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Ervine GOFFMAN 136 Estima ela deveria pensar de si mesma, ou seja, a identidade de seu eu. A seus outros problemas, ela deve acrescentar 0 de ser simultaneamente empurrada em varias direcdes por profissionais que Ihe dizem o que deveria fazer e pensar sobre 0 que cla ¢ e nao é, e tudo isso, pretensamente, em seu proprio beneficio. Escrever ou fazer discursos defen- dendo qualquer uma dessas saidas em si, uma solu- ao interessante mas que, infelizmente, é negada a maior parte dos que simplesmente leem e estudam. 4, 0 EU e SEU OUTRO Este ensaio se ocupa com a situagdo da pessoa es- tigmatizada e com a resposta a situacdo em que ela se encontra. Para colocar 0 quadro de referéncia resultante no contexto conceptual conveniente sera itil considerar © conceito de desvio a partir de diferentes angulos, cons- tituindo-se este numa ponte que liga 0 estudo do estigma ao do resto do mundo social, Desvios e Normas £ possivel pensar nos defeitos raros e dramaticos como os mais adequados para a anélise aqui emprega- da, Entretanto parece que a diferenca exética é mais til apenas como um meio de se tomar consciéncia de supo- sigdes de identidade tdo completamente satisfeitas que escapam a essa conscientizacao. E possivel, também, pensar que grupos minoritdrios estabelecidos, como negros e judeus, podem ser os melhores objetos para esse tipo de anélise. Isso poderia levar facilmente a um desequilibrio no tratamento. Em termos sociolégicos a questo central referente a esses grupos é 0 seu Iugar na estrutura social; as contingéncias que essas pesso- as encontram na interagao face a face & sé uma parte do problema, e algo que nao pode, em si mesmo, ser com- pletamente compreendido sem uma referéncia a histéria, ao desenvolvimento politico e as estratégias correntes do grupo. £ possivel, também, restringir a andlise aqueles que possuem um defeito que dificulta quase todas as suas si- tuagbes sociais, levando-os a elaborar uma grande parte de sua autoconcepcao em termos relativos, em termos de 138 stigma sua resposta a essa situacao.' Este relatério tem argu mentos diversos/£ provavel que 0 mais afortunado dos normais tenha 0 seu defeito semiescondido, e para cada pequeno defeito ha sempre uma ocasido social em que ele aparecer com toda a forca, criando uma brecha ver- gonhosa entre a identidade social virtual e a identidade social real/Portanto, o ocasionalmente precario e 0 cons tantemente precirio formam um continuum tinico, sendo a sua situacdo de vida passivel de ser analisada dentro do mesmo quadro de referéncia. (Dai porque-as pessoas que sé tém uma pequena diferenca acham que entendem a estnutura da situaco em que se encontram os complé- tamente estigmatizados — quase sempre atribuindo essa simpatia & profundidade de sua natureza humana e nao a0 isomorfismo das situagdes humanas. As pessoas com- pleta e visivelmente estigmatizadas, por sua vez, devem sofrer do insulto especial de saber que demonstram aber- tamente a sua situacdo, que quase todo mundo pode ver 0 cerne de seus problemas.) Esté, entdo, implicito, que ndo é para o diferente que se deve othar em busca da compre- ensao da diferenca, mas sim para o comum.A questo das normas Sociais €, certamente, central, mas devemos nos preocupar menos com os desvios pouco habituais que se afastam do comum do que com os desvios habituais que se afastam do comum. Pode-se tomar como estabelecido que uma condicéo. necessaria para a vida social é que todos os participantes compartilhem um inico.conjunto de expectativas norma- tivas, sendo as normas sustentadas, em parte, porque fo- yam incorporadas. Quando uma regra é quebrada, surgem medidas restauradoras; o dano termina e o prejuizo é re- parado, quer por agéncias de controle, quer pelo proprio culpado. Entretanto, as normas com que lida esse trabalho re- ferem-se a identidade ou ao ser, ¢ so, portanto, de um tipo especial. O fracasso ou 0 sucesso em manter tais nor- mas tém um efeito muito direto sobre a integridade psi- coldgica do individuo. Ao mesmo tempo, o simples desejo de permanecer fiel 4 norma — a simples boa vontade — nido € 0 bastante, porque em muitos casos o individuo néo TO que Lemext, Social Pathology, op. ci “eesvio secundario" pp. 75 e segs., denominow OEveSeuOvrRO 139 tem controle imediato sobre 0 nivel em que apoia a nor- ma. Essa é uma questo da condicdo do individuo, e nao de Sua vontade; é uma questao de conformidade e nao de aquiescéncia. Somente se for introduzida a suposicao de que 0 individuo deveria conhecer 0 seu lugar e nele permanecer, é que se pode encontrar, para a sua condicao social, um equivalente completo na acao voluntaria. —@ Além disso, embora algumas dessas normas, como a visdo ¢ a alfabetizacao, devam ser, em geral, sustenta- das com total adequacao pela maior parte das pessoas da sociedade, ha outras normas, como as associadas com a beleza fisica, que tomam a forma de ideais e constituem modelos perante os quais quase todo mundo fracassa em algum periodo de sua vida. E mesmo quando estao impli- citas normas amplamente realizadas, a sua multiplicidade tem 0 efeito de desqualificar muitas pessoas. Por exem- ploynum sentido importante hé s6 um tipo de homem que") nao tem nada do que se envergonhar: um homem jovem, casado, pai de familia, branco, urbano, do Norte, heteros- sexual, protestante, de educacdo universitaria, bem em- pregado, de bom aspecto, bom peso, boa altura e com um sucesso Tecente nos esportes. Todo homem americano tende a encarar 0 mundo sob essa perspectiva, consti- tuindo-se isso, num certo sentido, em que se pode falar de um sistema de valores comuns na América. Qualquer ho- mem que nao consegue preencher um desses requisitos ver-se-d, provavelmente — pelo menos em alguns mo- mentos ~ como indigno, incompleto ¢ inferior; em alguns momentos, provavelmente, ele se encobrirdje em outros é_~ possivel que perceba que esta sendo apologético e agres- sivo quanto a aspectos conhecidos de si proprio que sabe serem, provavelmente, considerados indesejaveis/Os va- lores de identidade gerais de uma sociedade podem nao estar firmemienite estabelecidos em lugar algum, e ainda assim podem projetar algo sobre os encongros que se pro- duzem em todo lugar na vida quotidiana, ‘Além disso, ha mais coisas envolvidas do que as nor- mas referentes a atributos de status um tanto estaticos. Nao se trata apenas da visibilidade mas da intrusibilida- de; isso significa que o fracasso em sustentar as muitas normas melhores importantes na etiqueta da comunica- ao face a face pode ter um efeito bastante difundido na aceitacao do culpado em situacdes sociais. 140 Esticma Portanto nao é muito stil tabular os niimeros de pes- soas que sofrem das dificuldades humanas delineadas neste livro. Como sugeriu Lemert, 0 numero seria td alto quanto se desejasse;? e quando a ele se acrescentam aqueles que tém um estigma de cortesia e os que, alguma vez, experimentaram esse tipo de situacio ou estdo des- tinados a experimenté-la, mesmo que devido ao envelhe- Cimento progressivo, o problema | ndo é saber se uma pessoa tem experiéncia com seu préprio estigma, porque la a tem, mas sim saber quantas sdo as variedades dessa experiencia Pode-se dizer, entéo, que/as normas de identidade en- gendram tanto desvios como conformidade/Duas solugbes gerais para essa situacdo normativa jé foram citadas. Uma elas era que uma categoria de pessoas sustentasse a nor ma mas que fosse definida por si mesma e pelos outros como nao sendo a categoria relevante para encarregar-se dela ¢ colocé-la em pratica. Uma segunda solucio dirigia se ao individuo que ndo pode manter uma norma de identi- dade para separar-se da comunidade que sustenta a norma ou abster-se de desenvolver, em primeiro lugar, um vinculo com a comunidade. Fssa 6, obviamente, uma solucdo custo- sa tanto para a sociedade quanto para 0 individuo, mesmo ue se produza sempre em pequenas quantidades, Os processos aqui descritos constituem, em conjunto, uma terceira solugao principal para o problema de normas ndo sustentadas, Através deles, a base comum das nor mas pode ser levada além do cizculo dos que as realizam totalmente; essa é logicamente, uma afirmativa, sobre a fungio social desses processos, e ndo sobre suas causas ou sua desejabilidade. O encobrimento e 0 acobertamen- to estdo implicitos, dando ao pesquisador a oportunidade de aplicar as artes da manipulacdo da impressdo, as at~ tes, basicas na vida social, através das quais o individuo exerce controle estratégico sobre a imagem de si mesmo © 0s frutos que os outros recolhem dele, Também esta im- plicita uma forma de cooperacio técita entre os normais € 0s estigmatizados: aquele que se desvia pode continuar reso a norma porque os outros maniém cuidadosamen- 7 E. Lemert, “Some Aspects of a General Theory of Saciopathic Beha- viour", Proceedings of the Pacific Sociological Society, State College of ‘Washington, XVI (1948), 23-24 O Eve Seu OUTRO ut te o seu segredo, fingem ignorar sua revelacéo, ou nao prestam atencdo as provas, o que impede que o segredo seja revelado; esses outros, em troca, podem permitir-se ampliar seus cuidados porque o estigmatizado ir, volun- tariamente, se abster de exigir uma aceitagao que ultra~ passe os limites que os normais consideram comodos. O Desviante Normal Deve-se ver, entao, que a manipulacdo do estigma é uma caracteristica geral da sociedade, um processo que ocorre sempre que ha normas de identidade. As mesmas caracteristicas esto implicitas quer esteja em questéo uma diferenca importante do tipo tradicionalmente defi- nido como estigmatico, quer uma diferenca insignifican- te, da qual a pessoa envergonhada tem vergonha de se envergonhar. Pode-se, portanto, suspeitar de que 0 pa- pel dos normais e 0 papel dos estigmatizados sao parte do mesmo complexo, recortes do mesmo tecido-padrao. E ébvio que os estudantes orientados para a psiquiatria frequentemente mostraram a consequéncia patologica da autodepreciacao, assim como argumentaram que 0 pre- conceito contra um grupo estigmatizado pode ser uma forma de doenca. Esses extremos, entretanto, néo nos interessam, porque os padrées de resposta e adaptacao considerados neste ensaio parecem poder ser completa- mente compreendidos dentro do quadro de referéncia da psicologia normal. Pode-se considerar estabelecido, em primeiro lugar, quelas pessoas que tém estigmas diferen- tes esto numa situacdo apreciavelmente bastante seme- Ihante e respondem a ela de uma forma também bastan- te semelhante| 0 farmacéutico do bairro pode conversar com toda a vizinhanca, mas as farmcias do bairro sao sempre evitadas por pessoas que procuram todos os tipos de equipamento e medicacdo — pessoas extremamente diversas que nao tém nada em comum a no ser uma ne- cessidade de controlar a informacdo. E, em segundo lu- gar, pode-se dar por estabelecido que 0 estigmatizado 0 normal tém a mesma caracterizacao mental e que esta & necessariamente, a caracterizacao-padréo de nossa sociedade; a pessoa que pode desempenhar um desses papéis, entdo, tem exatamente o equipamento necessa- rio para desempenhar 0 outro e, na verdade, em relacio cry Esricma a um outro estigma, é provavel que ela tenha adquiri- do uma certa experiencia para faze-Io. Mais importante ainda, a simples noo de diferengas vergonhosas assume uma certa semelhanga quanto a crencas cruciais, as cren- Gas referentes a identidade. Mesmojquando um individuo tem sentimentos e crencas bastante anormais,é provavel due ele tenha preocupagdes normais e utilize estrateglas bem normais ao tentar esconder essas-anormalidades de outras pessoas, como o sugere a situagdo de ex-pacientes mentais: “Uma das dificuldades esta centrada em tomno do significado de “em: prego razodvel’. Os pacientes algumas vezes nao conseguem, mas outras ‘vezes ndo desejam explicar por que um determinado emprego "nao € ¥a208- ‘vel ow ¢ impossivel para eles. Um homem de meia-idade nao consegula &X- plicar que porter tanto medo de escuro insistia em dividir o seu quarto com. Juma tia e que, provavelmente, no poderia trabalhar num lugar de onde {osse obrigado a voltar para casa sozinho nas noites de inverno, Ele tenta superar o seu medo, mas fica reduzide a um estado de colapso fisico se Aelxado sé 8 noite. Em tal exemplo — e havia muitos outros — 0 receio que © ex-paciente tinha do ridiculo, ao desprezo ou a severidade torna dificil para ele explicar 0 motivo da recusa ou do abandono dos empregos que the ram oferecidos. le pode, entio, facilmente ser rotulado de pouco afeito a0 trabalho ou no empregavel, o que financeiramente pode ser desastros0.”” ‘De maneira semethante, quando uma pessoa de idade descobre que nao consegue lembrar dos nomes de alguns de seus amigos mais chegados, ela provavelmente evitara ix_a lugares onde possa encontré-los, ilustrando, assim, uma perturbacdo ¢ um plano que exigem capacidades hu- manas que nao tém relacdo alguma com a velhice. Se, entdo, a pessoa estigmatizada deve ser chamada de desviante, seria melhor que ela fosse denominada des- viante normal, pelo menos até 0 ponto em que a sua si- tuacao € analisada dentro do quadro de referéncia aqui apresentado. /¥a uma prova direta dessa unidade eu-outro, normal- estigmatizado. Por exemplo, parece que as pessoas que re- pentinamente se descobrem livres de um estigma, como nas operacées plisticas bem-sucedidas, podem ser rapi- damente consideradas por si mesmas e pelos outros como pessoas que alteraram a sua personalidade, uma alteragio * Mills, op. cit, p. 105, OBvESEU OUTRO 3 em direcdo ao aceitivel,* assim como as que de repente adquiriram um defeito podem experimentar relativamen- te rapido uma mudanca na personalidade aparente/ Essas mudaneas percebidas parecem ser 0 resultado do fato de 0 individuo estar colocado numa nova relacao com as con- tingéncias da aceitacdo na interacdo face a face, com uma utilizacao consequente de novas estratégias de adaptacio. Uma prova adicional importante vem de experiéncias so- ciais nas quais os sujeitos assumem conscientemente uma deficiéncia (temporariamente, é claro) como uma surdez parcial e se descobrem manifestando espontaneamente as Teacgdes, e empregando os artificios encontrados entre os que realmente tém aquele defeito.* Deve-se mencionar, ainda, outro fato. Como a mudanca do status de estigmatizado para o status de normal é feit presumivelmente, numa direcdo desejada, ¢ compreensi- vel que a mudanca, quando ocorre, possa ser psicologica- mente sustentada pelo individuo. Mas é muito dificil com- preender como aqueles que sustentam uma transformagdo sibita de sua vida de pessoa normal para pessoa estig- matizada podem sobreviver, em termos psicologicos a essa tmudanca; ainda assim, isso ocorre com muita frequéncia, fato de que ambos os tipos de transformacao possam ser sustentados — mas especialmente o tiltimo tipo — sugere que as capacidades e treinamento-padrao nos do meios para manipular ambas as possibilidades. E uma vez que essas possibilidades sao aprendidas, o resto, infelizmente, vem com facilidade. Aprender que esta além dos limites, ou no mais além dos limites depois de haver estado, nao é, entdo, nada complicado, mas apenas um novo alinhamento dentro de um velho quadro de referéncia e uma assungao detalhada para si do que ele antes pensava que residia nos outros, O doloroso de uma estigmatizacio repentina, entio, pode ser resultado nao da confusao do individuo sobre sua identidade, mas do fato de ele conhecer suficientemente a sua nova situacao. Fad Tomado, pois, através do tempo, 0 individuo pode de- sempenhar ambos os papéis do drama normal-desviante. © Macgregor etal. op. cit, pp. 126-129, 5 bid. pp. 110-114, « L. Meyerson, “Experimental Injury: an Approach to the Dynamics of, Physical Disability" Journal of Social Issues, TV (1948), 68-71, Ver também Griffin, op. cit 144 EsTicMa Mas deve-se ver que mesmo encaixado num répido mo- mento social, 0 individuo pode fazer ambas as exibicdes, mostrando nao sé uma capacidade geral para desem- penhar ambos os papéis, mas também 0 aprendizado e dominio necessdrios para executar de modo corrente 0 comportamento de papel que Ihe é exigido. Isso é faci- litado, é claro, pelo fato de que os papéis de estigmatiza- do e normal nao sao simplesmente complementares mas exibem ainda paralelos e semelhancas surpreendentes. Aqueles que desempenham cada um dos papéis podem evitar 0 contato com 0 outro como um meio de ajusta- mento; cada um deles pode sentir que no ¢ completa- mente aceito pelo outro e que sua propria conduta esta sendo cuidadosamente observada — no que pode ter ra- z40\Cada um pode ficar com seus “iguais” s6 para ndo ter. que enfrentar o problema) Além disso, as assimetrias de diferencas entre os papéis que existem sdo quase sempre mantidas dentro de tais limites, conforme ser favorecido pela tarefa comum e crucial de manter a situagao social em marcha. A sensibilidade ao papel do outro deve ser suficiente para que quando empregadas certas taticas adaptativas por um dos componentes do par normal-es- tigmatizado, o outro saiba como se introduzir e assumir 0 papel. Por exemplo, se a pessoa estigmatizada nao conse- guir apresentar 0 seu defeito de modo realista, 0 normal pode assumir a tarefa. F quando os normais tentam, com tato, ajudar a pessoa estigmatizada a sair de suas difi- culdades, ela pode cerrar os dentes e aceitar dignamente ajuda, sem considerar a boa vontade do esforco. As provas do desempenho desse papel bicéfalo estéo amplamente disponiveis. Por exemplo. quer por. brinca~ deira ou seriamente, as pessoas.se encobrem, ¢ isso em ambas as direcdes, dentro ou fora da categoria estigma- tizada. Outra fonte de provas ¢ 0 psicodrama, Essa “tera- pia” assume que o paciente mental e outras pessoas que ultrapassaram os limites podem,-quando-no palco, trocar 0s papéis e desempenhar o(papel de norma) para alguém que agora esta representando 0 s@u-papél para ele; e, na verdade, eles podem encenar essa peca sem muitas dei- xas com razodvel competéncia. Uma terceira fonte de prova de que o individuo pode manter simultaneamente ‘0 dominio sobre os papéis do normal e do estigmatizado nos chega através de brincadeiras atrés das cortinas. As 0 Eve Sxu Ouro 145 pessoas normais, quando estao entre si, “imitam” um tipo de estigmatizados. Em iguais-cireunstncias, os estigma- tizados imitam os normais como a si-préprios. Em tom de brincadeira, representam cenas(de degradacao, com um de seus pares desempenhando o papel do mais grosseiro dos normais, enquanto ele interpreta momentaneamen- te o papel complementar, para explodir numa rebeliao substitutiva. Como parte desse triste prazer, haverd o em- prego nao sério de termos de referéncia de estigma que sao, com frequéncia, tabu na sociedade “mista’.” Deve-se repetir que esse tipo de brincadeira por parte dos estig- matizados nao demonstra tanto nenhuma espécie de dis- tancia crénica do individuo em relacao a si mesmo como demonstra 0 fato mais importante de au stigma- tizado & sobretudo, igual a qualquer outro, treinads, em primeiro lugar, nas opinides de que os outros témrde pes- soas como ele e diferindo deles, acima de tudo, por ter uma razo especial para resistir ao descrédito do estigma quando em sua presenca, e uma liberdade especial em express4-lo quando em sua auséncia. ‘Um caso especial do emprego superficial de uma lin- guagem e um estilo autoabusivo é fornecido pelos repre- sentantes profissionais do grupo. Quando representan- do seu grupo perante os normais, podem incorporar, de maneira exemplar, as ideias desses uiltimos, tendo sido escolhidos, em parte, por poderem agir assim. Entretan- to, quando tratando de negécios sociais entre seus iguais, podem sentir uma obrigacdo especial de mostrar que ndo esqueceram as formas de aco do grupo ou seu proprio lugar, e no palco podem empregar o dialeto, expressoes € estos nativos, numa caricatura humoristica de sua iden- tidade. (A audiéncia pode, entdo, se dissociar daquilo que ainda tem um pouco, e identificar-se com 0 que ainda nao se tornou.) Essas representacoes, entretanto, tém amitide 7 Por exemplo, em relagao aos negros, ver Johnson, op. cit, p. 92. S0- bre o uso de"maluco" por pacientes mentais, ver, por exemplo, L. Belknap, Human Problems of a State Mental Hospital (Nova York: McGrav-Hill Book Company, 1956), p. 196; e J. Kerkhof, How Thin the Veil (Nova York: Gre- enberg, 1952), p. 152. Davis,“Deviance Disavowal’ op. cit, pp. 130-131, 44 exemplos relativos aos fsicamente incapacitados, assinalando que o ém: prego desses termos com os normais seria uma prova de que os normais Sto Informados. 146 Estiewa um aspecto ajustado, cultivado; alguma coisa foi nitida- mente colocada entre parénteses e elevada a categoria de arte. De qualquer forma, pode-se descobrir com regulari- dade no mesmo representante a capacidade de ser mais “normal” do.que-a-maior parte dos membros de sua cate- goria que se orientam nessa direcao, embora ao mesmo tempo ele possa dominar o seu idioma nativo com muito mais firmeza do que as pessoas de sua categoria orien- tadas para essa direcio. E quando um representante nao tem essa capacidade de manipular as duas faces, ver-se- forcado a desenvolvé-la, N stigma e realidade Até agora argumentou-se que se deveria dar um des- taque central as discrepancias entre as identidades social real social virtual. As manipulacées de tensao e de in- ‘Yormacao foram enfatizadas — como 0 individuo estigma- tizado pode apresentar a outras pessoas um eu precario, sujeito ao insulto e ao descrédito, Mas parar aqui cria- ria uma visdo unilateral, dando solida realidade ao que € muito mais frégil_do que aquilo. © estigmatizado ¢ o> normal sao parte um do outro;se alguém se pode mostrar vulneravel, outros também o podem. Porque ao imputar identidades aos individuos, desacreditaveis ou nao, o con- junto social mais amplo e seus habitantes, de uma certa forma, se comprometeram, mostrando-se como tolos. Tudo isso estava implicito na colocacdo de que 0 en- cobrimento as vezes € realizado porque é considerado divertido, A pessoa que se encobre ocasionalmente qua- se sempre conta 0 incidente a seus companheiros para mostrar como os normais so bobos e como todos os seus argumentos sobre a sua diferenca sao meras racionali- zagbes.* Esses erros de identificacdo provocam o riso ‘o-regozijo daquele que se encobre e os de seus compa- nheiros. De forma semelhante, descobre-se que os que, naquele momento, costumam esconder a sua identidade pessoal ou ocupacional podem sentir prazer em tentar 0 diabo, ao conduzir a conversacdo com normais que nao suspeitam de nada até o ponto em que estes, sem 0 saber, “* Ver Gottman, Asylums, op. cit, p. 112, O Eve Seu Ourro 7 passam por tolos ao expressar nogdes que a presenca da pessoa que se encobre desacredita completamente. Em tais casos, 0 que se mostrou falso nao foi a pessoa com uma diferenca mas qualquer outra e todos os que, por acaso, participavam da situacdo e que tentaram manter os padrdes convencionais de tratamento. ‘Mas ha, é claro, exemplos ainda mais diretos da ame- aga A situacao e ndo a pessoa. Os individuos fisicamente incapacitados, ao precisarem receber demonstracées de simpatia e curiosidade por parte de estranhos, podem, algumas vezes, proteger a sua privacidade empregando outros recursos que ndo 0 tato. Assim, uma menina que 86 tinha uma perna, vitima de frequentes interrogatérios de como havia perdido a perna, desenvolveu um jogo que denominou “Presunto ¢ Pernas’,* no qual a brincadeira era responder a um interrogatério com uma explicacao dramaticamente grotesca.’ Uma outra moca na mesma si- tuacdo, conta uma estratégia semelhante: “As perguntas relativas a como havia perdido minha perna costuma: vam me aborrecer, entéo inventei uma resposta-padrio que impedia que a pessoas continuassem a perguntar: ‘Pedi dinheiro a uma companhia de fempréstimos e eles flearam com minha perna coma garantia!" Respostas breves que péem fim a um encontro inde- sejado também sao citadas: “Minha pobre menina! Vejo que perdeu a sua pera!” E esta € a oportunidade para’o touché: “Que falta de culdado a minha Além disso, hé 0 artificio muito menos gentil de “enga- nar 0 outro”, por meio do qual os membros militantes de grupos em posicao desvantajosa, em ocasides sociais, ela- boram uma historia, sobre si mesmos e sobre seus senti- mentos, para os normais que muito desajeitadamente Ihe expressam simpatia, até um ponto em que fica patente que a historia foi construida para mostrar que é pura invencao. = im inglés “ham and fens”. Jona com “ham and eggs” ~ ovos com pre~ sunto, pratatipico americano. (NT) p.92-94 8 EsTigMa & possivel que um olhar frio termine com um encon- tro antes que se inicie, conforme ilustrado pelas memé- rias de um ando agressivo: “La estavam os insensiveis, que olhavam como montanheses que ha- viam vindo ao povoado para assistir a um espeticulo ambulante. La esta- vam 0s disfarcados, de tipo fartivo que se afastariam enrubescidos se al~ guém 0s apanhasse. Havia os compassivos, cujos estalos da lingua podiam uase ser ouvidos quando eles ja se tinham afastado. Mas, pior ainda, havia 0s tagarelas,cujas observacées podiam ser assim resumidas:"Como vai, Do- bre garoto?* Diziam isso com os olhos. os gestos e o tom de vor Tu tinha uma defesa-padrdo — um olhar fri. Assim, anestesiado con- {ra meus semelhantes, poderia tar com o problema bsico ~ entrar ¢ salt vivo do meted." A partir daqui ndo hé mais do que um passo para que as criancas aleijadas, que algumas vezes conseguem ba- ter em quem as agride, ou que pessoas, excluidas de ma- neira polida mas categérica, de certos ambientes, entrem polida e categoricamente nesses ambientes com grande determinacao."” A realidade social sustentada pelo membro décil de uma categoria estigmatizada particular e pelo normal po- lido tem, ela prépria, uma histéria. Quando, como no caso do divércio ou da etnicidade irlandesa, um atributo perde grande parte de sua forca como um estigma, ter-se-4 pre- senciado um momento em que a definicao prévia da situa- Ao € cada vez mais atacada, em primeiro lugar, talvez, nos alcos teatrais e, mais tarde, durante o contato misto em lu- gates publicos, até que pare de exercer controle nao s6 so- bre 0 que ¢ facilmente perceptivel como sobre o que deve ser mantido como segredo ou ser penosamente ignorado. Como conclusdo, posso repetir que o estigma envolve no tanto um conjunto de individuos concretos que podem, ser divididos em duas pilhas, a de estigmatizados e a de normais, quanto um processo social de dois papéis no qual cada individuo participa de ambos, pelo menos ent algu- mas conexdes ¢ em. algumas fases da vida|D normal e 0 ® Viscardi, A Man's Stature, p. 70, em Wright, op. ct. p. 214. Sobre técnicas semethantes empregadas por um homem que tink garras, ver pp. 122-173, ;periéncia referente a esses casos esté registrada em M, iams, J, "Situational Patterning in Intergroup Relations", 0 EveSeu Ovrro 149 estigmatizado nao so pessoas, e sim perspectivas que so geradas em situagoes sociais durante os contatos mistos, em virtude de normas nap cumpridas que provavelmente atuam sobre o encontro,jOs atributos. duradouros. de-um individuo em particular podem converté-lo em alguém que 6 escalado para representar um determinado tipo de pa- pel; ele pode ter de desempenhar o papel de estigmatizado em quase todas as suas situagdes sociais, tornando natural a referéncia a ele, como eu 0 fiz, como uma pessoa estig- matizada cuja situacao de vida 0 coloca em oposigéo aos normais. Entretanto, os seus atributos estigmatizadores especificos nao determinam a natureza dos dois papéis, 0 normal e o estigmatizado, mas simplesmente a frequéncia_, com que ele desempenha cada um deles.|F j4 que aquilo que est envolvido séo_os papéis em interacdo e nao os | individuos concretos, no deveria causar surpresa 0 fato de que, em muitos casos, aquele que ¢ estigmatizado num determinado aspecto exibe todos os preconceitos normais contra os que sao estigmatizados em outro aspecto.| Agora, parece, por certo, que a interacao face a face, pelo menos na sociedade americana, é construfda de for- ma tal que se torna propensa ao tipo de problema consi- derado neste ensaio. Parece também que as discrepancias entre as identidades virtual e real sempre ocorrerao e sempre criarao a necessidade de manipulacdo de tensao (em relacdo ao desacreditado) e controle de informacao (em relacao ao desacreditavel). E quando os estigmas 540 muito visiveis ou intrusivos — ou_sdo-transmissiveis a0 longo das descendéncias familiares — as instabilidades resultantes na interacdo podem ter um efeito muito pro- fundo sobre os que recebem 0 papel de estigmatizado. Entretanto, a indesejabilidade percebida de uma proprie- dade pessoal particular, e sua capacidade para acionar es- Ses processos de normalidade e estigmatizacao tém a sua prépria historia, uma histéria que é regularmente muda- da por uma_agio social intencional. E embora se possa argumentar que os processos de estigmatizacdo parecem ter uma funcao social geral — a de recrutar apoio para a sociedade entre aqueles que nao sao apoiados por ela — é presumivelmente, esse nivel, sdo resistentes 4 mudan- ca, deve-se ver que parecem estar implicitas af fungdes adicionais que variam muito marcantemente segundo 0 tipo de estigma. A estigmatizacdo daqueles que tém maus 150 Esrigna (antecedentes morais pode, nitidamente, funcionar como um meio de controle social formal; a estigmatizacdo de membros de certos grupos raciais, religiosos ou étnicos tem funcionado, aparentemente, como um meio de afas- tar essas minorias de diversas vias de_competicio; e a desvalorizagio daquetes-que tém desfiguracdes fisicas pode, talvez, ser interpretada como uma contribuico & necessidade de restricdo a escolha do par.* © Agradeso, por essa iltima sugestdo, a David Matza, 5. DESVIOS e COMPORTAMENTO DESVIANTE Uma vez que a dinamica da diferenca vergonhosa é considerada uma caracteristica geral da vida social, pode- se passar a encarar a relacdo entre o seu estudo e 0 estu- do de assuntos préximos associados ao termo “comporta- mento desviante” — uma expressao atualmente em moda que foi, de um certo modo, evitada aqui até agora, apesar da conveniéncia do rétulo.! ‘Comecando com a nocdo muito geral de um grupo de individuos que compartilham alguns valores e aderem a um conjunto de normas sociais referentes a conduta e a atributos pessoais, pode-se chamar “destoante” a qual- quer membro individual que nao adere as normas, e de- nominar “desvio” a sua peculiaridade. Nao acredito que todos 0s destoantes tenham em comum coisas suficientes que assegurem uma andlise especial; eles diferem entre si muito mais do que se parecem, em parte devido a dife- renca geral de tamanho dos grupos onde podem ocorrer desvios. Pode-se, entretanto, subdividir a drea em peque- nos lotes, alguns dos quais vale a pena cultivar. Sabe-se que uma posicéo alta ratificada em alguns grupos pequenos muito unidos pode estar associada a uma liberdade para desviar e, portanto, para ser um destoante. A relacdo de tal destoante com o grupo e a concepcao que os membros fazem dele so tais que impedem a reestru-

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