s outros. Acontece 0 mesmo com os objetos artificiais. ‘Uma maquina qualquer nio teré interesse em si mesma para sociologia, mas unicamente pelas eventuals modificagdes significativas que ela introduzir nos agrupamentos humanos. Suponhamos que um sébio descubra que certo indice freno- I6gico determina uma aptidio mafor ao exercicio da auto- ridade. Em si mesma esta descoberta nao teria nada de sociolégico, mas unicamente na medida em que esses homens especiais poderiam influenciar as relagdes sociais @ transformar as relagdes significativas entre o inferior e 0 superior. Respeitando a autonomia de cada ciénela, cada qual explorando um setor determinado da realidade em virtude de um ponto de vista especifico, Wenn insiste na interagio inevitdvel entre todas as disciplinas. Nao é dificil de com- preender isso. A sociedade no é um essencial em si mesma, mas se constitui de toda espécie de redes de relagGes, de intercambios e de conflitos provenientes das diversas orien- tag6es da atividade humana: a politica, a economia, a reli- 70 gifio, o direito, a arte, ete. Neste sentido, podemos falar de uma sociologia politica, econdmica ou religiosa. Nao que a sociologia tendesse a suplantar ou ultrapassar a cién- cia politica ou a economia — cada uma destas disciplinas tem uma funcio e problemas préprios — mas se constitul em sociologia politica ou econdmica na medida em que se propée a compreender, do ponto de vista especificamente sociolégico, em que sentido e em que medida a politica e a economia exercem uma acdo significativa sobre a ativi- dade social dos homens no seio de agrupamentos determi- nados ¢ orientam seu comportamento tecendo novas re lagdes ou transformando as antigas. Em outros termos, a sociologia politica e econdmica nao formam disciplinas autOnomas, mas correspondem somente & diviséo do traba- Iho sociolégico ‘segundo dirija este sua atencéo a aspectos diferentes da realidade social. A sociologia tem, pols, uma unidade pelo fato de examinar por sua vez, de um ponto de vista especifico, a diversidade infinita do real. Daf a defi- ni¢&o seguinte: “Chamamos sociologia (¢ é neste sentido que tomamos, este termo de signifieagées as mais diversas) uma cigncia cujo objetivo G compreender pola interpretagio (deutend verstehen) a atividade social, para em seguida explicar eausalmente o desenvolvimento feos efeitos dessa atividade.” ? Duas nogdes exigem aqui um comentério especial, a de “compreender” e a de “atividade social”. 2, A compreensdo As criticas a WEBER acentuaram repetidas vezes os equt vocos de sua concepcao da compreensio. Sabese que ele nfo foi o inventor desse método (que foi elaborado pela primeira vez pelo historiador DroyseN por volta de 1850). ‘Além disso, encontramse na teoria de WEBER contribuices de origens diversas (DILTHEY, RICKERT, SIMMEL, GOTTI- OPTLILIENFELD, LIPPS, JASPERS, etc.). No entraremos aqui nos detalhes que interessam & histéria da filosofia, e mais especialmente a da nocdo de compreensio, e contentar- nos-emos em expor a maneira pela qual WEBER a concebeu. Ela se vincula ao mesmo tempo & sua teoria da interpre. 2 Wirtechaft und Geeellechoft, pag. 1. 71 tnguo (por vezes ele chega ao ponto de confundir em certos toxtos dois conceitos) e & da causalidade. Isso sig Tien que a seu ver 0 método puramente naturalfstico nao porleria bastar para nos tornar inteligivel 0 comportamento huumano, pelo fato de nio conhecer senfo as relagdes pura- ente exteriores e ainda porque a interpretacao por com- prevasio, para ser vélide, deve vencer os equivocos da pura subjetividade e dobrar-se aos métodos ordinarios da inves- ligacdo cientifica. Em suma, Weber reconhece 2 legitimidade do método compreensivo, elaborado pelos que vieram antes dele © por seus contemporfineos: é ele uma condigio essen. cial da inteligibilidade dos objetos em devir. Todavia, em vez de se prender 5 quest6es puramente filosoficas’ que ‘© método levanta, ele dirige sua atongio & validade cienti fica do processo. Existem, com efeito, diversas maneiras de compreender ‘que podem favorecer ora a inteligéncia estética, ora a experiéncia direta, mas nfo so todas compa- tiveis com o rigor cfentifico, A questio weberiana 6 pois @ seguinte: em que medida a compreensio ¢ um proceso eapaz de elaborar em sociologia verdades validas para todos os que querem a verdade? Diferentemente da explica¢io puramente_naturalista, © objetivo peculiar & compreensao é sempre captar o sentido de uma atividade ou de uma relacio. Embora WEBER em: pregue a nocio de “figura significativa” (Sinngebilde), nao se detém ele nos problemas filoséficos que ela levanta,’ este, por exemplo: pertence ela a uma esfera autonoma, distint das do fisico e do psiquico? Basta-lhe constatar que a ativi- dade humana se orienta segundo um sentido que se trata de compreender para tornéla inteligivel. No entanto, ele indaga a si mesmo as diversas maneiras de entender a nogao de sentido. Certas disciplinas de cardter dogmatico, como @ l6gica, a metafisica ou a jurisprudéncia, se emper em definir o sentido “exato”, “verdadeiro” ou “corret uma relacio. Assim, a dogmética juridica se atribui, por exemplo, a tarefa de definir o sentido preciso ou exato de um pardgrafo do Cédigo Civil; ¢ a ldgica, a de elaborar as condigées das proposicdes corretas e ndo contraditorias. Outras disciplinas, as chamadas empiricas, como a historia ou a sociologia, se ocupam do sentido visado subjetivamente pelos homens ou por um grupo de homens no curso de uma atividade real e conereta, Elas procuram compreender © sentido (quer seja logicamente exato quer nio) pelo qual eles orientaram praticamente sua atividade. Toda pes. quisa relacionada com a teoria musical dos pitagéricos é 72 obrigada a aceitar antecipadamente o calculo “falso”, ao que sabemos, segundo o qual 12 quintas = 7 oitavas, da mesma forma que um estudo das priticas dos agrimen- sores romanos e cos banqueiros florentinos deve compreen- der, sem tentar corrigilos, os erros que eles puderam come- ter relativamente a0 que sabemos da aritmeética e da trigo- nometria, Desde 9 momento que se trata de regras que tiveram uma validade convencional e que orientavam subje- tivamente a atividade humana, um estudo empirico deve compreendé-las, da mesma maneira que nds compreende- mos aquele que utiliza corretamente a proposicio 2 x 2 = 4, ‘ou 0 teorema de PITAGORAS, ou entdo o que se fundamenta nas “ligdes da experiéneia” para escolher os meios mais apro- priados ao fim desejado. ‘Sendo uma disciplina empirica, a sociologia nfo conhece outra compreensio além da do sentido visado subjetiva mente por agentes, no curso de uma atividade concreta. Mas, como captar esse sentido? WEBER introduz aqui nova distingdo entre o que ele chama a compreensao atual ou imediata _e a compreensio explicativa. Compreendemos da primeira maneira o sentido de uma multiplicacio que efetuamos ou de uma pagina que lemos, ou ainda o da célera, que se manifesta por uma mimica que Ihe é peculiar ou, enfim, 0 comportamento de um lenhador ocupado em abater uma drvore, ou o de um cacador que aponta a sua espingarda. A segunda forma é indireta, porque faz inter- virem os motivos dos atos na captagio do sentido. Com- preendo, desta maneira, o sentido que uma pessoa dé a uma operacéo de cdleulo quando a vejo mergulhada em um problema de contabilidade, ou o do comportamento do Tenhador que trabalha para ganhar sua vida, ou 0 do ca- ador que se entrega a esse esporte por motivos de satide. Cada uma destas duas espécies de compreensao pode ser racional ou irracional. Sao racionais a compreensdo atual do sentido de uma operacao aritmética que efetua 0 com- portamento do lenhador que abate uma Arvore, bem como a compreensio pelos motivos quando vejo uma pessoa ocupa- da em um trabalio a fim de ganhar sua vida. Sao irracio- nais a compreensio atual da cdlera ou a compreensao pelos motives quando uma pessoa se serve de uma espingarda para se vingar ou entra em célera por cidme. Entretanto, quaisquer que sejam essas diversas formas da compreensio, caracterizam-se todas por uma evidéncia que se nos impée fora de qualquer investigacdo cientifica. Compreender, 73 ules dizer, € eaptar a evidéncia ao sentido de uma afintdade. A cvidéncia comporta, todavia, graus varidvels, de acor «lo com os casos. O grau mais elevado consiste na com. preensio intelectual de uma atividade racional, como a de uuma operacéo matemitiea que se efetua. Compreendemos, com. uma evidéncia simplesmente suficiente, as experiéncias alheias que estamos em condigGes de reviver, como por exemplo, erros que nés também somos levados a cometer, A evidéncia desta compreensio, pela revivescéncia funda: Mentada na imaginagio intropdtica, diminui a proporcao que a atividade alheia se afasia dé nossas préprias ava- Uacdes. No maximo, aceitamo-las como simples fatos, na mesma qualidade de uma reagio de ordem psicofisica ou de um fator de hereditariedade, quando a atividade alheia consiste na proeza caritativa de um virtuose do amor acésmico ou no fanatismo racionalista de um partidario dos direitos do homem. No entanto, somos téo capazes de reviver por intropatia e de compreender reacdes irracionais como 0 medo, o citime, a vinganca, quanto somos acessiveis 2 esse género de sentimentos. A evidéncia da compreenséo pode ser, portanto, perturbada quer pela intervencao de elementos exteriores incompreensiveis, como 0 acidental, quer pelo espanto psicolégico quando ‘vemos duas pessoas Teagir de maneira diferente a uma mesma situagio. O mes mo acontece com a compreensio dos motivos, quando as Taz6es confessadas no passam de pretextos que exprimem um equivoco que esté no intimo da alma de outrem, ou ainda quando individuos sio dominados por desejos contra. Gitorios, Nestes casos, a compreensio s6 pode confiar nas conclusées estabelecidas pelas cléncias que se ocupam desses problemas, como a biologia, a psicologia, a psicandlise, ete, Em suma, a sociologia compreensiva considera esses fend. menos incompreensiveis como simples dados, e os leva em conta da mesma maneira que os fendmenos fisicos ou clima- toldgicos, ou ainda, a alimentacao e o envelhecimento. Embora certos textos possam prestarse a debate, nfo Parece que WEBER tenha concebido em principio a com. Preenséo como processo puramente psicolégico. Em part cular, ele reprova SIMMEL por téla descrito como um Proceso simplesmente psiquico, quando ela é um metodo J6gico orientado no sentido da captagio do sentido de uma atividade ou de um comportamento. Mesmo que néo com: Preendamos com uma evidéncia racional a contemplagdo budista ou a mistica de monges cristios, nio 6 menos ver 7 dadeiro que na impossibilidade de reviver essas experiéncias us comportam ume relatividade sigificativa no mundo, ¢ 6 importante tentar compreendélas eventualmente gracas aos trabalhos dos que se ocuparam. dessas questdes. por sso que WEBER adverte os que se deixam tentar a interpro- tar o sentido subjetivamente visado como formando 0 “as- ecto interior” do comportamento. Tratase ai de uma maneira de falar por assim dizer infeliz, pois a sociologia compreensiva néo objetiva absolutamente fazer a decompo- sigho das manifestagbes e dos elementos psiquicos ou fisicos que acompanham, ou mesmo produzem a relagéo. significa- tiva de uma conduta com objetos. Além disso, desde que a compreensio mais plena € aquela que capta com uma evidéncia racional ou intelectual o sentido de uma operagio matematica, por exemplo, ndo se poderia alinhar WEBER centre os psicologistas. Os equivocos que encontramos em sua teoria tém por origem a importancia que ele atribui a revivescéncia (Nacherleben) ¢ & intropatia (Einfiihtung), que so conceitos utilizados de preferéncia por metodslogos de tendéncia psicologista. Isso nos obriga a precisar 0 papel da compreensio na economia geral do método socio- co de WEBER. ‘oichena coisa é certa: a captagio do sentido, subletiva mente visado no curso de uma atividade, se faz mais facilmente com base na compreensio e especialmente na evivescéncia por intropatia. Nao obstante, WEBER s6 atribul ‘a este aspecto da compreensio uma evidéncia “suficiente” e, Por outro lado, declara expressamente: “A, pose, de reviver fetiamente, 0. comportamento atheio é sem divida importante para a evidéncia peculiar & com- Preensio, mas née é uma condigho absoluta de uma interpretagio Significats Nao ¢, por exemplo, necessério ser César para com- preender César. Por outras palavras, 2 compreenséo nunca 6 senfo um meétodo auxiliar util; néo é, porém, indispen- sAvel, Facilita 0 trabalho do socidlogo, ajuda-o a apreender probiemas de que ele jamais suspeitaria sem ela, talvez; mas, do € a ultima palavra da metodologia. O verdadelro problema de WEBER ¢ outro e se situa em dois niveis dife- rentes: 1°, estabelecer, com base na compreensfo, um tipo ideal racional e evidente da atividade social, que seja compa 3 Wirtschaft und Gesellachaft, pig. 2 6 tivel com a interpretagdo racional de que falamos anterior- wnte, @ que facilite o trabalho cientifico, e 2°, dar ao \stodo compreensivo a maior validade objetiva ‘possivel. Abordaremos primeiro 0 ultimo destes problemas @ vere. mos 0 outro no momento de analisar a nocéo de atividade social. ‘Sido racionalmente evidentes, na esfera da atividade, todas as relacées significativas que se deixam compreender de maneira claramente intelectual. Entretanto, esta evidén- cia racional s6 é cientificamente valida se sua exatidio uder ser controlada pelas vias comuns do trabalho cien fico. “0 fato de possuir uma interpretagio um grau particular elovado de evidésela ainda néo prove naga quanta, & ‘sue valle Gade cientirca”= Se for necessério verificar uma proposi¢ao matemtica evidente pela demonstragio, esta exigéncia se impde com muito mais razdo & evidéncia que se obtém por intropatia, pois o vivido, quer seja experiéncia vivida pessoal, quer Tevivesoéncia da experiéncia alheia, ndo tem como tal a vali- dade de uma observacio cientifica. Reencontramos aqui as objegdes que Wene fazia & medida puramente intuitiva que renuneia & preciso de uma conceituagio rigorosa. Além disso, a0 mesmo tempo que ele alega em favor da pesquisa motivos contra os partidarios do naturalismo, afirma com igual veeméncia que sé a causalidade garante & pesquisa compreensiva a dignidade de uma proposigao cientifica. A seu ver a compreensio nfo passa de meio auxiliar que torna mais facil a descoberta do sentido, porém ela espera ser confirmada pela imputagio causal ou pela observagio estatistica. apenas sob essa condic¢éo que a sociologia compreensiva pode estabelecer regras gerais. Neste ponto a posigdo de Wenen nunca variou. Nao se poderia, pois, emi hipétese alguma, associar sua teoria & de DistHEy, que opée explicar e compreender como dois métodos auténomos. Para WEBER, toda relacio inteligivel pela compreensio deve ao mesmo tempo se deixar explicar causalmente. Nao hi, pois, motivo de espanto no fato de utilizar ele repetidas ‘vezes a expresso “explicagéo compreensiva” ou “compreen sivel” (verstehende Erkarung). * Eseais cur ta théorie de la science, pig $27. 5 Eeeaie sur la théorie de la. science, pag. 328, entre outras. 6 A combinac&o entre a explicagio e a compreensio dé por sua vez um sentido & imputagdo causal: torna-se causa: lidade significativa (sinnhajte Kausatitét), o que vale dizer que as relagdes causais (Kausalzusammenhdnge) se tornam por isso mesmo relacdes significativas (Sinnzusammenhdn- ge). Si est um dos elementos mais originais da teoria da wusalidade de WEBER. No método puramente naturalistico, a relagio de causa e efeito fica humanamente indiferente, ao contrério do método histérico. Se se limita a explica- eGo de uma atividade ou de um comportamento social apenas As relagGes causais, 0 socidlogo ai néo encontra © que fazer, justamente porque uma atividade humana nos é ininteligfvel enquanto nio compreendermos sua relati- vidade significativa aos objetos, aos meios e ao fim. Mesmo a sociologia funcional nfo é suficiente sob esse ponto de vista, E preciso algo mais, que consiste na explicagao com- preensiva; nosso conhecimento sé se satisfaz quando explica causalmente ums atividade e ao mesmo tempo apreende ‘© sentido visado subjetivamente. Entretanto, WEBER nao concebe absolutamente 0 vinculo entre a causalidade e a compreensfio & maneira dos fildsofos da Historia, que pro- curam o sentido em um fim ultimo de cardter mais ou menos profético, porém fundamentando-se na relagio com 8 valores, que definimos anteriormente. © preciso entender com isso que a compreensao e a causalidade sao limitadas a um setor determinado da realidade infinita, precisamente aquele que 6 objeto da pesquisa positiva. Evidentemente, ‘a compreensio nio poderia jamais tomar, neste caso, o valor de uma verdade apoditica, pois, observa WEBER, 0 ganho suplementar obtido pela interpretacio compreensiva em re- lagéo & simples observaco causal 6 adquirido a grande custo, pois 6 pago ao prego do caréter hipotético e fragmen- tario ‘dos resultados. Apesar de tudo, um beneficio existe: diferentemente das pretens6es dos fildsofos da Histéria, os resultados da sociologia compreensiva sio controlaveis e adquirem por isso mesmo relativa validade objetiva. 3, A alividade social e seus diversos tipos © segundo problema mencionado diz respeito a possi- bilidade de captar com a maior evidéncia possivel 0 sentido de uma atividade social. Que vem a ser a atividade (Han- dein) em geral e a atividade social em particular? 7 “Entendemos, diz Wenn, por atividade um comportamento Jhumano (pouco ‘importa que’ se trate de um ato exterior ot interior, de uma omiseo ou de uma toleréncia), sempre qus'o fagente ‘ou os agentes Ihe comunicam um sentido gubjetivo, Por atividade social ‘entendemos a que, segundo o sentido visado, @ fgente ou os agentes relacionam com o comportamento de outrem para orientar, em conseqGéncis, seu desenvolvimento”. © Esclarece, além disso, que a atividade social pode-se orientar de acordo com um comportamento pasado, pre- sente ou previsivel de outrem (uma vinganca para reparar uma agressio passada, a defesa contra uma agressio presen- te ou a organizagio ‘de medidas de defesa para prevenir uma agressio eventual). Por outrem, é preciso entender uma ou varias pessoas isoladas, ou entio uma multidao indeter- minada, Assim, 0 uso da toeda é uma atividade social, de ‘vez que 0 individuo orienta seu comportamento de acdrdo com a esperanga de que uma massa indeterminavel e des- conhecida utilizaré significativamente, no coméreio, as pecas de metal ou as eédulas bancdrias. Daf resulta que uma ativi- dade que se orienta exclusivamente segundo as perspectivas que oferecem os objetos materiais néo poderia ser chamada social, da mesma forma que o comportamento religioso de um ser que ora na solidio. Enfim, qualquer contato entre os homens néo implica, como tal,’em uma relagio social. A coliséo involuntéria entre dois ciclistas nada tem de uma Telago social; no entanto, esta aparece quando os dois ten- tam evitar um ao outro ou, apds 0 choque, quando come- gam as invectivas de parte @ parte ou se inicia uma troca de palavras para um entendimento amigével. A pressupo- sigfo fundamental de uma atividade social 6, pois, a relativi dade significativa a0 comportamento de outrem. Faltando essa relatividade, uma atividade uniforme de varias pessoas isoladas nfo poderia ser tida como social; por exemplo, 0 fato de abrirem os transeuntes de uma rua ‘os seus guarda-chuvas, ao mesmo tempo, para se protege- rem de um aguaceiro que comeca a cair. Mesmo a imitagdo € a tradicéo nao comportam necessariamente uma atividade social quando so simples repeticio de um gesto para si mesmo, sem orientagdo segundo 0 comportamento de um terceiro. Evidentemente, na realidade, as transigdes entre a imitagio, que é simples reacdo de gesto, ¢ a que comporta uma relatividade significativa sio muitas vezes vagas; geral, a distingio sé se pode fazer encarando-se cada caso © Wirtachaft und Geeellschoft, pig. 1. 8 particular. Podesse dizer 0 mesmo de certos comportamen- tos isolados, mas influenciados pela massa. Sem entrar nos detalhes da'casuistica estabelecida por WEneR, observemos que para a sociologia compreensiva a distinedo entre uma atividade que se traduz por simples comportamento simul- taneo ou sucessiva de vérias pessoas e 0 que se orienta signifieativamente segundo um terceiro é absolutamente fundamental. Embora esta ultima série de comportamentos interesse apenas & sociologia compreensiva, por ser a forma priméria de atividades mais complexas, como as do agrupa- 10, da instituics0, do convénio e da associagao, a pri meira série pode, entretanto, constituir 0 objeto de uma sociologia puramente causal, Esta observacao confirma, uma vez mais, a idéia de WeKER sobre a sociologia compreen- siva: seu’ propésito nao é substituir a sociologia existente nem ultrapasséJa, mas sim completé-la e aprofundar aspec: tos até entéo deixados margem. Esclarecamos, enfim, que, se a relatividade significativa 6 essencial, nao necessario, que 0 agente tenha tido consciéncia do sentido de seu comportamento quando ele se orienta segundo o de outrem. Em muitos casos, cabe 20 especialista da sociologia com preensiva descobrir esta relatividade inconsciente, quando procura tornar inteligivel um comportamento social. Dai uma dificuldade cue deve ser precisamente resolvida pela investigacio cientifica ordinaria: 0 sentido que 0 socidlogo acredita dever dar a uma atividade 6, porventura, verda- deiramente aquele a que os agentes visam consciente ou inconscientemente? Como toda compreensfo tende para a evidéncia, 0 pro- blema 6 definir a atividade social mais evidente racional mente. Para isso Wener distingue a atividade racional por finalidade (2weckrational), a atividade racional por valor (wertrationel), a atividade afetiva (afjektuell) e a atividade tradicional (‘raditional). De acordo com a exposicio que fez destas quatro espécies de comportamento, comecaremos ‘a explicagio pelo que é menos evidente: 0 comportamento tradicional. Situa-se no limite da explicacio pela sociologia puramente causal e pela sociologia compreensiva, porque consiste muitas vezes ern uma conduta maquinal, por obe- diéncia inconsciente ao costume e porque comporta por isso elementos nfio-compreensiveis. Por outro lado, situa-se, ‘as vezes, no limite do comportamento racional por valor, quando 0 agente considera a tradi¢io como um valor que merece ser respeitado. ¥ claro que se encontra muito rara- mente, na realidade, uma conduta estritamente tradicional. 79 loo nae ¢ indispensivel, 4 que para WEBEK este comporta- inento 6 um tipo ideal que serve para determinar se uma ividade conereta se aproxima (até que ponto) do tipo puro da atividade tradicional, ou se dele se afasta para se aprosimar ora de uma atividade simultanea apoiada na explicagao unicamente causal, ora, ao contrario, de uma uividade racional significativa. © mesmo acontece com a atividade afetiva. Também cla comporta elementos nio-com: preensiveis de ordem instintiva, sensorial, emocional ou pas sional, ou ainda uma sublimacao a ser explicada pela psico: logia ou pela psicandlise. Age de maneira afetiva aquele que procura satisfazer uma vinganca, aproveitar um gozo pre- sente, dedicarse ou entregarse & pura felicidade contem- plativa. Trata-se, pois, igualmente, de um comportamento que se situa no limite do que se baseia na pura psicologia ou, ao contrério, em uma orientac&o no sentido da racio- nalidade por valor, no sentido da racionalidade por finali dade, ou nos dois a0 mesmo tempo, de sorte que, na quali- dade’ de tipo ideal, ele serve para determinar até que ponto uma atividade concreta se aproxima de um puro comporta- mento psicolégico ou um comportamento orientado no sen- tido de uma racionalidade significativa. A atividade racional por valor se caracteriza pelo fato de se inspirar, no curso de seu desenvolvimento, apenas na conviceao do agente, sem se preocupar com as’ conseqilén- cias previsiveis. O individuo se pde a servico exclusivo de um valor, ou de uma causa de ordem religiosa, politica etc., ‘com 0 sentimento de que o dever se lhe impée incondicional e pessoalmente. Tal atividade é racional, porque se recusa a dar crédito unicamente ao sucesso e & adaptacio as normas em vigor, ¢ tenta revestirse de uma coeréncia interna que se traduz em atos conformes & convicgao. Nao obstante, ela 6 irracional sob outros pontos de vista, de vez que tem'por fim um valor exclusivo, sem qualquer confronto com os outros fins possiveis e sem reflexio critica sobre a oportu- nidade dos meios e sobre a ironia das conseqliéncias previ- siveis. O que conta é apenas a harmonia da conduta com as exigéncias do fim desejado. Tal atividade se torna tanto mais irracional quanto faz do fim um valor mais absoluto. Vale dizer que ela é incapaz de tomar consciéncia do que hd de irracional em sua conduta; isso sera fungao da ativi- dade racional por finalidade, Vé-se, sem outro comentario, que no plano da ética, a atividade racional por valor corres ponde a0 que Wener chama em Politik als Beruf a moral de conviccao, que ele opGe & moral da responsabilidade, 80 cujo fundamento sociolégico é a atividade racional por finalidade, * Esta titima possul uma prioridade em relagdo & socio- Jogia compreensiva, pois comporta mais evidéncia racional. ‘Sua caracteristica 6 ser uma conduta que, uma vez, fixado © fim, segundo reflexio amadurecida, escolhe os meios mais apropriados levando em conta conseqiiéneias previsiveis, ‘capazes de acompanhar 0 desenrolar da acao. Sua evidencia vem do fato de se fundamentar ela nas regras gerais da experiéncia, no para a estas se submeter cegamente ou para delas fazer’ um critério intangivel, mas sim para ordenar, © mais racionalmente possivel, a previsio. Nao é tampouco uma simples adaptagéo a situagdo dada, pois, segundo © caso, ela pode tentar o impossivél para realizar 0 possivel. Seja como for, leva em conta o antagonismo dos fins, a varledade e a’ concorréncia dos meios, bem como as con: seqiiéncias que poceriam eventualmente ‘contradizer a inten- ¢0 do agente ou fazer desviar a acio para um resul- tado nao desejado. Esta definico 6 puramente de tipo ideal. © que nao a impede de comportar certas variedades. , por ‘exemplo, possivel cue sob a pressdo das necessidades, 6 fim se imponha em nome de uma urgéneia que nfo admite discussao; neste caso a atividade pode sé ser racional por finalidade no plano dos meios. Pode acontecer também que © fim se imponha ao agente com a exigéncia imperativa da racionalidade por valor, embora no sendo imediatamente realizvel porque sup6e’ um trabalho de folego; neste caso, 2 racionalidade por finalidade pode consistir em uma hie- rarquia dos meios com base em um plano progressivo. ‘A atividade racional por finalidade 6, pois, um caso limite te6rico, que nio exclui, em certos’ niveis, relacdes com a racionalidade por valor. , pois, como tipo ideal da atividade social mais evi dente’ racionalmente, que 0 comportamento racional por finalidade desempenha 0 papel mais importante, quer 0 agen- te construa de maneira de tipo ideal a relacio de meio © fim e 0 curso provavel dos acontecimentos segundo 0 sen- tido a que ele visa subjetivamente, quer 0 sabio elabore tal construgio a fim de precisar 0 sentido visado realmente pelo agente ou pelos agentes, para medir a disténcia entre seu comportamento real e conéreto e suas intengdes iniciais. Com efeito, um ser histérico nao tomaria a decisio de agir 7 Ver Max Wenn, Le savant et le politique, Paris, Plon, 1959, pigs. 186 0 segs. a1 ny stun ugio no devesse abrir novas possibilidades; pa lunto, ter um sentido. Para isso, sendo racional sua acéo lo pesa os meios e as conseqiiéncias previsiveis, examina us condigées independentes de si, que podem afetar seu pluno; em suma, constréi em pensamento o tipo ideal da ugiio futura sob’ forma de projeto. A tnica diferenca em relngdo ao historiador e 0 socidlogo consiste em que estes liltimos tém a vantagem de julgar uma ago concluida, de sorte que, construindo o tipo ideal da atividade mal por finalidade, eles podem avaliar, no limite de seus conhe- cimentos, se a reflexao dos agentes sobre os meios e as consegiiéncias previsiveis estava correta, se pudessem efeti- vamente esperar uma realizacao de seu projeto, portanto se © curso real das coisas correspondia efetivamente ou nao ao sentido a que eles visavam subjetivamente. Assim, © tipo ideal da agio racional fornece ao sociélogo a opor: tunidade de apreciar o alcance da intervencao dos elemen- tos irracionais, de ordem acidental, afetiva ou outra, de medir a importancia das perturbagdes e calcular 0 afasta- mento e 0 desvio do desenrolar real da atividade em re- lacdo ao sentido visado subjetivamente. A titulo de ilus- trace, tomemos dois exemplos de WEBER. Quando nos propomos a examinar um panico na Bolsa, é bom construir © tipo ideal da atividade bolsista regular, para sabermos como a atividade se teria desenrolado sem a intervencio dos elementos irracionais ou imprevisiveis, e medir com isso a importancia das perturbag6es. Em outras palavras, © tipo ideal elabora um curso ideal fundamentando-se na categoria de possibilidade objetiva, com vistas a efetuar a imputagdo causal mais correta possivel. Assim também acontece “quando estudamos uma batalha ou qualquer outra operagio militar ou politica, Constrdise em pensa- mento, de maneira puramente racional, um tipo ideal da batalha, para se saber como o acontecimento se teria desen- rolado ‘se os atores, ou seja, os dois comandantes-chefes adversdrios tivessem tido conhecimento completo das cir: cunstncias e da situagao respectiva em seu préprio campo e no do inimigo, se tivessem tido em mao todas as infor- magées de que disp6e 0 historiador. Esta construgao utépica permite determinar, por comparag&o com o curso real, quais 0s erros cometidos, qual a influéncia dos elementos aciden- tais e das decisées irrefletidas. Este exemplo mostra, pois, também, como a construcao objetivamente possivel permite fazer a imputacdo causal, compreender a importancia da falta de informagoes, ou ‘das informacoes falsas, apreciar 82 © valor de um chefe e, por conseguinte, a participagéo de seu temperamento nas’ decisdes que tomou, e assim por diante. Compreende-se agora por que WEBER sempre negou ter inventado um instrumento metodolégico novo a0 propor a nogio de tipo ideal, uma vez que nio fez mais do que elaborar logicamente uma prética espontanea do historiador e do socidiogo, que se referem constantemente, no curso Ge suas explicagdes, a um quadro ideal da atividade para compreender uma ‘ago. JOURDAIN admirava-se de fazer prosa sem o saber. Em suma, 0 tipo ideal é um conceito de grandes recursos, uma vez que alia o vigor na pesquisa 20 rigor cientifico. ¥ impossivel construir um tipo ideal da assoclagéo em geral (sociologia sistemética) para descre- véla como atividade societaria com uma finalidade, servi gos, membros, um quadro diretor, um estatuto, uma du. Tago, ete, (como WEBER fez no parégrafo 52 de seu Essai sur quelques categories de la sociologie compréhensive), ou entio 0 de uma associagio concreta (sociologia histé- rica) para confrontar com seu sentido visado teoricamente © desenvolvimento prético e empirico, Para tomar outros exemplos, que Wesmr no cita, podese elaborar um tipo ideal da guerra em geral (no sentido em que CLAUSEWITZ © fez sob a denominagdo da guerra absoluta) e de uma guerra particular qualquer. Que vem a ser 0 Contrato Social Ge ROUSSEAU, sendo a racionalizagio utdpica do governo direto do povo pelo povo? Ninguém profbe a0 sébio que coneeba um tipo de erro para melhor aprender o.afasta- mento em relagio ao tipo de exatidio, Em suma, nio existe tipo ideal tinico da atividade racional por finalidade e 0 sociélogo pode elaborar tantos quantos forem necessérios para compreender a relatividade significativa de qualquer atividade particular que comporte a relagio de meios e fim, com vistas a melhor captar as contradigdes, as_dissimu- lagdes, as perturbagdes, as sublimagées, as tensoes e 0s valores que se achavam em jogo, por vezes sem que 0s agentes 0 soubessem. ‘A gama das construgGes de tipos ideais varia segundo as necessidades da pesquisa. Uma coisa, entretanto, deve ser notada: a atividade racional por finalidade no é neces. sariamente idéntica a0 tipo ideal da exatidio ldgica, na acepgfo com que falamos anteriormente de um sentido Gogmaticamente justo e verdadeiro, Com efeito, a raciona lidade segundo a exatidao tem a ver unlcamente com a re- lagdo de meio e fim em condigées dadas. WEBER também 83 faz ver que uma atividade que 0 sAbio se propoe a explicar pode parecerthe como eminentemente racional por finali- ‘dade, mas ser orientada da parte do agente segundo suposi- g6es'mal fundamentadas. Assim, uma atividade de cardter magico possui muitas vezes caréter racional por finalidade, superior a0 comportamento religioso, que, em conseqiiéncia do desencanto do mundo moderno, é obrigado a tolerar toda espécie de irracionalidades de cardter ideoldgico ou mistico. Além do mais, como a atividade racional por fina- lidade encara a relacao mais adequada entre os meios e 0 tim, levando em conta conseqiiéncias previsiveis, pode, con- forme 0 caso, servir na pritica ao homem de agio: todavia, nio poderia jamais aspirar ao valor de uma norma. Qual- quer que seja o uso que se faz do tipo ideal, s6 possui ele a validade de um “paradigma”, cujo objetivo é compreen- der uma relatividade significativa. Em outras palavras, ele sse afasta necessariamente da realidade empirica para melhor dominéla teoricamente. Como tal, ¢ sempre wm instru- mento. &, portanto, um erro fazer da atividade racional ‘© fim ultimo da sociologia. Considerando-se a realidade, é 0 contrario que parece mals certo, pois as atividades con- cretas, em sua maioria, se desenrolam a despeito da pura racionalidade, tio numerosos sio os fatores irracionais, acidentais e incompreensiveis que intervém. F por isso que, seja qual for o tipo ideal, o da atividade tradicional como © da atividade afetiva e da atividade racional por valor ow por finalidade, ele nunca passa de um quadro utépico, elabo- rado teoricamente para facilitar a pesquisa. Sua validade €, pois, sempre problematica e sua utilidade s6 se comprova, através de sua fecundidade na pesquisa. 4, O individuo Sendo a relatividade significativa entre um comporta- mento e 0 de outrem capital para a sociologia compreensiva, esta nao poderia ter outro fundamento a no ser o individuo. ¥ preciso entender com isso que WEBER considera que, no ponto de vista sociolégico, o coletivo nao constitui uma realidade em si. A compreensio, escreve ele, “considera o individuo isolado; © sua atividade como a unidade de base, diria em seu atom, se me permitem utilizar de passaxem festa comparagio imprudente. “A fungio de que se revestem outras mmaneiras de Ver aa colaas pode muito bem fazer com que o indi- ‘Viduo,seja eventualmente tratado como um complexo de processos Priquices, quimicos, ol outros. Do ponto de vista “da sociologia, $4 fentretanto, tudo o que fica aquém do limiar de um eomportamento Felativo 2) objelos (exteriores ou intimas), uscetivel de eer. in ‘erprotado significativamente, 26 6 levado ‘em conta nas. mes indigoes dos acontecimentos da natureza, estranha A signifien isto é, como eondigses ou objetos subjetives da relatividede di ‘compertamento, Pola mesma razio, 0 individuo forma 0 Superior, pois ele 6 0 tinieo portador de comportamiento signif Nenhum ‘modo divergente de exprimislo poderia. dissima A raziio invocada neste texto, a saber, que s6 a pessoa individual 6 um agente compreensivel de uma_atividade orientada significativamente, jé bastaria para justificar sua posicao. Importa também evitar os mal-entendidos. Convém igualmente esclarecer melhor sua concepgao. Todo apelo a um sentido supde uma consciéncia, ¢ esta € individual. Were néo encara, sequer, a hipdtese de uma consciéncia ‘coletiva, porque ela lhe parece néo passar de pura suposicao, se se quiser aceitar o ponto de vista em que ele se coloca. Com efeito, a avaliacio dos meios em funcéo do fim, a escolha desse fim, a previsio das conseaiiéncias, a decisdo e finalmente a determinacdo na execucio, enfim tudo 0 que intervém no curso de uma relatividade’signifi- cativa, pertence & vontade do individuo. Este constitui uma unidade por si mesmo e, & falta desta unidade de base, a sociologia se arrisca a perder-se na incoeréncia e na con- fuso, buscando sem cessar sua validade como ciéncia auto- noma. A individualidade significante é, afinal de contas, © postulado sem 0 qual a sociologia compreensiva, em busca do sentido da atividade social, nfo teria mais, nem ela mes- ma, sentido. Certamente, ela ndo passa de um ponto de vista espectfico sobre a realidade infinita, mas como tal ela deve submeter-se & lei de seu ponto de vista, sob pena de ser tio-somente uma divagagio como pretensio clentifica. A este respeito, os conceitos coletivos s6 se tornam socio- logicamente inteligiveis a partir das relagdes significativas que as condutas individuais comportam. Certamente, existe uma infinidade de outros pontos de vista possiveis, cada um dos quais dando origem a uma ciéncia diferente ¢ autd- noma (ai estd 0 momento subjetivo inevitavel de toda me- dida cientifica), mas uma vez escolhido o ponto de vista, € preciso submeterse a suas condigdes. Em outras pala- vras, a sociologia compreensiva nfio exchii absolutamente a legitimidade dos outros pontos de vista, inclusive o da © Besais sur la théorie de la science, pég. 845. Ver também Wirtschaft und Gesellschaft, pig. 6. 85 sociologia puramente causal. WEBER o acentua justificando @ necessidade da individualidade da relatividade significa tiva peculiar & sociologia compreensiva, gragas a uma com: paragio com as medidas peculiares a ciéncia juridica e & Psicologia. ‘Ninguém pode proibir 0 sociélogo de utilizar conceitos coletivos como os de feudalismo, Estado, nagao, classe, familia e outros. O uso corrente os impée, e seria de um ‘pedantismo exagerado néo se conformar com ele. Isso nao impede absolutamente a sociologia, quando ela fala, por exemplo, do Estado, de entender esse conceito & sua ma neira, que no é ada politica nem do direito. A ciéncia Juridica vé nele uma entidade autOnoma, dotada de perso- nalidade moral, da mesma forma que considera o embrido ‘como personalidade juridica, diferentemente da_biologia ou da psicologia. Para a sociologia compreensiva, o Estado néo tem, pois, 0 mesmo sentido que para o direito: é ele © lugar ‘de atividades significativas das pessoas que nele participam. O que interessa ai séo, pois, os comportamen: tos que nele se desenrolam, os intercambios que Ii se fazem, ou os conflitos que’ surgem do fato da relacéo significativa do comando e da obediéncia, do poder e da proteco, etc. Os elementos do conceito coletivo de Estado, ‘que so importantes para o jurista, nao 0 sio, pois, forgo: samente, para 0 socidlogo, mesmo que este cometesse © erro de ignorar completamente o trabalho da ciéncia ju dica. Nao obstante, 0 ponto de vista do socidlogo é espect ficamente diferente, pelo fato de ter ele por funco com Preender antes de tudo o sentido subjetivamente visado Pelos membros, sentido em virtude do qual eles aceitam a realidade estatal, nela mantém relagdes sociais e exercem atividades determinadas. Poder-seiam fazer observacdes andlogas a propésito de outros conceitos coletivos como os de massa, ou de nacio. Esta depende em primeiro lugar da vontade significativa dos que querem viver em uma tal estrutura, pols, dobrando-se a vontade, a nado se degrada e por vezes sucumbe, se nao vier a cair sob 0 jugo de um vizinho mais decidido. Assim também o carisma supde uma massa, mas esta nao tem sentido senio pelas relagdes significativas dos individuos que a compéem com 0 chefe a0 qual esto prontos a se devotar. A falta da relatividade significativa, 03 conceitos coletivos sé podem tornar-se obje to da andlise da sociologia puramente causal. Serd preciso concluir dai que a sociologia compreen- siva seria um ramo da psicologia, pelo fato de ocupar-se 86 esta também do individuo? Nada mais estranho ao pensa- mento de WEBER do que esta assimilagéo, pois 0 ponto de vista sob 0 qual psicologia estuda o individuo especifi- camente diferente do da sociologia. Encontrase mesmo em sua obra uma desconfianca constante para com a disoiplina psicolégica, dadas as pretensdes do psicologismo entéo ref nante na ‘Alemanha. A psicologia é por enquanto uma ciéneia pelo menos téo hesitante quanto a sociologia, apesaz dos resultados obtidos pela psicofisica, a psicandlise ¢ a psicologia compreensiva. Sem sombra ‘de duvida, WEBER, mesmo se opondo aos psicanalistas, tirou grande’ proveito para a sociologia compreensiva das pesauisas de ordem psicanalitica, particularmente no plano da motivagio dos atos: aquele que age nem sempre sabe por que se orienta nesta ou naquela direcdo; muitas vezes nio tem qualquer consciéneia clara do sentido de sua atividade porque subli mages, pretextos, justificagdes ilusdrias que Ihe roubam essa_consciéneia. ‘Aiém disso, uma mesma atividade pode ter motivagdes diferentes, sem contar que os impulsos con- traditérios podem fazer com que pessoas diferentes reajam de maneira diversa a uma mesma situacdo ou que uma mesma pessoa adote uma atitude contraditéria ante um mesmo problema, Nao obstante, estes fatos dependem, aos olhos de WEBER, do jogo normal dos intercdmbios inter- disciplinares. Em hipdtese alguma e qualquer que seja seu estatuto, a psicologia poderia servir de fundamento & socio- Jogia compreensiva. Mais exatamente, nao mantém esta com aquela relagées mais estreitas do que com qualquer outra cléncia, A adequacéo significativa nao se deixa levar por elementos psiquicos, embora a sociologia possa levé-los em conta como fatos ou dados. Neste ponto a posicéo de WEBER sempre foi muito clara, pois ele chega a afirmar que a dis tingdo do fisico e do psiquico ¢ estranha & sociologia e indi ferente & captacio do sentido visado objetivamente no curso de uma atividade social. Enfim, 0 fato de tomar a sociologia compreensiva por base 0 individuo, por ser ele o tinico portador de relativi dades significativas, néo quer dizer que ela seria individua- lista por oposig¢éo'a uma disciplina que fosse coletivista. Em qualquer circunstancia, nao se poderia atribuirdhe ‘@ intencéio de querer afirmar o valor tinico e a dignidade do individuo ou da pessoa. Semelhante posigio ¢ ética e, além do mais, contradiz o principio da neutralidade axiolégica indispensdvel a qualquer trabalho verdadeira- mente cientifico. Tampouco no é pelo fato de utilizar 87 ® soclologia métodos ractonas ou tipos racionais, que se Poderia concluir que ela é racionalista, O que 6 peculiar 8 toda cléncia ¢ introduzir, com base em uma subjetividade original, uma racionalidade no real para explicé-lo e com. preendé-lo; assim fazendo, nao dé ela, entretanto, nenhum argumento ao racionalismo que 6 continua sendo uma concepeio filosdfica que depende de uma convicgao e de avaliagdes ultimas, pessoais e subjetivas. 5. As oportunidades e as estruturas sociais A atividade social, que Weser chama ainda atividade comunitéria (Gemeinschaftshandeln) no Essai sur quelques catégories de fa sociologie comprénensive, é a realidade pri- méria da sociologia como ele a concebe. Pode ela ter carater Ocasional e efémero, como um encontro sem um amanhé, uma conversagao com desconhecidos em um bonde ou uma discussio entre os participantes de uma reunifo publica, ou ainda adotar formas durdveis que constituem o funda: mento da majoria das estruturas sociais. B & andlise dos tipos destas formas durdveis que se dedica o Essai_sur quelques catégories de ta sociologie compréhensive. Para compreender plenamente esse estudo, importa prestar aten- 0 a uma nova nogio que comanda quase todas as exp! cagdes sociologicas de WesER, a de oportunidade, Este ter- mo, que ele nunca definiu'de maneira estrita, embora desempenhando papel capital, marca o carter probabilis- tico de toda construgéo sociolégica, carter que ela é in- capaz de superar apesar do maior rigor cientifico, Isso no quer dizer que as estruturas sociais sejam necessaria- mente precérias, mas somente que podem perder com © tempo sua significaco, ou mesmo desaparecer, desde que a atividade dos homens a elas referente Ihes dé outra significagéo, quer por forca das necessidades, quer por motivo de interesses novos, quer em virtude da evolucéo técnica e racional da Humanidade; ou entfo podem ser Privadas de toda significacio, e neste caso morrem. Dizer de uma atividade que ela se orienta significativa- ‘mente de acordo com 0 comportamento de outrem, é admi- tir que o agente tem o direito de contar, de certa forma, com uma regularidade na conduta dos outros; portanto, que seu comportamento Ihe deixa entrever esperancas, em fungdo das quais pode ele julgar ter oportunidades de éxito 88 em seu empreendimento. Reencontramos aqui a nocao de possibilidade objetiva. “Uma das raxtes extremamente importantes ¢ compreensiveis, da explicagao da atividade consisto precisamente na. existénc fobjetiva desta espécie de oportunidades, o que quer dizer a pro- babilidade maior ou menor, exprimivel em’ um julgamento objetivo Ge possibilidade, indieando que se pode, com toda razao, contar ‘cont esas expestagies”. Por outras palavras, a atividade social se caracteriza pelo fato de regular o agente sua conduta segundo a espe- Tanga de que os outros se comportem de uma certa ma- neira, de sorte que ele encontre nisso uma razéio favordvel ou uma oportunidade de levar a bom termo a ac&o enca- rada, Esta oportunidade pode consistir no fato de os outros respeitarem um acordo combinado ou o respeitarem em média no sentido em que o agente o entenda subjetiva- mente. A falta de um acordo explicito, o agente pode esperar ‘que 08 outros se comportem de certa maneira em face de ima racionalidade por valor, ou que eles ajam por dever, por tradigéo ou por dignidade pessoal em um sentido pre~ visivel. Isso também 6 vélido para uma atividade que se propée a violar um regulamento, pois o transgressor conta precisamente com a oportunidade média de que os outros continuarao a orientar seu comportamento de acordo com. sua méxima habitual. Sob este ponto de vista, 0 ladrio, por exemplo, violando de maneira consciente ¢ subjetiva- mente significativa o regulamento, se orienta, apesar de todo seu comportamento, de acordo com esse regulamento, mas dissimulando seu ato, sendo a violagio nfo teria mais nenhum sentido, A oportunidade exprime pois que em média, ou segundo toda probabilidade, os homens orienta- Téo suia atividade de acordo com um sentido que se exprime quer em um regulamento, quer em um habito, quer em um valor ou uma crenga, de sorte que cada um deles encontre Tarbes favordveis para a orientagéo de sua propria ativi- Gade. © somente existindo e subsistindo essa oportunidade que uma estrutura social seré durdvel. Em outras palavras, 2 oportunidade 6 por si sO o fundamento sélido de ums relagéo social, ao mesmo tempo que ela the dé uma consis- téncia. Dizer que um regulamento esté em vigor, ou que um Estado exerce normalmente suas prerrogativas é reconhecer ‘que em média os homens se submetem a esse regulamento Hevais eur la théorie de la science, pag. 348. 89 e respeitam as decises do Governo. Se esta oportunidade diminui, a duracéo da relagdo ou da estrutura social se vé comprometida. ‘A nogio de oportunidade esté, pois, ligada a categoria de possibilidade objetiva, o que vale dizer que, nas condi ges objetivamente dadas, 6 provavel que os homens ‘agirio de maneira que se pode prever aproximadamente. A nocdo de adequacio se reveste aqui de todo o seu sentido. ‘Uma atividade social seré chamada causalmente adequada (kausat addquat), quando, segundo as regras gerais da ‘experiéncia, portanto segundo uma regra de probabilidade, se pode esperar que um comportamento determinado seré @ conseqliéncia de outros comportamentos cujo sentido visado subjetivamente se pode apreciar em média e aprox smadamente. Esta atividade seré significativamente adequada (sinnhajt adéigquat) quando, inspirando-se nessa probabili- dade, ela se desenvolver com coeréncia com base em uma Justa estimativa dos meios a utilizar para atingir o fim, Partindo dessa nocéo de oportunidade, WEBER mostra como a atividade social se complica e da’ lugar a outras ‘atividades que formam a base das organizagoes politicas, econdmicas, religiosas e outras. Nao tem ele absolutamente B pretensiio de reconstruir a sociedade, mas sim isolar os tipos de estruturas sobre as quais repousam as instituigdes -varidveis da Historia. O tipo ideal, o elemento primeiro 6, ois, a relagio social, isto 6, 0 comportamento de uma pluralidade de individuos que, pelo contetido significative de suas atividades, regulam sua conduta reciprocamente uns pelos outros. Pouco importam as razées ou motivos elos quals eles agem (0 medo, a solidariedade, a preocupa- s80 de protecio), o importante é que a oportunidade de Uma relatividade significativa dos comportamentos uns em relag&o aos outros existe e que os individuos ajam aprox m™madamente de acordo com ela, entendendose que esta Telatividade pode referir-se a um comportamento atual ou ‘Potencial e provavel dos outros. # evidente, sem maiores explicagdes, que 0 contetido significativo em causa é 0 con- tetido empfrico a que os participantes visam efetivamente ou em geral e de modo algum um sentido normativamente justo do ponto de vista l6gico ou ético. Dito isso, quais sio 0s tipos fundamentais da atividade social? a) A atividade societéria (Geselischaftshandein). Ela supée a existéncia de regulamentos estabelecidos pela von- tade dos membros ou ainda aos quais ela dé livremente sua 90 adeséo. Hé pois na base um acordo explicito sobre um estatuto, Os regulamentos definem a finalidade da organiza. Gio, 0$ meios, os servigos, 0 patriménio, a composicio do fparetho dirigente, as sangdes contra os recalcitrantes, as prerrogativas, 0 modo de adesio, etc. Em geral, trata-se de uma estrutura duravel, embora com 0 tempo certos mem- bros possam deixé-la e outros possam aderir a ela, desde que aceitem 0 estatuto. Esta espécie de estrutura se encontra hha base da maioria das associagdes, por exemplo, as asso: ciag6es esportivas ou de beneficéncia, as associagdes de ex combatentes, os partidos politicos, os sindicatos, etc. Este genero de organizscio subsiste enquanto os membros nele encontrarem um interesse, isto 6, enquanto estiverem dis postos a respeitar o sentido visado subjetivamente, embora este possa ser interpretado de maneira diferente pelos mem- bros ou possa variar no curso do tempo com a concordan- cia dos interessados. b) A atividace por entendimento (Binverstindnishan dein). Neste caso, tratase de uma estrutura que ndo re pousa em nenhum estatuto e, portanto, em nenhuma espé cie de acordo, de convengio ¢ de regulamento, mas que os participantes Tespeitam como se houvesse uma obrigacéo, pois nela encontram uma relatividade significativa. No ex tremo inferior, esta atividade ¢ inteiramente efémera, como, por exemplo, ‘quando as pessoas prestam socorro’ a um afogado; no extremo superior, a estrutura € duravel, como @ economia do mercado, a comunidade racial ou nacional, ou até mesmo o respelto que se deve em nome da polidex Nio se deve confundir absolutamente entendimento com solidariedade, pois, submetendo-se ao principio do mercado ‘ou da polidez, os que participam nessa atividade podem combater uns ‘contra os outros e travar entre si uma luta surda ou aberta, ¢) A atividade institucional (Anstaltshandetn). Carac- teriza-se pelo fato de encerrar um estatuto, em geral editado isto €, regulamentos explicitos cuja existéncia no depende da vontade dos membros. Nao aderimos a ele, mas verionos membros de uma instituicio por nascimento, por educagdo ou pelas circunstancias da vida. Ela néo exige, pois, nenhu- ma vontade formal, nenhuma declaragio explicita, © no entanto 0 fato de existir um regulamento submete os mem- bros a um aparelho de constrangimento. Este tipo de estru tura existe na famflia, nas organizagées politicas de con- junto como a tribo, a comunidade, o Estado, ou ainda nas ‘organizagdes religiosas, como uma Igreja. ot 4) A atividade de agrupamento (Verbandshandein). Tratase de uma estrutura & qual aderimos sem obrigacao e & falta de qualquer regulamento explicito ou definido. E mesmo assim ela encerra uma autoridade que determina © sentido da atividade e exerce eventualmente um constran gimento sobre os membros. E 0 que acontece com a comu- nidade do mestre e do discfpulo, do profeta e de seus adeptos, do chefe carismatico e de seus partidarios. ‘Como todos os tipos ideais, nfo se encontram por assim dizer jamais na realidade essas estruturas em sua Pureza légica. Pode haver entre elas toda espécie de tran- sigdes mais ou menos discerniveis. Enfim, em geral, um mesmo individuo participa ao mesmo tempo em todas essas estruturas, ou pelo menos na majoria delas, e orienta consegiientemente de maneira significativa sua’ atividade. 6. A relagdo social e os conceitos jundamentais da sociologia A atividade social esta na origem de toda sorte de relacdes sociais que WEBER define — como ja vimos como as relagdes significativas segundo as quais os indi- viduos orientam reciprocamente seu comportamento uns com os outros. Sem um minimo de reciprocidade, nio poderla haver relacdo social nem orientacdo significativa de um comportamento: esta nocio é, pois, caracteristica e fundamental. Isto néo quer dizer que todos os que parti clpam em uma relagéo social Ihe dio exatamente 0 mesmo contetido significative (reciprocidade nao € solidariedade). Por outras palavras, a reciprocidade nas condutas nio é sindnimo de reciprocidade no sentido a dar & relacdo social. Dois adversdrios orientam reciprocamente seu comporta- mento, um em relacéo a0 outro, precisamente porque néo dao 0’ mesmo contetido significativo & relagdo que se thes opée. Uma relacdo social que repouse em atitudes inteira- mente idénticas para uma e outra partes quanto & recipro- eldade do sentido no passa de um caso limite. Ao contrério, a reciprocidade pode ser positiva ou negativa: os homens nio mantém entre si apenas relagdes de amizade, de con- fianca e de coneérdia, mas igualmente entram em ‘oposicéo uns com os outros provocando conflitos e antagonismos de toda sorte, desde a luta‘ belicosa e violenta & concor- réncia erética’ ou A emulacio. Nada, pois, leva a crer que a Telagio social deva ser pacifica por natureza; muitissimas 92 ‘vezes, mesmo, a paz consiste em um deslocamento da luta para um outro plano, ¥ evidente que nestas condicdes ‘© contetido significative de uma relagao pode mudar com 0 tempo: uma solidariedade pode-se transformar com os mes- mos parceiros em uma concorréncia de interesses. Aqui também, estamos sem cessar a bragos com toda sorte de transigGes que 56 conseguimos delimitar pelo uso dos tipos ideais. Baseando-se nesta nocdo de reciprocidade significa- tiva, que liga unicamente individuos no curso de uma ativi- dade, WEBER vai elaborar uma definigao rigorosa dos con- ceitos fundamentais essenciais que a sociologia emprega regularmente no curso de suas investigacdes. ‘Toda relagdo social durdvel supde regularidades. No plano mais imediato, consistem no uso (Brauch) e nos costumes (Sitte). Para evitar qualquer interpretagio onto- logica ou substancialista, WEBER as define pela nogio de oportunidade. O uso consiste na oportunidade de uma regularidade persistir em um grupo pelo fato de a seguirem praticamente. Torna-se costume quando a regularidade toma © caréter de uma rotina ou de uma familiarizagdo. A carac- teristica essencial destas duas regularidades reside no fato de no serem elas obrigatorias, de nao serem elas garan- tidas exteriormente por um constrangimento, ou seja, os individuos as observam livremente, por comhodismo, ‘por encontrarem nelas um interesse. E costume tomarmos pela manh café da manha; entretanto, néo existe nenhuma obrigagao de fazermos tal refeicio, nem de a prepararmos de determinada maneira, Na maioria das vezes, 0s homens reagem socialmen‘e sob 0 efeito de um constrangimento mais ou menos consciente € perceptivel; neste caso, eles se submetem a uma ordem legitima. A’ oportunidade de Tespeitarmos essa ordem se chama validade da ordem. Um funciondrio que chega na hora certa & sua reparticao 0 faz muitas vezes por simples rotina e por interesse, mas tam- ém em razio da validade de uma ordem que, se ele violas- se, poderia trazerihe aborrecimentos. Em geral, a ordem que se respeita por costume é mais estével do que a que € simplesmente obrigatéria, salvo quando ¢ legitima (na maioria das vezes os dois elementos se juntam). Nao obstante, a existéncia de um constrangimento ndo permite identificar costume com ordem; conceitualmente, trata-se de duas coisas diferentes, como se vé na atitude de quem se bate em duelo, apesar da proibigdo: de um lado, ele obedece livremente a ‘um costume, o da honra; de outro, reco 93 nhece a validade da ordem legitima, pelo fato de dissimular seu ato, As formas tipicas da ordem legitima sio a convencao € o direito. A convengao significa que uma regularidade se acha garantida pela oportunidade de se exporem a uma reprovacdo geral no seio do grupo os individuos que dela se afastam ou que a violam. O direito significa que a valt- dade da ordem ¢ garantida por um constrangimento fisico ou psiquico que um orgio, especialmente criado para tal efeito, exerce sobre os membros do grupo, com possibi dade de castigar os infratores (WEBER admite sem dificulda- de que esta definico do direito ¢ valida unicamente para a sociologia compreensiva, pois 6 possivel elaborar outras a partir da ciéncia politica, econémica ou juridica). Diferente mente do costume, a convencao supe uma opiniio com: pulsoria do grupo, sob a forma de um atentado & reputacao social; diferentemente do direito, esta coereao nao repousa sobre um aparetho especializado, encarregado de exercé-la. Em outras palavras, a convencao supde um constrangimento “formal” do grupo; o direito, um constrangimento “mate: rial” ou institucional. Segundo 0 caso, a opinifio que esté na base da convencio 6 mais dura que 0 direito, ou inversa- mente 0 direito opde sua exigéncia & opinido. Quanto a0 aparelho de constrangimento, caracteristico do direito, pode consistir, como nas sociedades racionalizadas modernas, em instfncia judicidria, da mesma forma que pode em outras sociedades ser a prerrogativa do cli em seu conjunto (vendetta, vhéme) ou da familia. O elemento caracteristico do direito é a existéncia de uma instdncia oficial de coer Gio, independentemente da natureza e da variedade dos meios empregados. Com efeito, 0 constrangimento pode consistir na exortagdo fraterna das comunidades religiosas como nas medidas de policia dos Estados politicos. Eviden: temente um constrangimento tal qual aqui compreendi do pela sociologia, ndo se deve confundir com o dever ético, conquanto possam as duas coisas eventualmente confundir-se, Independentemente dos motivos subjetivos que levam & submissio 0 constrangimento, os fundamentos da legiti midade de uma ordem sio de natureza diferente. Podemos respeité-la em virtude da tradicio (validade do que foi), ou entiio se uma crenga de cardter afetivo (validade de uma revelacdo ou de um exemplo), ou ainda de uma crenca racional por valor (validade de uma convic¢io como a justi ca, a liberdade, a igualdade, ou enfim de uma erenca racio- 94 nal por finalidade (validade da legalidade). Este ultimo fundamento € 0 mais corrente em nossos dias, embora ‘a legalidade posse fundamentarse em um contrato entre @s que se comprometem a respeitéla ou entio em uma outorga que tenha por base 0 dominio de um homem, que os outros reconhecem como legitimo. Os outros fundamen: tos tém sobretudo valor historico, embora continuem a pesar na ordem legal, quando mais nfio fosse, pela atuali- dade do direito natural. Por outro lado, a legalidade, mal- grado sua universidade, Ievanta diversos problemas que estéio longe de serem resolvidos. Primeiramente, 0 que aca bamos de invocar relativamente & oposigéo entre contrato e outorga; depois, o da relaco entre maioria e minoria, entre lei e decreto, etc., sem contar o que é suscitado pela significagiio de obediéncia, segundo se opte por uma destas solugdes ou pela outra. Em outras palavras, 2 ordem juri dica e politica se chocam em antagonismos muitas vezes inconeiliavels. Em uma ordem dada, os homens se agrupam segundo dois tipos principais de relagdes: a comunalizagdo © a socia- lizago. A comunalizagio (Vergemeinschaftung) designa a atividade social uificadora que se fundamenta no senti- mento subjetivo dos participantes de pertencerem a um mesmo conjunto. A socializacéo (Vergesellschaftung) desig- na atividade que unifiea os seres na base de um compro- miso ou de uma coordenagéo de interesses segundo 0 es quema da racionalizacio por valor ou por finalidade. A pri- meira repousa em um sentimento de ordem tradicional ou afetivo, que pode ser de carter religioso, doméstico, eréti- co, étnico (comunidade religiosa, de familia, de nacdo, casal, companheirismo ctc.). Entretanto, a existéncia de tragos ou de qualidades comuns ndo se transforma em uma comu- nalizagdo senfio na condigéo de os individuos nela desco- brirem um sentido subjetivo capaz de orientar mutuamente seu comportamento em fungao do sentimento comum. ‘A socializacio repousa em um comprometimento co- mum, querido por motivos racionais (troca e mercado, associagdo para defender interesses, associagio ideolégica, ‘como um partido, etc.). Sejam quais forem as relagdes sociais, comunalizadas ou socializadas, elas podem ser “aber- tas”, quando os participantes nfo fazem qualquer objecdo adeséo voluntaria de terceiros. Caso contrério, sero cha- madas “fechadas”. Enfim, todos os participantes de uma relagio social podem ser’ solidariamente responsdveis, sob certas formas determinadas, pela atividade de cada um 95

Vous aimerez peut-être aussi