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JOAO MIGUEL 4 O VINHO DA SEMANA SANTA 38 SALROOR DOMINGO 1/4/2082 muro Senhoras do terreiro ‘Texto TATIANA MENDONCA tmondoncag@grupostarde.com br Folos FERNANDO VIVAS fvvas@arupoataide.com br As historias de maes de santo que, ainda jovens, assumiram a responsabilidade de serem lideres de familias religiosas tradicionais, e que conseguiram equilibrar com sabedoria suas obrigagdes e o cotidiano profissional e pessoal ‘equerem um alivio para dor, doenga, desemprego ou de- ‘samor, vio é buscar ajuda. E ‘quando a veer varrendo 0 cho ou casturando, no se ‘acanham deperguntar: onde 6 que est a mae de santo? E entso res- onde, serena, “té Id para dentro, ji, j8 chega’. Mas é nada, a ela mesma procs. ram, Lela das Neves, a Mameto Kamuricl do Terre S20 Jorge Filho da Gorneia, Noa reconhecem pela fata do traje de ‘gala, que reserva para as ocasi6es espe- clals, e principalmente pelo vigo do rosto pouco marcado pelo tempo. Tem apenas 447 anos. 0 espanto dos visttantes j4 fot maior, Quando assumiu a famosa casa, eraumamogade28anoscommedoscres- idos e poucas certezas. Mirinha de Porto, de quem era neta, afihada e filha de santo, fundou oterreiro em 1948, em Lauro deFreltas. Quarentae manos depois, faleceu. Licia, queaima- Ginava eterna, ficou sem cho. Para pre- servaro que a avé construlu, pedlu otom- bamento da casa e ficou por all fazendo ‘umacolsaeoutra, enquanto esperavaque “pessoa certa aparecesse"”O tempo cor- tla e nfo havia metos de ela chegar. Cela de dewidas, foi procurar 0 mitico pal Agenor, no Rio de Janeiro, que ru de Vela tao afta, “Voce anda tem divida? Volte, porque todo mundo sabe quea pes- soa para tomar conta é voce” Ela retrucou ‘que sabia pouco, mas ouviu como resposta ‘um conselho precioso: "Fara com o cora- (fo. Ese por acaso fizer alguma colsa erra- da, tenha certeza de que lansé conserta". 25) SAADOR DOMINGO 4/4/2082 ‘Mas Lia, consagrada a divindade que nna nao angola é chamada de Bamburu- cema, confessa que ua esperana.era que dissesse para continuar esperando, @ as- sim estarla absolvida da missio perpétua de zelar por sua familia de santo. "E uma responsabilidade muito grande”. © que 1do 8, de modo algum, reclamagao. “Co: ‘mo aprendl candomblé brincando, corren- doaquipeloquintal,remedandoo pessoal ddancar, Indo pegar folha no mato, néo & algo que me pesa, nao déi. Eo normal”. E como resposta aos que acharam que ela ndo ia darconta, aex-auniliar de enter ‘magem tratou fol de arrumar mais traba- tho. Abriuo terre para oficinas gratultas de tecolager, capoeira, misica edanca. mug Mae Valnizia de Ayté, 52, do Terreiro do Cobre: gosto por musica para ter onde mostrar tudo iss, criouem 2001 0 bloco afro Ban- koma. O resultado é que tern poucaslembrancas do que seja uma folga. “Nossa liberdade aqul évigiada. Eo direito que a gentetem de poder fazer o que faz no dia adia. Esse 6 o nosso lazer” O TEMPO. Em 1977, oantrop6logo Vivato da Costa Lima escreveu que “a vvida de um lider de candomblé é muito menos sua do que da co: ‘munidadea que serve. Ninguém to exposto & observacso e @ at tica”. Quando a esta condigao soma:se a inexperiéncia da juven- tude, multiplicam-se asdlffculdades, especialmente numarelighio {que reverencia a sabedoria acumulada com o tempo. Ahistériade {ovens mulheres que, como Lica, tlveram de assumir 0 comando de terreiros tradiionais nao é recente — Mae Menininha tinha 28 anos quando tornou-se alalorixé do Gantols, ema922—, mastam- poucoéregra. Amédiadeldadedasmaesdesantosoteropolitanas de Go anos, bem superior & dos pais de santo, que é de 46. Os dadossaodo/MapeamentodosTerreirosde Salvador, 2008, coordenado pelo pesqul- sadior Jocétio Teles. Zalldesde Mello niciada para ovodum ‘Azonsu, tinha36anos quando os biiosre- Velaram que era ela quem deveria estar & frente do centendrfo Terrelro do Boum (Zoogodo Bogum Malé Rundd), de tradi #0 jeje mahi. Recebeu a noticia como se estivesse vivendo um "pesadelo", “Tinha muitos mals velhos na casa, nfo Imagina- vva que essa responsabilidade ia caber a mim. Masinfellementengoécomoagente quer, & como eles querem”, ‘Seus planos erar mals prosalcos. Con- tinuarculdancdo da casa, do flho e do ma- rido e entrar num cursinho prévestibular paraverserealizava osonhodeestudaren- fermagem. €, parafalaraverdade, depots ‘que mie Nicinha, sua tia e me de santo, morreu, defxando o Bogum sem ideranca porsete anos, ela decidu que “nao queria mais saber de candombié"., 46 tinha uma viagem marcada para 0 Rio de Janeiro quando pediram que fcas- se, paraacompanhar as evelacBes do oré- ula, Efol o que fol. “Nao queria essa vida, achava que no tinhaestrutura, quendola conseguir... Como tinha que andar, como tinha que mevestir? Mas tive multo apoto estou af hd quase 10 anos”. Hoje, Nandoji india (também podecha- ‘mat pot mée India ou tla India, que ela atende) sente-se mais mulher com a nova famifla que ganhou para gular. “Agradeco a Deus aos voduns por estar aqui com satide. Vou levando até o dia que eles qul- serem, cumprindo minhas obrigagdessem Mae Hildetice Benta de Oxalé, 54, do Terreiro Jitolu, no Curuzu 22 SAADOR DOMINGO a//2022 muro fugirda regra”,Zalldes, que [4 fol domésticae vendedora de shop- ping, vez ououtra pensaemvoltara estudar, mas nunca consegue encontrar tempo. “Mie de santo nao tem férias, nada... N8o da nem para se comparar como presidente, o vereador ou prefelto, porque af sio s6 quatro anos, no &?", ri. ‘Somadasas geracbestodas da familia que é estiveram frente da casa, ai sim, é ano que no acaba mais. Sua "voinha”, mae Runhé (sacerdotisa entre 1925 e 1975), era tHo querlda e respel- ‘ada que ganhou busto no Engenho Velho da Federa¢ao, ondefica ‘© Bogum. Quando tem uma folga, mée India jé sabe o que fazer. Corre para tormarum solzinhona Ribelra e comer um pirao. Al, ela também é doida por uma novela. DUPLICIDADE Ali mesmo, no Engenho Velho da Federacao, hd outra mulher, ‘que se acosturmou ater duplaidentidade. No Terreiro do Cobre (lle (0b4 do Cobre), é mae Valnila de Ayr. Quando seus afazeres ter- ‘minam, & Vainizia Pereira de Olivelra, 52, que adora salr com seu companhelro para um barzinho, teatro ou cinema. “Também sou camavalesca, viu? Amo dangar e ouvir uma boa misia’. ‘Suaoutra palxioé far descansandona casinhaquetemnallha de Itaparica, Fol lé que comecou a escrever seu primeiro livro, Re- sisténdae Fé, lancado em 2009. Queria que sua historia fosse con- ‘ada por suas proprias maos etratou de encher dois cadernos ex- plicando como virou mie de santo a0s 26 anos, depols de ver 0 Cobre fechadio por mais de ts décadas. Utima bisnetade famosa ‘yalorixéFlaviana Bianchi, Valnizlaassumluopostoqueseria desua ‘mae, que nunca quis aceitaro cargo, “Ela estava muito doente e algo mediziaquenoeradoenca demédico. AipediajudaaXang6. Disse que, se ela fcasse boa, via tomar conta dele”. Desde esse dla, ro salumalsde|4. Teve que reconstrulracasa, denagao ketu, ecomprovarque alifuncionava um terreiro secular, para conseguir recuperar parte da roca que estava ocupada. Fac ‘Go fol, mas hoje ela esbanja a tranqulidade de quem conquistou a confianca do povo de santo e da comunidade. “Lembro que nos primeiros dias chegouuma senhora falou:‘Eessamenina que val assumiro Cobre?’. undo podia dler nada, porque ela estava cer- ta... Tambémme questionel muito, no tinha experiéncia, nio.co- ‘nhecia nada. Mastiveaajuda dosmeusmatsvelhos, e, naverdade, ninguém sabe tudo. Cada lugar é diferente do outro, e diferente nao éerrado, néo é minha filha?” Para registrar aslicbes que aprendeu no Cobre, aexfunclonéria ppdblica tratou de publicar um out livro, Aprendo Ensinando: ex- pperiéndias num espaco reliaioso, de 2011, e jé esté pensando no Mae India, 46, do Terreiro do Bogum: sem tempo para férlas terceiro, em que quer refletir sobre os va~ lores que andam meio esquecidos. Como. respeito, por exemplo. O Cobre funciona em rentea umalareja evangélica e depois de lamentavels episédlos de als ciminacao, mae Val teve a ideia de criar uma caminhada pela liberdade religiosa, que no ano pasado chegou a sétima edi- 80. “N6s ndo estamos all para exigir to lerancia, mesmo porque chegamos antes de todos eles. O que exigimos é respelto. hoje é muito mais para pedir paz. Iss 0 ‘mals importante”, TATUAGEM. Encostada numa mureta do Terrero Jitolu (le Axé Jitolu), na Uberdade, Doné Hildelice Berta de Oxals, 5a, faz roca da sua mo- dernidade. "Ja viu mae de santo de tatuagem”? O nome marcado ‘no brago éuma homenagema filha, Micaela Jawale, 13, ela est pensando em fazer outra, pata levar no corpo a meméria da sua ‘mae, a lalorixé Hilda Jitolu, que abriu o terrelro jeje em 1952 € faleceu em 2009. Algum tempo depols, em7 de agosto de 2011, a cagula Hildelicetornourse der da casa, por escolha dos biizos. Chorou de emogio, mas depols ficou apreensiva com a nova vida que ganhava. “Nao é que eu nao queria, mas demorei um ‘tempo para aceltar. Mas é como mie dizia, o candomblé é uma escola da vida’. Hé menos de um ano no cargo, ela ja sente mu- dancasno seujelto deser. "Antes, eueramultonervosa, mandona, ‘eagora estoumais humilde, paranclo mais para owviras pessoas ‘Mesmo quando nao esté all, ouvir é 0 que Hildelice ma faz. For ‘mada em pedagogia, eladirige, desde 2004, a Escola Mae Hilda, pprojeto social do ll@ Alyé que retine 200 estudantes. ‘Todos 0s dias tem um pequeno contlito a ser mediado, envol vendo desavencas, microshorts eatrasos. Ainda assim, ela diz que trabalho ndolhe dédorde cabera—esuaempolgacsoétanta que rndo resta outra opeso sendo acreditar, Mal termina a entrevista, corre para dentro da asa onde vive desde que nasceu parase des- pir do traje solene. Volta refeita ~ sala no joelho, blusa cavada, ‘abelo solto.£, de novo, ata Dell, correndo para verse chegaantes. de 0s alunos deixarem a escola. «

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