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SERENIDADE EM HEIDEGGER:
A CAMINHO DO QUE SOMOS
OSCAR FEDERICO BAUCHWITZ
(UFRN)
RESUMO
Este artigo procura refletir acerca da Serenidade (Gelassenheit) na filosofia
heideggeriana, considerando que a pergunta pela essência humana resulta em uma
pergunta pela essência do pensar. Evidenciam-se os limites do pensamento
calculador e a abertura essencial do pensamento meditativo. Ao primeiro
corresponde o mundo da técnica e a “era atômica”, marcada pela mais perigosa
desdita: o desarraigo do próprio homem e de suas obras; à segunda corresponde
uma convocação: chegar à propriedade de nosso próprio ser. É nesse contexto
onde a Serenidade traduz uma atitude frente ao mundo da técnica, mas que,
sobretudo, visa explicitar que a essência do ser humano, como pensar, repousa
em um não querer, com as conseqüências renovadoras que este não querer acarreta,
concretamente, a descoberta de que estando tão próximos, permanecemos em
uma remota distância de nós mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Heidegger – Serenidade – Técnica - Ética
ABSTRACT
This article looks for to reflect about Releasement (Gelassenheit) in the heideggerian
philosophy, considering that the question for the human essence results in a
question for the essence of thought. One proves the limits of the calculating
thought and the essential opening of the meditating thought. To the first one, it
concerns to the world of the technology and “atomic age”, marked for the most
dangerous misfortune: the unroot of the same man and his works; to the second
concerns a call: to take in propriety our own being. In this context Releasement
translates an attitude face of the world of the technique, but that, over all, it aims
at to show that the human being essence, as to think, rests in a not want, with the
renewing consequences that this not want causes, concretely, the discovery that
being so close we remain in a remote distance of ourselves.
KEY-WORDS: Heidegger – Releasement – Technology – Ethics
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Na tradução francesa, Serenité e na espanhola, Serenidad; em inglês Releasement,
que traz o sentido de ser solto ou desprendido, e recorda o verbo alemão que
compõe Gelassenheit (Lassen: deixar, ceder, soltar). Como veremos, no contexto
da obra analisada, Serenidade designa tanto um deixar quanto um permanecer
deixado, e deve ser entendida junto a uma série de palavras que constituem o
sentido procurado: gelassen/sereno, einlassen/introduzido,admitido, sich einlassen/
comprometer-se, überlassen/confiar a, loslassen/liberar. Cf. “Advertencia” in:
Serenidad, trad. Yves Zimmermann, Ediciones de Serbal, Barcelona, 1994, p.7s.
2
M. Heidegger Feldweg-Gespräch, Gesamtausgabe Band 77, Frankfurt a. M.,V.
Klostermann, 1995. O “Debate sobre a Serenidade” ocupa um terço do diálogo
de 44/45(105-157). Os outros dois diálogos são: Der Lehrer trifft den Türmer an
der Tür zum turmanfgang e Abendgespräch in einem Kriegsgefangenenlager
in Russland zwischen einem Jüngeren und einem Älteren.
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Como sugere M. Álvarez Gómez em seu artigo “Raíces místicas del pensamiento de
Heidegger”, Heidegger conhece e recebe as influências de Mestre Eckhart e Angelus
Silesius e “traduce la mística al pensamiento filosófico”, in: Pensamiento del ser y
espera de Dios, Editorial Sígueme, Salamanca, 2004, p.419; publicado anteriormente
in: J.Lomba (ed.) Mística, pensamiento y cultura, Zaragoza, 1996, 13-31. Mestre
Eckhart é lembrado no diálogo pela ressonância que possui a serenidade-gelassenheit
em sua obra, mas, de uma forma inesperada, Heidegger quer mostrar uma diferença:
“inclusive a serenidade pode ser pensada ainda dentro do domínio da vontade, tal
como sucede com os antigos mestres do pensar, p.ex. o mestre Eckhart. De quem,
no entanto, há muito de bom que aprender”. É estranho que Heidegger recuse a
aproximação com Eckhart, que é conhecido pela sua doutrina do desprendimento ou
abandono. De fato, Heidegger conhece e cita o mestre de Erfurt em diversas partes
de suas obras. Aqui, no entanto, Heidegger nos diz que a sua “serenidade não menta
o abandono da vontade própria em favor da vontade divina”. O que nos surpreende
é que em Eckhart tal abandono deveria ser matizado, porque deus não possui esta
vontade e nem é mais o mesmo deus da tradição, em termos heideggerianos, onto-
teo-lógica. Por outra parte é evidente que o termo em Heidegger se mantém em um
âmbito totalmente distinto ao vivido pelo místico e surge como resposta ao mundo
da técnica contemporânea. Sobre a presença de “elementos místicos” no pensamento
heideggeriano e da dívida de Heidegger para com os místicos e mesmo com o
pensamento oriental há uma vasta bibliografia. Veja-se: R. Schürmann “Trois
penseurs du délaissement : Maître Eckhart, Heidegger, Suzuki”, Journal of the History
of Philosophy, 12 (1974), p.455-478 e 13 (1975), p.43-60; Ph. Capelle “Heidegger
et Maître Eckhart”, Revue des sciences religieuses, 70/1 (1996), p.113-124; A. De
Libera Eckhart, Suso, Tauler y la divinización del hombre, José J. de Olañeta Editor,
Barcelona, 1999; J.Caputo The Mystical Element in Heidegger’s Thought, New
York: Fordham University Press, 1986; G. Srummiello, “Got(t)heit: a deidade em
Eckhart e Heidegger” (Trad. R.Guerizoli), Veritas, v.47, n.3, 2002, p.347-364;
C.Saviani, El Oriente de Heidegger, Herder, Barcelona, 2004.
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M. Heidegger ¿Qué significa Pensar?, trad. Raúl Gabás, Madrid, Editorial Trotta,
2005, 1ª Lição, p.17.
5
As páginas citadas se referem, em primeiro lugar, à tradução portuguesa e em
seguida à edição alemã. Cf. M. Heidegger, Serenidade, trad. M.M. Andrade e O.
Santos, Lisboa, Ed.Instituto Piaget; M. Heidegger, Gelassenheit, Pfullingen,
Verlag Günter Neske, 1959, p.13-13.
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Idem 14-13.
7
Ibidem 18s-17s.
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8
Ibid. 18-17.
9
Ibid. 21-20.
10
La Cosa, in: Conferencias y Artículos, Barcelona, Ediciones del Serbal, 1994, p. 143.
11
Serenidade, op.cit., p. 22s-21s.
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Idem, 21-20.
13
Ibidem, 22-21.
14
Serenidade, op.cit., 23s-22s.
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Ibid., 54s-55s.
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16
Ibid., 31-29.
17
Serenidade, op.cit., 32-30.
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Ibid., 35-33.
19
Ibid., 37s-37s
20
Ibid., 39-38
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Serenidade, op.cit , 41s-39s. Gegent é a forma antiga de Gegend e se traduz por
comarca ou região. Assim como Gegenstand (objeto) e Gegner (adversário), têm
como raiz gegen (contra). A palavra, embora presente no dialeto suábo e suíço
alemão, não é a habitual da língua alemã e possui o sentido de responder ao
encontro (entgegnen). Para o contexto específico que Heidegger procura
expressar, a tradução portuguesa optou por grafá-la com maiúscula. Em espanhol
e em francês, respectivamente, por contrada e contrée. Cf. nota do tradutor de
Serenidad, trad. Yves Zimmermann, Ediciones de Serbal, Barcelona, 1994, p.47.
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Serenidade, op.cit., 43-42.
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Idem, 49-49.
24
Ibidem, 51-51.
25
Ibid., 58-59.
26
Ibid., 58-59
27
Serenidade, op.cit, 63-64.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Idem, 68-70. A palavra constitui ela mesma o Fragmento 122 de Heráclito.
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