REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2004, V. 47 N 1.
raciais brasileiras do final do sculo (Schwarcz, 1993), com igual razo,
pode-se afirmar que a democracia racial, rtulo poltico dado s idias de Gilberto, reatualizou, na linguagem das cincias sociais emergentes, o precrio equilbrio poltico entre desigualdade social, autoritarismo poltico e liberdade formal, que marcou o Brasil do ps-guerra. E tal como seus antecessores, Gilberto respondia tambm ao desafio regional brasileiro. que, no comeo dos anos 1920, a revoluo esttica modernista j inventara o primitivo brasileiro, o popular, sob a influncia das emoes trazidas pelos novssimos espetculos de massa europeus e de seu gosto pelo extico o modernismo artstico j desembarcara no Brasil pelo porto de Santos e fora gulosa e rapidamente consumido pelas vanguardas intelectuais paulistas, em busca, a um s tempo, de autenticidade e de sintonia com a Europa. O pensamento poltico que subjazia a essa elite, o seu declarado culto pelo imigrante, pela industrializao e pela urbes moderna, era de todo antagnico lembrana do passado colonial luso-brasileiro do decadente Nordeste. Mesmo quando cultuaram o passado, foram o barroco mineiro, e no o nordestino, a urbanidade de Minas, e no a dos portos do Norte, os preferidos e apropriados pelos paulistas. Tem razo Antonio Cndido4 quando lembra que a grande figura humana a dar sentido ao clssico de Srgio Buarque de Hollanda (1936), Razes do Brasil, seja o imigrante, do mesmo modo que foi no planalto, e no no litoral, que Srgio plantou a esperana da revoluo brasileira. Essa tenso regionalista entre Norte e Sul acompanha tambm a institucionalizao das cincias sociais no Brasil. Para a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, Gilberto Freyre e Arthur Ramos trazem, nos anos 1930, a influncia dos discpulos americanos de Franz Boas, principalmente Melville Herskovits. Ser o mesmo Arthur Ramos quem, na dcada de 1940, usar a sua liderana acadmica para divulgar o Brasil, no exterior, como um laboratrio de civilizao e uma democracia