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Sheila Rowbotham, Lynne Segal e Hilary Wainwright | ALEM DOS FRAGMENTOS | O Feminismo e a Construgao do Socialismo wasiliense (B. UNICAMP Titulo original em inglés: Beyond the fragments © 1979 Sheila Rowbotham, Lynne Segal and Hilary Wainright. Published in the “UK by the Merlin Press Ltd. — London. { Tradueao: Heitor Ferreira da Costa Capa: 123 (antigo 27) { Artistas Graficos y CONTEUDO Foto de capa: it Ceri Amaro \ Revisdo: Newton T. L. Sodré José E. Andrade assit 30k, Gla Preficio a edicdo brasileira — Carmen Barroso ... 7 t Agradecimentos .. 9 Prefacio sete e eee W Introdugio — Hilary Wainwright feet e renee 13 Movimento de Mutheres ¢ a Organizacao para o Soci { lismo — Sheila Rowbatham .... zs 31 Uma Experiéneia Local —Lynne Segal .. 151 ‘Avancando Além dos Fragmentos — Hilary Wainwright 201 editora brasiliense s.a. 01042 — rua bardo de itapetininga, 93 sio paulo — brasil » ‘ALEM DOS FRAGMENTOS Assim, n&o vemos as idéias em Aiém dos Fragmentos como uma comunicag&o em uma s6 direedo sobre 0 movi- mento de mulheres. Esperamos que sejam discutidas entre grupos de socialistas envolvidos numa gama total de ativi- dades © esperamos que, por meio do nosso esforgo, outras pessoas sejam estimuladas a se exprimir e comunicar suas proprias compreensdes. Nés trés perfizemos diferentes trajetérias politicas e por- tanto fica claro que nao partimos do mesmo ponto para che- gar A questto de como podemos pensar em nos organizar. Enquanto Lynne acaba de se filiar a um grupo de esquerda, Sheila manteve uma breve ligagio com um outro, o Partido dos Trabathadores Socialistas, ¢ eu tive um envolvimento mais longo com o Grupo Marxista Internacional. Mas nés trés nos envolvemos no movimento de mulheres. Através dele chega- mos a um acordo quanto as questdes que devem ser feitas, embora ainda discutamos quanto as respostas. Foi um trabalho conjunto, porque sentimos a necessi- dade de divulgar experiéncias politicas reais, reavaliando nos- politica ao compartilhé-las, e nlio porque julgassemos ter a “resposta”. Sentimos que qualquer forma nova e genuina de organizaglo socialista teré de se desenvelver a partir de um Processo coletivo semelhante, O MOVIMENTO DE MULHERES E A ORGANIZACAO PARA O SOCIALISMO Sheila Rowbotham PARTE UM Creio que é de alguma ajuda dizer como se tomou um determinado fio de raciocinio. Atras do que estou dizendo, acham-se quatro influéncias polfticas: a Nova Esquerda do final dos anos cingSlenta até o inicio dos sessenta, Socialismo Internacional (agora Partido dos Trabalhadores Socialistas) da metade da década de 60 até meados dos anos setenta, o marxismo libertério nos infcios dos anos setenta ¢ o Movi- mento de Libertacio das Mulheres, desde suas origens no fim dos anos da década de 60. Como todas as influéncias, seu impacto nfo foi linear ou uniforme. Elas se atropelavam dentro da minha cabeca, empurrando-se e jogando-se umas contra as outras A procura de espago. A natureza de meu envolvimento com cada uma delas de modo algum foi a mes- ma. Quando comecei a me julgar uma “‘socialista” cm 1962, a grande reviravolta no Partido Comunista ocorrida em 1956 ainda era um ponto de referéncia persistente. Um aconteci- mento que se dera h& seis anos j4 era para mim, aos dezenove anos de idade, um acontecimento distante. Mas as suposi¢bes do que cabia a politica ainda eram estabelecidas pela Campa- 2 ALEM DOS FRAGMENTOS nha de Desarmamento Nuclear e pela Nova Esquerda. O ano dde 1956 se me afigurava como 0 inicio de novos tempos. Era uma aurora, exatamente como deveria ser 1968, a aurora para ‘uma geragdo futura, recuo do Partido Comunista foi parte de minha he- ranga politica, mas ndo foi parte de minha propria experién- cia politica, Isto significou que eu recusava a possibilidade de uma renovacdo socialista safda da intelectualidade do PC, mas nfo tinha conhecimento da vida interior do comunismo antes do impacto de 1956. Isto posteriormente se tornou mais complexo com o contato durante toda a década de 60 com os membros da Liga dos Jovens Comunistas, sindicalistas comu- nistas mais velhos, e intelectuais que foram abalados pelas conseqiéncias da Hungria e, mais tarde, da Tcheco-Eslové- quia, e que estavam cada vez mais abertos & discussio com socialistas fora do PC. Eram menos dogmiticos que os trots- kistas, porque no mais tinham a ilusdo da onisciéncia. Sem- pre recuei diante do tom de auto-satisfacdo com que os mem- bros dos grupos trotskistas chamavam de “stalinistas" a todos ‘os membros do PC, pois-sabia que o nome néo se ajustava. Sentia que o anticomunismo da Guerra Fria confundira-se ‘com a estridéncia anti-stalinista. De algum modo, por exceder 05 limites, o trotskismo obstruiu muitos aspectos da oposigio da Nova Esquerda ao stalinismo propriamente dito, que no era apenas um sistema politico mas uma determinada postura para se tornar socialista. Havia outras ambigiidades que em parte podem ser explicadas por eu ter sido politicamente formada pela Nova Esquerda dos fins dos anos cinqGenta, sem realmente dela fazer parte, Nao tinha realidade alguma para mim a possibi- tidade de se fazer um movimento de esquerda alternativo ao Partido Trabalhista e ao stalinismo. A Nova Esquerda, en- quanto um movimento pritico de clubes ¢ centros de esquer- da, como o café Partisan em Soho, estava em declinio por volta de 1962. Pela época em que entrei para a esquerda, a ‘Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CDN) era “o movie mento", e sua atmosfera era antes radical que socialista. O Comité dos 100 e um novo jornal estudantil de esquerda foram os primeiros tipos de atividade que encontrei. O Comité dos (© MOVIMENTO DE MULHERES E 0 SOCIALISMO. 2 100 era bem mais excitante — esse era o perfodo em que as cadeiras regionais do governo estavam sendo denunciadas desmascaradas, Havia no ar um sentimento de que a questo era a “acdo direta”, e nao a discussio de idéias. Mas a propria CDN estava em processo de desintegragiio e, quando sai da Universidade em 64, era como se fazer pressdes a esquerda do Partido Trabalhista fosse mais realista do que a criagdo de um movimento de esquerda independente. No entanto, eram mais importantes a escolha do mo- mento oportuno e a formaco, Pois, se tivesse me tornado ‘uma socialista tarde demais para fazer parte da primeira onda da Nova Esquerda, ainda estaria profundamente influenciada por um modo de ver a politica que no sé rompera com 0 stalinismo mas que era bastante alheio as suposigdes das seitas trotskistas, ainda pequenas na época. De fato, até que encontrasse os trotskistas no Partido Trabalhista em Hack- ney, em 1964, eles me pareciam muito esquisitos, com toda aquela veeméncia intrinseca e de autoconfirmagto, como a de grupos religiosos evangélicos. Mesmo quando encontrei 0 trotskismo eo neotrotskismo (Socialismo Internacional — ‘SD, nunca na verdade fiz parte deles. De algum modo, jamais pude estar muito confiante. Eles possuiam todas aquelas cer- tezas, como se tudo fosse conhecido, o mundo todo e sua histéria bem amarrados e caprichosamente categorizados. Como alguém podia saber tanto? Mas nfo me estava bem claro aquilo que eu era nem a razBo por que eu nao podia deixar de manter-me em divida. Diante dos extremos bem definidos que diversos grupos trotskistas trocavam entre si ‘como fichas de jogo, eu estava apenas perplexa, “Classe mé- dia”, diziam-me. Forgada a me despir do preconceito de classe média por sua provocagdo, pude reconhecer a razdo daquela incerteza, Mas a questo de classe era apenas parte disso, porque também alguns deles pertenciam a classe média. Havia tam- bém o legado da Nova Esquerda. A paixio do meu socialismo estava muito enraizada numa procura interligada entre cir- cunstancia e consciéncia — conscincia e circunstncia. A én- fase do trotskismo sobre a “andlise” de uma crise objetiva em expansio sugeria a incurséo do revolucionério profissional na een u ALEM DOS FRAGMENTOS realidade, para dela extrair partes proeminentes e moldar um programa’ em conformidade com eise procedimento. A Nova Esquerda (mais 0 movimento do que o jornal que con- servou 0 nome) nunca pareceu ter essa imparcialidade. Esté- vamos todos imersos no mundo real. Nossas compreensdes originavam-se do movimento real da existéncia e de volta a ele se desfaziam. Contra a preparaco por um “momento” que se desenvolvesse de fora para dentro, em que deveria inserir-se a organiza¢o revolucionéria profissional, levantava-se na Nova Esquerda a convicg%o de que os seres humanos poderiam e iriam enfrentar uma sociedade desumana e injusta, que ne- gava a possibilidade da criatividade e do amor. Todos éramos agentes responsdveis pelos nossos destinos e precisivamos atuar em nossas vidas. Conseqtientemente, nunca eu poderia aceitar a nogao de “‘treinamento", preseate na tradigao leni- nista e importante para o trotskismo. Em diversos graus, os grupos trotskistas acreditavam que 0s sentimentos pessoais deveriam ser reprimidos ¢, em alguns casos, sacrificados — enquanto a Nova Esquerda, ao se opor ao stalinismo, procurava abrir espaco para os sentimentos pessoais como uma fonte de humanidade. Admitia-se que tinham de ser respeitadas as relagdes e os valores pessoais, negados ¢ destrudos pelo stalinismo. Tinham de ser reconhe- cidos como importantes por si s6s, mesmo quando negassem a possibilidade imediata de compromisso com qualquer oposi- 80 organizada. Em 1960, em “Outside the Whale" (“Fora da Baleia”), Edward Thompson explorou as fontes de apatia e rebeldia pessoal antipolitica entre os jovens. Discutiu o poten- cial de reag&o radical que se achava expresso no livro de Shelag Delaney, A Taste of Honey (“Um sabor de mel). Se o amor se tornara falsificado, talvez. fosse methor abandonar as ilusdes e, em lugar delas, procurar a honestidade. Mas, na procura da honestidade, poderiamos reencontrar a fonte do amor em oposico A sua caricatura: (Os antipotiticos encontram-se uma vez mais na arena da esco- tha politica. De vez que deve se inserir ¢ amor no contexto do poder, 0 moralista acha que ele precis: se tornar revolucio- nfrio.! (0 MOVIMENTO DE MULHERES E 0 SOCIALISMO_ as A Nova Esquerda enfatizava as possibilidades de escolha politica em determinados contextos. Nao se tratava de uma liberdade abstrata, mas de uma liberdade histérica. Seus membros nfo supunham que cada um deveria fazer socia- lismo por uma mesma via, Nao insistiam na existéncia de um ‘inico caminho para a verdade, o que me parecia ter sido essencial na caracterizacao dos grupos trotskistas da década de 70. Acho que o arminianismo era compartilhado pela maioria dos membros do SI nos anos sessenta ¢ que constituia um vineulo com a Nova Esquerda. Nenhum grupo de es- querda poderia reivindicar com convicgio nenhum caminho para a posse absoluta da verdade. Afinal, eles eram tio mi- niisculos. As pretensOes da Liga Trabalhista Socialista (hoje, Partido Revoluciondrio dos Trabalhadores) pareciam simples- mente grotescas 4 maioria dos socialistas nos primeiros anos da década de 60. Sem consciéncia, Iiamos Kropotkin e Baku- nin, assim como Marx, Gandhi e G. D. H. Cole, Camus, Sartre eEmma Goldman. Compravamos tanto Anarchy como Peace News, Sanity, Tribune e Labour Worker. LA por 1964, quando sai da Universidade, era como se as, pessoas da Nova Esquerda estivessem se tornando menos preocupadas em achar novas formas para a luta de classes, como tinham procurado os ex-membros do PC, e estivessem mais envolvidas em anilises culturais dos habitos e atitudes da classe operdria. Eu n&o entendia por que era importante es- tudar as relacdes entre os esteredtipos veiculados pelos meios de comunicagdoe a consciéncia. Parecia apenas coisa de uma pretensa sabedoria senil. Eu estava por demais envolvida com a misica da culture popular para que quisesse me por a estudé-la. Nada sabia a respeito das diferencas quanto a linha dos jornais. Embora fosse amiga do grupo ligado ao New Left Review apés 1963, nfo podia entender como é que podiam ser socialistas sem se importarem com 0 fato de estarem pessoal- mente afastados de membros da classe operiria. Isto os tor- nava muito diferentes dos iniciadores da Nova Esquerda. Assim, juntei-me aos Jovens Socialistas do Partido Tra- balhista de Hackney, onde encontrei trotskistas ligados ao Socialismo Militante Internacional. Nio mais podia ver 0 trotskismo de fora dele. Aprendi sobre o trotskismo com 36 ALEM DOS FRAGMENTOS Jovens operdrios, muitos dos quais vinham de familias traba- Ihistas de esquerda; recordavam as lutas antifascistas do East End ou confrontos bem violentos com a lei ¢ o Estado, re- cuando assim varias geragdes de sindicalismo em familias com consciéncia de classe, A precéria tradigiio do trotskismo se fortaleceu combinando-se com a experiéncia pessoal de classe. Aprendi com eles a respeito de teoria (J. P. Cannon) e de arte proletéria (The Ragged Trousered Philanthropists): Disse- rami-me que nunca se podia confiar na classe média (eu entre outros). Aprendi a dissecar as declaracdes politicas do Partido Trabalhista e a discutir com membros de direita do Parla- mento sobre politica financeira. Nao tinhamos ilusdes de que a lideranca do Partido Trabalhista fosse nos trazer 0 socia- lismo. Mas tendiamos a subestimar a capacidade do traba- Ihismo de exaurir a oposig&o de esquerda. oo Do grupo de Jovens Socialistas do Partido Trabalhista fui levada para o Grupo Socialismo Internacional (agora Partido dos Trabalhadores Socialistas), em torno de 1966, a que aderi Por um breve perfodo no fim dessa década. O que nele me atrafa e a outros socialistas influenciados pela Nova Esquerda era que parecia combinar flexibilidade e abertura tebrica com uma orientagSo para uma politica de bases populares da classe operéria. Nos anos sessenta, parecia-me que o SI era capaz de aprender com os novos movimentos, enquanto tam- bém detinha uma compreensto da exploragi. Isto era impor- tante tanto para movimentos estudantis quanto. para mim, numa organizagdo local, o Comité de Solidariedade ao Vietna, em Hackney. Mas, antes desses, o SI apoiou diversas espécies de acdo comunitéria, uma campanha contra racismo em Islington ¢ a organizacdo de inquilinos de propriedades parti- culares em Hackney que contribuiu para seu envolvimento com o movimento dos inquilinos em casas do Council, no final da década de 60. Participei desse grupo cerca de dezoito meses, acompa- nhando uma campanha para recrutar pessoas que passaram de modo geral a concordar com seus objetivos depois do dis- curso racista de Powell em 1968. Estava exatamente chegando ao fim um debate sobre a organizacdo. Desnorteada, tratei de decifrar varios textos sobre posicionamento, De um certo (© MOVIMENTO DE MULHERES E 0 SOCIALISMO. ” modo, ainda estou desnorteada, pois as idéias levam anos Para penetrar-me no espirito e entdo crescerem originadas de mim mesma. De qualquer maneira, retrospectivamente, essa discussio parece-me ter sido decisiva. Acarretou uma discus. sio acerca do grau de autonomia que deveriam ter as seqBes locais. Eventualmente aceitou-se a causa por uma estrutura centralizada. Chegou-se a se referir a esse debate como um assunto encerrado — como se tivesse sido liquidado. Mas teve implicacdes criticas para o curso tomado pelo SI como orga~ nizacdo. Foi um erro fechar a questo nesses assuntos. Dedu. iu-se que ndo haveria tempo para futuras discussdes. Martin Shaw, em seu relato da histéria do SI, “Formagto de um Partido?", observa que a base politica do novo “centra. lismo democratico” que era entio aceito “(...) nio foi plena- ‘mente entendida nem por muitos dos membros de antes de 1968 (...) nem pelos novos arregimentados”,? Isto certamente era verdade para o meu caso. Novamente em retrospectiva, esse episédio que, para mim, durante anos Permaneceu misterioso, foi na verdade um ardiloso truque de mégica. Tony Cliff era o prestidigitador. O coelho neste nti- mero era a critica feita por Rosa Luxemburg aos aspectos nao democriticos do leninismo, E na cartola estavam escondidos os riscos de o Partido tomar o lugar do operariado. Entio, ‘num piscar de olhos, o coelho entrou na cartola e dela saiu um fino lenco cheio de nés: — 0 “Centralismo democritico” — ¢ também uma longa tradiedo leninista. E foi um nunca-se~ acabar de sair. Martin Shaw ressalta que a mudanca de posigdo de Clift foi uma reagdo ao fracasso de maio de 68. Afirma que foi uma reagdo que eclipsou quaisquer outras “ligdes”, Esse incidente Poderia ser tratado simplesmente como um exemplo do “por. tunismo” préprio do SI ou de Cliff, como individuo. Mas acredito que tenha implicagbes mais gerais. Pois a premissa de que o fim justifica os meios que usamos na organizagdo nao precisa se aplicar apenas ao recrutamento em bases incertas. Poderia combinar-se a um regime interno democritico, mas também acarretar a tatica do ingresso, uma operagdo funda. ‘mentalmente fraudulenta, que contribui para o grande des. crédito tanto no PC quanto nos grupos trotskistas. Ou poderia eo ALEM DOS FRAGMENTOS significar o controle secreto das organizactes de frente ou o uso de téticas sujas para derrotar qualquer oposigio de socia- listas nao alinhados. ‘De algum modo, passou pelo trotskismo (e pelo neotrots- kismo do SI) a suposigo de que a manipulacto do povo é justificada pelo conhecimento supostamente superior que os lideres de grupos revolucionérios possuiriam da meta que acreditam estar perseguindo. E certamente possivel encontrar justificacao para um ponto de vista como esse nas maximas de Lenin sobre a moralidade. Mas havia suficiente prova hist6- rica para se questionar essas mAximas, A extensio desastrosa € a intensificacdo desse ponto de vista politico eram uma caracteristica decisiva do stalinismo que o trotskismo profes- sava enfrentar. Os trotskistas arrasaram precisamente esses tipos de eritica no perfodo, por exemplo, de frente popular do PC. Embora os trotskistas pudessem ainda carecer de escri- pulos em jogar sujo contra um processo real de discussio ¢ de aprendizado para todos, antes que se tomassem as decisdes. Por que seria justificdvel para os trotskistas e nao para os sta- linistas? ‘A questio nfo se tratava apenas de aceitar um processo democrAtico formal, Tratava-se de um desgaste das respostas internas sobre 0 modo como um socialista deveria se compor- tar. No trotskismo havia realmente uma consciéncia disso. Os dissidentes reunidos em torno de “Enfrentar a Realidade” argumentavam em 1958 que o marxismo contemporfineo era obstado e limitado “por um habito mental e por um modo de vida" em que também se inclufa “‘uma psicologia da lide- ranca’’. Sustentavam que 1 organizagio de vanguarda substituiu as reagdes humanas sensibilidade de seus membros as pessoas comuns pela teoria politica © por uma vida politica interna. Agora tornou-se-thes ‘muito dificil retornar ao fluxo da comunidade.? Acho que essa observacdo foi curiosamente profética da relacio que as liderancas trotskistas tiveram com a geracio de socialistas mais jovens apés 68. (0 MOVIMENTO DE MULHERES £ © SOCIALISMO- » A energia que irrompeu em maio de 68 foi avassaladora. Podia-se vislumbrar aquela extraordindria forga concentrada das pessoas para desfazer as estruturas repressoras, a qual deve ser a experiéncia subjetiva de um processo revolucio- nario. De inicio, resisti a me identificar muito confiante- mente. Nao poderia suportar o desapontamento da derrota Mas os fatos afastaram essa relutancia. A agitago e sua cria- tividade eram inegaveis ‘De uma certa forma, havia muito a assimilar. As vezes 0 que se ouvia era inacreditdvel. Nada parecia impossivel. As experiéncias de 68 abriram nossos olhos e ouvidos politicos. Mostraram os pontos vulnerdveis na sociedade capitalista que possibilitavam as pessoas imaginar 0 socialismo de diferentes formas. (O capitalismo exigia todo o seu ser. Todos nés éramos colonizados: tinhamos de nos tornar adversirios completos. A atencdo ndo estava apenas na produgio ou mesmo num conceito mais amplo de luta de classes, mas sim na opressiio na vida cotidiana, particularmente na familia e no consumo. “A revolugio” precisava libertar a imaginagto. A oposiclo ao capitalismo nfo era apenas uma Iuta de forgas contra um sis- tema exterior, mas sim contra seu dominio interno. Nao s6 0 racional mas também o irracional eram a esfera dessa rebe- lido, Havia uma @nfase no sentimento subjetivo e uma des- confianga de qualquer espécie de estrutura, inclusive das rei- vindicagdes. “No peca — Ocupel”, declarou o Black Dwarf. A énfase estava em se aprender fazendo, e na necessidade de a experiéncia ser a origem da teoria. Supunha-se que sua polf- tiea era comunicada nJo apenas através do que yoce dizia, ‘mas no que vocé fazia e no modo como vocé o fazia, Isto levou A declaragilo de que o ataque a sociedade capitalista deveria antecipar o futuro pelo presente. Assim, nfio deveriam existir hierarquias, elites, cadeiras, comissdes, oradores, ou mesmo assembléias em alguns casos. Ou que as assembléias se incor- porassem & vida e se tornassem a vida. A vida assim passou a ser assembléias! Hoje € facil olhar cinicamente essa utopia. 68 fracassou — entiio pode-se descarté-lo. Nao acredito que se possa. Pois, se no compreendemos como surgiu essa politica, como in- “ ‘ALEM DOS FRAGMENTOS fluenciou o aparecimento do movimento de mulheres ¢ se cristalizou no marxismo libertério no inicio dos anos 70, ntio temos contexto onde possamos situar as suposigdes alternati- vas de organizacdo que foram fundamentais nesses movimen- tos. Alguns dos seus aspectos ainda persistem em indmeros projetos comunitérios e culturais: comunas, ecologia, tecno- logia alternativa, terapia e o movimento do desenvolvimento. Retrospectivamente, acho que os tiltimos anos da década de 60 foram anos de enorme criatividade, muito facilmente menosprezados numa situaco bem diferente como foi a do fim da década de 70. As idéias surgidas em torno dos aconte- cimentos de maio de 68 merecem consideracio muito mais consciente e séria, No entanto, com o passar do tempo, é evidente a fragili- dade de muitas das suposigdes a respeito da organizagio transmitidas de modo semiconsciente. A idéia de opresstio é to vaga quanto estitica. Fixa as pessoas em seus papéis de vitima, em lugar de mostrar os aspectos contraditérios das relagdes que forgam o surgimento de novas formas de cons- ciéncia. A énfase na forma como o capitalismo devora nosso ser completamente, poderia levar 4 um fatalismo, uma vez exaurido o entusiasmo voluntério inicial. Semelhantemente, h4 um problema inerente ao slogan “O que & pessoal é poli- tico”, pois tende a inferir que todos os problemas individuais podem achar uma solugo politica a curto prazo. Assim, uma politica que afirmasse a subjetividade poderia tornar-se um meio de reduzir os seres humanos as fungies que desem- penham pelo capital. As nogdes de potencial individual pode- iam desse modo ser ocultadas ¢ negadas. A énfase nas solu- ges completas e os temores da co-opcio poderiam abrir ca- minho para o desespero ¢ a desilus4o quando 0 mundo pro- guisse no seu velho curso de maldades. A fé em que a orga- nizagdo j4 deveria trazer em si sinais do futuro, com o rompi- mento de todas as hierarquias e a negacdo de todas as espe- cializagdes, poderia tornar-se um sistema moralista e intro- Jetado, de que se excluiriam as pessoas. As alternativas pode- riam mostrar-se como o estilo de vida de uma subcultura, quase uma moda surgida a partir de uma postura antimo- dismos. Foi talyez uma combinacdo desses fatores que contri- (© MOVIMENTO DE MULHERES E 0 SOCIALISMO a buiu para a paralisia do marxismo libertario como desafiador da hegemonia dos grupos trotskistas na esquerda britanica, evidente desde meados dos anos setenta. Essa paralisia, combinada com uma defensiva contra a teoria, deixou a situagdo aberta tanto para o “‘trabalhismo”, que desconsidera ao extremo os novos movimentos, quanto Para uma recdndita alta teoria, que se tornou uma forma de pratica entre os marxistas académicos. Acho que seria esclarecedor deslindar as.continuidades e as diferengas entre a Nova Esquerda dos cingiienta e essa segunda onda, a nova esquerda de fins dos anos sessenta € princfpios dos setenta.' Desconfio que a reagdo da Nova Es- querda a 1956 nao “terminou” simplesmente quando The New Left Review mudou de diregio, ou “fracassou"’, como inferem os trotskistas. Em vez disso, as pessoas envolvidas partiram para diferentes formas de atividade no curso dos quais suas semelhancas coesas se fragmentaram ¢ se transfor- maram, mas nunca foram completamente desfeitas. Esse pro- ccesso jamais foi examinado pormenorizadamente. Jan O’Mal- ley, no entanto, rastreia o desenvolvimento da Nova Esquerda em Notting Hill. Em seu livro A Politica da Apdo Comunitéria, expde a contribuicado feita pelos membros de clubes londrinos de esquerda aos grupos de inquilinos e de anti-racistas antes de 1966.-Ela também menciona o envolvimento deles com a London Free School e a'Notting Hill Community Workshop, em 1966, ¢ seu apoio as declaragdes do manifesto dé 19 de Maio, em 1967. Este afirmava que os socialistas precisavam fazer um movimento politico que tornasse “eficaz a priitica democritica por toda a sociedade, por meio da atividade e em grupos locais, em vez de num lugar fechado, centralizado e ritualizado".* O emprego do termo workshop fez eco A organizagZo comunitéria da Nova Esquerda Americana. A Free School também prenunciow politica libertéria de inicios dos anos setenta. O marxismo libertétio nese perfodo também acen- tuou a organizagdo de comunidades populares que estavam se desenvolvendo em Notting Hill desde os fins dos anos. ses- senta. Talvez algumas das diferengas entre essa politica comu- nitéria de meados dos sessenta e 0 libertarismo do inicio dos 2 ALEM DOS FRAGMENTOS: setenta sejam a maior influéncia sobre a segunda das idéias dos situacionistas franceses ¢ da extrema-esquerda italiana. Podem-se rastrear correntes da Nova Esquerda em outras reas dentro do Partido Trabalhista, de grupos anarquistas, no Solidariedade, nos grupos do Socialismo Internacional ¢ nos sindicatos nos meados dos anos sessenta. A partir do final da década de 60, seus membros colaboraram na criac&o de “Semindrios de Hist6ria", tornando-se envolvidos no movi- mento de mulheres, nos movimentos culturais de esquerda € no trabalho intelectual radical. Nao poderia tentar desemaranhar essas correntes, pois eu pr6pria me sinto presa num ponto entre essas duas novas es- querdas. Estou proxima de ambas, mas no pertenco a ne- nhuma. Estava muito atrasada para a década de 50, mas também fui muito formada pelos dltimos anos da década de 60 para que fosse completamente levada pelo movimento estu- dantil dos fins dos anos sessenta ou pela voluntariedade do marxismo libertério do inicio dos anos setenta, Entdo, lancei- me emocionalmente em direc4o do movimento libertirio, mas intelectualmente continuei cheia de diividas. Embora me identificasse com a luta para resolver os problemas reais apre- sentados pelo capitalismo, sem forcar para que tudo retor- nase aos termos em que Lenin, ou quem quer que seja, afirmou como as coisas deveriam estar acontecendo, senti que continuamente aparavam e supersimplificevam o leninismo. E temerdrio partir para novas viagens sem se munir de mapas, Talvez a parte mais dificil seja decidir em que se apoiar e do que abrir mao. Parecia haver uma atmosfera que iria aniquilar a histéria, como se 0 passado estivesse muito comprometido para que se pudesse reconhecé-lo. Isto teve um efeito destrutivo na Nova Esquerda Americana e surgiu na politica libertaria de esquerda no inicio dos anos setent Suspeito que também tenha contribuido para as atitudes da esquerda contempordnea com relacdo & histSria em oposigao a “teoria”. Sentia-me descrente disso, pois, enquanto admitia muitas de suas erfticas 4 Velha Esquerda, me acautelava diante do que se mostrava como uma subjetividade extrema. Era verdade que ignoravam-se os sentimentos imediatos nos (© MOVIMENTO DE MULHERES F 0 SOCIALISMO “® rituais tanto do PC quanto dos grupos trotskistas. Mas, por outro lado, o que € das conseqiiéncias estratégicas de ago? Parece que foram descartadas pelos libertérios. O passado é sempre parte do momento presente, quer assim consideremos ou ni. Desse modo, pelo comego da déeada de 70, torne-me uma “esquerdista antiga”. Isto quer dizer que permaneci psicologicamente ligada ao SI como uma espécie de ponto de referéncia, mesmo depois de meu desligamento no inicio dos anos setenta, Acho que esta foi uma situago compartilhada por muitos socialistas que foram, em niveis diferentes, in- fluenciados pela “velha Nova Esquerda”. O subseqiente endurecimento do SI a partir de cerca de 1972, intensificado ‘em meados dos setenta, impeliu-me (e a alguns deles) a uma dissidéncia pessoal. Finalmente, forgou-me a comparar as diferengas entre o impulso da Nova Esquerda ¢ a tradigio organizacional revolucionéria, da qual o SI era uma parte idiossinerStica — leninismo e trotskismo. Meu envolvimento real foi com 0 Movimento de Liber- tagdo das Mulheres, que entifo despontava, mas aquela proxi- midade com o SI forcou-me a procurar compreender a relu- tancia da lideranga no inicio da década de 70 em discutir aspectos da opressto que no eram diretamente relacionados com a exploracdo de classe. Fui a primeira conferéncia de mulheres do SI na posigio de observadora, e identifiquei-me fortemente com as que argumentavam em favor da libertacio das mulheres, Foi uma situagdo especialmente confusa, por- ‘que muitos dos primeiros grupos de mulheres fora de Londres, foram iniciados por mulheres pertencentes ou ligadas ao SI. De inicio parecia suficiente atribuir aos preconceitos de uma lideranga machista a oposico que se fazia a libertagio das mulheres — embora o quadro niio fosse assim to simples, de vez que algumas mulheres no SI opuseram-se a libertagio das mulheres, enquanto alguns homens apoiaram-na desde 0 ‘comego. O empenho feito para mudar o cardter de classe do Sle de se voltar para as lutas econémicas da classe operéria certamente também contribuiu para se descartar a libertacio das mulheres como um movimento de classe média — 0 roto “4 ALEM DOS FRAGMENTOS falando do rasgado. Mas, dos meados da década de 70, ne- nhuma dessas explicagdes dava conta do patente sectarismo mostrado pelo SI com relago a0 movimento de mulheres, mais forte ainda que o do Partido Comunista ou 0 do Grupo ‘Marista Internacional. Por que deveria um grupo, que rom- pera historicamente tanto como o stalinismo quanto com 0 trotskismo ortodoxo quanto A questAo da democracia socia- lista e do controle dos trabalhadores sobre a produgdo, ser mais incapaz que outros de compreender no s6 feminismo mas também questdes como a libertagdo homossexual, a psi- cologia radical, lutas em torno da vida comunitéria e cultural, € discussdes sobre o que significa ser um socialista? Por que deveria um grupo que recusara os dogmas manter suas idéias como defesas moralistas? Ostensivamente compromissado em aprender com as Iutas operatias, iniciador dos grupos de bases populares, contrério a burocracia no movimento traba- Ihista — 0 SI falhou em nao estender esses principios a questSes mais amplas da vida cotidiana ou em nio aplicé-los dentro de sua propria organizaglo, Até mesmo 0 compro- misso com as lutas populares ¢ as experiéncias dos operdrios acabou por ser estritamente definido em termos de recruta- mento. Vendo de fora as contendas, parecia que os diversos grupos de lideranca tinham abracado uma ret6rica para deci- dir quem poderia apresentar-se como o intérprete da expe- rigneia dos operarios. E um erro, naturalmente, esperar que um processo poli- tico seja um desdobramento suave. As pessoas, no proprio ato de romper com algumas formas de politica, defendem forte- mente sua retaguarda com os velhos escudos. Talvez.a conseqiéncia do rompimento com a tradigdio do PC e do trotskismo tenha tornado mais premente a necessi- dade de agarrar-se a um limitado conceito econdmico de luta de classes. Pois € curto 0 caminho entre os riscos e as glérias do centrismo, do reformismo, ete. Principalmente se além de tudo vocé é um pequeno-burgués! Mas, como esse desprezo pelos novos movimentos e pela democracia, muitos aspectos da politica de que em parte se desligaram foram crescer em um outro jardim, ainda que bem cercado. (© MOVIMENTO DE MULHERES E 0 SOCIALISMO. 4s Os criticos do SI explicaram as estranhas mudangas da Sorte € 0 retrocesso da democracia como uma série de coinci- déncias que poderiam ser corrigidas. Mas quantas coincidén- cias poderiam se justificar? Os mesmos dilemas pareciam estar surgindo quanto relagao de uma organizagdo politica com grupos de bases populares, suspensa pelo SI como um terrivel sinal do sectarismo stalinista do PC de fins dos anos vinte e inicios dos trinta. A experiéncia do movimento de mulheres também mostrou que a questo da ligaglo de um grupo politico a movimentos ¢ campanhas nao poderia ser solucionada pelo tipo de rompimento politico feito pelo SI com o stalinismo ¢ 0 trotskismo ortodoxo. Isto foi mais fundo que as agdes do SI. Envolveu tudo 0 que diz respeito a ser socialista. No seu infcio, o SI realmente se esforcou e rompeu com as, tradigdes sectrias e com os rituais de uma pretensiosa ret6- rica de esquerda. Mas isto solidificou-se numa recusa em falar acerca da politica do que estavam fazendo na esquerda, Mar- tin Shaw expés como os membros do SI passaram a sentir que estavam acima do sectarismo. Porém a recusa em lidar com dogmas significava que, ao tentar ayancar, exclufam outros socialistas. Ao rejeitar algumas das presungdes dbvias do trotskismo ortodoxo, fortaleceu-se a virtude no SI. Era como se obedecessem a um chamado especial, nunca declarado e de modo algum visivel. Sua politica tornou-se a de um eleito, Jamais podiam fazer tudo por eles mesmos, mas sentiam que nao havia ninguém capaz de fazer qualquer coisa valida. Sob esse esforgo, suas idéias se mantinham em estado latente. No havia tempo para aprender com os novos progr2ssos. Cada vez mais suas teorias nao se adequavam a novas realidades fora do SI, de modo que se enrijeceram no dogma e se tornaram defensivos. Desconfiavam quase tanto das idéias e do debate franco quanto basicamente da classe média. Idéias ¢ debates eram considerados um desperdicio de tempo diante da “Crise” que pairava sobre nés. O instinto critico era atacar os adversirios por causa de sua classe ou falta de atividade. A parandia aumentava quando inevitavelmente eram divulga- dos documentos internos secretos. Se as circunstincias dos meados dos setenta puderam provocar uma mudanga como 6 ALEM DOS FRAGMENTOS essa, hoje nosso espirito fica perplexo diante do que teriam causado uma guerra civil e a fome generalizada — isto sem falar no homem comum. Nos meados dos setenta, eu estava procurando entender por que era que a polftica do SI teria de acabar desse jeito. Sei que essa necessidade de compreensdo era compartilhada com aqueles socialistas ligados ao SI que se tornaram criticos 20 seu desenvolvimento no inicio dos anos setenta. Simplesmente ndo se pode livrar-se dessa experiéncia. Nosso pasado nao € feito de prazeres. Muitas vidas foram afetadas pela participacto no SI/PTS — a i€ politica adquiriu cicatrizes mais fundas que o socizlismo de alguém como eu, que n&o foi um membro por muitc tempo. Uma tal negligéncia nunca vem desacompanhada de seu justo castigo: ocinismo e a paralisia. Os membros expulscs ou que se de garam foram apagados da meméria do que € significativo. Sua politica de oposigo freqlentemente se confundiu com fraqueza moral. Isto teve ecos sinistros e resultou em amar- gura e desperdicio. Mas as implicagbes ainda vao além disso. Acho que, se nao procurarmos entender quais foram as amar- ras que limitaram o afastamento do SI do stalinismo e do + trotskismo ortodoxo, nfo veremos 0 que permitiu que ocor- resse esse proceso, Isto significa que estamos de volta Aestaca, zero, sem garantias de que ndo iremos repetir 0 mesmo per- curso, Entao acho que o processo de revelar o que aconteceu no SI e de explorar suas conseqdéncias sobre ¢ modo como nos ‘organizaremos no futuro é tio importante quanto uma reava- lingo do impacto da Nova Esquerda de 1956 e do marxismo libertério.* Estou consciente de que minha preocupagio com SI/PTS possa ter uma natureza hermética para aqueles que nao experienciaram qualquer aspecto de uma tal ligacdo. Pode parecer uma paixdo intensa ¢ estranha, que n&o produz qualquer efeito. Mas acredito que tenha um significado além do envolvimento politico dos ex-membros cu membros. Por cerca de uma década a partir dos meados dos sessenta, o ST representou na Gr&-Bretanha a principal esperanga numa organizaglo em que as tradigées leninistas ¢ trotskistas pu- dessem ser renovadas por uma geragto que nfo fora marcada (0 MOVIMENTO DE MULHERES F 0 SOCIALISMO. ” pelos horrores do stalinismo e pelo isolamento extremo da pequena oposicio trotskista. A renovacdo prometida era con- tinuar a tradigo revoiucionéria de 1917 e, no entanto, enca- rar os problemas do capitalismo moderno, Acho que essa pro- messa mostrou-se ilus6ria. Contudo, a existéncia dessa espe- ranga significava que foram evitadas muitas implicagdes do desafio da Nova Esquerda ao stalinismo. Também, como argumenta Martin Shaw, os lideres do SI realmente nao en- tenderam “as mudangas estruturais (...) que 0 movimento estudantil ressaltou”’.’ Mais do que isso, no entanto, nao reconheceram 0 significado das mudangas na consciéncia que esses desenvolvimentos acarretaram. Os insights de ambos ‘os movimentos puderam assim ser incorporados, canalizados ¢ finalmente abandonados pela casca sectéria que os consu- miu. Isto produziu um efeito mais confuso na esquerda con- tempordnea, na qual o Partido dos Trabalhadores Socialistas péde levantar grandes nuvens de poeira ao se enterrar ainda mais fundo na areia. Significa que foram quase que comple- tamente apagados os problemas substanciais, levantados pela Nova Esquerda apés 1956 e pelos acontecimentos de maio de 68, acerca de como deveriamos fazer o socialismo. ‘Suponho que esse esforgo por entender o SI/PTS possa ser descrito como um quebra-cabecas minucioso e perma- nente para mim. Um esforgo interior para refletir sobre a organizaco tem experimentado uma politica completamente diferente no movimento de mulheres desde 1969. As dife- rengas entre este tipo de pritica e a politica socialista tém se mostrado tio grandes que se tornou dificil compar4-los. Cada vez mais sinto isto como uma cisdo paralisante. Hé 0 risco de que poderiamos concordar com essa divisio, aceitando uma forma de organizaco para o socialismo e uma outra para o feminismo, Dado o equilibrio de forgas entre os sexos na sociedade como um todo, isto sem diivida significaria que nosso modo de organizagio como feministas tornou-se pro- gressivamente segregado. No movimento de mulheres, hé quase dez anos vém surgindo suposigdes de modo de organizac&io que so em geral difundidas oralmente. Tem sido grande a dificuldade de se 8 ALEM DOS FRAGMENTOS traduzir essas suposigbes numa linguagem que atinja as defi- nigdes de organizagiio correntes na esquerda. Isto se deve em arte ao fato de que surgiram de forma gradativa da pratica de um movimento. Desafiam os grupos de esquerda antes implicita que explicitamente. Mas também no podem ser enquadradas na esfera de debates estabelecida pela esquerda machista. Oriundas em parte da experiéncia de vida de mu- theres feministas, elas continuamente se projetam em diregio a novas formas de expresso de desafio e oposicao. Esta é uma criatividade que ndo foi compartilhada pelos grupos de es- querda de tradigao leninista e trotskista. Ressaltamos, por exemplo, a unio ¢ a protecdo de um grupo pequeno ¢ o sentimento de irmandade. Num grupo pe- queno é importante que cada mulher disponha de ar e de espaco para que cresam suas idéias e sentimentos. A idéia é que nio hé uma disciplina vinica que possa ser aprendida de cor e passada adiante injetando-a nas pessoas. Pelo contrario, sabemos que nossos sentimentos e idéias movem-se e se trans- formam na relagio com outras mulheres. Todas n6s preci- amos nos expressar e contribuir. Nossos pontos de vista so validos porque surgiram de dentro de nés, ¢ ndo porque man- temos uma disciplina que nos foi ministrada. As palavras que usamos procuram uma franqueza e honestidade sobre nosso proprio interesse naquilo que dizemos. Isto é 0 oposto da maioria da linguagem de esquerda que freqiientemente se diferencia como correta e se reveste de uma objetividade determinada. (Isto nfo € verdadeiro apenas quanto aos leni- nistas, mas as vezes também aos que se opdem ao leninismo. Aqui o termo fica inadequado. Torna-se um problema do uso do conceito de ciéncia no préprio marxismo.) £ muito importante que possamos afirmar “Eu nao sei” e “Ninguém sabe, precisamos descobrir”, sem que sejamos des- cartadas como imbecis. Nossa politica tentou permitir a expresso de vulnerabi- lidade e franqueza para os sentimentos de todas as mulheres que a conscientizagio implica. Recusamos a organizacao cen- tral, estruturas hierarquicas e uma lideranga, Isto nfo quer dizer que no tenhamos organizacio. Por exemplo, so aspec- tos do movimento de mulheres sistemas regionais, centros de (© MOVIMENTO DE MULHERES & 0 SOCIALISMO. e mulheres, conferéncias, grupos editoriais, grupos de teatro, conjuntos de rack ¢ bandas de misica folcl6rica, mostras cole- tivas de cinema, reunides de lideres sindicais e cooperativas de alimentos. As estruturas criadas so vistas como a servico de necessidades determinadas. A formago e a comunicago de idéias € um extraordindrio processo coletivo em que colabo- ram milhares de mulheres. As iniciativas organizacionais que se espalharam através do movimento sao extremamente diver- sas, envolvendo mulheres em modos de participaco muito diversos. O movimento de mulheres atingiu muitas reas politica desprezadas pelos socialistas, sendo sua influéncia ainda mais profunda, Absorve mais do nosso ser. ‘Temos estado préximas de nossas préprias fraquezas ¢ dores em tudo isto. E dificil separarmo-nos o suficiente para fazer uma critica tebrica mais distanciada, enquanto nos agarramos A constataglo de como tem sido criativa nossa organizagdo, Embora 10s propomos modelos em politica mais riticos e pessoais do que os da esquerda contemporanea, achamos que as criticas ¢ as diferencas se abatem de modo muito compacto sobre nés, para que pudessem ser de alguma ajuda. E alienante o distanciamento presente nos grupos ma- chistas. A angistia da diviséo pode se voltar para fora, em lugar de implodir o espirito. Em vez. de uma fonte de energia, a irmandade pode se tornar um consenso coercitivo que difi- sulta, no plano emocional, as mulheres expressarem seus sentimentos. A conscientizagio pode exercer sobre as mulhe- res uma pressio grande demais, para que mudem apenas com um esforgo de vontade. A politica feminista pode se tornar Preocupada com viver uma vida liberada em lugar de se tornar ‘um movimento para a libertagdo das mulheres. Nossa falta de estrutura dificulta a adesdo de mulheres nfo pertencentes a

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