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ei ees Feet ee "Fernando Hedasd ""° Fin owns tn imanaquephilowphico nro ewuerda Secon typed “eBags ie Pespsadores do Nicleo de Estudos dos Dinitos da Cidadonia ~ Nedie Sine rune Er une Eaahandecontemion Xie, se meen depos pao Michael Lowy A teoria da revolugao no jovem Marx ‘Tradugdo de Anderson Gongalves y EDITORA VOZES Petropolis, 2002 SS TL RN ACTS RRR, 4 I. A passagem para o comunismo (1842-1844) 1. A Gazeta renana ‘AGazeta renana {oi ofruto de um casamento de curta dura- ssenasciddno scio da burguesiarenana, sua associago num érgio comum nfo necessitaria de explica- io suplementar. Ora, sabe-se que a intelligentsia jovemn-hege- era recrutada, sobretudo, nas camadas médias—com algu- ‘mas excegdes, das quais a mais notavel foi a do industrial Me- vissen que, alids, sempre ficou um pouco & margem do movi- ‘mento, que suas especulagées filos6ficas eteol6gicas estavam muito distantes das preocupagées concretas e materiais dos i dustriais e comerciantes renanos, enfim, sua concepgio hegeli- ge do Extado estava nos antipodas do liberalismo lve-cam- ista de um Camphausen. ‘Todavia, apesar dessas divergéncias — que provocario séri- ‘os atritos no interior da Gazeta, levario em seguida, depois de 1843, a ruprura completa -, os dois grupos tiveram éxito em encontrar um terreno comum na oposi¢ao ao Estado prussiano burocrético-feudal (oposigio “critica” para uns, moderada e “construtiva” para outros) ¢ na defesa das liberdades ameaga- das pelo absolutismo real (liberdade de imprensa para os hege- lianos, da indistria para os burgueses). Assim, de um certo modo, aevolugio do Estado prussiano ea ruina das esperangas ss |ATFORIA DA REVOLUGKO NO JOVEM MARX depositadas no “liberalismo” do rei Frederico-Guilherme [V Provocaram uma evolucao que levou as duas partes se encon- ‘trarem dentro da Gazeta renana, Durante a época de 1838-1840, a maior parte dos jovens hegelianos agitava-se no céu da critica teol6gica; o grupo mais “politizado”, representado por Ruge e pelos Anais de Halle, co- se sob 0 signo da unio entre afilosofia e o protestantis- do Estado prussiano racional em luta amontano. Em 1840, a ascensio a0 yerme IV foi acolhida, pelosneo-hege- iro passo para a transformacacrda Prissia “A primavera reverdece todos 0s cora- ges”, “uma alva de esperanca refletindo-se sobre todos 0s ros- u 6dio pelo hegelianismo se mani {estou por meio da interdigdo das revistas dessa tendéncia—su- ressio dos Anais de Halle, em junho de 1841, do Athenaum em dezembro ~ ¢ pela evicgao dos professores hegelianos da universidades; o ponto culminante foi atingido pela revogagio de Bruno Bauer em marco de 1842. O movimento jovem-hege- Jiano era assim brutalmente jogado por terra e via ser supri do, pelo Estado, seus meios de expressio tradicionais (revistas ficas, cadeiras universitérias), que também eram, a0 me- 's para alguns, meio de subsisténcia, Restavam-lhes apenas t1és possibilidade: 1. Capitular, abandonar a luta politica, juntar-se ao gover- no, desaparecer. 2. Emigrar paraa Franca ou Suicae continuar o combate do exterior, o Heine ¢ Borne fizeram depois de 1830 (e como eles réprios, em grande parte, fario em 1843). "Bruno Bauer, Der Aufstand wad Kall des deutschen Radikalismus von Jabre 850, 2d. 5: A, Corn, Karl Maree rcdnich ngs le France, 1958, tomo 165. se a uma clasee cocial potente medi ismo prus- siano e capaz de lhes abrir caminhos de expressio; esse movi- ‘mento foi 0 liberalismo burgués renano. Assim, a intervengio reacionériado Estado prussiano desa- 1u os hegelianos de esquerda da critica literaria, teol6gica e -a em que se aquartelaram até 1840 e os jogou na oposi- io politica, nos bracos da burguesia renana. Por sua ver, os liberais renanos, cujas esperangas constitucio- s8es sobre o liberalismo do novo rei foram amargamente decepcionadas em 1840°, sentiam a necessidade de instrumentos ideoldgicos (ug{dicos, econdmicos, filos6ficos) na oposicio “construtiva” que pretendiam fazer ao Estado prussiano. ‘Acvolucio de Marx insere-se neste quadro geral: membro do “Clube de Doutores” de Berlim, amigo de Bruno Bauer, au- tor de uma brithante tese de doutorado, era irresistivelmente __ levadoa carreira universitaria, E, se é verdade que desde setem- brode 1841 havia participada de discusses preliminares fun- dagio da Rheinische Zeitung’ e, em fevereiro de 1842, escrevia um artigo politico-filoséfico sobre a censura' (publicado em 1843 nas Anekdota), langou-se decididamente no jornalismo e ra vida politica apenas depois da revogacao de Bauer. E di imaginar 0 que teria acontecido se 0 governo prussiano nao ti vesse revogado Bauer e se 0 hegelianismo de esquerda tivesse sido canalizado, “sublimado” e neutralizado pela via universi- ‘aria, Uma tinica coisa é certa, essa revogacao brutal, a qual os jovens hegelianos deram a importancia de um acontecimento hist6rico e de um simbolo da p prussiano’, foi decisiva para.a “politizagao” radical do hegelia- , Le ibéralisme rhénan, 1815-1848, A. Cornu, Karl Mars et Friedrich Engels, toro orlot, 1940, p. 223.225. i 'NTEORIA DA REVOLUCKO NO JOVEM MARK nnismo de esquerda em geral e de Marx em particular’. Ao con- ‘sumar a ruptura entre 0 neo-hegelianismo € 0 governo e ao fe- char para eles as portas da Universidade, esta mesma medida fprgou a ilosofia a “instalar-se nos ornais”, a “tornat-se prof na” ea ocupar-se de problemas politicos sociaisconcretos, O periodo de A Gazeta renana foi uma fase decisiva para a cvolugio do jovem Marx: marcou ao mesmo tempo sua entra. da na vida politica e sua primeira confrontagio com as “ques. ‘Ges materiais”. Num célebre comentério sobre essa época, re- digido em 1859, Marx escrevia: “Em 1842-1843, na qualidade de redator na Gazeta renana, pela primeira vez eu me encontra- va na obrigacio embaragosa de me pronunciar a respeito do ‘que se chama os interesses materiais. As deliberagdes do Land. tagrenano sobre os roubos de madeiraeodesmembramento da propriedade fundidtia, a polémica oficial que or. von Schape- €r, entdo primeiro presidente da provincia renana, empenhou com o Rheinische Zeitung sobre a situacio dos camponeses da Mosela, enfim os debates sobre o livre-cimbio e o protecionis- ‘mo, forneceram-me as primeiras raz6es para me ocupar com ‘questées econdmicas”. Engels vai mais longe ainda e, numa carta de 3 de abril de 1893 a R. Fischer, afirma: “Sempre ouvi Marx dizer que foi pelo estudo da ei sobre o roubo das madei- ras eda situagao dos camponeses da Mosela que ele foi levadoa pasar da poltica pura a0 estugo das queabes econniog 6 or isso mesmo, a0 socialismo”’. Enfim, resumindo o significa. do desse periodo, Lenin escreve inclusive que “aqui se vé Marx passar do idealismo parao materialismo e do democratismo re= volucionério para o comunismo”", o para o ensino supetioc, Ck. Chronik, p. 10. izadas por Marx em seu artigo contra A Gazeta de Colénia 2, in Oeuvres philosophiques (tad, Molitor), Pais, £4. Costes, P98. |LAASSAGEM FARA 0 COMUNISMO) 0) Corretas em sua generalidade, essas observagées inspira ram, entretanto, uum certo niimero de trabalhos deformadores, ‘ wunista ou jd materia- fem que se procurava um contetido jd comunista ou j lista em frases desvinculadas do conjunto. Ora, se éverdade que se pode encontrar nos artigos de Marx na Rheinische indicios que abrem caminho para compreensio de sua evolucio post rior ~€acomparagio comas obras “maduras” é um instrumen- to vilido nesta pesquisa -, € no menos importante desvendar nesses textos tudo 0 que ainda é neo-hegelianismo, ainda ‘ideologia alema”. Convém, sobretudo, considerar esses escri- tos como estruturas relativamente coerentes, conjuntos que se tem de considerar enquanto tais e dos quais nao se pode isolar -certos elementas sem que Ihes faga perder toda significagio. + Nossa tarefa sera apreender nesses artigos a posicio de ‘Marxperante certos problemas~o interesse privado, a mis ocomunismo,asrelagdesenreaflsofa eo mundo po ue permite compreender nao somente sua futura adesio.20 Gomtnizmo, mas tambte a forma particular de que seu com rnismo se revestiu no inicio de 1844. a. O Estado € o interesse privado Desde seu primeiro artigo de A Gazeta Renana,a propésito + dos debates sobre a liberdade de imprensa na Dieta renana, toda a distancia que separa Marx do liberalismo burgués rena- no aparece claramente. Suacriticanao se dirige somente contra ‘os deputados burgueses do “estado das cidades” (Stand der Stadte) quese opdema liberdade deimprensa ~ele os considera como burgueses e nao como cidadéos, ¢ os qualifica de “reacio- nirios das cidades” (stadtischen Reaktion) rx, Oeuvres philosophiques, Vp. Dietz Verlag, 1961, p. 65, 67; Ne ‘eadavezqueum ido texto original pris termos alemies. $9 |ATRORIA DA REVOLUGAO NO fe MARX, ¥.. que a indecisio e a “meia medida” (Halbheit) caracterizam tcdlo esse estado”, visto que os pseudo-defensores burgueses du liberdade de imprensa nao diferem, pelo contetido funda- mental de seus discursos, de scus inimigos; querem apenas trés vos de liberdade, sao um exemplo da “impoténcia natural de um semi-liberalismo”™ Essa indecisio ¢ essa impoténcia nao sio um acaso. Em seu sobre os roubos de madeira, Marx escrevia que o interes- seprivado—cujaalma “mesquinha, estipida [geistlos -literal mente, “sem es © egoista’ ‘sempre covarde, pois, seu coragao, sua alma, é um objeto exterior que Ihe pode sem- Preserarrancadoe seduzido”™. Esta aficmagio €essencial para Compreender a evolusio de Mars, porque traz em ger enrol 4 na Introduedo acritica da Filosofia roprietdrio privado é sempre covarde e Somente os que estéo despossuidos de tudo e “nada téma perder” sio capazes de coragem, de energia revolucioité- tia e de identificagao com o interesse geral. Amaior repreensio feita por Marx ao interesse privado, re- presentado nesse artigo pelos proprietérios de floresta, cuja “alma miserdvel nunca foi aclarada nem atravessada por um pensamento de Estado”"*, é contra a pretensio de transformar © Estado em instrumento de seu uso, as autoridades do Estado em domésticos a seu servigo, os érgios do Estado em “orelhas, olhos, bragos e pernas com os quais ointeresse do proprietario restas escuta, espiona, avalia, protege, apodera-se ¢ cor- re"”” Se, no artigo sobre a liberdade de imprensa, ainda se po- dia acreditar que Marx opunha um “verdadeiro liberalismo” 20 “semi-liberalismo” dos representantes burgueses na Dieta breviasio: Oewures),V, p.73; Werke, 1,p. 67. rhe, 1, p. 75, 76- 60 [LAPASSAGEM PARA 0 COMUNISMO renana, vé-se agora que a concepgio do Estado de Marx inspi ra-seemHegele friaidéiado Estado “po- licia” préprio ao liberalismo classico. Tal concepgio € niti mente desenvolvida no artigo sobre a representagao por esta- mentos (Stdndische Ausschilsse), no qual Marx opée a “vida or- ginica do Estado” as “esferas da vida nao estatal”, a “ra7do de Estado” as “necessidades dos interesses privados”, cia politica” aos “interesses particulares”, os ado” as “coisas passivas, materias, sem espfrito e sem auto- mina afirmando: “Num verdadeiro Estado nao nem substncia strat em acor- docomo Estado, Existem somente forgas espirituaisesomen- te em sua reconstrugdo estatal, em seu renascimento politico, que as forcas naturais sio admitidas no Estado”, Maximilien Rubel - que tenta (em vo) provar que Marx jé ‘era “quase inteiramente livre” daconcepgao hegeliana de Esta- do nessa época’” nio vé nessasiltimas inhas sendo um “ver- dadeiro passe de mégica”, pelo qual Marx “nega o Estado subl mando-o” e “concede a representagio politica apenas o atribu- tode uma funcio espiritual”, dialética perante a qual “a censu- ra deveria encontrar-se desarmada”™. Ora, averdade €inteiramente outra: insistir sobre o cardter spiritual do Estado, para Marx, nio é “um passe de magica”, tampouco um ardil para enganar a censura e menos ainda uma “negagio” dissimulada do Estado, mas, pelo contrario, a afi magio da superioridade do “espi egoistas e, de um modo gers eri”. Ve im, na maior parte de seus arti deA Gazeta renana, formulas que opem as “lutas espirituai ™ Mare Engels Gesamtausgabe ("MEGA"), Marx-Engels Archiv, Band 1; Erster Halbband. Frankf 61 /NTEORIA DA REVOLUGKO NO JOVEM MARX fas € concretas””'; a mais'tipica é aquela em que critica o “materialismo depravado” que peca con- {ra “o espiito dos povos e da humanidade”, porque se recuse 4 “dar para cada questio material uma solugio politica, ou seja, ‘uma solusio conforme a razao e & moralidade do Estado" ‘Vemos, assim, desenhar-se um esquema politico-filos6fico que supde duas esferas fundamentais(e, lato, a segunda ¢ & “verdade” da primeira): de um lado, Matéria-passividade-so- ciedade civil-interesse privado-burgués; do outro, Espitito-at, vidade-Estado-interesse geral-cidadios, A inspiragio desse es. quema € essencialmente hegeliana® (e, sem esta constatagio fundamental, estamos efetivamente condenados a ver apenas truques de magica). Todavia, sobre certos problemas espe 08, Marx jd se separa de Hegel. Antes de tudo, como a maioria dos hegelianos de esquerda, ele rejcita evidentemente a ident ficagio do Estado prussiano existente com o Estado racional acabado ¢ tende para uma posicio resolutamente democritiea, Mas também, eisso nos parece muito importante, encontramos nesses artigos uma critica virulentae radical que em vio se pro- Debas sat albert de la presse publistions des diusons deli te, Onuren Va pee 2 Lalo srles vols de bis, Oeres Vp. 185; Wek, Ip. 147 CE Hegel, Grundlnen der Plnophie des Resi by Princes de Plorophe di drt (eh Kase) fare S289" propiclae eo interene prado aseaione Sr sabordnados 2 case spetor do Eade §289:"A mansengo do imerene gral do Eada ds lplidad ere on direcospariclaresarelurtodenesqucee presenancs do poder govemomesta 7 oe “Nao se deve confundir o Estado com a socicdade cis hlodsgurangaed proegndsproprdaleesegusng pened 138 Ese esquema ¢ambem adotad por Rugs Feuubach ae Feom bats oe gue Rgecitard os aressoscomuninandsPasea TAtacaseene es Ssoftimento dor aressoré um al pvederams ie Balch fata ao movimento dr tceloce sapere Pens nee cea Het 97/1844, A Rag, Btu nd Togebueoanr {SSS Berlin, Weidmannache Buchhandlung, 18861, 39 Be etc ruprura de Marx com Ruge em 1844 amb Sus septs fed onsale sofia do Estado de Hegel. " 62 |. AFASSAGEM PARA © COMUNIS: (842-1844 curaria em Hegel: dentincia dos interesses particulares ¢ dos ietarios privados (egoistas, covardes, estipidos, etc.), pessimismo quanto a possibilidade de 0s por em acordo com o interesse geral do Estado. Essa diferenca pode ser facilmente explicada por: 4a. O consideravel desenvolvimento dos “interesses priva- dos” burgueses na Alemanha desde a época em que Hegel es- crevera os Princfpios de filosofia do direito (1820); b. A recusa por Marx das solugdes hegelianas do conflito Estado-Sociedade civil: corporacées, burocracia, etc.; «¢. Ainfluéncia do socialismo francése de Moses Hess ( co da propriedade, do egoismo, etc.) Em sumagmesmo ao permanecer ligado a concepgio he- geliana do Estado racional, Marx, por meio da critica ao Es do prussiano burocratico e feudal, jé se embrenha no caminho que, em 1843, 0 levard a ruptura total com Hegel e, pela cao “egofsmo privado”, no caminho que 0 conduzira ao co- munismo. “ Entretanto, no quadro deste trabalho, o que nos interessa no € a concepgéo marxiana do Estado enquanto tal, porém a relagio entre essa concepsio e a atitude de Marx para com 0 proletariado (ou antes, para com os “pobres”, ji que o proleta- riado propriamente dito esta ausente dos artigos estudados). Essa atitude nao pode ser apreendida senio a luz da contradi- sao Estado-Sociedade civil, tal como Marx a concebeu. b. O sofrimento dos pobres Hegel via na existéncia de dois polos da sociedade luxo e miséria, uma conseqiiéncia do desenvolvimento do tema das caréncias”, ow seja, da propria biirgerliche Ge- sellschaft*. Depois de ter criticado 0 egoismo dos proprieti os ricos, Marx se debruca sobre o problema da miséria na Ale- Hegel. Op. cit. (§ 185, 195, 243, 245), p. 154, 160, 183, 184, oa t | i t { | |ATCORIA DA REVOLUGAO NO JOVEM MARX 5 mas, ao contrériode Hegel”, faz ardentemente a defe- pobres e de seus ameacados. Entretanto, apesar »da sua simpatia pela pentiria dos “ladrdes de madeira” € hateiros de Mosela, Marx encara sua situagio de acordo. ‘mesmas categorias neo-hegelianas, que emprega para criticar os interesses privados dos proprietérios: essa pentiria (Not: miséria, caréncia) pertence ao sistema dos caréncias, 4s0- Giedade civil, & esfera privada. Sao “interesses privados sofre- dores”, ¢ €apenas por conta da aco generalizadora da impren- sa livre que tal “sofrimento privado” (Privatleiden) se tornara “sofrimento de Estado” (Staatsleiden) etal um interesse geral’. Al berdade de impren: rvava que a auséncia de uma prensa verdadeiramente livre exerce uma ago desmoralizado- ra, que desvia o povo da vida politica eo transforma num “po- pulacho privado” (Privatpdbel “Softimento privado”, “interesse particular”, “populacho privado”: tantas expresses que nos mosttam o quanto Marx estava do lado dos pobres (rodo seu artigo sobre os roubos de madeira é uma defesa corajosa, inflamada e indignada dos mi- {veis perseguidos e explorados pelos proprictarios das flo- restas), mas ainda prisioneiro do esquema hegeliano dasuperio- ridade dos assuntos espirituais e gerais do Estado sobre os as- suntos materiais ¢ particulares da esfera privada. Ademais, Marx vé na miséria dos camponeses apenas seu as caréncias, 0 sofrimento deles. (Leiden), constantemente em- Alids, a propria palavra ale1 pregada a propésito dos pobres, significa ao mesmo tempo “s0- f yento” e “passividade” e emprega-se para designar todas 23 forigas passivas do sofrimento: “agtientar, tolerar, sfportar”, ® Heel, Op. cit (§248), p. 184: “O meio mas direto que se revelou conta apes fo quant tao denpecnete dono pao ‘es nhjeivas da socedade, e contra pregiga eo despedicio, uc engen: Sram 2 pl ud na Eacdes, dear ox pores enepus seu los depender da mendiidade publica” sung des + + Koreespondenten von det ” Ocuores, V, p- 67, Werke I, p. 64. 6 . emnenhum de seus artigos em A Gaze |. APASSAGEM PARA © COMUNISMO (1842-1848) Pode-se explicar essa atitude por sua origem neo-hegeliana (“espitito ativo” contra “matéria passiva”); mas também € pre- iso acentuar que, nos artigos, o objeto mesmo da atengio de Marx eraamiséria camponesa, que era pet maneceu essencial- mente passiva no século XIX, e no a miséria operdria cujo lado ‘tivo jf era bastante sensfvel, pelo menos na Franca ena Ingla- tetra. Ha de se notar que a palavra “prol Aoadmitir isso, € preciso ainda assim assinalar que Marx ja observa nesses “pobres” certas caracteristicas essenci também pertencem ao proletariado: ‘como toda sua propriedade apenas os bragos inumerdv Ihe servem para colher os frutos da terra para as racas superio- res", que “aintla nfo encontrou na organizacao consciente do Estado o lugar que lhe cabe™”, que é “pe poliada” e “nada possui”” e, finalmente, que, pot de seus representantes na Dieta renana, mostrou-se como 3tini- ca.a defender seriamente a liberdade”” Vé-se, assim, como pode surgir uma idéia que sera central nna passagem de Marx para 0 comunismo: 0 egoismo dos pro- prietérios os faz afundar no pantano do “semi-liberalismo im- potente”; somente os “despossuidos” (Besitzlose) sio radical- mente libertérios. Mas € provvel que Marx, em 1842, no icacdes de suas constat que encarasse a miséria Go como um fermento de revolta emancipadora, mas como tum “objeto” (Gegenstand), uma “situacao” (Zustand), que se tinha de reconhecer €& qual o Estado devia oferecer auxilio™. » Artgo sobre os roubos de madeira; Oewwres, V, p. 128. Mar evidentemente, aos servos da gleba e nfo a0 proletariado ind 6 _ATEORIA DA REVOLUGKO NO JOVEM MARX . O comunismo Oprimeiro dado que se tem de considerar no estudo da ati- tude de Marx perante o comunismo, em 1842, ésua re norancia doassunto, que confessa no préprio artigo da sche Zeitung e que confirma em sua curta “autobiografia inte- de 1859. “Nessa época, em que a boa vontade de ‘ir adiante’ substitufa freqiientemente a competéncia, fizera-se ouvir na Rheinische Zeitung um eco, levemente tingido de flo- sofia, socialismo e comunismo francés. Eu me pronunciava contra.esse trabalho de aprendiz, mas a0 mesmo tempo confes- sava nitidamente, numa controvérsia com o Allgemeine Augs- itung, que os estudos, que até entio fizera, nio me izo qualquer sobre o teor mesmo das ‘Quais poderiam ser ca, sobre as teorias soci: conhecimentos de Marx, nessa épo- stas ¢ comunistas? Mencionemos, an- festava na Rheinische com Moses Hess sobretudo, cujainfluén- cia sobre Marx nio deve de modo algum ser subestimada. Entre ‘os autores franceses contemporaneos, o tinico mencionado vi- rias vezes, ¢ aprovativamente, 6 Proudhon, designado como “o mais penetrante” e “o mais conseqiiente” dos es: listas", Marx retoma de bom grado suas f6rmu!: nais, por exemplo, perguntando-se, no artigo sobre os roubos de madeira, se toda propriedade privada nao poderia ser consi- derada como um roubo"’. Quanto aos outros dois autores cita- dos no artigo a propésito do comunismo, Leroux e Considé- rant, a mengao de seus nomes pode ser explicada pelo fato de » Preficio a Contribution la critique de économie » Cf. Artigo “A propos du comma p. 108; Nota de redacio, Rheinische p. 141-142. 5 Oeuires, Vy p. 123: "Se toda volagio da propriedade, sem dstingto nem SORIA DA REVOLUGAO NO JOVEM MARK. . iio de cada um e provocaria um grito geral de inlignagio!””. Do mesmo modo, editor Froebs taa Wigand, datada de agosto de 1843, escrevia: os mais lamentayeis e mais repugnantes sio 0s pretensos libe- rais. Aquele que aprendeu a conhecer a fundo esses poltrdes deve ter a alma bem aguerrida para continuar a lutar contra tama tal laia”® Depois de ter tentado sucessivamente ¢ e1 har o papel de idedlogo do Estado “protestante” e da burgue- sia liberal, o grupo de jovens hegelianos se encontrava, em 1843, numa situagio de “disponibilidade ideol6gica”. Por isso, partir do denominador comum que era arecusa tanto do Est do prussiano quanto do liberalismo burgués, estourou em di- versas tendéncias, cada uma das quais cristalizando as diyer- séncias desenhadas em 1842. Essas tendéncias cram: 4. O grupo dos “Livres”, alguns dos quais se reencor para formar, depois de dezembro de 1843, a Gazeta (0s irmaos Bauer, etc.); ao interpretar o fracasso liberal como -cuo das massas”, mais essa tendéncia se afasta'continua- ‘mente da luta politica concreta para se refugiar na “atividade” puramente tedrica do “espirito critico”; , Uma que se poderia denominar “democrético-humanis- ta” (Ruge, Feuerbach, Froebel, Wigand, Herwegh) e que de bom grado confunde comunismo e humanismo. Vé-se, por exemplo, Feuerbach afirmar sobre Herwegh que era “comu- nista como eu, no fundo, nao na forma”, tomando o cuida de explicar que seu comunismo era “nobre” e nao “vulgar”™', Assim, Froebel, numa carta de 5 de marco de 1843 a0 comu- nista Becker, escreve que esté, “de coragéo, com o.comuni mo” € “distingue os homens como egoistas e comunistas”. Enfim, o préprio Ruge, numa carta a Cabet, declarava que “em pails. cha Kriege sobre Herwegh A. Cornu, op. ct. IL AASSAGEM PARA O COMUNISMO principio estamos de acordo com o Senhor, declaramos, como ‘0Senhor, que o homem real constitui o fundamento eam sociedade”*; cc, Uma tendéncia “comunista filoséfica” (Hess, Bakunin, Engels), cujo comunismo aparecia como uma categoria oposta ‘a0 egoismo, o que permitia uma certa confusao com os “huma- nistas” antiliberais e, portanto, um trabalho comum dentro de ‘um 6rgio: os Anais franco-alemdes. A evolugao de Marx, du- rante esse perfodo, é andloga a do grupo democratico. Como a maior parte dos membros dessa tendéncia, rompe abertamente por causa da atitude deles no “caso da impren- de sua atividade encabecandoa redagao de A. :m conflito nao somente com o ver- ‘s40” medrosa dos acionistas burgueses. Numa carta a Ruge (30-11-1842), na qual [he anuncia sua ruptura com o grupo de Berlim, Marx lamenta-se igualmente por ter de suportar “noite e dia” a ias dos acionitas”®. Enfim, numa reuniio do , a direcao do jornal decide evitar qualquer conflito com o governo™, decisio Marx nio esté de acordo. ‘em 25 de janeiro de 1843, numa nova cartaa Ruge, “Alis, a atmosfera aqui se tornou sufocante para va cansado da hipocrisia, da tolice, da'autoridade brutal e de nossa flexibilidade, de nossas reverenciazinhas, de nossa chica- ‘Nao posso empreender mais nada na Alemanha, nela voce se corrompe a si mesmo”, Marx faz aqui ndo somente a 6,234. MEGA, I, 12, p. 294. 7 ero |ATEORIA DA REVOLUGKO NO JOVEM MARK em continuar, no futuro, uma politica de “flexibilidade” em re- lagio ao Estado prussiano, politica que, de concessio em con- cessio, levaria & autocorrupgio. Assim, pode-se facilmente compreender, quando da assembléia dos acionistas da Rheinis- che Zeitung, em 12 de fevereiro de 1843, a oposigio de Marx 4 tendéncia majoritéria (Oppenheim, etc.) que queria mais uma vez salvar o jornal da interdicéo governamental - em 24 de j neiro ~moderando o conteiido®. £ significativo que esses con- flitos o tenham levado a abandonar a redagio antes da data em qe, segundo o decreto governamental, a Gazeta deveria parat de publicar (1 de abril de 1843). Ele escrevia a Ruge, em 13 de marco, que por nenhum preco permanecetia na Rheinische™, isto é, mesmo que os acionistas obtivessem, por novas conces. ses, a revogagio da interdigo. Em 18 de margo, anunciava Publicamente sua decisao de abandonar a redagio do jornal Marx, que jé criticara 0 “semi-liberalismo” e a indecis: dos deputados burguesesina Dieta renananos debates sobre berdade deimprensa, asistia agora capitulagéo dosacionistas burgueses da Gazeta renana, em seu esforgo de conciliagiocom ‘Estado prussiano, ea indiferenca da burguesiarenana perante a interdigdo da imprensa liberal. Tal experiéncia Ihe mostrava que a atitude da burguesia na Alemanha no era ade “cidadios revolucionarios”, mas de “proprietarios covardes” e, por con- seqiiéncia, néo se podia Ihes atribuir o papel que a burguesia francesa tivera em 1789. Porém, estando a burguesia excluida, surgia a questio: quem poderia emancipar a Alemanha? Para Bauer, € “o espftito critico”. Para Ruge, ninguém: a Alemanha esti condenadaa servidio, “nosso povo nao tem futuro”, escre- ia a Marx em matgo de 1843". O esforgo de Marx pata en- contrar uma resposta concreta a essa questio central e essencial Ihe faz voltar sua atengio, jé em 1843, para “a humanidade so- fredora”. Mas éasua chegadaem Paris que lhe fornece umares- LAPASSAGEM TARA © COMUN MO (18421848) posta clara coerente, que se impde como uma evidéncia fulgu- rante ¢ irrefutavel: € o proletariado quem desempenharé esse papel revoluciondrio, Entre sua ruptura com a burguesia liberal, no inicio de 1843, e essa “descoberta” do proletariado, no inicio de 1844, estende-se pata Marx um periodo de transicéo, “democrati- co-humanista”, etapa de desorientacio ideolégica e de tatea- mento, que findaré no comunismo. a. A ctitica da fi sofia do Estado de Hegel Na ctitica de Marx aos paragrafos 261-313 dos Principios da filosofia go dieto, de Hegel (laborada de acordo com to- das as probabilidades em 1843”), 0 ponto de partida é" polégico” (Feuerbach), mas 0 ponto de chegada é pol préximo de Moses Hess. Essa critica constitufa uma etapa de siva da passagem para o comunismo “filos6fico”, passagem ter- minada no artigo sobre a questio judaica, que retoma e desen- volve 0 temas do manuscrito de 1843. Por que ¢em que medidaa ruptura com Hegel pode desem- penhar um papel na adesio de Marx a0 comunismo? A grande reprimenda ao comunismo, feita pelos jovens he- gelianos “democriticos” em geral, e Ruge particularmente, era contra seu carter “apolitico”, puramente social. Numa carta de 8 dejulho de 1844, Ruge escreve que ocom ios alemaes é “uma sem interesse pi esse “comunismo apolitico sroduto natimorto” que tigorosamente se origina da concepgio hegeliana do do como representante do interesse geral, perante o qual to movimento ao permanecer na sociedade civil pode ser apenas privado, parcial, secundétio e inferior. (Ora, Marx rompe precisamente com esse esquema hegel ‘no, ao mostrar que a universalidade do Estado é abstrata e alie- © Chronit,p. 18. 7 Ruge a Fleischer, 9-7-1844, in Brefvechsel.. p. 359. ” » TEORIA DA REVOLUGAO NO JOVEM MARK etc.) = posigao ose A Gazeta renana -, mas parao Assim, situa-se muito perto dosco- ‘motiv era precisamente a pri itico”, tese que Marx defendera nos ‘gqueainda era asua nos art Hess, cuj sobre o “ps Anais franco-alemdes. Em 1842, o grande problema politico para Marx era: como garantir a universalidade do Estado contra 0 assalto dos inte- Fesses privados que querem subjugé-lo? Tendo abandonado a “losofia hegeliana do Estado, a que: € inteiramente outra: por que a universalidade é alienada no Estado abstrato e como “superar e suprimit” essa aienacio? A resposta que ele esboca conduz, também ela, para o comunis- 10: 6a esséncia privada da sociedade civil, isto é, seu individua- i -dade privada, que funda exteriorizacao’ do universal num “céu p 0””*; por essa tazio, a existéncia da constituigdo politica é historicamente li- gadaa liberdade do comércio e da propriedade na independén- cia das esferas privadas; a Idade Média nao conheceu o estado ico abstrato™, A luz dessas consideragSes, € preciso encarar o si De maneira alguma trata-se aqui da democracia republicana bur- guesa, mas de uma transformagio radical, que implica asupres- sao do Estado politico alienado e da sociedade ci LLATASSAGEM BARA © COMUSISMO (4 da”, Para ele, a palavra democracia tem um sent prussiana sao simples formas politicas que r-cobrem o mesmo contetido — a propriedade privada. No Estado instaurado pela Revolugio Francesa, os membros do povo “sio iguais no céu de seu mundo politico e desigual na existéncia terrestre da socie- dade””*, Conclusac © que se tem de mudar nao é a social ia, a desigualdade, etc. Essa também é a tas franceses, e Marx € consciente desse ele esté avaliando sua aprovacao das teorias dos “franceses modernos”, para o saparece na verdadeira democraci ‘Quanto ao proletariado, dele nio se trata nos Manuscritos de 1843, com excegio de uma tmica frase, que é contudo muito “a despossesséio (Besitzlosigkeit) eo estado do tra- balho imediato, do trabalho concreto, formam menos um esta- do da sociedade civil que o terreno sobre o qual rep usam e se movem os circul . Essa afirmagao compor- ta duas implicagGes que serao desenvolvidas, na Introducao a Critica da filosofia do direito de Hegel, como caract condigio proletériae fundamento de seu papel ema: 4. Os trabalhadores sio despossufdos, a auséncia de pro- priedade € 0 traco essencial de seu estado (no mais do carater concreto de seu trabalho), ora, como propriedade privadaé 0 grande obstaculo que impede aidentificagao do particularcom © universal, basta impelir ao maximo © raciocinio para que 0 ritigque de a philsophie de bid. p. 70, 166 Ibid. 69. ede a pilosophie'de Etat de Hegel, Ocusres, I, p. 167 P. 284 tat de Hegel, Oeuvres, V, p. 71. ar ‘A TEORIA DA REVOLUGAO NO JOVEM MARX. proletariado venha ascr 0 portador dos interesses universais da sociedade (na Introdugdo...); 6. Os trabalhadores despossuidos constituem um estado que nao é um estado da sociedade civil, mas algo abaixo dessa sociedade (“terreno sobte 0 qual repousam”, etc.), uma base sobre a qual se estabelece a atividade de suas esferas superiores; ‘mais uma vez, isso nos leva diretamente a Introducdo a Criti. ¢a...na quale tratado proletariado como “uma classe da soci dade burguesa, que nao é uma classe da sociedade burguesa”. O ‘que isso significa? Pura ¢ simplesmente que Marx dissocia os trabalhadores despossuidos da sociedade civil-burguesa, egois. {3 particularista, ete. ~ Dito de outro modo, abandona sua po- sigdo de 1842, paraa qual a miséria pertencia ao sistema das ca- réncias, & sociedade civil, & esfera privada. Vé-se agora, na des. ossessio, ndo mais um “caso particular”, mas um “caso geral” que éabase da prépriasociedade civilse situando no exterior. b. A correspondéncia com Ruge A primeira caracteristica a despertar a atengio do leitor da correspondéncia trocada por Marx e Ruge, em 1843, ~ tal como publicada nos Anais franco-alemaes~ € 0 contraste entre © profundo pessimismo de Ruge e o “otimismo revolucion’- tio” de Marx. Essa diferenga € devida somiente ao “tempera- mento” dos correspondentes, etc.? Ela nao implica causas sige nificativas de outro modo, ou seja, divergéncias de perspecti- ‘vas? Parece-nos que tal contraste pode ser explicado apenas ‘com base na seguinte hiptese: Marx e Ruge,jé em 1843, volta- vvam-se para classes sociais diferentes. i Em sua resposta a primeira carta de Marx, em marco de 1843 (na qual, de um modo inteiramente vago, €tratadaa “re- volugio que temos em perspectiva””), Ruge se pergunta: “Vi- veremos o bastante para ver uma revolugéo politica? Nos, os 1p. 189. oa J. ATASSAGEM PARA © COMUN40 (1842-18 contempordneos desses alemaes?””” A palavra-chave nessa fra- se—que € 0 centro da diferenca de Gtica de 1843 ¢ sera o cent da ruptura de 1844 ~ € 0 qualificativo dado a revolucio: “pol tica”. Com efeito, Ruge ainda pensa nos termos de uma revolu- si0 politica, isto é, democrdtico-burguesa; e como constata “a imperecivel paciéncia de carneiro” dos burgueses alemies, sua passividade diante da “recaida ultrajante da palavra no si cio” ¢, enfim, o“grau de insensibilidade e de decadénciaem que caimos”, € perfeitamente légico que nao possa considerar ne- nhuma perspectiva revoluciondria na Alemanha: “Oh! esse fu- turo alemao? onde nele langaram a semente?”"° Como Ruge, Marx nao acredita numa revolucio dirigida pela burguegia alema, Em sua resposta a Ruge (maio de 1843), escreve que os “burgueses flisteus” (Spiessbiirger) nio querer “ser homens livres republicanos” e, como os animais, querem apenas “viver e reproduzir”. Entretanto, a0 contrario de Ruge, ele pensa que, diante do fracasso de sua alianga com a burguesia liberal, afilosofia pade e deve encontrar outros alia- dos; “a semente do futuro” € langada nao nos “carneiros bur- ‘gueses”, mas na “humanidade sofredora”. A revolugio, na qual ele pensa, no é mais puramente cla encontra seu fundamento na “ruptura dentro da sociedade atual”, ruptura provocada pelo “sistema de lucro e do comércio, da possessio.e da exploragao do homem”™ — f6rmula ainda vaga, mas na qual ‘Marx, pela primeira vez, refere-se luta de classes modernaea suas causas econ6micas. Isso torna inteiramente compreensivel 0 “otimismo” dessa carta perante 0 “canto fiinebre” de Ruge"; decepcionado pelos “covardes proprietarios liberais", Marx volta suas esperangas pata 0 povo sofredor, despossuido ¢ ex- ™ Ibid. * Carta de Ruge a Marx, margo de 1843, Ocwures, V, p. 191, 192, 194 " Oewres, V,p. 196. "Ibid p. 203, Werke, 1, p. 343 © Marg, cart'a Ruge, maio de 1843, Oowres, V, p, 195: “Mew caro amigo, vossa carea€ uma boa elegia, um canto finebre que "0s tira 0 folego 8 [A TEORIA DA REVOLUGAO NO JOVEM MARX, : plorado. E verdade que a meta a atingir nessa revolugio “so- ” ainda permanece aparentemente “politica”: acarta falade Fstado democratico”, “mundo humano da democr&cia” etc. Entretanto, para aprender o verdadeiro sentido do termo “de- ‘mocracia”, € preciso se reportar aos Manuscritos de 1843 (Cri- tica da filosofia do Estado de Hegel) mais ou menos redigidos ‘n-sse €poca, Como j observamos mais acima, Marx entende por “democracia” nao uma simples transformagio da forma pelitica (como seria a instauragio de uma repiblica burguesa), ‘mas uma mudanga dos proprios fundamentos da ociedade civil (propriedade privada, etc.). Numa certa medida, um detalhe biogréfico vem reforgar esta hipétese. Imediatamente depois de sua demissio da reda- gio deA Gazeta renana, por volta do fim de 1843, Marx passou uma curta temporada na Holanda, onde, segundo a carta que enderecou a Ruge, teve a ocasido de ler jornais franceses pela primeira vez, parece, pois se espanta com os juizos que tém a Alemanha como objeto". Ora, € possivel, e mesmo muito pro- vavel, que nesses jornais tenha encontrado ecos do movimento operirio francés, muito mais concretos que o “débil eco” da Rheinische Zeitung. Por exemplo, noticias concernentes as gre- ves que se sucederam na Franga durante os meses de janeiro'a abril de 1843 (carpinteiros em Bourges, téxteis em Roubaix, te- Ihadores em Rennes, estivadores em Paris, etc.), greves que le- varam a conflitos, prisées, etc."* E possivel que inclusive tenha lido artigos sobre o desenvolvimento do comunismo operério, sociedades secretas, etc. E€ preciso frisar que, nesse momento, Marx se encontrava numa situagdo particularmente “recepti- va"; a ruptura com a Rheinische o deixava disponiyel nao 56 Profissional, mas também ideologicamente. + Gewores, V, p. 196,200, ‘Marx, carta a Ruge, margo de 1843, Oeworet, Vp. 187; “Estou atualmen- te em viagem pela Holanda. Segundo o que vejo nos jornaislocaise france ses, a Alemanha estd profundamente arolada na lamas." J.-P. Ager Lesqrvessousla monarch dele, 1830-1887, Genera, E. Droz, 1954, p. 237-257, a ae Py |. AFASSAGEM PARA © COMUNIS sa Resta, entretanto, médir toda a distancia que separa essa ia de um entendimento entre “os inimigos do mundo dos fi- isteus, ou seja, de todos oshomens que pensam e que sofrem”” € ostermos nos quais colocaré, por volta de 1846-1848, 0 pro- blema das relagdes entre os intelectuais, que rompem com a burguesia, e 0 movimento operario. Inicialmente, nao se trata aqui de classes sociais claramente definidas, mas de duas cate- gorias muito vagas, sem determinagio objetiva: “os que pen- sam” € “os que sofrem”. Apenas por conta da frase que vem imediatamente depois, em que se trata das rupturas provocadas pelo sistema do lucro ¢ da exploracéo, nos é permitido acredi- tarque omencionado “sofrimento” sejaefetivamente o do pro- letatiado. Pex outro lado, nenhuma hierarquia importante é es- tabelecida entre os dois grupos. Nao se trata de uma adesao de alguns “pensadores” & luta da classe proletéria — fSrmula de Marx no Manifesto comunista -, mas de um acordo, em pé de igualdade, entre todos aqueles cujas préprias existéncias se ‘opéem ao “mundo filisteu animal”. Finalmente, ¢ isto € 0 mais importante, o fato de que o proletariado seja considerado so- mente enquanto “humanidade sofredora” o faz aparecer como o lado passivo do entendimento, sendo ativo o lado da “huma- nidade pensante”. Mais uma vez, isso nos leva a0 esquema jo- vvem-hegeliano: atividade do espirito contra a passividade da matéria, J4 acentuamos 0 duplo sentido da palavra alema Lei- den (sofrimento-passividade); ora, parece que neste textoaam- bigtiidade é tal que Molitor acreditou poder traduzir leidenden Menschheit ora por “humanité passive” (humanidade passiva] € ora por “humanité soutfrante” (humanidade sofredora]. Po- rém hi provas mais concludentes que a traducio de Molitor: 0 texto do préprio Marx sugere um fundo de “passividade” no sofrimento. “Entretanto a existéncia da humanidade sofredo- +a, que pensa, e da humanidade pensante, que € oprimida, deve tornar-se necessariamente impossivel de ser absorvida e digeri- da, para o mundo filisteu animal, passivo e que frui sem pen- Ocuures, Vp. 203, Werke, Ip. 342. CUE =a [ATEORIA DA REVOLUGAO NO JOVEM MARK, sar”, Conhece-se a preferéncia do jovem Marx pela forma da “reviravolta” (“légica da coisa — coisa da légica”, “arma da cri- tica~critica das armas”, etc.) que ele empregava, por vezes, sem © temor de tornar seu texto um tanto obscuro... Ora, a “revira- volta” esta li, no fragmento citado, mas quebrada: “huimanida- de sofredora que pensa - humanidade pensante que é oprimi- da”. Por que tazio Marx nio coloca, diante da “humanidade sofredora que pensa”, uma “humanidade pensante que sofre”? A Ginica razao possivel € que, por seu cardter passivo, 0 sofri- mento nio pode ser associado ao pensamento, que é essencial- mente atividade (atividade oprimida pelo mundo filisteu). bastante evidente que esta concepcio jovem-hegeliana €0con- trdrio da situacao real; concretamente, é a revolta ativa das lo poder, a0 descontentes permanece passivo... E na situacéo particular da Alemanha ~ afrontamento entre os hegelianos de esquerda ¢ 0 Estado, au- séncia de movimento operdrio—que se tem de buscar a origem social dessa ilusio e, na situagio da Franga, 0 ponto de partida da evolugao de Marx depois de 1844. De todo modo, nao é preciso esquecer que, apesar de tudo, Marx atribui nessa carta um papel as massas “sofredoras” no advento do mundo novo, e por este tnico fato jé se situa além de Ruge ¢ da maior parte dos neo-hegelianos. “Mais os aconte- cimentos deixario a humanidade pensante o tempo derefletir e Ahumanidade sofredora o tempo de se reunir, mais sera. perfei- to.em seu nascimento o produto que o presente catrega em sett scio””. Seria muito interessante determinar o sentido preciso dessa “reuniao”, no entanto somos obrigados a nos contentar ‘com suposigées. Trata-se, provavelmente, ou da concentragao do proletariado pela indiistria moderna - proceso cujasconse- qliéncias revolucionarias sao descritas no Manifesto -, ou da ™ Oeuores, V, p. 204, Werke, 343, Oewares, Vy p. 204, Werke, p.343. 86 LA PASSAGEM PARA 0 COMUNS eanines) unio dos trabalhadores no centro de coalizoes, de associages operarias, etc. O grande interesse da iltima carta de Marx (setembro de 1843) reside nas precisdes que traz acerca de sua posigao peran teocomunismo apenas alguns mesesantes de sua adesio. Mos- tra-nos um Marx ideologicamente desorientado, que, depois de sua ruptura com o Estado prussiano ¢ com a burguesia libe- ral, ainda nao “encontrou” o proletariado e u comunismo (se- nio na forma vaga e ambigua da “humanidade sofredora” ¢ da “verdadeira democracia”). O ponto de partids eraclaro, o pon- to de chegada é indeterminado! “Se nao ha divida quanto a de ‘onde viemos (Woher), existe mais confusio sobre aonde vamos (Wohin). Nao somente uma anarquia geral estourou entre os reformadores, mas cada qual é obrigado ainda a confessar a si mesmo que nao tem uma idéia exata do que deve acontecer™”, E essa auséncia de a priori doutrindrio — ¢ sobretudo de preci- s6es ut6picas sobre o futuro — que aliés Ihe permitiu escapar do dogmatismo dasseitas socialistas. “O que, entretanto, constitui a vantagem da nova tendéncia € que nao queremos antecipar o mundo dogmaticamente, mas encontrar 0 mundo novo pela critica do mundo antigo”! As criticas que Marx dirige a0 comunismo nessa carta po- dem ser ordenadas sob duas rubricas: de um lado, reservas, que sero abandonadas durante a evolugio dos anos de 1844-1845; de outro, criticas a0 socialismo ut6pico, que ainda continuario como um dos tracos essenciais de sua obra politica Na primeira categoria, encontramos as seguintes criticas:, 4. o socialismo é unilateral, considera a vida humana ape- nas pelo lado material e esquece totalmente a atividade espi tual dos homens: “Todo o principio socialista €, por sua vez, apenas lado que diz respeito a realidade do verdadeiro ser ‘mano. Devemos nos ocupar principalmente do outro lado, da existéncia tedrica do homem, fazer entao da religiao, da cién- Ocwores, V, p. 206, Werke, 1, p. 343-344. bid. i i i i | {A SEORIA DA REVOLUGAO NO JOVEM MARX. Essa observagio tem um tidamente “jovem-hegeliano”, basta comparé-lacoma tev IV sobre Feuerbach para medira distancia que separa mar- 0 de 1843 de marco de 1845. Feuerbach é acusado de terse li mitadoa ci terrestre, paraa qual deve se diti- rica €arevolugao pritica, Everdade que 0 programa ual de Marx serd sempre a critica si- multnea das teorias ¢ da realidade, mas seus maigres repro- b, Para os socialistas “grosseiros”, as questées politicas sio desprovidas de interesse. A critica pode e deve se ocupar dessas, Por que, “mesmo ali onde ainda nao est conscien- temente impregnado das exigéncias so co abrange precisamente em suas formas m , todavia, constata que Deste confito do Estado politico consigo mesmo, averdade so- cial pode entio ser extrafda de toda parte"™. Tais fragmentos 'mostram que Marx est numa etapa de transigio entre critica do Estado politico, contida nos Manuscritos de 1843 (Critica da Filosofia do Estado de Hegel), ¢ a afirmagao do primadp do social dos Anais franco-alemaes. Essa etapa sera rapidamente ipassada, Marx depois ndo repreendeté mais 0s socialistas icos”. ¢. “O comunismo é especialmente uma abstragao dogmati- ‘nho aqui em vista ndo um comunismo qualquer imagind- ossivel, mas 0 comunismo realmente existent ‘como Leweres, V p-208, Werke, 1p, 344: aqui “relidade”(Realitat tem osen ,p. 208, Werke, 1, p. 348. LA PASSAGEM PARA © COMUNSMO (1882-1644) mo viu nascer diante de si, nfo acidental mas necessariamente, outras doutrinas socialistas como as de Fourier, de Proudhot teral, do principio socialista”’’. Essa critica ser4 mais uma vez re- tomada por Marx nos Manuscritos de 1844, nos quais opde sua concepgio do comunismo como “apropriacdo da esséncia hu- ‘mana pelo homem” ao “comunismo grosseiro”, caracterizado elanegacio inveja contra os mais cos, pelo nivelamer nuscritos, retornarem A segunda categ¢ teresse,porque determinard toda evolucto politicade Mace constituird um dos eixos centrais do socialismo marxista. Jem 1843, Marx se recusa a construir “um sistema qualquer inteira- mente acabado, como por exemplo.a Viagem a Icdria”. atitude dos ilésofos que “tinham a solugao de todos os enigmas inteiramente preparada em sua escrivaninha” e para os quais “esse tolo mundo esotérico tinha apenas que estender as mos para que os frutos da ciéncia absoluta Ihes caissem totalmente ‘maduros”, Em suma, Marx se recusa a “hastear uma bandeira 1.207, Werke, 1, p.344. Parece cipal fonte de informagio de Mars sobre o roprieté faz 0 mais vivo elogio a Le- colo da igualdade”, ec. (Oeuvres completes, A 9 renee ‘A TEORIA DA REVOLUGAO NG JOVEM MARX, dogmética””. Seu programa € inteiramente outro e, na quali- dade de proposicéo para uma “plataforma ideoldgica”. dos Deutsch-Franzésische Jabrbiicher, é desenvolvido nos seguintes termos: “Nao nos apresentamos a0 mundo como doutrinérios ‘com um novo principio: eis aqui a verdade, €aqui que se tem de cair de joelhos! Desenvolvemos no mundo princ{pios novos que tiramos dos principios do mundo. Nao thes dizemos: re- rnuncie a suas lutas, sio parvoices; vamos gritar para vocé a ver- dadeira palavra de ordem do combate. Mostramo-lhes somen- te porque se luta na realidade ea consciéncia disso é algo que se deve adquitit, mesmo que nio se queira. “Areforma da consciéncia consiste unticamente em deixar o mundo perceber sua consciéncia, em desperté-lo do sonho em que mergulhou propositadamente, em explicar-lhe suas prd- prias agdes (.... ‘Podemos portanto exprimir a tendéncia de nosso jornal em uma nica {6rmula: tomada de consciéncia (flosofia critica) de ‘nossa época em suas lutas aspiracées. Ai estd uma tarefa para o mundo e para nés. sto s6 pode ser a obra de forcas reunidas™, O tema, que aqui aparece pela primeira vez, retornaré constantemente nos escritos de Marx até o Manifesto comunis- 4a, em que estabelecerd definitivamente a oposicao entre “so-

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