Vous êtes sur la page 1sur 17
eo Londres e Paris no século XIX: O espeticulo da pobreza Maria Stlla M. Bresciani attention editora brasiliense ADESCIDA AOS INFERNOS A. he a on i A wl a cn Nessa Londres da metade do século, com dois «meio milhoes de babitantes, projetamse com total dex a promiscuidade, a diversidade, a agressto ‘Em Suma, os varios perigos presentesna vida urbana, Para além do fascinio se faz sentir 0 medo. Na ex [press20 de Shelley: “o inferno é uma cidade seme Ihante a Londres, uma cidade esfumacada e pope losa. Existe af todo tipo de pessoas arruinadas e | pouca divereio, ou methor, nenhurna, e ito pouea | Justicne menos ainda compaixto”. Qs observadores contemporinecs so undnimes i vmlmedes em ace. firmar que 0 assustador contrase entre « cpu lencia materiale a degradaeio do homem far de Londres uma singolaridade absolota Engels em vie gem pela Inglaterra na década de 1880, dir no Conecer nada mals imponente 40 que © espeticulo proporcionado pela subids do Timisa em diego 3 Ponte de Londres. "O amoctoado das casas, o eta leiros navais de ambos ot lados, os inumeriveds na ‘ios alinbados a0 longo das duas margens, ctr tamente unidos uns aos outros e que, no meio doo, deixar apenas um estret canal onde centenas de bareos a vapor secruvam a toda vlocidade, tudo ito Eto grandioo, tho enorme, que s fica albnito ¢ tstupefato coma grandeza, da Inglalerra, mesmo fntes de se pltar solo inglés” (A condicdo de classe trabalhadora na Inglaterra) ‘0 tom otimista desaparece em seguida, 20 ser svalindo 0 custo socal do cresciment® econdimic Poucos dias de permanéncia na cidade bastam para ‘que entifique "os efeitos devastadores da. aglome: Tagio urbana” Percorrendo as ruas Principals da Imetropole, Engels se v€ constrangido « abrir passa teem através da multidioe das intermindves fas de ‘arruagens e carroga, constrangimento ese que au- fmenta quando ele chega aos bairros ruins e conch! due ox londrinos se viam obrigados a sacrifcar ‘melhor parcela de sua qualidade de homens na tarela de alingir todos os milagres da civilizacho. Ao eon- Irario de Poe. Engels no se sente atraido pela mul- tidte das ruas londrinas, que, para ele, “tem em st (qualquer coisa derepugrante que revolia a natureza a“ Maria Stella Martins Bresciani humana”. Fica assustado e indi . tenas de iilhares de pessoas se comprimindo es acotovelando, parecendo nada ter em comum, obe. decendo somente a um acordo tacito de manter a sua direita, de modo a permitir 0 cruzamento continuo e sem obstéculo de ambas as filas da multidao. A indiferenca brutal e o isolamento insensivel de cada um yoltado para os seus interesses, impedem até um olhar de relance para o outro”. “Esses homen: continua, “parecem esquecidos de que possuem as mesmas qualidades e capacidades humanas e, mais ainda, de que partilham o mesmo interesse na busca da felicidade.” Sua sentenga nao deixa lugar a di- vidas: “E mesmo sabendo que este isolamento do individuo, este egoismo tacanho, sao em toda parte 0 principio fundamental da sociedade atual, em parte alguma eles se manifestam com uma independéncia e seguranga to totais como aqui, precisamente na multidao da grande cidade. A desagregagao da hu- manidade em ménadas, onde cada um possui um principio e uma finalidade de vida particulares, esta atomizagio do mundo, foi aqui levada ao extremo. Resulta disso que a guerra social, a guerra de todos contra todos, aqui esté abertamente declarada’’. Engels percorre e descreve detalhadamente os bairros ruins de Londres, bairros em que se con- centra a classe operaria. A célebre Rockery (ninho de corvos) St. Giles fica em pleno centro da cidade, 4rea populosa e cercada de ruas largas ¢ bem ilumi- nadas, fregiientadas pela alta sociedade londrina. Dessa maneira, ao lado de Oxford Street, de Regente Londres ¢ Paris no Século XIX 3 Street, de Trafalgar Square e do Strand, uma massa de casas de trés a quatro andares, construidas sem planejamento, em ruas estreitas, sinuosas € suja: abriga parte da populacdo operaria. Nas ruas a ai mag&o é intensa, um mercado de legumes e frutas de mA qualidade se espalha, reduzindo 0 espaco para os passantes. O cheiro é nauseante. A cena torna-se mais espantosa no interior das moradias, nos patios nas ruelas transyersais: ‘nao h4 um tnico vidro de janela intacto, os muros sdo leprosos, os ba- tentes das portas e janelas estéo quebrados, e as portas, quando existem, sao feitas de pranchas pre- gadas”, Nas casas até os pordes sao usados como lugar de morar ¢ em toda parte acumulam-se detritos € Agua suja. “Ai moram os mais pobres dentre os pobres, os trabalhadores mal pagos misturados aos ladrdes, aos escroques € as vitimas da prostituigao.” Nesse centro de Londres, numerosas ruelas de casas miseraveis entrecruzam-se com as ruas largas das grandes mansdes ¢ os belos parques piblicos; essas ruelas lotadas de casas abrigam criangas doentias e mulheres andrajosas ¢ semimortas de fome. ‘As péssimas condigdes de moradia e a superpo- pulag’o sao duas anotagdes constantes sobre os bair- ros operdrios londrinos. Mesmo Areas ricas como Westminster tém pardquias onde, segundo o Journal of Statistical Society de 1840, moram 5366 familias de operdrios em 5294 habitagdes, num total de 26 830 individuos, dispondo 3/4 dessas familias so- mente de uma pega para viver. Idéntica situagdo na aristocratica St. George, com 1465 familias num Maria Stella Martins Bresciani Londres e Paris no Século XIX Q total de cerca de 6000 pessoas, Ne is . cias, © quo esperar das condigdes de vida no grande bairro operdrio A leste da Torre de Londres, White Chapel e Bethnal Green, conhecido nas décadas fi- nais do século pelo termo East End? Conhecido de nome, j4 que os londrinos estranhos a ele nfo se aventuravam por suas ruas, considerando-o um mun- do desconhecido, diferente e a parte, embora dentro da mesma cidade. A descrigao do East End feita por Arthur Morrison (Tales of mean street) na década de oitenta no difere muito do relato de Engels em 1844: “Um lugar chocante, um diabélico emaranhado de cortigos que abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e mulheres imundos vivem de dois tos- tdes de aguardente, onde colarinhos ¢ camisas lim- pas sio decéncias desconhecidas, onde todo cidadao carrega no proprio corpo as marcas da violéncia ¢ onde jamais alguém penteia seus cabelos”. Na década dequarenta, o paroco de St. Philip, em Bethnal Green, diz ser essa parte da cidade tio mal conhecida pelos londrinos como 0 eram os sel- vagens da Australia ou das ilhas dos mares do sul. Convida seus concidadaos a tomar conhecimento dos “sofrimentos desses infelizes”, com suas magras re- feigdes, curvados pelas doengas ¢ pelo desemprego, afirmando mesmo que “uma tal soma de afligao e miséria numa nagao como a nossa deveria ser motivo de vergonha”, Também por volta de 1840, um de- poente ao Select Committee on the Health of Towns afirma que, excetuando-se os médicos e os parocos, se sabe tanto dos habitantes do East End e de suas Ma pa do perimetro industrial interno. (In: Gareth Stedman Jones, Outcast London.) = condicdes de vida, quanto se sabe das populagées selvagens das longinquas regides africanas, A mesma opinido é expressa pela London Diocesan Building Society, vinte anos depois, ao considerar o East End “uma vasta regio tao inexplorada como o Timbuc- ty”. Comparagies como essas, em que os distritos pobres sto considerados zerra incdgnita e seus habi- tantes selvagens, desconhecidos, repetem-se durante as décadas de 1880 e 1890; o cientista T. H. Huxley chega mesmo a afirmar que o selvagem polinésio, “na sua mais primitiva condi¢4o, n&o possui nem a metade da selvageria e da irrecuperabilidade do ha- bitante dos cortigos do East End” (Asa Briggs, 314-15). Nas décadas finais do século, a opiniao corrente acentua a deterioragao substancial das condigoes de vida nos bairros pobres de Londres e @ teoria da degeneragao urbana ganha adeptos entre empresa- rios, cientistas e administradores. “O filho do ho- mem da cidade cresce muito magro, é quasc uma parddia de si mesmo, precocemente excitavel e doen- tio na infancia, neurdtico, melancélico, palido e mir- rado quando adulto, e isso no caso de atingir esse estdgio da vida... Afirma-se com alto grau de certeza que um londrino puro da quarta geragiio nao tem capacidade para se manter vivo”, sentencia em 1890 o médico J. P. Freeman (The effects of town life in the general health). Essa constatagio, alids, nada mais fazia do que confirmar a “Idéia Sanitaria” que, desenvolvida por L Chadwick, inspirou poetas, moralistas, artistas, fi- lantropos e administradores na década de quarenta: ‘Os fatos demonstram a importancia politica € mo. ral dessas considerages, ou seia, que as condigdes fisicas ambientais malsas deterioram a saide © 0 estado fisico da populacdo, que elas agem, da mesma maneira, como obstéculos 4 educacao e ao desen- volvimento moral: que, diminuindo a expectativa de vida da populagdo operaria adulta, impedem o cres- cimento das capacidades produtivas e diminuem o capital social e moral da comunidade; que substi- tuem uma populacdo que acumula e conserva a ins- trugio. que se aperfeigoa constantemente por uma populacao jovem, Jgnorante, crédula, apaixonada e perigosa pelo fato constatado de sua tendéncia per- manente a degradagao fisica e moral” (Report to her magesty’s.... 1842). Também as pesquisas das auto- ridades administrativas dessa década, transcritas nos famosos Blue Books, sdo enfaticas no relato das pés- simas condigdes de vida dos operarios: “mais imun- dicie, piores sofrimentos fisicos e desordens morais do que os descritos por Howard em relacao aos detentos das prisdes, sao encontrados entre os trabalhadores que habitam os pordes nas cidades de Liverpool, Manchester, Leads extensas areas de Londres" (Re- port on the sanitary condition of the labouring peo- ple, 1842). As implicagdes econdmicas da degradagio fisica e moral dos trabalhadores urbanos sao constante- mente lembradas por esses sanitaristas que consi- deram os custos das medidas preventivas — melhores condicées de moradia, sistema de distribuigao de a condigées de vida, quanto se sabe das populagdes selvagens das longinquas regides africanas. A mesma opiniao é expressa pela London Diocesan Building Society, vinte anos depois, ao considerar o East End “yma vasta regido (Ao inexplorada como o Timbuc- tu’. Comparagdes como essas, em que os distritos pobres s&o considerados terra incdgnita ¢ seus habi. tantes selvagens, desconhecidos, repetem-se durante as décadas de 1880 e 1890; o cientista T. H. Huxley chega mesmo a afirmar que © selvagem polinésio, “na sua mais primitiva condi¢&o, ndo possui nem a metade da selvageria e da irrecuperabilidade do ha- bitante dos corti¢os do East End” (Asa Briggs, 314-15). Nas décadas finais do século, a opiniao corrente acentua a deterioragao substancial das condicdes de vida nos bairros pobres de Londres e a teoria da degeneragdo urbana ganha adeptos entre empresi- ios, cientistas ¢ administradores. “O filho do ho- mem da cidade cresce muito magro, € quase uma parddia de si mesmo, precocemente excitdvel e doen- tio na infancia, neurético, melancélico, palido e mir- rado quando adulto, e isso no caso de atingir esse estagio da vida... Afirma-se com alto grau de certeza que um londrino puro da quarta geragio nao tem capacidade para se manter vivo”, sentencia em 1890 o médico J, P. Freeman (The effects of town life in the general health). Essa constatagao, alias, nada mais fazia do que confirmar a “Idéia Sanitaria” que, desenvolvida por Chadwick, inspirou poetas, moralistas, artistas, fi- Maria Stella Martins Bresciani —— ="-*Londres ¢ Paris no Século XIX lantropos e administradores na década de quarenta: “Os fatos demonstram a importancia politica ¢ mo- ral dessas consideracdes, ou seja, que as condicdes fisicas ambientais malsis deterioram a sadde © o estado fisico da populac%o, que elas agem, da mesma maneira, como obstaculos a educacdo € a0 desen- yolvimento moral; que, diminuindo a expectativa de Vida da populacdo operaria adulta, impedem o cres- Uimento das capacidades produtivas e diminuem 0 Capital social e moral da comunidade; que substi- tuem uma populagdo que acumula e conserva a ins- trugdo, que se aperfeigoa constantemente por uma populacdo jovem, jgnorante, crédula, apaixonada © perigosa pelo fato constatado de sua tendéncia per- manente A degradagao fisica e moral” (Report to her magesty’s..., 1842). Também as pesquisas das auto- ridades administrativas dessa década, transcritas nos famosos Blue Books, so enfaticas no relato das pés- simas condigdes de vida dos operarios: “mais imun- dicie, piores sofrimentos fisicose desordens morais do que os descritos por Howard em relagao aos detentos das prisdes, so encontrados entre os trabalhadores que habitam os pordes nas cidades de Liverpool, Manchester, Leads e extensas Areas de Londres” (Re port on the sanitary condition of the labouring peo- ple, 1842). As implicagdes econdmicas da degradagiao fisica moral dos trabalhadores urbanos so constante- mente lembradas por esses sanitaristas que consi- deram os custos das medidas preventivas — melhores condigdes de moradia, sistema de distribuigdo de fartins Agua e sistema de esgotos — custos da doenga — interrupglo do trabalto eI be da de salétio —, para nao falar dos altos custos da contengao das sucessivas epidemias que tomam con- ta dos bairros pobres de Londres até a década de sessenta, A degradacao fisica e moral do trabalhador urbano, preocupagao maior nessa primeira metade do século, transmuta-se, nas décadas seguintes, na teoria da degenerag%o urbana do homem pobre. Em torno de 1860, os filhos dos teceldes de seda de Londres, indéstria em declinio desde a década de trinta, espalhavam-se pelas esquinas das ruas da ci- dade em grupos de rapazes de 16 a 20 anos, magros, palidos, improdutivos e furiosos, dizendo nao terem emprego ¢ terem suas tentativas de obté-lo sido frus- tradas até no exército, dada sua compleicao fisica Gébil e a pouca altura (S. Jones, Outcast London, 102), ‘Ao custo econémico soma-se a ameaga social, pois nao se considera a “extingao do londrino” um processo pacifico: a consciéncia de sua situagao for- ga-0 a0 protesto ¢ isso redunda, no minimo, “peri- g0s0 e dispendioso para a nado”. Competindo no mercado de trabalho em condicdes desvantajosas com o imigrante, ele percorre varios estagios antes de ser fisicamente eliminado: “trabalho irregular, bis- cates, pocilgas, prostituigao, caridade, desordem, protestos piblicos e tumultos; eis algumas das lutas desse moribundo londrino até que pague sua divida & natureza, cujas leis ndo tém capacidade para obe- decer” (Freeman- Williams, The effect of town life on the general health, 1890) (S- Jones, 127). (© preconceito em relacao ao trabalhador nas- cido e criado em Londres, j& corrente no final do Séoulo XVIII, est amplamente difundide entre os empregadores na segunda metade do século seguin- fe Os empresarios da regio norte do pais chesamy & explicitar serem indesejaveis os trabalhadores da Me- trépole, “onde as constituicdes fisicas estao quebra- dae ¢ os homens enfraquecidos por dissipacdes € excessos de todos os tipos”. Até mesmo um cervejeir Ge cidade afirma: “"nés nunca empregamos um ho- mem londrino. Se um trabalhador adoece € precisa deixar seu émprego junto a nés, preenchemos seu lugar com alguém do campo" (S. Jones, 129-30). Na década de 1880, 0 darwinismo social proporcionou a cobertura biolégica para a teoria da degenera¢ao urbana hereditaria, reforgando a posigao privile- giada do imigrante para as tarefas especializadas € de responsabilidade. Entre as possibilidades de tra- balho, bastante diminuidas pelo declinio da indis- tria londrina, restava ao homem da cidade o emprego casual, principalmente nas docas (S. Jones. 20-21). Essa especificidade de Londres é explicada pelo historiador S. Jones pelo espantoso crescimento po- pulacional da cidade (1873 676 habitantes em 1841 ¢ 4232118 em 1891) (A. Briggs, 59) nao ter sido acom- panhado por um crescimento equivalente das opor- tunidades de trabalho. Segundo ele, a Revolucao Industrial representou um desafio critico para as antigas industrias londrinas que demonstraram ser incapazes de se estruturar no sistema de fabrica. No = | primeiro quartel do século, Londres era conheci pos prodieto tl (oct: ga seen ant pela engenharia civil © mecfinica pesada; nos anos setenta, comparativamente a outras reas indus- triais, a produc&o da cidade tornara-se deficiente quanto aos téxteis, & engenharia pesada, a cons- trugfio naval e, de maneira mais geral, quanto a todo tipo de matéria-prima produtos semimanufatura- Permaneceram em Londres os estabelecimentos tos manufaturados artesanais e sofisticados Jo no mercado ur- dos. de produ que enicontravam rapida coloca¢’ bano(S. Jones, 20-1). ‘As proporgdes dese declinio vertiginoso podem ser avaliadas pela industria da seda que em 1824 empregava aproximadamente 50000 pessoas ¢ nos momentos piores de crise dos anos trinta chegou a ser responsavel por 30000 desempregados. Embora mui- tos desses tecelées sem emprego tenham imigrado para outras regides industriais, um grande contin- genie permaneceu em Londres subordinando-se ds condigbes impostas pelo trabalho casual nas docas (que chegaram na época a ser consideradas verda- deiras coldnias de teceldes desempregados). Mesmo aqueles que permaneceram ligados sazonalmente a produeao da seda na esperanga de tempos melhores tiveram suas expectativas frustradas em definitivo pelo tratado Cobden de comércio livre com a Franga em 1860. Nesse ano o ntimero de trabalhadores da seda decrescera para 9500 pessoas, € vinte anos de- pois seu mimero reduzia-se a 3 300 (S. Jones, 101). O desamparo dos teceldes foi tragado pelo colapso da industria de constructo naval do East London nos ‘anos de 1866-8. Somente os canteiros de Poplar ha- viam aumentado seu némero de trabalhadores de 13000 em 1861 para 27000 em 1865; em janeiro de 1867 esse estaleiro despedia 30000 pessoas levando a um ponto critico © panico nesse bairro londrino, j& flagelado no outono do ano anterior por uma epi- demia de cOlera que matara 3909 pessoas. A crise financeira de 1866 atinge ainda a construgio civil ¢ a construcdo de ferrovias (S. Jones, 102-3). ‘Um quadro amplo da populagao industrial lon- drina por volta de 1860 mostra-a, excetuando-se os empregados na construgdo civil, divida em cinco grandes ramos de produgao: vestuario (incluindo sa~ patos), madeira e méveis, metais e engenharia, im- pressiio e papelaria e, finalmente, manufatura de precisio (metais preciosos, relégios, instrumentos cientificos, instrumentos cirtrgicos etc.). No final dos anos sessenta, mesmo a produgao de roupas € sapatos sofria uma competicao significativa das ou- tras regides industriais, restringindo-se, assim, ainda mais a produgao em oficina e ampliando a produgdo a domicilio. Em parte, também a externa instabi- lidade do mercado urbano sujeito as arbitrariedades da moda dificulta a produgao er grande escala € torna altamente atraente para os empresérios 0 recuo para o velho sistema de produg&o doméstica que, muito flexivel, se expandia e se retraia quando necessfrio (S. Jones, 23-4). Nesses ramos da pro- dugdo, onde € dispendioso 0 uso da maquina, a produtividade se faz garantir pela superexploragao do trabalhador (‘‘sweting sistem"). Essa esiratégia de recuo para um sistema de grande exploracdo de trabalho permite, no momento de declinio agudo das indistrias de construgao naval e da seda, € com liberagao de grande contingente de mao-de-obra, a rapida expansao e a transformagao do sistema de produgdo de roupas, sapatos ¢ méveis. Tratava-se de produtos baratos, fabricados em gran- de quantidade para um mercado pouco exigente; nao competiam com os manufaturados de luxo da City ou do West End, mas sim com a produgao fabril barata de outras regides inglesas. Dai ser necessario subdi- vidir sua produgao no maior néimero possivel de tare- fas nao especializadas ¢ entregi-las 4 mao-de-obra no especializada e barata. Paradoxalmente, esse sistema de superexploracao do trabalhador expande- se de forma insuspeitada com 0 avan¢o tecnologico efetivado nas maquinas de costura e de cortar tecido (inddstria do vestuario e de sapatos) e nas serras movidas a vapor (mobilidrio). Tanto a industria de sapatos como a de méveis, expandiram-se nas areas pobres de Bethnal Green, antigo centro de produgao da seda. Também as areas proximas aos estaleiros ¢ as docas, proporcionaram mao-de-obra masculina disposta ao subemprego ocasional e mao-de-obra fe- minina barata. Como resultado geral, o sistema de superexploragéo do trabalho acentuou_a predomi- nancia do trabalho nao especializado sobre o espe- cializado. Para o mercado de trabalho masculino especializado o impacto foi tremendo: a concorrén- cia do trabalhador no qualificado e do menor fez com que mesmo nos anos mais prosperos dessas in- distrias (década de setentay um grande nimero de alfaiates e sapateiros se vissem constrangidos a recor- ser A caridade (S. Jones, 109). Também as transformagdes no sistema portua- rio de Londres contribuiram para tornar ocasional © mercado de trabalho da cidade. Tanto a West India Dock como a London Docks, fundadas em 1802 1805, respectivamente, tinham como propésito formar uma forca de trabalho permanente, sobria ¢ responsavel, de maneira a que atuasse ainda como grupo de protegao dos bens das companhias. As duas preocuparam-se com ocupar seus empregados em servicos alternativos quando o especifico trabalho nas docas era interrompido. O esforgo para evitar a sazonalidade do emprego nessas companhias durou até os anos trinta. Ainda em 1828, os regulamentos morais da St. Katherine’s Dock Company prescre- viam “‘honestidade e sobriedade como qualificacdes indispensdveis” para seus trabalhadores que “‘20 me- nor desvio deviam ser dispensados imediata e irre- vogavelmente”. Entretanto, no decorrer das décadas de 1830, 40 e 50, o porto de Londres foi aberto a total concor- réncia, extinguindo-se assim o sistema de monopélio que beneficiara as antigas companhias. A forca de trabalho permanente foi reduzida ao minimo, e o emprego casual nas docas, que ja era uma lei da natureza, tornou-se também uma lei econémica. A segunda metade do século foi um periodo de crise Para 0 porto de Londres, deteriorando-se sigiifica- tivamente as condigdes de emprego nas docas, em particular nas dreas mais antigas incapazes de com- petir com os sistemas mecanizados das docas mais modernas (Victoria ¢ Millwall), estabelecidos nas dé- cadas de 0 ¢ 60, Para as areas ribeirinhas de White- chapel, St. George's, Limehouse ¢ Poplar, todas no East End, essa concorréncia implicou um corte de tum tergo de seus efetivos. Em 1881, a Charity Orga- nization Society dizia ser ja erénica € universal a queixa de falta de emprego na regido, manifestando sua apreensio pela transferéncia das atividades por- tudrias para outras partes do rio (S. Jones, 111-23). © emprego casual e a superexploragao do trabalho tornaram-se regra ai também. Contudo, essa regressio nao era aplicdvel a ou- tros ramos da indistria londrina que, a partir dos anos cingienta, inicia seu éxodo industriais inglesas. Isto ocorre principalmente com a construgao naval, com a industria da seda e com a engenharia pesada, onde o declinio foi mais lento, mas igualmente acentuado. A construgao naval de Poplar, por exemplo, sustentara seu crescimento no inicio da década de sessenta, no entender de Jones, em bases precdrias, tais como 0 uso crescente de ferro de alta qualidade na construgao de navios, 0 alto nivel salarial dos trabalhadores londrinos e uma estrutura sindical (‘trade union”) forte o bastante para manter em uso métodos tradicionais de tra- batho. Esses elementos mantinham a indastria numa situag%o de dependéncia dos favores governamentais e das encomendas do exterior (102). Nos anos no- venta, as dificuldades existentes para a produgio Jondrina so acrescidas com regulamentacdes para a construgho € a inspecao obrigat6ria das instalagdes fabris. Essas medidas tornam intransponiveis as bar- reiras para a produgdo em larga escala na cidade de Londres, para ramos da industria como 0 grafico, a encadernagao, 0 mobilifrio e certos tipos de ves- tuério (26). ‘A instabilidade do mercado de trabatho acentua a extrema exploragdo do trabathador e forca-o a residir no centro da cidade, proximo aos lugares onde sua busca de emprego ocasional se faz, possivel a cada manha, Nessas areas, a superpopulagdo acelera & piora as condicdes sanitarias das moradias. Toda a politica de demolic&o ¢ destocamento de bairros con- siderados infectos e perigosos, desenvolvida entre 1850 e 1880, resulta, na auséncia de um sistema de transporte barato e eficiente, numa agudizacao do congestionamento dos bairros centrais de Londres. E na regido central da cidade que o problema se mani- festa de forma mais aguda; seu excesso populacional transborda, entretanto, para os bairros proximos, até atingir o perimetro industrial ainda interno a area urbana (Inner London). Alarmado com 0 que viu, © médico Hunter afirma, em 1865, num relatorio ao Privy Council que "existem cerca de 20 grandes cold- nias em Londres com 10000 pessoas cada uma, cold- nias cujas condigdes miserdveis excedem qualquer coisa jamais vista na Inglaterra, sendo isso resultado quase exclusivo das mds condigdes de suas moradias, acrescidas com a superpopulacao e a dilapidagao das casas que sio muito pi She AS. Tones, Tee a ba Finks anos = Esses relatos alarmantes parecem preocupar os \londrinos em geral apenas nos momentos em que \essa populaciio dos bairros ruins expressa seu des. ‘contentamento em viclentas manifestagdes de rua. No rigoroso inverno de 1860;>>uma-série~de movi- mentos de revolta (riots) pelo prego do pao sacode varios distritos do East End; no verao de (1866 o desafio 4 ordem assume uma forma politica mais tangivel com os distirbios provocados pela inva- sio do Hyde Park pela multidao revoltada — @ mob —; no inverno também rigoroso de 1867, so- mam-se a depressao comercial 0 colapso da indistria naval do Tamisa, a epidemia de célera ea ma co- Iheita, e 0 ano comega com riots de pao no East End, num momento em que o desemprego atinge niveis sem precedentes; em maio desse mesmo ano, uma segunda invasao do Hyde Park, sob o mesmo pre- texto de arrancar os trilhos da ferrovia, reine mais de 100.000 pessoas, fazendo com queo Parlamento se apressasse em tomar medidas que afastassem a amea- ca de uma incipiente alianga entre “o trabalhador ca- sual, o residuum, e a classe trabalhadora respei- tavel”; no inicio dos anos setenta, 0 alto nivel de desemprego persiste e os desempregados organizados na Liga da Terra e do Trabalho continuam a oca- sionar tumultos ¢ ansiedade no East End (S. Jones, 241-2). Os escritores manifestam seus temores pela cres- cente onda de crimes e pelos possiveis ataques a propriedade. Estima-se em 20000 os criminosos es- palhados pela cidade de Londres. Junto ao crime vem ‘a mendicancia: uma verdadeira “‘praga de mendi- gos” flagela a cidade. Dizia-se que “nenhum dos habitantes dos subirbios podia deixar de se sentir yivendo circunstancias de grande perigo”. Também Xe afirmava que “em cada esquina um moleque mal- trapilho arrasta uma vassoura suja na nossa frente € ente nos impde uma taxa; em intervalos pe- quenos € regulares, encontramos 0 lamento ininter- rupto do robusto irlandés sempre morrendo de fome ou a odjosa menina que esté sempre invocando 0 nome de Deus em vao. Se entramos numa casa de lanches para uma refei¢ao modesta de biscoitos ou bolo, toda uma familia de erraivecidos vagabundos se poe a olhar para cada bocado que introduzimos na boca. Antes que tenhamos chegado 4 metade do passeio teremos sofrido ‘a punigdo de ser passado pelas varas’ de todas as formas de pretensas misé- rias” (Dr. Guy, The curse of beggars). O incédmodo causado pelos mendigos e pelos yagabundos isoladamente sé se vé suplantado pelo medo deles em multidao. “O que pode fazer uma forca policial de 8.000 ou 9 000 homens contra 150000 individuos violentos e rufides, os quais, numa situa- cao de excitagdo suficiente, podem ser vistos na Me- tropole investindo-se contra a lei e 2 ordem?”, per- Emibrando seus ouvintes na reuniao da Society of i eus ouvintes na reuniao da Society of Arts “quiao diferente & a multiddo (mob) londrina do décil campesinato ou dos ordeiros operarios do Lan- alegrem cashire”. A multid4o londrina, famente andnimo, mereccu o copncire ‘de “pene laca, este vasto residuum, que se desloca para onde quer, que se reine onde deseja, vociferando 0 que deseja, quebrando aquilo que quer” (Mathew Ar- nold, Culture and anarchy, 1869). \Bssas extensas, miserdveis e incontrolaveis mas. sas de pessoas submersas no East End, esse meio milhao de pessoas convertidas por uma legislacao adversa e pela caridade, ao pauperismo, assustavam ‘os contemporaneos por terem um vinculo irregular fom o trabalho, por conseguirem sobreviver 4s ex- pensas do roubo e do jogo, por escaparem as possi- bilidades classificatérias do pobre trabalhador res- peitével. Assustavam ainda mais por nao serem ni- tidos, na pratica, os limites entre 0 trabalhador e 0 residuo; mesmo entre as pessoas que ganhavam sua vida trabalhando (e a definig20 inglesa para homem pobre dizia ser aquele que precisa trabalhar com suas mdos para se manter a si ¢ a sua familia), algumas tinham uma situagdo indefinida dada a ma fama de suas ocupacdes, embora elas fossem vitais para a vida cotidiana da cidade: os construtores de ferrovias (land navigators ou simplesmente navies), os vendedores ambulantes € os limpadores de cha- miné estavam entre esses indesejaveis do mundo civi- aes (Kellow Chesney, The victorian underworld, Alias, j4 a partir da década de quarenta, a ci- dade industrial, Manchester, torna-se 0 simbolo_ das esperancas e das apreensdes da ‘era da industria- “feligiosidade da _cerrada organizacio lizagdo™. Com 0 declinio do cartismo no final_dos ‘anos quai livre da ameaca do movimento ope- dade se erige em modelo cxaltado pelos ineos entuasiasmados com suas institui- da mitua, com a sobriedade e com a sua classe operdria. Sao as cidades do West Riding de Yorkshire, pri- Inglaterra onde o sistema de fabrica tensivamente, que servem de inspi- Hi cao para escritores ¢ politicos desejosos de relatar elogiosamente 0 cada vez maior Progresso da classe operaria. Credita-se @ rigorosa disciplina imposta aos habitantes das cidades industriais, reguiados pelo trabalho fabril, a rigida e tempo e pelo ritmo do da vida nesses centros urbanos. torna impossivel a existéncia da rario, a cid contempor@: goes de_aju do Lancashire € meira regiao da se desenvolve ex organizacao essa que Figura do desempregado cronico ou ocasional. Nao so os apologistas do sistema de fabrica nelas se inspi- ram; também os criticos mais amargos dessa nova cidade descarnada buscam nelas um modelo do que uma cidade nao deveria ser. Em seu Tempos dificeis, Dickens descreve uma cidade — Coketown — onde o império do tempo til nao deixa espago algum aos devaneios, onde as pessoas nao vinculadas 4 pro- dugdo estdo, sempre ou de passagem, como figuras marginais, como abe © dono do circo, e sua trou- pe, ou sao expulsas, como Blac! ari despedido por indisciplina. nee Em visita a uma regiao industrial, Beatrice Pot- ter anota estar vendo 0 avesso do processo de atragaio dos maus trabalhadores e dos maus-caracteres para a grande cidade. Aqui, di: 3 Cabalha sequlartiente, sciowsboglemene cen te mente no palha. Portanto, um mau-cariter € um enj Nae (S, Jones, 12). Sem lugar nessas cidades coustnek esse fejeitado da civilizacao dirige-se quase obriga, foriamente para Londres, onde a riqueza e as int. mmeras instituigdes de caridade atuam como atrativa Londres vai se tornando, dessa maneira, 0 outro lado de moeda, o sirmbolo das mas conseqiiéncias da vida tirbana e da industrializagao. Nela podem s¢ aco modar os dissolutos, os preguigosos, os mendigos, os turbulentos ¢ os esbanjadores de dinheiro. Vé-se, portanto, reputada como o grande desaguadouro o> queles despidos das qualidades necessarias para in- tiigar as fileiras do operariado fabril. A alternatiya do emprego casual ou de formas menos honestas de sobrevivéncia, fazem da cidade de Londres 0 simbolo do residuo social, aqueles homens que se encontram fora da sociedade. Nas palavras do redator da Quar- terly review, em 1858S: “A. mais notavel feito da vida londrina se constitui por uma classe. decididamente inferior ao trabalhador na escala social e muito am- pla em termos numéricos, & ‘despeito de nao estar relacionada oficialmente entre os habitantes do reino e de retirar seus meios de subsisténcia das ruas Na ce mnaior parte conseguem com esforgo extremo se at ter num estado crOnico de inanicao; muitos deles tém, além de suas reconhecidas vocagdes, outra mais recéndita em franca violagao do oitavo mandament assim, por gradacOes que vao imperceptivelmente es- curecendo & medida que avangamos, chegamos as ndres € 1900. (In: Historia General del Trabajo) a3 Cena do We Cena do Workhouse St. Pancras, Londres, pondres € Paris no Século XIX Cena do Workhouse St. Pancras, Londres, 1900. (In: Historia General del Trabajo.) ‘Maria Stella Martine Bresolant SS") sndres e Paris no Século XIX classes que estao em guerra aberta contra a socie- dade, que declaradamente vivem do produto da de- redagaio ou do salario da infamia™ (S. Jones, 12). essoas que esto fora da sociedade, pessoas que nao pautam suas existéncias pelos valores cons- titutivos da vida social — o trabalho, a propriedade e a razio —, tém como iinico meio de sobrevivéncia atacar essa organizacdo exterior a elas, Nesse racio- cinio, a miséria sem esperanca de recuperacio nao tem lugar. Se a probreza fora accita pela sociedade, mesmo representando um 6nus, era porque ela figu- rava bolsbes de resisténcia ainda nao absorvidos pelo mundo do trabalho, mas passiveis de a ele serem introduzidos. Esses pobres ndo se encaixayam na figura de maus elementos, eram antes considerados pessoas que por suas fraquezas fisicas ¢ sobretudo morais nao haviam ainda respondido ao chama- mento do trabalho. Deles cuidava a caridade publica e privada, que também acudia & privagao causada pelo desemprego temporario do trabalhador. E bem Yerdade que os métodos de persuasao estavam muito fonge de qualquer suavidade: as Casas de Trabalho (“Workhouses”) deviam ser lugares pouco atraentes para que seus ocupantes procurassem sair de lao mais rapido possivel. Nao deviam se sentir confor- tados em suas instalagoes, a vida em familia e a boa refeicdo represeniavam privilégios, a merecida re- compensa aos que ocupam seus dias com o trabalho produtive, Mesmo a disciplina ¢ a intensidade do trabalho 14 dentro, deveriam ser sensivelmente mais tigorosas do que nas fabricas, de forma a atuarem como estimulo & busca de emprego. Trata-se, por- tanto, de uma instituig’o destinada a introduzir (ou a reintroduzir) seres no moralizados sociedade do trabalho. ‘Também © programa de atendimento ao pobre pela caridade organizada da Charity Organization Society (cujo nome completo € significativo: Society for Organizing Cheritable Relief and Repressing Mendicity), se mais brando nos métodos, configura ‘contudo uma estratégia mais insidiosa, pois ia em busca dos fora da sociedade, 14 mesmo onde se escon- diam, em seus bairros sujos, organizando um con- trole cerrado de cada caso. A intengao explicita da Sociedade, no momento de sua fundagao (1869). é acabar com a caridade particular e indiscriminada das pessoas ricas. Considera-se que 0 efeito morali- zador da esmola se perdera com a separacao espacial entre ricos e pobres. Nao mais os pobres podiam se mirar no modelo de vida dos ricos como objetivo que, embora inatingivel, servia de estimulo e exemplo. Os distirbios dos anos anteriores A fundagao da Socie- dade haviam demonstrado claramente a urgéncia da incorporacio dos desocupados ao mundo do traba- Iho, pois a linha divisoria entre desempregados cit cunstanciais ¢ desocupados permanentes borrara-se com rapidez, impedindo os ingleses bem nascidos de identificarem corretamente a ameaca social. __ Tanto a alianga ocasional entre esses homens diferentes, para finalidades censuraveis como os riots de fome, quanto o contato continuo de homens de- gradados com as verdadeiras classes trabalhadoras demonstravam a teal dimensao do perigo que amea- | aa sociedade. As opinides se tornam mais defi- nitivas em relag%o aos incapazes de regular suas vi- das pela disciplina do trabalho: a proposta de elimi- nagao fisica desse residuo, que deve ser abandonado asi e compelido a nao procriar, traduz a certeza de que so considerados homens sem esperanga de recu- peracdo, degenerados fisica e moralmente. E mais, 0 residuo passa a ser visto como um elemento deslan- chador de crises. Em 1885, uma comissao da prefei- tura de Londres (Mansion House) assim se define em relago ao residuo: “Esta classe ¢ um peso morto sobre o mercado de trabalho, ela interfere nos inte- resses dos trabalhadores de mérito e de boa vontade, sobre os quais ainda exerce uma influéncia de efeitos profundos e degradantes”* (S. Jones, 290). Movimentos de desempregados provocam, na década de 1880, 0 temor e o espanto entre os lon- drinos, trazendo de volta o velho espectro da mob, a multidio amotinada que nos anos posteriores as guerras napole6nicas havia promoyido desordens consideraveis em Londres e Manchester. A manifes- taco de apoio as medidas reformistas do governo, em 1884, retine novamente no Hyde Park 120000 pes- soas, e foi considerada na época ‘a maior demons- tragdo Reformista de todos os tempos”’. Os violentos disturbios dos anos de 1886 e 1887 confirmam nao sé © temor do residuo, mas também inoculam o deseré- dito na incorporagao total ¢ permanente da classe operaria aos padroes da sociedade burguesa. “Estou profundamente convencido de que se nao atacarmos a miséria mais seriamente do que fizemos até agora, aproxima-se a hora em que essa massa humana em plena ebulico sacudiré todo o edificio social... O proletariado pode nos estrangular se nao ensinarmos mele as virtudes que souberam elevar as outras clas- Ses da sociedade”, afirma o filantropo Samuel Smith em 1855 (Jones, 291). . Coincidentemente, os homens que agitam Lon- dres em fevereiro de 1886 e tentam de inicio resolver © problema do desemprego num inverno rigoroso gtravés das vias legais, pedindo trabalhos piiblicos Guxilio-desemprego, s40 trabalhadores. Em Trafal- gar Square, a assembléia que d4 inicio ao movimento Compde-se de 20000 homens desempregados das do- cas ¢ da construcao. Contudo, bastaram algumas provocagdes para que a marcha pacifica em direcdo ao Hyde Park se transformasse num ataque a todas as formas de propriedade, riqueza e privilégio: jane- las e vitrinas foram quebradas, carruagens foram tombadas e seus ocupantes assaltados; em suma, na observagdo do The times, “‘o West End (bairro rico de Londres) esteve por algumas horas nas maos da multidao”. O panico tomou conta da cidade; noticias desencontradas sobre multiddes avangando em dire- ¢40.A City ou ao West End e destruindo tudo no seu avango mantém os proprietarios, 0 governo e as tro- pas em prontidio durante mais dois dias que, nas palavras do historiador S. Jones, se assemelharam ao Grande Medo (“Grand Peur’’) da Revolugao Fran- cesa (291-5). No outono de 1887, a tensao atinge seu ponto culminante. O espetaculo de cei pernoitando nas pragas piblicas proximas ao West End voltou a alarmar os proprietérios londrinos. A observagao: ‘‘o lugar mais bonito da Europa esta transformado num sordido acampamento de vaga- bundos”, os desempregados sob a lideranga de SDF (Federagtio Social Democratica) respondem com o slogan: ‘nao a caridade, sim ao trabalho”. Quando, no final de outubro, milhares de desempregados e famintos invadem as pracas, 0s parques as Tuas dos bairros ricos e elegantes da cidade, os proprietérios chegam a afirmar que se a politica nao desse conta de “Yimpar as ruas” eles empregariam bandos armados para fazé-lo, O East End deixara de delimitar o espaco da pobreza, e a sociedade se defende com uma feroz repressio ao movimento dos desempre- gados no dia 13 de novembro — Domingo Sangrento (“Bloody Sunday”) —, expressando seu temor € sua forga.

Vous aimerez peut-être aussi