Os humanos na imagem sumeriana (gravada em placa de argila) são esses
três trabalhadores (à esquerda), sub-seres criados pelo ser superior (à direita) para “suportar o jugo, sofrer a fadiga”.
Da perspectiva de uma sociedade em rede, trabalho será
um conceito problemático.
Não é a toa que tenha surgido, na antiga Mesopotâmia,
com a conotação de sofrimento. Aliás, na mitogonia suméria, segundo a “Epopéia da Criação” – que contém alguns dos relatos mais antigos que conhecemos de uma cultura sacerdotal, hierárquica e autocrática – o homem teria sido criado pelos deuses para “suportar o jugo, sofrer a fadiga”. Já foi criado como trabalhador – um ser inferior, escravo dos deuses – para propiciar a liberdade dos deuses, que passaram então a exigir dos homens adoração.
Adoração significava, originalmente, segundo os relatos
bíblicos, trabalhar para os seres superiores (o hebraico guarde talvez esse genos do termo: a palavra “avod” = adoração, significava também ‘trabalho’, trabalho para uma deidade e essa deidade era simultaneamente “senhor”, “soberano”, “rei”, “governante” e “dono” – enfim, superior). O homem antigo dos sistemas hierárquico-autocráticos não propriamente adorava seu(s) deus(es) mas temia-o(s) e trabalhava para ele(s). E, é claro, para seus intermediários humanos: os sacerdotes. Sim, foram estes que criaram o conceito monstruoso de trabalho e trabalhador.
Assim como temor não é amor, trabalho não é algo que
possa humanizar os seres humanos enquanto sujeitos interagentes em relações horizontais com outros seres humanos. Quando se trabalha para um superior que aprisionou seu corpo e escravizou ou alugou sua força e sua inteligência, é-se subordinado, sub-ordenado segundo um padrão de ordem vertical, alocado em um degrau inferior da escada do poder. Hierarquia é o nome original da ordem (arché) imposta top down por esse poder sagrado (hieros), separado (dos outros) e replicador de separações sociais.