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LEITURA CRITICA SOBRE A ATITUDE ESTETICA NA ARTE ROMANICA Meyer Schapiro Os criticos da cultura moderna, de cem anos para cé, contrapuseram a situagao da arte em nossa sociedade ao papel que tinha na Idade Média. Nessa época, imaginam eles, a arte era uma parte essencial da vida social, enquanto em nossos dias € um "mero oma~ mento” despojado de utilidade ou de fins espirituais elevados. Tal juizo sobre o carater inorganico da arte moderna repousa em uma concep¢ao estreita e esquematica da natu- reza da arte e do modo como hoje funciona. € dificil esperar que esses criticos possam servir de guia as qualidades e as aspiragdes da arte modema, privados como sao de sim patia por ela. Seria facil demonstrar que a arte contemporanea, embora nao religiosa ~ precisamente por isso mesmo ~, estd entrelagada com as experiéncias ¢ os ideals moder- nos ndo menos ativamente do que a arte passada, com a vida do seu tempo. Isso ndo quer dizer que para admirar as obras modernas deven-se necessariamente aceitar de bom grado as instituigGes sociais modernas: boa parte da melhor arte de hoje &, ao contrario, fortemente critica da vida contemporanea. Igualmente, admirar @ arte medieval nao im- pie aceitar o feudalismo como uma ordem humana ideal ou as lendas e os dogmas re- presentados nas esculturas das igrejas como verdades dignas de fé. Mas 0 que aqui nos propomos nao é defender a arte moderna, e sim, antes de tudo, indagar sobre a opinido comum de que @ arte medieval era estritamente religiosa ¢ simbélica, submetida a final: dades coletivas e absolutamente imune ao estetismo ¢ ao individualismo da nossa época, Procurarei mostrar que entre os séculos xi e xi estava imersa na Europa ocidental, no inte- rior da arte eclesidstica, uma nova esfera de criagao artistica despojada de conteudo reli- gioso ¢ imbuida dos valores de espontaneidade, fantasia individual, alegria da cor e do movimento, além da expressao do sentimento, que antecipam a arte moderna, Essa nova arte, as margens da obra religiosa, era acompanhada por um gosto consciente dos espec- tadores pela beleza da execucao, dos materiais e dos expedientes artisticos, indepen- dentemente dos significados religiosos. € bem conhecido que atitudes e qualidades co- ‘mo essas estavam presentes na poesia latina e popular daquele periodo: o estetismo dos poemas trovadorescos nao precisa ser ressaltado. Mas as aspiragoes paralelas dos scus contemporaneos escultores e pintores so menos familiares aos estudiosos do Medievo. E verdade, naturalmente, que a arte medieval estava estritamente ligada & religiao, € devemos recusar a idéia de que a arte crista fosse simplesmente arte secular a servico da Igreja. Isso pode ser verdadeiro para boa parte da arte religiosa hodierna, mas no Medie- vo os artistas criaram algumas das suas formas mais originais e duradouras, trabalhando exatamente para a Ipreja e no esforco de resolver os problemas artisticos que nasciam de aspiracées e posicdes religiosas. Todavia, € oportuno dizer que no ambito de uma institui- 20 tao altamente organizada como a cristandade medieval € quase sempre dificil distin- guir entre aspiracées religiosas e seculares. A Igreja nao era simplesmente um Orgao reli- g)080, estranho aos negécios materiais. Reivindicava um poder material ¢ era submetida a todas as solicitagbes do desenvolvimento social e econdmico e a mudanga das formas de vida da comunidade. Como grande proprietaria de terras, detentora, segundo as estima~ tivas, de quase um terco da propriedade fundiaria na Franga, a lgreja exercia a autoridade feudal sobre os vassalos e servos, e 0s seus bispos empunhavam armas, faziam a guerra e se emperhavam abertamente nas lutas politicas de sua época. Assim como os reis € os no: bres, os altos dignitarios da Igreja seguiam 0 estilo de vida daquele mundo feudal, quais quer que fossem seus deveres espirituais dentro do sistema das relagdes feudais ‘Mas também em um nivel social mais baixo as condicées materiais afetavam as for- mas religiosas constituidas, ao provocar reagdes contra 0 poder ¢ a corrupsao do clero, 404 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGCIDADE A DUCCIO ou a0 fomentar novos ideais religiosos mais condizentes com as novas exigéncias da vi- da secular. O desenvolvimento urbano e 0 conjunto de relagdes sociais originadas pela nova forca dos mercadores e dos artesdios como classe sugeriam novos temas e perspec- tivas ao pensamento religioso, contribuindo por essa via para transformar a arte religiosa, ainda que a estrutura do cristianismo permanecesse essencialmente a mesma. Advindos das fileiras desses estratos sociais inferiores, os artistas e quase sempre 0 baixo clero eram abertos as correntes seculares de seu tempo ‘Mas a relacdo entre religido e arte independe da questao de que os proprios artistas fossem leigos ou monges. O estilo Luis xv, nos objetos rococé maravilhosamente acabados elegantes que Ihe sao proprios, trate-se de edificios, méveis, tecidos, porcelanas ou es- culturas e pinturas, transmite-nos, imediatamente, a quintesséncia do espirito aristocratico daquele momento, Porém, grande parte de tudo isso foi criada por artesaos que vivian di- versamente de seus patrdes e tinham diferentes ideais. Em todo caso, nao eram os préprios pensamentos e perspectivas que pretendiam exprimir, mas os pensamentos e perspectivas do grupo dominante, que nao estava em condigdes de produzir obras semelhantes. Ana- logamente, a criaco artistica do Medievo nao requetia artistas profundamente religiosos, mas que tivessem sido formados em um s6lido ambiente religioso e tivessem desenvolvido sua habilidade em tarefas fixadas pela Igreja. Aprendiam intuitivamente seus requisitos ex- pressivos e segundo estes eram escolhidos, por bispos e abades. Giotto, o autor do gran- de ciclo de pinturas franciscanas em Florenca, o artista sempre admirado (talvez injusta mente) como quem deu a expressao definitiva e perfeita ao contetido franciscano, criticava 08 ideais e a vida da ordem: sua tinica obra literdria que chegou até nds ataca 0 voto de pobreza. Hegel escreveu muito corretamente que em uma era de piedade nao ha necessi- dade de religiosos para criar uma obra de arte autenticamente religiosa, enquanto hoje 0 artista mais profundamente piedoso ¢ incapaz de produzi-la. Essa discrepancia entre a as piracdo religiosa pessoal e a atual condigdo da arte fol expressa de outro modo por Van Gogh, homem de apaixonada intuicao cristd, quando escreveu que era impossivel pintar os antigos temas religiosos em um estilo impressionista ‘A idéia difundida de que a arte medieval era obra de monges ou de artesios leigos profundamente religiosos, inspirados numa atitude humilde de execucao desinteressada e de servico a Igreja, funda-se sobre o pressuposto de que essa arte fosse integralmente religiosa e que a gente do Medievo apreciasse a arte s6 por sua utilidade, devocao e por estar diretamente imbuida de concepcdes espirituais conformes aos ensinamentos tradi- cionais da Igreja. Mas os monumentos e os escritos, em particular dos séculos xii € xi, nos dizem o contrario, Nos edificios hé uma enorme quantidade de elementos que, de um ponto de vista didatico-religioso e estrutural, sao inteiramente inutels. Seria supérfluo insistir sobre es se ponto, que ja é bastante evidente dada a profusdo de omamentos das igrejas medie- vais. Mas as vicissitudes do gosto e da teoria da arte tornaram muitos estudiosos cegos a0 significado dessa quantidade de decoragbes. H dois séculos a arquitetura medieval, es- pecialmente a gotica, foi julgada nao-artistica pelo cardter extraordinariamente capricho- 0 € irtacional das suas formas e pela multiplcidade dos detalhes que ndo encontravam justificativa em nenhuma norma pratica. Cem anos mais tarde, essa opinido converteu-se no seu contrario: 0 gético foi elevado a modelo de uma arte plenamente funcional. Na opinio do catélico convertido Pugin e do arquiteto racionalista livre-pensador Viollet-le- Duc, cada elemento na construgao em pedra da catedral gética, até mesmo as nervuras, 5 pequenas colunas, as emolduracdes, os pinaculos, as biqueiras esculpidas, as folha~ gens recurvas etc,, era estruturalmente necessario. A arquitetura gética tornou-se assim ‘© modelo de um estilo funcional, e a idéia de que a arquitetura maior, mais impressio- nante, criada no mundo ocidental fosse dessa espécie contribuiu para estimular 0 cres- cimento de um estilo secular moderno, estreitamente aliado & engenharia, entre cujos Leitura critica 405 canones fundamentals figuram a eliminagao de todo ornamento e 0 abandono da pedra como material de construcao. Até a Igreja catélica simpatizou com essa nova voga: um escritor recente, um conego da Igreja, recomendou a nova arquitetura de concreto ar- ‘mado como a mais consonante com os ensinamentos de Tomas de Aquino € como o nico estilo possivel hoje para a lgreja. (© moderno estudo cientifico da construgao recusou aquela concepcio do gético. A ins- pirada interpretacdo tecnologica de Viollet-le-Duc revela-se hoje mecanicamente incorreta. A igreja gotica nao forma, como ele supunha, um sistema ideal de equilibrio, no qual os empuxos das abdbadas sao transmitidos pelas nervuras aos arcos rampantes e dai aos con- trafortes externos, que so mantidos em equilibrio pelo peso dos pinaculos. A construgao € uma criacao estetica e certas partes outrora declaradas estruturais so agora vistas como expressivas € ornaments ‘Mas ainda que essa teoria fosse aceitavel para o niicleo da estrutura, restaria nas construgées medievais muita coisa que nao pode ter sido derivada de intengdes constru- tivas ou religiosas. Um exemplo elementar é a variedade de capitéis na arcada romani- ca. Nao se trata, absolutamente, de uma variedade “organica”, dado que os elementos podem ser claramente intercambiados sem tocar a estabilidade ou o aspecto geral do edificio, Esses elementos diferenciados de uma série comum tém fungdes idénticas. Em um templo grego seriam indistinguiveis, como as colunas déricas ou os capitéis do Par tenon. Mas o artista romanico achava que era melhor individualizar as partes, indepen dentemente de sua identidade funcional. Em certas obras, a variagao parece ter origem ‘em uma intengdo didatica: os capitéis so esculpidos com diferentes episédios da vida de Cristo, com 05 santos ou com as figuras do Antigo Testamento. Mas s6 uma pequena parte ¢ historiada, e a mesma variedade se encontra ainda num periodo anterior, nos ca~ pitéis com folhas e animais e em regides como a Normandia e a Belgica, onde os temas religiosos so raramente aplicados a esses elementos. ‘Além disso, 0 fato de a variagdo aparecer quase sempre sobre embasamentos, sobre as proprias colunas e até mesmo sobre mal visiveis misulas sob as altas cornijas mostra 0 quao profundamente esta radicada essa tendéncia dos artistas, que vai alem dos requi sitos de um programa religioso fixado por imagens didaticas ou simbélicas. Poder-se-ia perguntar se nio exageramos o significado estético dessa variagao, Talvez seja o simples subproduto de um método de trabalho fragmentario, no qual cada cantei ro ou escultor tem capiteis particulares para entalhar a seu modo, sem ocupar-se do efei- to abrangente e sem vincular-se aos desenhos de um arquiteto que regulem antecipada- mente todos os detalhes. Mas ainda assim essa variacao seria significativa para nbs como um exempto frutifero de liberdade de concepgao individual, como poucas vezes encon- tramos nos elementos correspondentes das construgées classicas; e perguntariamos, por outro lado, se esse nao constitui também o terreno de formacao dos ousados autores dos grandes timpanos romanicos, tao originals e pessoais em seus desenhos. Citarei um Gni- co texto, entre tantos, que comunica 0 entusiasmo dos contemporaneos por esse gene- ro de variagées, sua consciéncia de que se tratava de uma realizacao estética que permea va a obra na sua inteireza, Trata-se de uma passagem de uma crénica dos abades de Saint-Trond, proximo de Lidge, e diz respeito ao abade Wiricus, em 1169: Tanto cuidado 0 industrioso arquiteto dedicou a decoragao do monastério que todos em nossa terra concordam que esse ultrapassa os mais espléndidos palacios pela va- riedade da execucio (operosa varietate). Com gosto arte inseriu diversos cursos alternados de pedra branca e preta e embelezou a estrutura da capela de maneira extraordinatia, no interior € no exterior, com um original revestimento de colunas ne- aS € jaspeadis, com embasamentos finamente polidos e capitéis esculpidos de ma- ravilhosa variedade. Com a beleza da obra ele tornou imortal o autor da empresa. 406 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A PUCCIO ‘A mesma variedade encontra-se em uma arte que ndo é obra de artesdos contrata dos a pagamento, mas um produto doméstico de grupos mais devotos: a iluminura de manuscrtos religiosos. Ao lado das miniaturas que ilustram um texto religioso em que é possivel discernirmos uma conexéo com a doutrina e 0 rito, ha inimeras letras capitu lares de natureza fantastica, elaboragdes que recobrem ou fazem desaparecer a forma da letra em emaranhados com um jogo complicado de figuras humanas, animals e ve getagdo, quase sempre agressivos ¢ brutais, a sugerir uma preocupacao masoquista do autor. € caracteristico dessa fascinante arte que 0 ornamento da capitular, espalhando: se livremente, no sé ultrapassa os limites da letra, como nao tem, na maioria dos casos, nenhuma conexo reconhecivel com o significado do texto. Ai, como nos capitéis das construgdes, o mesmo elemento, uma letra capitular, assume forma e tratamento deco: rativos divetsos, altamente espontaneos, em cada exemplar recorrente Seria, talvez, es5e pensamento inspirado por uma subjacente concep¢ao crista da in- dividualidade humana, expressa através da singularidade das formas dos componentes em um grupo comum? E uma idéia fascinante, embora dificil de verificar. Mas somos constrangidos a afasta- la ou ao menos a circunscrevé-la, porque uma individualizacao similar € rara ou ausente na arquitetura crista antes do periodo romanico, mais marcada no estilo romanico do que no gotico € precede de dois séculos as idéias escolésticas da forma como principio de in dividuagao nas ctiaturas vivas. Nos interiores das igrejas do século xii ha uma uniform! dade maior das partes, uma proximidade com 0 Renascimento, em prejuizo daquela fan: tasia exuberante que nos delicia na arte romanica. Se a fantasia permanece nos exteriores goticos, esses so todavia mais seculares no espirito e so orientados para o mundo ex terior, para o homem das ruas e da praca do mercado, a ativa comunidade civil que foi, reio eu, 0 terreno basilar do cresciniento da individualidade no Medievo. Um importante testemunho do século xi permite-nos aprender o momento essen- cialmente estético e secular daqueles entalhes romanicos e da individualizagao dos ele- mentos. € a diatribe frequentemente citada de Sao Bernardo contra a arte de Cluny do seu tempo, em uma carta ao abade Guilherme de Saint-Thierry. "No claustro”, escreve, sob os olhos dos confrades que léem, a quem agrada aqueles ridiculos monstros, aquela maravilhosa e deformada beleza, aquela bela deformidade? Com que final dade estio ali aqueles macacos imundos, aqueles leGes ferozes, aqueles centauros monstruosos, aqueles meios homens, aqueles tigres cobertos de listras, aqueles ca- valeiros que se batem, aqueles cacadores que esganigam seus cornos? Véem-se la muitos corpos sob uma tinica cabeca, ou ainda muitas cabecas sobre um s6 corpo. Aqui ha um animal quadrapede com um rabo de serpente, l, um peixe com a cabe. sade outro animal. Aqui ainda, a frente de um cavalo que se langa atrés de mela ca- bra, ou um animal de cornos traz a parte posterior de um cavalo. Em suma, tantas e tao maravilhosas sto as variedades de figuras de todos os lados, que somos mais tentados a ler no marmore do que em nossos livros e a passar o dia inteito a espan- tar-nos com essas coisas do que meditar sobre a lei divina. Pelo amor de Deus, se os homens nao se envergonham dessas loucutas, por que, ao menos, nao se ocupam com as despesas? A carta inteira requer um estudo atento; cada frase esta carregada de significados que abrem perspectivas sobre o mundo romanico. Pademos levar em consideracao aqui ‘apenas poucos pontos mais rigorosamente pertinentes a este escrito. Dever-se-ia observar, antes de tudo, que na sua rigorosa critica das esculturas do claustro, Bernardo nao ataca a arte religiosa, mas imagens profanas de uma fantasia de- senfreada, quase sempre irracional, temas violentos nos quais ele reconhece apenas a Leitura critica 407 satisfagao de uma va curlosidade. Nao se pode responder-Ihe com 0 argumento dos ico- nidlatras pelo qual o homem, como criatura imperteita, tem necessidade da imagem tan- givel de Cristo e dos santos para chegar até eles em espirito, Essas esculturas do claustro sao totalmente despojadas de significado didatico ou de simbolismo religioso. Se 0 que é fisicamente demoniaco é uma parte essencial do seu repert6rio, os monsttos nao sao, porém, considerados por Bernardo como simbolos do mal; nao ha razao para supor que 05 escultores os tenham concebido deliberadamente como tais. Ao contrario, a nova arte é condenada precisamente porque € irreligiosa e exempli- fica uma atitude paga para a vida, que, no fim, entraré em competigao com a crista, uma atitude de fruicao espontanea e de curiosidade para com 0 mundo, expressa por meio de imagens que chacam os sentidos e a imaginaco profana. Essa tendéncia artistica es- tava latente até entre os cistercienses no periodo herdico da fundagao da ordem, quan- do era mais do que assunto para a dupla disciplina da piedade ascética e da dura fadiga. Podemos compreender que os monges € os confrades leigos que eram adotados para drenar os pantanos, para desbastar as florestas, para construir diques, e que descreviam ‘em tom admirado as suas grandes empresas técnicas, os canais e a energia hidrica, de- veriam desprezar as inuteis artes da decoragao. Dai o tom puritano, moralista e prético ‘40 mesmo tempo da carta de Bernardo, que termina queixando-se do desperdicio de trabalho e de ouro. Todavia, em um dos primeiros manumentos da arte cisterciense, rea- lizado no decénio precedente & influ€ncia espiritual de Bernardo, 0 grande manuscrito das Homilias sobre J6 de Gregorio, da Biblioteca de Dijon, as letras capitulares sdo pin- tadas com notaveis imagens da vida cotidiana, 0s monges no trabalho, cortando arvo- res, debulhando 0 trigo, preparando a li etc., mas também com um emaranhado selva gem de monstruosos animais agressivos e figuras humanas que teriam certamente causado a indignagdo do santo. Essas vivazes e fascinantes representacdes, totalmente independentes do texto que acompanham, séo surpreendentemente modernas pela li- berdade da concep¢io e precisdo do desenho, ricas de detalhes finamente observados, talvez as primeiras manifestagdes desse género na arte medieval, Sao semelhantes obras que Bernardo e os cistercienses sucessivos condenam como “curiosidades” Curiositates e curiosum sao termos muito freqentes na polémica contra a arte nesse periodo; séo recorrentes nas Regras dos cistercienses € dos cartuxos € no século seguinte entre os dominicanos e os franciscanos, com monétona regularidade. Essas criticas e proi- bigdes que se faziam valer por inspetores autorizados a remover as obras ofensivas das igrejas e dos edificios dos monges fazem-nos compreender qual era o significado dessas imagens para os contemporaneos que as fruiam. Algumas vezes os monges resistiam & condenacao desses objetos; na abadia de Vicogne, proxima a Valenciennes, defenderam 40 contratio, energicamente as suas pinturas, e as visitas de inspecdo tiveram de ser sus- pensas. Numa litania das artes no famoso didlogo com um monge clunicense, o cistercien- se disse: “Belas pinturas, esculturas variadas, umas e outras adornadas de ouro, belas e preciosas roupas, belos e variegados tecidos, janelas e preciosas tacas de safira, capas e ca: sulas bordadas de ouro, célices de ouro e de pedras preciosas, letras douradas nos livros; todas essas coisas nao servem a necessidades praticas, mas a concupiscéncia dos olhos" Bernardo admite em um ponto de sua carta que as belezas da arte podem encontrar justificativa nas catedrais e nao nos mosteiros, dado que servem para atrair aqueles cu- ja devocao se deixa excitar mais pelos ormamentos materiais do que pelos espirituais, ‘Mas também essa concessio nao perdurara. Os belos objetos, mesmo se encontrados em uma igreja, sao, ao final, uma distracdo da veneragao € uma indulgéncia e uma ex- travagancia ndo-cristas. Eles atraem o olhar dos fiéis e impedem a sua atencao. [...] S40 mais admirados do que a santidade é venerada. [...] Os fundos para os necessitados sdo consumidos 408 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO para o prazer dos olhos dos ricos. Os curiosos encontram 0 que os diverte, mas os pobres nao encontram nenhum conforto. Bernardo esta consciente também do aspecto sagrado e didatico das imagens nas igtejas, mas com uma asticia retérica releva-o abertamente apenas nos pavimentos em que as figuras santas so pisadas Freqiientemente cospem no rosto de um anjo, muitas vezes os que passam cami- nham sobre as faces dos santos. Se nao respeitais essas imagens sacras, por que ndo respeitais pelo menos as cores? Por que embelezar o que logo deve estar sujo? Por que decorar aquilo sobre o qual se deverd caminhar? A quem agrada essas belas for- mas em lugares onde sao continuamente arruinadas pela sujeira? Tamanha solicitude pelas artes surpreende em um monge que, em suas préprias pa: lavras, abandonou todas as belezas e os prazeres dos sentidos por amor de Cristo, pas sando a considera-las abjetas. Entretanto, voltando as monstruosas esculturas dos claustros, é chocante que, por- quanto condene essas obras sem significado e esbanjadoras, Bernardo tenha escrito um inventario tao vivido dos seus assuntos e os caracterizado com tanta preciso: cada te ma por ele mencionado é visivel nas igrejas e nos claustros romanicos remanescentes santo investigou esses capitéis nao menos atentamente do que faziam os monges 20s quais reprova por meditarem as esculturas em vez de meditarem a Biblia ou os Padres [da Igrejal. S6 uma mente profundamente atraida por essas coisas podia evocé-las com tanta plenitude, e apenas uma inteligéncia com alguma afinidade por suas formas podia aplicar a esses entalhes a patadoxal sentenga: “Essa maravilhosa beleza disforme, essa bela deformidade” (mira quaedam deformis formositas ac formosa deformitas) que se assemelha em sua construcao reversa, antitética, a um desenho tipico da arte romanica. O conceito de uma bela deformidade parece tirado da estética anticlassica do século xix, de Baudelaire e de Rodin, mas esse jogo de palavras nao deve ser interpretado no sen tido moderno e nem mesmo como uma tentativa de Bernardo de definir uma estética roménica. Provavelmente, trata-se de uma justificativa de sua hostilidade para com es- sas obras como pertencentes a uma ordem inferior de beleza e reproduz um pensamen- to do seu predileto Agostinho, segundo o qual “existe uma beleza de forma em todas as criaturas, mas em comparagao com ado homem, ado macaco ¢ chamada deformidade Essa reminiscéncia do antigo padre responde, talvez, pelo inicio da lista de Bernardo, com os "imundos macacos, entre as esculturas do clausteo. Sem divida, Bernardo era intensamente fascinado por essas obras intteis e espiri- tualmente perigosas. Em geral, desviava o olhar das distragbes da arte e nao tinha con- digdes de se lembrar dos mais simples detalhes do que estava ao seu redor. Seu bidgrafo registra alguns exemplos dessa notavel indiferenca, Ele passara um ano inteiro numa cela de novigo e nao sabia, quando a deixou, se a casa tinha um teto em abébada. Frealientara muitas vezes a igreja, andando dentro e fora, e contudo imaginava que ali houvesse apenas uma janela na abside, onde, na realidade, havia trés. Tendo mortificado seu sentido de curiosidade, nao tinha ne- nhuma percepgao dessa qualidade; ou, se por acaso lhe acontecia de ver alguma coi- sa, sua meméria, ocupada com outras, nao a registrava [...] Entretanto, lembrava de maneira surpreendentemente exaustiva os detalhes da deco- ragio do claustro. Podemos interpretar psicologicamente, supondo que Bernardo respon- dlesse com excitagao a imagens de criaturas vivas,sentindo-as proximas de si, fcasse fio Leitura critica 409 diante das formas geométricas sem vida das janelas e das abébadas. Isso estaria de acor- do com sua hostilidade para com a dialética de Abelardo e com toda a teologizacao siste- matica da f&, € um homem de paixdo mais do que de razdo, que transfere uma enorme energia de desejo para o amor de Cristo e da Virgem mae. Quando ataca a arte dos claus- tros, é contra a concupiscéncia dos seus préprios olhos e a irracionalidade dos seus impul- 05 que reage. Os escritos de Bernardo sao ricos em figuras de movimento e de vida; re- corte constantemente a metaforas de prazer sensual para a expressao religiosa: "Jesus € mel sobre meus labios, melodia nos meus ouvidos, jubilo no meu corag4o”. Ama os con- trastes que chocam, as oposicoes violentas e aterradoras, 0 monstruoso grotesco, o que & antitético e invertido. Pensando na sua dupla vida de monge e de estadista da cristanda- de, chamou a si proprio de “a quimera do meu tempo". Bernardo representou o grande herético Arnaldo de Brescia com @ fantasia de um imagier romanico: “Cabega de pombo, cauda de escorpiao”. E quando teve de falar de sua ordem religiosa, imaginou os cister- cienses como acrobatas e jograis do espirito que oferecem um espetaculo belissimo aos anjos, mesmo incorrendo no desprezo dos orgulhosos e dos mundanos. Tudo 0 que [os mundanos] desejam, nés, ao contrario, refutamos, ¢ tudo o que eles recusam, nds desejamos, como aqueles jograis e dancarinos que, com a cabeca pa- ra baixo e 0s pés para o alto, em uma posi¢ao inumana, estao parados ou caminham sobre as maos, atraindo os olhares de todos. Essa é uma auténtica imagem da arte romanica. Quao freqiientemente nos portais do sul e do oeste da Franca sao entalhadas figuras como essas, justapostas a santas perso nagens ~ acrobatas e dangarinos em meio a animais fantasticos! Sao também recorrentes ‘nos manuscritos litdrgicos, em missais € breviarios e em outros livros religiosos, Os an- cidos do Apocalipse, que comparecem aos seus flancos com as violas e cetros, adquirem dessa vizinhanca uma conotacao profana; é de se perguntar se também eles nao foram escolhidos por suas qualidades de virtuosos da misica ‘As esculturas que Bernardo denunciava com tanto fervor, desdobrando suas vaida- des e monstruosidades, s4o uma parte consideravel da arte romanica. O que ele rejeita nao é uma obra ou uma escola particular, mas uma tendéncia substancial, difundida, que se manifesta em milhares de exemplos que sobreviveram até nés. Em certo tempo, os estudiosos pensaram em angariar essas esculturas para a unidade da arte religiosa, dis- cetnindo um recdndito simbolismo teolégico ou moral nos seus tipos profanos, grotes- cos. A carta de Bernardo tira 0 crédito de uma abordagem do género, conquanto em algumas obras 0 contexto nos autorize a supor que tivessem sido concebidas de modo simbélico. Mas é justo chamar de “puramente decorativas” as outras porque nao tém um sentido religioso? A finalidade artistica s6 tem alternativa entre o religioso e 0 orna- mental? Excetuando os elementos de folclore e de crengas populares em alguns desses tipos fantasticos, so um mundo de emogies projetadas, de imagens psicologicamente significativas de forga, de jogo, de agressividade, de ansiedade, de autotormento e de medo, encarnados nas poderosas formas de criaturas guiadas pelo instinto, retorcidas, intrincadas, lutadoras, opostas e sobrepostas. Diferentemente dos simbolos religiosos, nao obedecem a nenhum ensinamento ou corpo de doutrinas. Nao se pode imaginar que tenham sido encomendadas por um abade ou por um bispo, como partes de um programa didatico De modo algum convidam a um aprendizado intelectual sistematico, mas sao tomadas como fantasias individuais quase sempre irracionais, como pensamen- tos e sensagGes isolados. Essas figuras grotescas e os combates de animais esto a meio caminho entre a arte antiga e a moderna em seu carater individualizado, mas ainda mar- ginal, assim como 0 feudalismo ocupa um espaco entre a sociedade antiga e a moder- ra. A letra capitular ou 0 capitel romanico nao existem plenamente em si mesmos, como 410 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO uma obra moderna: pertencem ao mais vasto conjunto do livro ou do edificio. Mas, por outro lado, nao sao rigidamente submetidos ao significado ou & forma do conjunto do qual fazem parte, como os ornamentos antigos asiaticos e gregos. A capitular nao tem, muitas vezes, moldura ou corta-a e invade as partes adjacentes, E é ela mesma uma par- te, mas tem uma inteireza e uma fisionomia pronunciadas, especiais, um eixo € uma ex- pressao proprios. ‘Muito pouco existe na igreja bizantina que possa comparar-se a esse aspecto da ar- te romanica. Uma carta como a de Bernardo é inconcebivel no Oriente. Essa diferenga ilumina a peculiaridade do desenvolvimento ocidental. As imagens tém um status dife rente nas duas cristandades: em Bizancio, eram feitas por devogao, que se pode definir como veneracdo ou homenagem; no Ocidente, até pelos Libri Carolini, eram limitadas oficialmente a decoracdo e & instrucao, quaisquer que fossem as tendéncias populares ou eclesiasticas a um culto das imagens. Dai a impossibilidade de a igreja do Oriente ad- mitirtipos tao seculares no espirito; a imagem como tal é um objeto de culto e por isso submetida a tradicao ¢ ao dogma com vinculos mais estreitos do que no Ocidente, on de é, a principio, também um objeto de decoracao. Mas 0 contetido positivo que o "de- corativo" conquistou no Ocidente nao pode ser considerado como derivado diretamen- te de problemas e de exigéncias religiosos. O mundo profano cotidiano faz sentir ai sua vor, € sua evolugao ao longo do Medievo em direcao a um espirite secular urbano ¢ & individualidade penetra nos mosteiros e nas igrejas, que sdo parte, e muitas vezes das mais ativas, desse grande desenvolvimento, Se a carta de Bernardo é um testemunho negativo da estética romanica, ha também um corpo de juizos coevos que exprime as reagdes positivas a arte desse periodo, Nao po demos esperar naturalmente uma literatura estética como a nossa no século xi: a arte no se tornara ainda um ambito central da cultura, ou um modo de vida por meio do qual os homens na sua personalidade leiga pudessem livremente forjar seus ideais e suas intuigdes das coisas. A descricao da resposta individual da arte e a reflexao sobre a sua estética eram ainda acriticas,incidentais e sumérias. Mas encontramios em passagens es: parsas nas crénicas, nas biografias, nas cartas e nos sermdes — as vezes, trechos de no- ‘vel extensdo ~ expresses de admiracao e também de perspicacia estética que nos sur- preendem pela afinidade com a mais desenvolvida consciéncia critica de periodos mais tardios, quando a critica de arte, a teoria e a historia da arte serdo constituidas como campos distintos. Os textos fortuitos desse género nao foram jamais destacados ou reu nidos. Essas reagdes & arte no Medievo devem ainda ser investigadas com 0 mesmo cui- dado que os documentos sobre o sentimento pela natureza. Posso citar apenas poucas das passagens com as quais deparei por acaso ou que achei nas coleténeas de textos fei- tas para outras finalidades, como o Recueil de Mortet para a hist6ria da arquitetura me- dieval na Franca. Contra a crenca geral de que no Medievo a obra de arte fosse conside: rada essencialmente como um veiculo de ensino religioso ou como um artefato dirigido a.um fim pratico, e que a beleza de forma e cor nao fosse objeto de contemplagao, nes ses textos abundam juizos esteticos e descriges das qualidades e da estrutura da obra. Falam do fascinio que emana da imagem, da sua maravilhosa semelhanca com a reali- dade fisica, da espléndida habilidade do artista, quase sempre abstraindo-os completa: mente do contetido do objeto de arte. Ha, sem diivida, uma forte corrente de estetismo, ra cultura do século xi, que corre em campos diferentes, nas artes plasticas nao menos que na poesia latina e vulgar. Ela influencia as formas de vida religiosa no ritual, no cos- tume e na musica tanto quanto na construcao e na decoracio das igrejas. Os moralistas € 05 cronistas desse periodo, especialmente na Inglaterra e na Franca, tiveram muito a Leitura critica 4u dizer contra o carater elaborado dos modos de vestir e a nova autoconsciéncia com res peito a estética do corpo vestido. Um texto da época oferece um testemunho notavel dessa sensibilidade para formas € cores como valores em si. € 0 relatério do traslado dos restos de S40 Cutberto para a nova catedral no ano de 1104, escrito em 1175 por Reginald, monge de Durham, evidentemente baseado no relato de uma testemunha ocular. O corpo do santo estava envolvido em tecidos decorados que suscitavam 0 mais alto entusiasmo no escritor. A descrigao desses objetos antigos, pertencentes a uma época e a uma cultura diversas da sua, dedica uma apreciagao perspicaz, calorosa e pessoal, bem além do necessério para © registro religioso. Admira a decoracao, as imagens de animais, a cor e a feitura, até a tessitura dos materiais, sem interrogar-se sobre o seu possivel simbolismo; sao espléndi dos artisticamente e, portanto, merecem esta extensa descricao: Ele estava vestido com a tunica e a dalmética, & maneira dos bispos cristaos. A for- ma de ambas, com sua preciosa cor purpura e variedade da trama, é muito bela ¢ admiravel. A dalmatica, que é 0 habito talar externo, é a mais visivel, e oferece uma tonalidade de vermelho purpura, desconhecida em nossos dias até pelos especialis- tas. Conserva ainda o esplendor da frescura e beleza originarias em cada parte e quando a manejamos produz um som de crepitagao por causa da solidez e da com- pacidade da fina e habil tecedura. Sutis figuras de flores e de pequenos animais, muito minuciosas na confecgéo como no desenho, sao entretecidas nessa fazenda, Pela beleza decorativa, o seu aspecto varia por uma aspersao contrastante de uma cor incerta que se revela amarela. O encanto dessa variacao exterioriza-se de modo mais belo no hébito purpureo, e frescos contrastes s4o produzidos pelo jogo das manchas pelas quais é disseminado. A infusao fortuita da cor amarela parece ter si- do produzida gota a gota; gracas a esse amarelo, a tonalidade avermelhada da pur- pura resplandece com mais vigor e brilho. [...1 Além da dalmatica, 0 corpo sagrado esta recoberto por outras sedas preciosas de um estilo inusitado. Acima dessas estava colocado um lengol com cerca de nove cévados de comprimento e trés e meio de largura, no qual todas as reliquias sagra- das recolhidas tinham sido envolvidas com a maior reveréncia. De um lado havia longas franjas de cordao de linho do comprimento de um dedo; de fato, 0 proprio lencol era de linho. Mas ao redor das orlas desse lencol retangular o tecelao enge- nhosamente trabalhara uma borda de uma polegada de largura. Sobre esse material pode-se ver um relevo muito sutil que se destaca, com eleva¢o consideravel, da trama do linho e que tem formas de passaros e de animais inseridas de algum mo- do na borda. A cada duas duplas de passaros e de animais emerge determinado de- senho, como uma arvore frondosa, que aqui e ali separa esses motivos e os isola, de modo a ficarem bem distintos. A figura da arvore é finamente desenhada e parece mostrar o brotar das folhas, mesmo as mais diminutas, nos dois lados. Abaixo, na fi- leira adjacente afioram de novo figuras de animais tecidas em relevo € ambos os de- senhos destacam-se em um forte relevo até as orlas extremas do habito ao longo de toda a borda Que surpresa deparar-se com essas observacdes sobre as esfumaduras ¢ 0 efeito reciproco das cores num escrito do século xi E esse desejo de exatidao ao descrever a estrutura de um desenho decorativo! Faz-nos pensar na exceléncia da literatura inglesa sobre 0 ornamento no fim do século xix. © mesio Reginaldo tem ainda outras anota- (Goes agucadas sobre os objetos de arte na tumba de Cutberto. Cito apenas uma, inte- ressante porque € um caso raro de afirmagao estética empirica sobre as proporcoes. De um pente de marfim de grande antigtiidade, ele observa que a sua dimensao “é fina- 412, HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO mente proporcional & largura, porque o comprimento é quase igual a largura, exceto gue, por um efeito artistico, um difere um pouco da outra” - um juizo sobre o desvio deliberado e necessario do quadrado perfeito que ¢ freqiientemente formulado por pin- tores e designers modernos. (© que é mais notavel nesses textos no € a admiragao pelos objetos belos ~ que cor- responde quase sempre a um gosto primitivo pelo raro e pelo caro, 0 ouro e as pedras preciosas -, mas a aguda observagao da propria obra, 0 esforco de ler as formas e as co: res e de avaliar seus efeitos. Paralclas a essa atitude objetiva sdo as anotacdes sobre o proprio observador como alguém que reage a obra. Elas ndo nos informam sobre o conteiido mais profundo de fantasia e de sentimento provocados pela contemplacéo da arte, mas transmitem a ex- citagao fascinada do espectador como uma experiéncia peculiar, algumas vezes tao in- tensa que traz & meméria descrigdes de éxtase religioso Ha um documento do género na historia dos bispos de Le Mans, em uma ampla relagio dos trabalhos de construgdo empreendidos pelo bispo Guilherme na sua vila episcopal no ano de 1458. Ele mesmo construiu para si uma cémara privada, elegante- ‘mente ifuminada por janelas em que a feitura ultrapassava a qualidade dos materials; a execugao ¢ a disposicdo do com- partimento eram uma prova do engenho do artista, que refletiam de modo belo e re- finado. Ao lado desse comodo, ele construiu uma capela contigua. E se essa capela resplandecia em beleza como obra de arquitetura, as pinturas sobre suas paredes, igualando-se por uma admirével habilidade as aparéncias das criaturas vivas, manti nham seduzidos nao s6 os olhos dos espectadores mas também as mentes, ¢ atraiam a atengdo a ponto de, no deleite diante das imagens, esquecerem os proprios neg cios; € aqueles com tarefas por fazer ficavam tao extasiados com as pinturas que pareciam quase ociosos. Num terceiro local, ao lado da capela, ele construiu uma ca- mara em que a composigao inteira (e as janelas em particular) era tao bela que pare- cia ter sido desenhada por um artista mais habil do que aquele que produzira as duas outras construgdes; ou podia-se supor que 0 artista tivesse superado a si proprio nes- sa nova obra. Além disso, abaixo, no lugar das casas que adquirira, 0 bispo dispés um jardim com arvores de frutas exéticas; eram também belas a vista, tanto que quem olhasse pelas janelas do edificio ou estivesse no jardim poderia reciprocamente expe: rimentar 0 encanto: 0s que estavam no edificio, fruindo da beleza das arvores, 05 que estavam no jardim, da beleza das janelas. Esse texto é um dos mais preciosos de que dispomos. Combina em uma s6 descri- do tantos angulos da experiéncia artistica daquela epoca: a apreciacao pelo arquiteto @ scu oficio, o amor pela luz e pela elegante disposigao das janelas, a reacio a pintura como um arrebatamento que desvia o espectador das suas preocupagdes normais; en- fim, o planejamento deliberado das vistas nos edificios e nos jardins para 0 deleite dos olhos. Sao todos interesses comuns no século xii € podem ser documentados por outros textos. Ha o famoso relatorio de Suger sobre a sua nova igreja de Saint-Denis, em que 0 abade diz orgulhosamente como 0 encanto do belo edificio, com 0 seu tesouro in- comparavel de pedras preciosas, o predispde a um elevado estado de contemplagao es- piritual. Porém, mais freqientemente, a experiéncia da decoracéo da igreja é descrita como puro éxtase sem contetido ou efeito religioso. Um escritor inglés, Guilherme de Malmesbury, emprega como uma expresso de forga artistica esse arrebatamento dos olhos e do coragao. “Nas pinturas multicoloridas, uma arte admiravel encantava © co- raga com o esplendar fascinante das cores e atraia todos os olhares para o teto como encanto de sua beleza". Assim ele transmite o efeito das pinturas na nova catedral de Leitura critica 413 Canterbury, de Lanfranco. A linguagem lembra-nos um grande critico moderno, Fro- mentin, comentando uma pintura de Rubens: “Ela encanta o espirito porque ela ar- rebata os olhos; para um pintor, a pintura nao tem prego”. Mas na mesma passagem, Guitherme, falando da outra metade dos ornamentos da catedral, dos habitos e para- mentos sagrados, conhece apenas a habilidade dos artesdos, “que ultrapassa a preciosi- dade dos materiais” - uma distingdo que antecipa a divergéncia entre o status do arte- sanato e o da arte nobre Mas quer se trate de pinturas, joias ou tecidos, todos atraem a mesma admiragao pelas suas qualidades exteriores. Nessas expressdes do século xii somos tocados pelo in- tenso entusiasmo pela cor, pela luz, brilho e ricos contrastes, um entusiasmo que parece incrivel hoje, quando os velhos edificios perderam em grande parte os objetos que susci- tavam esse sentimento. Os grandes tesouros dos vasos de ouro e de prata, frequen- temente adornados de joias, as janelas brilhantes e os tecidos de cores profundas que pendiam das paredes, tudo isso desapareceu; aos nossos olhos, a arte daquele tempo se oferece, essencialmente, na pedra nua e seus relevos. Quando Guilherme de Malmes- bury descreve a igreja de Rochester, as colunas e os muros de pedra desaparecem, ve- mos apenas uma chama de luz colorida. © bispo Ernulf, diz ele, reconstruiu a igreja “com tanto esplendor que nada de semelhante podia ser visto na Inglaterra pela lumi- nosidade das janelas de vidro, 0 reluzente pavimento de marmore, 0s quadros variega~ damente pintados". Em semelhantes termos, outro monge de Malmesbury, num poema sobre o abade Fabricio de Abingdon, canta o resplendor da nova construgao Ele transportou para o interior todo 0 esplendor da Igreja; © fausto da beleza reluz por todo 0 teto dourado; Concha de metal, tecido de pedras preciosas, que inspiram admiracio, Sem esses textos dificilmente poderiamos conceber a qualidade original das cons- trugdes e 0 espetaculo deslumbrante que a igreja oferecia aos olhos das pessoas. O fascl- nio estético das substancias preciosas, pelo forte poder de translucidez, é algo elementar € instantaneo e, para o espectador ingénuo, independe de nogdes espiritualistas sobre as afinidades entre a luz e a natureza divinas. Os governantes seculares do Medievo, no Ocidente como em Bizancio, no mundo cristo como no mugulmano, ndo deixaram ja- mais de desfrutar desse poder de atragao do ouro e das pedras preciosas para subjugar 05 camponeses € os provincianos ou os emissarios estrangeiros. A igreja aspirava a ser um modelo do palacio celestial, @ divina Jerusalém que os poetas medievais viam como uma arquitetura de ouro e de jéias Havia outros modos de ver a igreja além dessa visdo de gemas e luz. Certas mentes, inclinadas aos significados ocultos e aos simbolismos, interpretavam cada parte do edifl- cio em sentido mistico ou alegorico. Mas a grande massa das expressGes ao redor de no vas igrejas, da parte de cronistas, viajantes e hagidgrafos, é imune a essas interpretagoes, Estes detém-se, ao contravio, na beleza da construgao, na preciosidade dos materiais, nos entalhes decorativos, na extraordinaria verossimilhanca ¢ variedade das imagens. Os mesmos termas - pulcherrimum, subtilissimurn, splendidum, mirum, mirificum, decus ~ sao recorrentes ao longo de toda essa literatura na men¢ao dos edificios. Ha também uma percepgdo da forma da parte dos escritores de mais moderna sensibilidade a arqui- tetura, que sentem 0 espaco, as proporgies e a beleza da arte mural. O autor do Guia do peregrino a Santiago conclui a sua detalhada ilustragao da estrutura interna da igreja de Compostela com estas palavras: Nesta igreja nao encontrareis gretas ou defeito algum. € maravilhosamente traba- thada. Ampla, espagosa, luminosa, apropriada na dimensdo, bem proporcionada 414 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE a DUCCIO em largura, comprimento e altura, € considerada uma obra estupenda e inefavel construida, aliés, em dois planos, como um palicio real. Quem quer que caminhe através das galerias superiores, se quando subiu estava triste, torna-se alegre e feliz vista da superior beleza do templo. O efeito da beleza arquiteténica sobre o sentimento, o alivio que Ihe vem aos olhos € a0 espirito, é mais usualmente notado nas descrigdes dos refeitérios, dos capitulos e das camaras privadas de bispos e abades, isto é, dos edificios nao destinados ao culto, Lem- brei anteriormente um exemplo nas construgdes do feudo do bispo de Le Mans. Existe outro na histéria dos abades de Saint-Trond, citada no inicio deste artigo. © abade construiu uma belissima sala onde o paroco da igreja se deleitava em com- panhia dos novos amigos e onde fazia o balango para os irmaos do mosteiro. Mais no alto, 0 abade colocou os fundamentos para um edificio mais elevado onde ele mesmo deveria habitar e repousar; e dedicando a essa ocupacao toda a sua inteli- géncia, tornou diferente essa casa gracas a construgdo maravilhasamente elegante. Ai construiu, de fato, grandes e arejadas janelas que ofereciam uma ampla vista a quem estava na casa e davam aos olhos do espectador uma vista plena de quase a metade da cidade, e esse edificio tornado completa e maravilhosamente perfeito pe- la arte engenhosa do arquiteto, ele o embelezou ainda com uma lareira e com um sistema de fornecimento da agua que fiula pelo centro da cmara. ‘A combinacao entre aparelhagem avancada, conforto, beleza e as delicias do ar livre e dos panoramas externos é pouco monastica no espirto: ela pertence & arquitetura secu- lar em sentido moderno e implica novo ponto de vista estético. Um século mais tarde, 0 autor da histéria dos abades de Auxerre justificava essa ex travagancia com a sua contribuigZo ao bem-estar humano, Pois que a alegre beleza dos edificios sustenta e restaura os corpos dos homens e de- leita e consola 0 cora¢ao, 0 abade Jodo construiu no mosteiro, para si préprio e scus sucessores, uma belissima sala com galerias que davam para o patio. Dali podiam ver- se as entradas e quase todos os seus edificios e fruir da amenidade da atmosfera Escritores do século xii condenavam essas construgdes como um luxo e uma osten- tagdo nao cristiios. Hugo de Fouilloi destacou em sua critica 0 quarto de dormir de um bispo com pinturas de temas pagtos, contos homéricas e mitos cléssicos. A perfeicao desses edificios nao se dirigia para a gloria de Deus, nem era exigida pelas fungoes da Igreja. O cronista de Saint-Bertin, escrevendo pelo ano de 1180, esclarece-o de modo inequivoco; de um novo refeitorio na sua abadia, ele diz: “E como um espelho ou como um ornamento, e, contudo, considerando o seu grande custo, € mais belo do que util” Aos criticos da nossa cultura nada pareceu assinalar a sua decadéncia tdo evidentemente como 0 gosto dos artistas pelas obras de tempos e lugares diferentes e a coleta indiscri- minada de objetos de muitos estilos. Uns e outros foram contrapostos ao carater fecha do do gosto medieval, que era isento de exotismo. E, todavia, ha na arte ocidental do século vii ao xii! uma imensa receptividade, que tem poucas compardveis nas culturas precedentes e também sucessivas. As formas cristas primitivas, bizantinas, sassanidas, persas, coptas, siias, romanas, mugulmanas, célticas € germanicas pagas eram, entao, ‘emprestadas, quase sempre sem referéncia ao seu contexto € significado. Uma grande Leitura critica 415 Parte da pesquisa foi empenhada nesse processo de incluso de motivos estrangeiros na arte medieval, Isso € bem conhecido para requerer uma ampla lista de exemplos, mas ci- tarei dois indicios surpreendentes da curiosidade dominante pelas artes nao-cristas. Um é © gosto pelas las classicas, muitas das quais foram conservadas nos tesouros das igrejas medievais, sobre os relicarios e capas dos manuscritos litérgicos. © abade ou o artesao Que inseria uma dnica jéia cinzelada em um objeto sagrado perguntava-se raramente 0 que significava o entalhe: bastava que a pedra fosse preciosa, que suas cores brilhassem maravilhosamente uminosas € que fosse talhada de modo misterioso, com incrivel deta the, para representar com exatidao a forma de um belo ser humano, qualquer que fos se 0 seu significado pagao, Se a figura sugerisse um tipo cristdo, tanto melhor; mas era um caso excepcional, afortunado. (O segundo indicio é a pratica freqiiente nos artistas ocidentais de reproduzir - em pe- dra, madeira, esmalte ou tinta ~ trechos de escritura arabe como ornamentos sobre os bordos de suas obras sem informarem-se do eventual sentido nao-cristao dessas inscri- Ges. Eram tirados de objetos mugulmanos, principalmente tecidos e marfins, sobre os quais as letras ciificas compunham um texto inscrito, quase sempre com invocacoes a ‘Ala, ou um desenho estilizado, repetido, do /am ¢ alif do nome santo. Semelhante escri- tura pseudocifica é recorrente na base do capitel de um claustro de Moissac, na porta de madeira de uma igreja em Le Puy e no manuscrito Beatus proveniente de Saint-Sever. Nao s6 pequenos detalhes, mas objetos inteiros de origem sarracena foram adotados Por obras cristas, em um tempo em que os dois povos eram inimigos encarnicados. No Liber Miraculorum Sanctae Fidis natra-se que 0 conde local Raimundo 1 de Rouergue (961-1010) presenteou os monges de Sainte-Foy em Conques com uma sela sarracena, admirada como obra de incomparavel refinamento. Segundo o autor contemporaneo, nenhum ourives local teria podido iguald-la em habilidade e conhecimento; foi incorpo- rada em sua totalidade (salva integritate) em uma cruz de prata para a igreja, como as antigas jdias cinzeladas a que me referi ‘A mesma admiragao pela arte mugulmana encontra-se entre os bizantinos que tam- bém reproduziam para ornamento as formas da escritura cufica. O butim transportado depois da conquista de Creta a capital imperial do século x, 0s tecidos e objetos precio- 0s postos a mostra triunfalmente eram elogiados como maravilhas da arte mais eleva- da pelo cronista grego. Esse é um sentimento comum entre os homens do Medievo diante da habilidade técnica dos povos vizinhos e distantes, Se lermos esses textos, seremos menos tomados pela admiracao de Direr pelos objetos americanos primitivos vistos por ele em Antuér- pia em 1520. Os tesouros das grandes igrejas eram imensamente ricos de manufaturas ‘exdticas acumuladas, como os gabinetes dos colecionadores modernos. A literatura do século xu sobeja também de passos sobre a beleza e a superioridade artistica das artes locais mais antigas, de estilos entao ha muito tempo suplantados. O texto de Reginaldo de Durham sobre as roupas de Sao Cutberto € um exemplo disso. 'gualmente interessante é a sua apreciagdo do atatide de madeira do santo, obra que 0 estudiosos modernos consideram pertencente ao fim do século vu, decorado com formas em incisdo de um estilo muito menos elaborado do que a arte do tempo de Reginaldo. Vendo a sua superficie de carvalho negro, ele se pergunta se aquela cor escura é devida aidade, ao artificio ou ainda & cor natural da madeira. Mas com respeito & qualidade dos entalhes, nao tem divida: sto de uma feitura minuciosa ¢ delicada, que o enche de es- panto e que the dificulta atribuir ao conhecimento ou a habilidade do artista Na sua pronta admiracao pelos objetos antigos, ha com seguranga um elemento de sentimento religioso, Tudo 0 que pertence as veneradas reliquias - os panos, o ataiide, 08 objetos de metal ~ é tocado pela virtude do santo que se manifesta nessas coisas ma- teriais, na beleza da sua substancia, na elaboragao e nos desenhos. Reconhecemos tam- 416 HISTORIA DA ARTE ITALIA. = DA ANTIGUIDADE a DUCCIO bém uma devocdo, um interesse absorvente pela antigtidade como tal, demonstrado pelas repetidas observacdes sobre testemunhos do tempo, sobre modificacées trazidas pelo curso dos séculos. Sobre 0 pente de marfim, anota que “a sua natural aparéncia de 0850 branco mudou-se pela longa idade em uma tinta avermelhada”. Mas a inclinagao a exaltar as obras humanas acessérias que encerraram ou acompanharam 0 corpo sagra- do permanece um exemplo do ponto de vista estético que estamos considerando, en- quanto se aplica ao ornamento, & habilidade artistica e a imaginaco. O autor da descri- (0 do ataiide ignora 0 conteudo das imagens; nao registra nem mesmo os nomes latinos incisos; as formas e as superficies o impressionam mais do que o significado das figuras religiosas ainda visiveis na madeira até os nossos dias. Uma atitude semelhante aparece nos textos sobre arquitetura antiga, também a arqui- tetura dos pagaos. Vestigios da Antigiidade classica encontravam-se em toda a Europa ocidental em maior quantidade do que hoje, e era dificil que os cristaos do século xu fos- sem indiferentes a eles. Com a sua estranha e inusitada presenga, convidavam a interpre- tagdo fantéstica, inserindo-se na trama do folelore e das crengas magicas, ou suscitavam a curiosidade e a admiragao de artistas que viam nessas obras a mao do artesao e a forca de uma vontade poderosa. O mesmo Guilherme de Malmesbury descrevia “as estupendas construgées dos romanos” nas ruinas dos muros de York e lembrava em Carlisle “um tr clinio com abébada de pedra que nenhum tufao tinha jamais abalado”. Das bem conser- vadas construgoes de Hexham ele escrevia que nao havia nada de compardvel nessa ver- tente dos Alpes: “Quem, vindo de Roma, vé Hexham, jura ver os muros de Roma" Os pequenos objetos da arte romana trazidos a luz pelas escavagdes evocam uma emogao andloga. A Crénica de Sa0 Pedro em Oudenburgo, préximo a Bruges, compos- ta em 1084, falando das fortificagdes da abadia construida com materiais provenientes de diversas localidades, compreendidos restos romanos da regido de Col6nia, escreve so: bre 0s objetos antigos descobertos naqueles lugares classicos: Belissimos e bem proporcionados vasos, tacas, pratos e outros utensilios engenhosa- mente modeiados ¢ esculpidos pelos antigos foram encontrados la recentemente; ¢ seria bem dificil que fossem confeccionados e esculpidos com igual elegancia em ou- 10 € prata pelos capazes artistas dos dias de hoje. J4 naquela época, os escultores comecavam a copiar detalhes ornamentais classicos € a observar as esttuas pagas como modelos para a propria arte, Foram precedidos pelos escritores que estudavam Ovidio e Virgilio como mestres a imitar nos poemas de conteu- do profano, € procuravam nos tedricos romanos da prosa e do verso as regras da arte. Nao 6 aqui o lugar para examinar as razGes mais profundas da correspondencia com a arte classica. € talvez suficiente dizer que no século 1x ela foi promovida pelas finalida- des politicas dos dominadores setentrionais que pretendiam assumir 0 papel dos impe- radores romanos e, se nos séculos sucessivos a consciéncia da Antigiidade romana foi acrescida pelas ambicdes do império, pelos conflitos entre papado ¢ Estado e pelas pres- ses para uma cultura secular na sociedade urbana em crescimento, o interesse pelas rui- ‘nas antigas servia de suporte para uma atitude estética. JA durante 0 periodo romanico distinguia-se entre o valor de uma escultura paga como objeto de refinadas proporgées. com um intrinseco aprego estético © 0 seu inaceitavel sentido religioso. © abade francés Guiberto de Nogent (1053-1124) podia entao escrever na sua autobiogratia Louvamos a justeza de proporgdes em um idolo de qualquer material, nao obstante que, no Ambito da fé, um idolo seja chamado pelo apéstolo como algo de nenhum valor (1 Corintios, vii, 4), nem se poderia imaginar nada de mais profano, embora a disposigio de seus membros possa ser elogiada. Leitura critica 417 Um bispo contemporaneo, Hildeberto de Le Mans, lamentando as ruinas da Roma pa- 83, exprimia com menores reservas 0 mesmo juizo: “Que semblantes tém essas divinda- des! Sao veneradas mais pela habilidade de quem as fez do que pela sua santidade’ Dante, descrevendo o circulo dos soberbos no Purgatério (Canto x), concebe os peca- dores e suas punig6es segundo uma bela ¢ elaborada metafora artistica, cujos termos sao fornecidos pelo contraste dos estilos medieval e classico e pelos varios niveis da arte e da natureza. Observa antes uma encosta de puro marmore branco adornado de esculturas, "que envergonharia nao s6 Policleto, mas a propria natureza”. Essas esculturas sao as re- presentagdes ideais da Humildade, a comecar pela Virgem Maria da Anunciagao: “O anjo diante de nds parecia tao verdadeiro, ali esculpido em um ato to suave, que nao parecia uma imagem muda”. Dante conhecia, sem duvida, a antiga definicao da escultura como Poesia muda, mas joga ai também com o tema do anjo falante transformado em pedra. Es- se maravilhoso poder de representacéo da realidade encontra-se depois em forma ainda ‘mais surpreendente no coro cantante em um relevo do rei Davi, que danca humildemente diante da Arca; essa escultura, que se dirige conjuntamente aos olhos ¢ aos ouvidos, fazia um dizer “Nao”, € 0 outro, “Sim, eles cantam”. Dante chega depois aos soberbos que, em Contraste com os humildes, com as suas formas ideais e as harmoniosas posturas eretas co- mo belas estatuas classicas, séo descritos como criaturas hesitantes, curvadas, agonizantes, Que se atanam em sustentar pesados fardos de pedra. Trazem a mente na sua infeliz servi- dao as figuras das igrejas medievais, que, para sustentar soalho ou teto, juntam o joelho 20 Peito, numa postura que, “apesar de irreal, produz desconforto em quem a vé" Essa original expresso de uma introspeccao em estilos opostos tem seus anteceden- tes no século xv, ainda que ninguém consiga aproximar-se da profundidade de Dante. Defronte das obras remanescentes de paises e tempos diversos na literatura e na arte € constantemente ocupados com a tradicao, era inevitavel que os intelectos capazes ob- servassem a variedade dos estilos e refletissem sobre ela. O cronista fala de uma igreja, atribuindo-the estilo romano ou 0 local. A novidade de estilo da construgao nos mo- ‘mentos historicamente cruciais da invengdo arquitetonica quase sempre eta notada, Guilherme de Malmesbury, discutindo as obras de Aldelmo, que esctevia em um es- tilo precioso e adomnado, cerca de quatro séculos antes, defende a admiracao pelo pré- prio heréi, lembrando aos incmodos mas ignorantes criticos que “os estilos de escrita variam segundo os costumes dos povos. De fato, os gregos habituaram-se a escrever de modo intrincado, os ramanos, com esplendor, os ingleses, faustosamente”. Mas Aldel- mo sabe combind-los todos: "Se 0 lessem por inteiro, considerd-lo-iam um grego pela agudeza, jurariam que se trata de um romano pelo brilho, compreenderiam que é um in- alés pelo fausto” Por meio desses confrontos e das experiéncias da variagao do gosto nos diferentes paises, 0s escritores medievais chegaram a reconhecer o carater relativo dos juizos esté- ticos, mesmo admitindo que o belo reside nas propriedades do objeto admirado. O filé- soto e fisico Witelo, que viajou muito e se interessou pelas ciéncias de numerosos povos, arabes, gregos e curopeus de sua época, sempre registrou as variagoes de gosto. A sua estética, citada algumas vezes como um documento das idéias e dos gostos do Ociden- te cristo do século xm, é, em grande parte, uma traducao literal de um escritor prece dente, Alhazen. Mas, depois de ter repetido os exemplos do estudioso arabe sobre os objetos particulares e as belas formas (0s corpos celestes, 0s olhos amendoados, a esfe~ 12.€ 0 cilindro, um prado verde, a tessitura de varias roupas, a simetria e a variedade da forma humana, as paisagens vistas de longe), acrescenta que o costume e a inclinagao Pessoal influenciam a juizo estético: 0s mouros e os dinamarqueses tém predilegoes di- ferentes acerca das cores e das propor¢des do corpo humano, e o gosto dos germanos estd entre os dois. Assim como 0 Ocidente, dividido em campos filosdficos contrapostos, Podia valorizar as filosofias dos arabes, dos hebreus e dos gregos antigos, nas quais era 418 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO possivel encontrar solugées para os problemas contemporaneos do pensamento medie val europeu, do mesmo modo as formas artisticas estrangeiras eram julgadas e acolhidas com relevante abertura. No século x11 0s historiadores ja eram muito interessados nas diferencas entre os va- fios periodos nas expressoes artisticas para especifica-las concretamente através da comparacao entre partes correspondentes de obras do mesmo tipo, mais ou menos como faria um estudioso de arte moderno. Gervasio de Canterbury, no relato insolitamente exaustivo das construgées da nova catedral de Canterbury, depois de 1175, nao se refere apenas 20 progresso do trabalho, as decisdes, aos planos e aos métodos de construcao, mas se aprofunda em uma longa descrigao dos edificios precedentes, a igreja sax6nica que conhecia s6 de antigos relatos e talvez pelo desenho de uma planta, a igreja romanica de Lanfranco e do seu sucessor que a tinha visto pessoalmente; em particular, esta era por ele comparada com a nova estrutura na planta, nas proporgGes, na construgao das abdbadas € na decoragao, de uma maneira surpreendente para n6s, pois antecipa a literatura mo- dea sobre as construgdes medievais. Admite que semelhante relatério verbal, que se vol ta a0 intelecto, & menos claro e agradavel do que a experiéncia direta das formas. Mas escreve "de modo que a diferenca entre o novo edificio e 0 velho possa ser reconhecida”, nao obstante a destruigo do segundo. E descreve 0 coro precedente de Conrado para conservar “a meméria de um homem tao grande e uma obra tdo espléndida” O relat6rio de Gervasio, de todo modo, nos atrai sobretudo poraue é a primeira des- crigao de uma construgao medieval em que o arquiteto aparece como uma capacidade viva, uma personalidade criativa, cuja existéncia esta decisivamente entrelagada com a sua obra. Nas narragoes precedentes sobre construgdes, 0 herdi era o abade ou 0 bispo. Os monges de Canterbury convidam arquitetos da Inglaterra e da Franca para sugerirem as suas idéias para a reconstrucdo da igreja arruinada por um incéndio. Esses arquitetos esto em desacordo e os monges desesperam-se para ver 2 igreja reconstruida ainda em suas vidas, nao importa por qual habilidade humana. No fim, escolhem um forasteiro, 0 francés Guilherme de Sens, que examinou atentamente as ruinas em companhia dos monges. E com grande astucia, gracas ao seu tato, a0 longo siléncio e & sua argumenta- (0 premente, ganhou os monges para o seu plano. £ um homem de extraordinaria ca- pacidade, enérgico e engenhoso, dotado como projetista, organizador e executor. Faz de senhos e modelos que os canteiros deverdo seguir, prepara um programa para as fases sucessivas da campanha de construgao; faz a ronda pelos altos andaimes para super- visionar 0 grande empreendimento. € um dia cai e se fere gravemnente. Procura conti- rnuar, da cama, a superviséo dos trabalhos, dirigindo-os por meio de um jovem monge que escolheu pela sua asticia, habilidade e inteligencia. Mas ha demasiadas dificulda- des. Os médicos locais nao estao a altura de ajudé-lo. Volta doente para a Franca, € 0 seu lugar € dado a outro Guilherme Dessa antiga descrigao de um arquiteto em agao ¢ importante lembrar um fato para compreender o crescimento de um gosto artistico auténomo: um estrangeito tinha sido chamado para projetar a mais importante catedral da Inglaterra, a sede do primado do pais. Algumas vezes, em uma cidade ou em uma regio faltavam os artistas, e se devia procura-los em outro lugar. Setenta e cinco anos antes, Hildeberto de Le Mans escreveu a0 rei da Inglaterra para obter artistas que ndo conseguia encontrar na patria, Mas no podia ser assim em Canterbury em 1175. Ainda nesse momento a arquitetura era enten- dida como uma arte de invengao e de capacidade individual e nao, simplesmente, um off- cio com regras fixas de aplicago. A despeito das escolas e das tradigdes locals, das bar- reiras impostas pela lingua, pelos costumes e pelo isolamento relative das comunidades na sociedade feudal, o carater universal da arte era suficientemente reconhecido para con- sentir, como nesse caso, 0 convite a estrangeiros para grandes projetos nacionais de cons- trucdo, e até a selecao de um arquiteto por concurso. Os trabalhadores das construgdes, Leitura critica 419 os escultores, 0s artesaos estavam habituados, entao, a longas viagens e levavam consigo as proprias observacdes e invengées, contribuindo assim para difundir os estilos de uma regiao a outra no seu caminho. As autoridades encarregadas da tarefa da reconstrucao, os homens que davam origem aos projetos aceitavam 0 trabalho de estrangeiros e solicita- vam a sua contribuigao. Todo estudioso conhece a passagem de Suger da sua construcao de Saint-Denis, em que ele conta como reuniu artistas de diversas partes da Europa. O es- tudo das esculturas ¢ das janelas, que revela elementos derivados de varios estilos regio nais, confirma as suas afirmagées. No século seguinte, o arquiteto Villard de Honnecourt, que trabalhou na catedral de Cambrai, também prestou servigo como mestre-de-obras na Hungria. Em torna de 1400, arquitetos alemaes, franceses, italianos e flamengos foram consultados pelo conselho da construcao da catedral de Mido, Nessa sociedade religiosa, o respeito pelo artista tinha mais peso do que as regras re- ligiosas fundamentais. Se se dizia que um principe ou prelado do Renascimento prote- gera um leigo ou um clérigo errante porque era um artista, 0 mesmo valia para um bis- Po romanico, Em Le Mans, Hildeberto, contrario & sua promessa, sustentava um monge arquiteto, Joz0, que abandonara o seu mosteiro € os votos. O abade protestava e per- turbava continuamente o bispo, até que, perdidas as esperancas, excomungou 0 mon- € errante. Aquele Hildeberto era 0 mesmo que escrevia com paix sobre a grandeza das ruinas romanas e dos belos semblantes das estatuas pagas Nao nos surpreende, entao, que tantos artistas medievais assinassem suas obras, apesar da sua humilde condigao de artesdos, escrevendo seus nomes em relevo nos por tais das igrejas, de maneira desconhecida a arte classica. Em algumas inscrigées 0 nome € seguido por um verso ou uma sentenga que celebra a capacidade e a fama do artista Oescultor romanico do capitulo da catedral de Toulouse assinou: Gilabertus vir non in certus. O sentido de non incertus € de uma deliberada ambigiiidade; o artista € no 56 “renomado", mas também um mestre “seguro”. Aplica a sua arte “mecinica” 0 mes- mo termo que o principal poeta contemporaneo em italiano da sua regiao, 0 primeiro dos trovadores, Guilherme de Aquitinia, usa para si proprio: "Maistre certa”. Na Italia desde 0 inicio do século xu 0s escultores eram exaltados nas inscrigées que colocavam em suas obras como meritérias da mais alta fama. Lendo esses textos, sentimos que nos encontramos em um mundo europeu que co- ‘mesa a assemelhar-se 20 nosso na atitude para com a arte e os artistas. Hi o encanta- mento, 0 discernimento, a colecao; a adoragao da obra-prima e o reconhecimento da Personalidade do grande artista; 0 habito do juizo sobre as obras sem referencias aos sig- nificados ou ao uso; a aceitacao do belo como um campo de leis, valores ¢ também moralidade préprios. AA todos esses documentos do valor atribuido no Medievo ao visual como experién- ia independente do conteudo religioso ou da utilidade e dos modelos da pratica local, Poderiam juntar-se para confirmacao os escritos dos filésofos escolasticos, O belo, se- Bundo Tomas de Aquino, € 0 que dé prazer aos olhos, uma doutrina que nao esta dis. tante da estética muito facilmente difamada de Gautier e Wilde. Esse prazer, prossegue ele, € devido a inteireza, as proporcdes ¢ & cor do objeto, Nada se diz ai da expressio, do carater, da idealidade do contetido ou de uma comunicacao metafisica através de uma linguagem simbolica das formas. Nao obstante, nao fatei apelo a esse testemunho do fildsofo, que € menos pertinente arte medieval do que geralmente se considera. A formula de Tomas diz respeito a beleza natural, ao fascinio fisico de homens, mulheres, animais e plantas. Quando fala de arte, nada tem a dizer sobre o belo; arte é para ele 0 trabalho executado com habilidade, de qualquer género, do carpinteiro, do logico ou do Médico, e a sua perfeicao esta no cumprimento de um fim pratico. O conceito moderna de arte bela, que vimos emergir no Medievo, Ihe é manifestamente desconhecido. © be- lo nao € artistico, mas natural, e uma obra de arte nao é bela, mas util. Boaventura, se 420 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO. leva em consideragao a beleza de uma obra de arte no sentido estético, dificmente se entrega a explorar em profundidade suas bases e seus problemas. Mas também se ace ‘tassemos a definico que Tomds dé do belo como apropriada a pintura, a escultura ¢ & arquitetura ~ e alguns escritores modernos reivindicaram da escoléstica uma estética completa aplicével a cada arte, compreendida a de nosso tempo ~,dificilmente se pode- tia evocé-la para a interpretacao da arte medieval. £ totalmente duvidoso que Tomas ti vesse em mente a arte das catedrais quando definia 0 belo; existe uma Unica grande igreja que satisfaca a sua definigao racionalista? Talvez a catedral de Chartres, com a sua fachada romanica encimada por uma agulha roménica e por uma segunda em gético flamejante, em filigrana, com a nave gotica, a cripta romanica, a balaustrada do coro gotico tardio e os vitrais de muitas geragdes diversas, talvez esse amalgama de formas possua integritas e "devida proporgéo"? E 0 que dizer da catedral de Reims ¢ de Notre- Dame em Paris ¢ dos exteriores sem agulhas, incompletos, e da original indeterminacao de proporgées? Sao exemplos extremos, mas 0 fato de que a arte medieval esteja cheia de tais incongruéncias, casuais e deliberadas, € possa suportar 0 ndo-acabado e o parcial, assinala uma concepcao do belo na arte fundamentalmente diversa da antiga. Também aquela claritas identificada algumas vezes com o esplendor, outras com 0 luminoso, do- ce, ou fresco, segundo a prevaléncia no contexto de uma atitude metafisica ou emprica, pode ser aplicada s6 dificilmente ao discernimento do belo na cor medieval. Os trés cri- térios de Tomas derivam, em ultima instancia, das definigdes classicas da beleza das cria- turas naturais, sobretudo do homem, e designam a perfeicao de um tipo fixo com uma definida proporcao e estrutura dos membros e uma determinada coloracao caracteristica Cada vez que encontramos esses termos em escritos medievais sobre a arte, desponta em 1N6s a suspeita de que 0 autor tenha lido os textos classicos ou os seus comentadores cris- taos. Como poderemos aplicar esses critérios na escultura romanica, tao rica de corpos destorcidos, emaranhados e de proporgbes inaturais? Diversos canones da figura huma- ra existem nessa arte também no interior de uma mesma obra. E se os requisitos dessa teoria classico-escoléstica do belo se transformam em uma concepsao mais sutil da coe réncia interna e da unidade expressiva de uma obra de imaginagao, individual ¢ indepen: dente dos canones da beleza natural, os critérios de Tomas tornam-se ainda mais dificeis de aplicar, especialmente a uma arte como a romanica, em que quase sempre ndo exis- tem fronteiras fixas - tenho em mente as imagens sem moldura, que se projetam livre- mente das margens dos edificios e dos manuscritos Nao, a estética de Tomas nao é adequada para caracterizar ou julgar a beleza da ar te medieval; e, de outro lado, a sua teoria da arte, admirével como prestagdo de contas do que & empregado em geral na construcao, pouco oferece para a compreensao da ‘obra medieval concebida para fins estéticos, expressivos. Ele ndo sabe ou parece nao sa- ber que ha um fazer que aspira & beleza e 4 expressdo. De outras partes dos seus escri tos — a exposicao do ser e do devir, de forma e substancia, do potencial e do atual, e das suas idéias sociais - podem-se, talvez, retirar alguns conceitos para a interpretagao ideo- légica das formas medievais como um modo de ver e de compor inspirado por uma par- ticular visio de mundo. Mas ai Tomas torna-se uma testemunha ou um documento de sua época mais do que um esclarecimento sobre a arte. Ele mesmo nao sugere, em ne- nhum lugar, a conexao entre a sua metafisica e a arte contemporanea. A sua definicao classica do belo permanece um indicio notavel. Indica ou reflete o desenvolvimento do gosto pela natureza e a curiosidade pelas suas formas, ja evidentes ras imagens goticas de sua época. Mas esse reconhecimento do belo como um fim e um bem em si estava consolidado no Medievo muito antes de Tomés, e foi formulado mais radical e concretamente por outros escritores com respeito as obras de belas-artes. A di- ferenga entre o pratico e o estético na arte estabelece-se com uma concisao fulgurante por um tedlogo e polemista alemao do século x1, Gerhoh de Reichersberg (1093-1169): Leitura critica 421 "Se se deslocar uma coluna, o edificio inteiro ameaga ruir. Se se destruir uma pintura, 0 olho de quem vé ¢ intoleraveimente ferido”. O valor do elemento construtivo esti, por tanto, na fungao estatica, enquanto 0 valor da pintura esta no efeito visual. Essa concep- ao estética da pintura como objeto para os olhos, oposta a tradi¢ao da pintura enten- dida sobretudo como veiculo da doutrina ou como biblia do iletrado, tinha 0 poderoso suporte de Agostinho, que escreveu no seu comentario 2o Evangelho de Joao algumas frases que poderiam valer de slogan as escolas modernas contrarias & pintura “literdria” ou simbdlica. “Quando vemos uma bela escritura, nao basta apreciar a habilidade do es- critor a0 tornar as letras regulares, precisas e belas; devemos também ler o que quis di- 2er-nos através daquelas letras, Com as pinturas é diferente. Porque uma vez que olhas- tes uma pintura, teras visto e apreciado tudo” m. scaarino, Arte Romanica, Turim, Einaudi, 1982, pp, 3-29. [Romanesque Art: Selected Papers, Nova York, George Braziller, 1977.1 422 HISTORIA DA ARTE ITALIANA ~ DA ANTIGUIDADE A DUCCIO capa Cipula do Pantedo, Roma, iniciado em 27 a.C. € reconstruido em 124 4.C. Foto: Fred Mayer / Magnum Photos PAGINA 4 Giulio Carlo Argan na rauuse, déc, 60. Foto: Benedito Lima de Toledo, Primeira edigao: 1968 Segunda edigdo: 1988 © 1968, 2002 by Res Libri $.p.A, Milano © Cosac & Naify, 2003 para a edigao em lingua portuguesa ‘TRapugio Wilma De Katinszky ‘COORDENAGAO DA EDIGRO Cristina Fino e Célia Euvaldo Revisko TEcNICA Julio Roberto Katinsky; Rita de Cassia Goncalves e Roseli Martins Duarte Joly REVISAO Cassio Arantes Leite ¢ Paulo Roberto de Moraes Sarmento PREPARAGAO Fat CAPA E ADAPTAGAO DO PROIETO GRAFICO Elaine Ramos DIAGRAMAGAO Jussara Fino ((~ Cslgaio na Font do Departamento Nacional dot : |Fundasao Biblioteca Nacional ‘Coleg Hist da arte italiana 186%:85-7303-231-6 ISBN 85 7505-292-4 10070945 1-Arte 2,Historia da arte italiana 3.Da Antighiade a Ducci 4, COSAC & NAIFY Rua General Jardim, 770 ~ 2° andar 0123-010 Sao Paulo ~ sp 55 11] 3218-1444 155.11] 3257-8164 info@cosacnaify.com.br www: cosacnaify:com.br Atendimento ao professor: [5511] 3218-1466

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