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"Sumario Oe Ogla \Oeler Tien Alves ° (9) intoducae (11) Redes e pees ~ 19) Amente & um estémogo “9 (27° Jogos de polavras (35) ocentse ta * (43) dogmas 51) atos nguagens a 59) sotentmeto 67,) 0 prozer oa 75.) Bbiogrta Spe lane Introdugéo VOCE JA PENSOU na semethanga que hi entre os ientistas © os pescadores! © pescador ests diante das dguas do rio. E ele sabe que nas funduras daquelas Aguas nadam peixes que rao sdo vistos. Mas ele quer pegar esses peixes. © que € que cle faz? Ele tece redes, Tanga-as no rio © pesca os peices. Se as malhas forem langas,pelxes grandes. Se forem apertadas, vém também os peixes pequenos...O cientista esti diante do mar chamado “realidade". Ele também quer pescar peixes. Prepara entio suas redes chamadas “teorias langa-as no mar @ pesca seus pees, Note: com suas redes © pescador pesca pebxes. No pesca o rio. Imagine que le olha para as nuvens e deseia pescdclas, Para isso suas redes no chegam. Q laboratério de um cientista sfo as redes que ele langa no mar da realidade para pescar conhecimento, Pianos sia instrumentes para produair misca. Eles silo produzidos de forma centifica,com a maior preciso. Panistas dla saben constuir pianos. Eles sabem fazer © BS oawe cinta? piano produsir musica Mas a msica ela produzica cien- tifeamente, com 0 auriio de teoria € métodos? Ngo. E 0 prazer de ouvir musica, pode ele sar conhecido com o auxlio das ferramentas que se usar para cons: ‘ir 05 pianos? Nao, (© prazer na msica é uma qualidade subjetiva que fage as medicSes que a déncia exge. Entdo, a ciéncia & Um instrumento necessério e competente para se con- hecer as coisas que podem cair nas suas redes. Mas hi ma quantidace enorme de"coisas que nfo podem ser canhacidas cientificamente. A cincia é uma ferramenta, ‘A ferramenta vale para executar a fungio para que foi consiruida. Nao se pode serrar usando martelos e nem rmartelar usando serrotes. A. ciéncia & uma ferramenta, rmaravihosa ferramenta, para se conhecer uma pedaco da realidade. Mas apenas um pedaco.Tolo seria 0 pes- cadior que, depois de pescar seu peive, se contentasse ‘com isso, Depois de pescar seu peixe 0 pescador penst fem fazer uma moqueca, Mas © prazer de comer uma ‘moqueca com caentro © pimenta, sobre isso a ciéncia ada sabe... Galleu nos ensinou que as redes da cién- cia sfo feitas com a linguagem dos ndmeros.€ assim que la € precisa e eficaz. Mas fora da linguagem dos rdmeros ha uma gama infinita de experiéncias que 56 podem ser conhecidas através da linguagem da arte Este lirinho & uma meditagdo sobre o jeito que tem a ciéncia de conhecer o mundo, sem nos esquecer de que 0 rio € muito maior que os peives.. Redes e peixes (O que estd em jogo ndo é a transmissd0 aquilo que se inventa, mas antes ‘ transmissdo do poder de inventor. Jon Dovid Nossio ‘COLEGA APOSENTADO com todas as credenciais etn laces, Fazia tempo que a gente no se via. Entrou em meu escritério sem bater e sem se anunciar. Nem cisse bbom-dia Fi ireto a0 assunto: "Rubio,estou escrevendo Um limo em que conto 6 que aprendi em minha vida Mas eles dizer que o que escrevo no serve. Nao € cientfico. Rubiio:o que & cientificol”: Hava um ar de indignagio perplexidade naquela pergurta, Uma sabedoria de vida tinha de ser calada: no era cientfica, As inqusigoes de hoje, ndo € mas a Igreja que as faz Nao sou fildsofo.Eles sabem disso e nem me convi- darn para seus simpésios eruditos.Se me convidassem, eu nio ria, Faltam-me as caracteristicas essenciais. Nietzsche, bufto,fazendo cacoada, cita Stendhal sobre as caractersticas do flSsof "Por se serum bom filésofa 6 preciso ser seco claro e sem iusdes. Um banqueto que {ez fortuna tem parte do cardter necesséro para se fazer descobertas em fiesofi, sto 6, para ver com clareza dentro daquilo que é" E ogee dentin? Nio sou filésofo porque néo penso a partir de cconceitos, Pensa a partir de imagens, Meu pensamento se nutre do sensual Preciso ver, Imagens sio brinquedos clos sentidos. Com imagens eu construc histérias. E {oj assim que, na preciso momento em que meu ccolega formulou sua pergunta perplexa, chamada por ‘aquela pergunta augusta, aparecerarn na minha cabeya imagens que me contam uma histéria: "Era uma vez uma aldeia as margens de um rio, io imenco cujo lado de Id nfo se va. as Aguas passavam sem parar,ora mansas, ora furiosas, rio que fascinava e ceva ‘medo, muitos haviam morrido em suas éguas misterio- «25,¢ por medo e fascinio asaldedes haviam construdo altaresa suas margens,neles ofogo estava sempre acoso, 20 redor deles se owviam as cangdies e os poernas que artistas haviam composto sob © encantamento do io sem fim © rio era morada de muitos seres misteriosos. ‘Alguns repentinamente saltavam de suas dguas, para logo depois mergulhar e desaparecer. Outros, deles 56 se viam os dorsos que se mostravam a superficie das guas. E havia as sombras que podiam ser vistas desl- zando das profundezas, sem nunca subir a superficie Contava-se, nas conversas a roda do fogo, que havia monstros, rages, sereiase iaras naquelas guas.¢iguns suspeitavarn mesmo que © ro fosse morada de deuses. E todos se perguntavam sobre os outros seres, nunca vistos, de nimere indefinido, de formas impensadas, de movimentos desconhecidos, que morariam nas profun- ddezas escuras do rio, Mas tudo eram suposigBes. Os maradores da aldeia viam de longe e suspeitavam — mas nunca haviam con seguido capturar uma Unica cratura das que habitavam © riot todas as suas magias, encantagées, flosofias e religides haviam sido indteis: haviam produzido muitos livros mas ni haviam conseguido capturar nenhuma das criaturas do ro. ‘Assim foi, por geracSes sem conta. Até que um dos aldedes pensou um objeto jamais pensado. (O pensarento 6 uma coisa existindo na imaginacéo antes de ela se tornar real. mente & ttero.A imaginagdo a ‘ecunda. Forma-se um feto: pensamento. AV ele nasce.) Ele imaginou um objeto para pegar as criaturas do rio, Pensou e fez. Objeto estranho: uma porcio de buracos amarrades por barbantes, Os buracos eram para dabaar passar o que no se desejava pegar:a égua.Os barbantes fram necessérios para se pegar o que se desejava pega os peises. le teceu uma rede. Todos se rrarn quando ele caminhou na diregio do rio com a rede que tecera,Riram-se dos buracos dela Ele nem igou. Armoua rede como pade efoi dormir. No cia seguinte, ao puxara rede, viu que nela se encontrava,pre- ‘2, enroscada, uma criatura do rio: um peixe dourado, Fo) aquele alvorogo, Uns ficaram com raiva.Tinham tentado pegar as criaturas do rio com férmulas sagracis, sem sucesso Disserarn que a rede era objeto de feisaria. cosas Bomba Quando © homem thes mostrou o peixe dorado que sua rede apanhara,elesfecharam os olhos @ o ameagaramn com a fogueira (Outros flearam alegres etrataram de aprender aarte de fazer vedes. Os tipos mais varados de redes foram inventados Redondas, compridas, de malhas grandes, de malhas pequenas, umas para ser langadas, outras para ficar espera, outras para ser arrastadas. Cada rede pe- _gava um tipo diferente de pede. (Os pescadores-fabricantes de redes ficaram muito importantes, porque os peives que eles pascavam tinham poderes maravihnosos para ciminuir 0 sofrimento @ au- ‘mentar 0 prazer Haviapeixes que se prestavar para ser ccomridos, para curar doengas, para tiara dor para fazer ‘oar para fetilzar os campos e até mesmo para matar. Sua arte de pescar hes deu grande poder e prestigio.e cles passaram a ser muito respeitados e invejados. (Os pescadaresabricantes de redes se organizaram ‘uma confraia Para pertencer a confrara,erarnecessério que o postulante soubesse tecerredes e que apresentas: se,como prova de sua competéncia, um peixe pescado ‘com as redes que ele mesmo tecera Mas uma coisa estranha aconteceu, De tanto tecer reds pescarpeivese falar sobre redes e peixes,os mem- bros da confraria acabaram por esquecer a linguagem {que os habitantes da aldeia haviam falado sempre anda falavam, Puseram,em seu lugar uma linuagem apropria- daa suas redas e a seus peives, que tinha de ser falada por todos os seus membros, sob pena de expulsto. A nova linguagem recebeu o nome de ictilalés (do grego ‘chttys = ‘peixe! + lau = ala), Mas, como bem disse ‘Wingenstein alguns séculos depois,os limites da micha linguagem denotarm os ites do meu mundo’. Meumundo 6 aquilo sobre o que posso falar A linguagem estabelece Uma ontologia, Os membros da confraria, por forga de seus habits de nguagem, passaram a pensar que 26 era real aquilo sobre que eles sabiam flanisto & aquilo que ‘era pescado com redes e falado em ictolalés. Qualquer coisa que nifo fosse peixe, que no fasse apanhado com suas redes,que ndo pudesse ser falado em ictolalés eles recusavam e dizia: ‘Nao real: Quando as pessoas lhes falavam de nuvens, eles diiarn:'Com que rede esse peixe foipescada?’A pessoa, respondia:'Nao foi pescado, nio & pei’. Eles punham logo fim a conversa: Nao € real. O mesmo acontecia se as pessoas Ihes falavam de cores, cheiros, sentiments, ‘misica,poesia.amor flcdade.Essas colsas.nio hé redes de barbante que as peguem. A fala era reeltada com julgamento fina:'Se no foi pescado no rio com rede aprovada, nfo é real”. As redes usadas pelos membros da conftaria eram boas? Muito boas, Os peixes pescados pelos membros da confraria feram bons! Muito bons. ‘As redes usadas pelos membros da confrariase pres- ‘tavam para pescar tudo 0 que existia no mundo? Néo. Ome sence? Ha muta coisa no mundo, muita coisa mesmo, que 25 redes dos membros da confraria ndo conseguem pega! ‘So criaturas mais leves, que exigem redes de outro tipo, ‘mals suis mais dalcadas.E,no entanto sie absolutammen- te reais.86 que no nadarn no Fo, Meu colega aposentado, com todas as credenciais ‘e-ttulagdes, mostrou para os colegas um sabi que ele resmo criara Fez. sabid cantar para eles eles diseram: 'N3® foi pego com as redes regulamentares: no € real ro sabemos 0 que é um sabi; no sabernos © que € 0 canto de um sabié Sua pergunta est respondida, meu amigo: 0 que 6 cientfieo? Resposta: é aquilo que caiu nas redes reconhecidas pela confraria dos cientistas. Cientistas sfo aqueles que ppeseam no grande ro. Mas ha também os céus ¢ as matas que se enchem de cantos de sabiés. LA as redes dos centistas ficam sempre vazias. o A mente é um estémago ‘Nada & mais importante que ver as fontes da Jnvengdo que sdo, na minha opinido, mais Importantes que as proprios invengées. Leibniz “NAO HA DUVIDA de que o meméria € 0 estémago da mente, Da mesma forma como a alimenta & wazido 2 boco pela ruminagaa assim as coisas so tazias da meméria pela lerbranga" Agostinho, autor dessa afr ‘magao (capitulo 14 do ivro 10 das Confisses)!, percebeu com clareza a5 relagdes de analogia existentes entre © ato de pensar @ 0 ato de comer Niewsche se deu conta da mesma analogiae afirmou que'a mente & um «estmago”. Quem entende como funciana o estmago. ‘entende como funciona a cabera Analogia é um dos mais importantes artilicios do pensamento, Octavio Paz, ern seu lio Ls his de imo, afirma que “a analogio toma o mundo habitvel”. Ela "é 0 reno da palawra ‘coro’ essa ponte verbal que, sem su- primfos, reconcilo as diferencas e oposigées". A analogia os permite caminhar do conhecido para o desconhe- |. Agostinho de Hpora, Cafssdes Fetnipals Voz. 2, Octavio Paz Las hjs dl in, Maric, Planeta, 1595 w gies corte? cide. € assim: eu canheco A mas nada sei sobre B. Sel, centretanto, que B é anslogo a A Assim, passo conclu logicamente, que 8 & parecido com A ‘A analogia entre o estémago e a mente nos permite saltar daqpilo que sabernos sobre o estémago para o que rio sabemos acerca da mente. E, em grande medida, {gragas &s analogias que © conhecimento avanga € que © ensino acontece, Quando @ ciéncia usa as palavras "onda" e "particu, esté se valendo de analogias tiradas do mundo visive para dizer 0 universo naquilo que ele ‘em de invsivel. Um bom professor tem de ser um mes- ‘re de analogias. Uma boa analogia € um flash de luz © estémago € érgio processador de alimentos. Os almertos sfo objetos exteriores, estranhos ao corpo. le os transforma em abjetosinteriores, semelhantes a0 corpa € isso que torna possivel a assimilacio."“Assiila”™ significa precisamente, tomar semelhante (de assimiore, ad" + simi), ‘A mente & um processador de informacSes Infor ages s30 objetos exteriores, estranhos a mente, A mente os transforma em objeios iteriores, ito é pen- sdveis,Pelo pensamento, as informagSes so assrilads, tomnam-se da mesma substincia da mente.O pensamen- to esiranho se toma pensamento compreendic, Entre todos 0s estémagos, 05 humanos s80 08 mais ‘extraortinsrios dada sa versatlidade. Els tém uma capa- cidade irigualvel para digerir os mas diferentes tipos de comida: lete café pio, manteiga,nabo, cenoura jis, man docaalace, repoho, vo, riga,miho, baa, coco, peat azeite, carne, pimenta,vinho, uique, coca-cola etc Por vezes, essa vesaildade do estémago &subme- tida a restgBes.Alguns, por doenga, dexam de comer torresmo e comidas gordurosas, Outros, por pobreza acostumamse a uma dieta de batatas,como na famosa tela de Van Gogh, Outros, ainda, por religto,adotam um cardépio vegetariano. Hi estBmagos que sé conseguem dgerr umn tipo de corida.E 0 caso dos tgres.Seus estomagos 8 digerem came les 5 reconhecem came coro almento, Se, um zoolégico, o tratador des tgres,vegetariane convict tentar converter os igs a suas comviegbes almertares, submetendo-os a uma cieta de nabos e cenouras, & certa que os tigres morrerdo, Dante dos legumes of tigres dirdo;"Isso niio € comida!” . Os extBmagos das vacas &6 digerem capim, com reautados magnficos para os seres humanos.€ dif pensar a vida humara ser a presenca dos produtos que resulta dos processamentos cgesvos dos estimagos das vacas sobre © capim, Ser as vaca, nO teriamos leite, café com leite, mingau, queijos (quantos!), filé & parmegiana, morango cor lite condersada, srvetes de variadostinos, remes, pudins, sabonetes. Os estémagos das vacas, com sua modesta dieta de capiny so dignas des mores elogos ‘Armente é um estémago. Hd muitos pos de mente- estomage.Alguns se parecem com os estomagos huma ° 23 a : 3 4 & WB oauecenmesr nos eprocessarn os mais varias tipos de informagses. Leonardo da Vinci € um exemplo extraordnéro desse cestdmago ormnvoro, tem fim Ohando para aqilo que estfo fazenda, eles parecem pessoas que rada tém a ver umas com a Dutra No ertanto un unio nome @ usd para to- os, "centisa", 0 que quer dizer que, no fundo, ees estdo jogando o mesmo jogo. Qual € 0 jogo que um cients jog “Um cet sj eo sja un experimen prope deca cu ster de decor eo tet peso a pass E assim que Karl Popper define o que tm Genta faz Poppe & provavemente,o mas amo2o fidsoo da Gna de nosso sécula Um fléofo da éncia ‘cps sentea? 6 alguén que tenta entender o que um cientsta faz Freqiientemente a gente faz coisas, e as faz bern, mas as faz de maneira tio natural ¢ automtica que nem se di conta de como elas sio feitas.Tal como aconteceu com aquela centopéa... Encontrourse, um din, com um gafanhoto que the dlsse: "D, Centopéia, 0 senhora & um ‘ossomiba,tantas pera, todas andande ao mesmo tempo, urea tropecam, nunca se embaraham... D. Centopeéia, ‘por favor me diga: quando o senhory vai andar qual & a primeita pera que o senhoa mexe?” A Centopéia se assustou. Nunca havia pensacio nisso. Sempre andara sem precsar pensar, "Nao sei senor Gofonhota. Mas prometo: cdo prbxima vez que eu andar, restore! atengzo” Termina a histéria cizendo que desde esse cia a Centopeia ficou paraltica... Iso verdadeiro para todos nds Veja, por exemplo, a fala — nia é centopéia, € miridpode: mi- Thares de regras,complicadisimas.56 que, a0 falar nfo ‘emos consciéncia dessas rogras. No penso nas regras da gramética agora, que estou escrevendo. Escrevo da ‘mesma forma como a Centopéia andava.Os gramaticos ‘entam entender as regras da fala. © filsofo da ciéncia se parece com o gramatico:ele tenta entender as regras esse jogo linglltico que © ciertista joga CContar piada & um jogo de linguagem. Seu objetivo 6 produzic 0 riso. A gente ri por causa das patavras. Ninguém, a0 ouvir uma piada, pergunta se ela € ver~ adeira, Piada 6 jogo do riso, ndo € jogo da verdade. ‘A"cojsa" da piada, 0 humor, se encontra nas préprias palaras,¢ ndo na vida real fora delas.O sargento berra “Ordinisio, marchel” Ninguém discute. Os pracinhas se poem a marchar: Ninguém ri. As palavras co sargenioy ‘No fo pind so uma order. Ninguém perguna se elas ‘enunciar a verdad, Uma ordem nao é para enunciar uma verdade; é um jogo de palavras cujo objetivo produzir obediéncia. Eo jogo de palavras que o cientista joga? Qual seu cbjetiva? ‘As palavras do cientsta tm por objetivo enunciar a verdade, Como num espelho: a imagem, dentro do cespelho,nifo € realié virtual Mas, olhando para o espelho retrovisor de meu carro, veja 0 carro que vai me ultra passar imagem virtual corresponde @ uma coisa real ‘Acredito na imagem, Se nfo acreditar poderel provocar tum desasire, Assim so as palavras do ogo que a céncia Joga: elas buscam ser imagens fis da realdade, ‘A ééncia nasceu da desconfianga dos sentidos. Ela acredita que a realidade 6 como uma mulher pucica, cre- dita que aquilo que a gente vé ndo é a verdade. Ela fica tervergonhada quando & vista por meio dos sentidos. Esconde-se deles, Dissimula. Engana, A realdade, para ser vsta em sua maravihosa rudez.s6 pode sor vista — pasmem! — com atsdio de palavras. As palavras si 06 olhos da céncia, "Teorias”e “hipéteses" esses so 0s rnomes que esses alhos comumente recebem, Na vercade, ‘todas as teoras no passam de hipdteses. Uma teoria & ma hipétese que ainda rio fol desbancada, A ciénca, assim, pode ser deserita como um stip-tease da realidad opamp o| [2 por meio de palawas. E 0 que & que a gerte vé, a0 final do suip-ease A gente vé uma linguagem... Quem percebeu iso em primeiro lugar foram os fl6sofos _7egos que diam que lé no fundo de todas as coisas sensiveis se encontra algo que pode ser visto apenas com os alhos da razio. A essa "coisa eles deram 0 nome de “Logos’, cue quer dizer "palara’ Essa é 2 ratio por que Popper defini o cietista como alguém que "prope declroces au sistemas de dedrocdes” Um entista brinea com palaras Mas no qualquer paavra Muitaspalawras fo probias. Quassio as plawas que slo permitidast Galilev responce: "Olivo daflosofia € 0 Fro da na tureza lino que operece aberto constanemente ciate dos nossos oes, mas que poucos sobem decir e ier porque el ets escrito com sinas que cferem dogueles do nosso afobeta,e que sBo widrguls © quacks, ckelos 2 esftas cones e pices’ Com iso vltamos aquaa alla de pescadores que aprendaram a pescar os peixes que nadavam no rio da realidae... Aprenderam que pede se pescam com redes Conte’ ess parabola como analog para o que faz os ciertists, pos eles também so pescadores que pescam 1no rio da rediade.Também eles usa reds para pescar ‘As redes des cientistas i fitas com palawas Somente palvas que possim ser amarradas com nds denimeros Os pees que caem nas mahas da G8ncia so entdaces rmateméticas — do jeto mesmo como Galieu 0 dse. (Um tolo poderia dizer:"Que pena que se tenha de usar reds! Nas redes os buracos so muito maiores que as malas! A rede debea passar muito mais do que segura! Seria melhor se, em vez de redes, usdssemos Jonas de pldstice que nto deixar passar nada. Assim, pegarfamos tudo!" Palawras de um tolo, Uma lena de plistica, por pretender pegar tuco, ndo pegaria nada A rede 56 pega peixes porque seus buracos deixam passan As redes da ciéncia dea passar rmuito mais do que seguram.As coisas que as redes da ciéncia nfo cconseguem segurar so as coisas que a ciéncia no pode dizer, As coisas que “nfo so cientficas", sobre as quais ela tem de se calar Estou ouvindo “Eu nio exsto sem voce", de Tom Jobim. S6 posso ouvila por causa da céncia Foi a ciéncia ‘que, com teorias e medigGes,construiu meu computador Foi ela que, com teorias € medigdes, produziu © cd, ‘raduzindo a mdsica em entidades eletronicas definidas. Mas urn engenheiro surdo poderia ter feito isso. Porque as redes da cincia nfo pega mica. Pegam entidades eletrénicas quantifies, Assim, ur cientista que fosse também um fidsofo, a0 dedarar "sso no & cientiico, cestaria simplesmente confessando: "Isso, as redes da ciéncia no conseguem pegar Flas debcam passa Seria necessério outra rede. Volto a Manoel de Barros: “A circa pode cossifcar fe nomear as érgtos de um sabid, mas nde pode medi seus encantos". Qutra rede: meu corpo é a outra rede, orjonueo0 & queen? & feta de coragio, sangue © emogio. Deda passar 0 que a ciéncia segura. E segura 0 que a ciéncia deba passar Nao mede os encantos do sabid. Mas fica triste 20 owito, a0 cair da tarde... Isso também & parte da realidade. Sem ser centiico, Dogmas Todo conhecimento fem uma finalidade, ‘Saber por saber, por mais que se diga em conirdrio, nao passa de um contra-senso. ‘Miguel de Uneruno FICO LOGO ARREPIADO quando ougo alguéen afar: “Estou convencido de que...” Digo logo para mim mesmo: "Cuidado! La vai um ingusdor er potencia” CConicgbes so entidades mas perigosas que os demé- ros E 0 problema é que néo hd exorcismo capaz de expislas da cabeca onde se aljaram, pela simples razio de que els e apresentam como ddivas dos deuses Os recérmcomertidos esto sempre conics de que al mente, conternplaram a verdade. Daa ranslormagio por aque pasar seus ows, Slo de aug, se atroiam, enquanto 2s boca, érgios da fla, se agigartam. Quem ests convcto da verdade nfo precisa escuta Porque es cuter? Sorrente prestam atenco nas opines dos outros dfrentes da piri. aqueles que nfo estio comvctos de ser possuidores da verdade, Quem ndo est comicto est pronto a esetar— é um perranente aprendic Quem ests Comicto no tem o que aprender — 6 um permanerte (eu ia deer “profesor”. Poco perio aos professors. O professor vrai aca de todas as coisas que ensna 3 é ensina a arte de desconfiar de si mesmo, ..) mestre de catecismo. "Boca de forno! Forno! Furtaram um bolo! Bolo..." Dizia Nietzsche que "os convcrBes sd0 piores inimigas cla verdade que os ments. Estranho isso? Nifo, Absolutameente certo, Porque quem mente sabe que estd mentindo, sabe que aquilo que esti dizendo 6 um engano, Mas quem estd corwicto no se dé conta da pripria bobeira, O convieto sempre pensa que sua bobeira € sabedoria. As inguisig6es se fazer com pessoas convictas. O Inquisidor no estdinteressado em ouwir as razBes da- ‘quele que estd sendo inquiride,Interessathe uma coisa apenas:"As idéias dessa pessoa so iguas ou diferentes das minhas?” Se forem iguas, esté absolvdo. Se forem ciferentes, val para a fogueira. ‘As consegjncias mortais e paralsantes das convic- ‘Ges se espalham por todos os campos. E bem sabido (© que as corniccBes raligosas fizeram na Idace Média, A lgreja catdlica © as iyejas protestartes, convictas de serem possuidoras de verdades que thes haviam sido diretamente reveladas por Deus, mataram nas fogueiras rmihares de pessoas inteligentes e boas simplesente pelo crime de pensarem diferente: Jodo Huss, Savonarala, Giordano Brunno, Miguel Serveto. Galleu escapou por pouco, gracas & mentira Mas os deménios das convicges tém atributos dos los O riso aparece no momenta preciso em que a piada faz a inteligéncia pular de uma légica para outra. Hi a piada dos dois velhinhos que foram ao gerontologista ‘que, depois de examind:-los,prescreveu remédios © uma dicta aimentara ser seguida por duas semanas. Passadas as duas semanas, voltrarn.O resultado deixou o médico estupetato. A vethinha estava nda: sorridente saitante ‘toda raquiada, © vethinho, um caco, trémule, pemas bbambas, dentadura frouxa, apoiado ia mulher Como ‘explicar isso, que urna mesma recetativesse produzido resultados tio diferentes? Depois de muito investigar 0 médico atinou com © acontecida. "Mas eu mandel 0 senhor comer aveiatrés vezes a0 cia € 0 senhor comet 2 via 8s vezes a0 di” O rriso aparece no jogo de ambigiidade entre aveia€ o véi. Nosso herdi nunca ria de piadas porque ele s6 conhedia a I6gica do xadrez,e 0 ‘iso nao estd prevista no wadrez.A inteligencia de nosso herd ndo sabia pulan $6 marchar Faz muitos anos, um fiésofo chamado Herbert Marcuse escreveu um lvro ‘ao qual deu @ titulo de O homer anidmensional’. © homem unidimensional é 0 homem que se especialzou ‘urna tincalinguagem ¢ v@ 0 mundo somente por meio dela. Para ele 0 mundo 6 56 aquilo que as redes de sua linguagem pegam. O resto & ireal |, Herbert Marcuse One Dimensona’ Man. Sudes ce ely ofAderced sre Soc, Boston Beacon 1364 sondut 24n0 oe scent? ‘A ciéncia & um jogo. Um jogo com suas regras precisas Como o xadrez. No jogo do xadrez, nfo se admite o uso das regras do jogo de damas. Nem do xadrez chinés, Ou truco. Uma vez escolhide um jogo suas regras, todos 05 demas sao excluidos. As regras «do jogo di ciéncia definem uma linguagem. Els definer, primeiro, as entidades que existem dentro dele. As entidades do jogo de xacrez sto um tabuleiro quadr- culado & as pecas. As entidades que existem dentro do jogo lingtistco da ciéncia Sio, segundo Carnap, “coisas ‘isicas’isto & entidades que podem ser ditas por meio de nimeros.Esses so os objetos do léxico da cincia Mas alinguagern define também urna sintaxe, isto é,a forma coeno suas entidades se movern, Os movimentos das pegas do xadrez si0 definides com rigor: E assim também so definidos os movimentos das coisas fkicas do jogo da cnc. Kut er seu lvro A esruture ds rvolugsies cent fas! diz que os Gentistas fazem ciénca pelos mesmos motives que os jogadores de xadrez jogem xadrez querem todos provarse "andes mesres. Pare ating o nivel de “grancle meste” no vadrez ou ra cénca,¢ necessiria uma dedcaco total Conselho 20 ciontista que pretonde ser"grande mesvelembre-se de que, enguanto voc8 gasta tempo com literatura, poss amore, em conwersas no bar hd sernpre um japonés 2. Thomas Kun, op ct trabalhando no laboratério noite adentro.E possivel que cle estea pesquisando o mesmo problema que voce. Se ‘ele pubiicar 0s resultados ca pesquisa antes de vac®. ele, endo voce, serd o "grande mestre (© pretendente ao titulo de “grande mestre” deve se dedicar de corpo e alma ao jogo da céncia. © ciertsta {que assim procede fear cam conhecimentos cada vez mais refinadas em sua rea de expecializacao: ele conhe- cerd cada vez mais de cada vez menos, Mas, 4 medida que seu software de Inguagem cientifica se expande, os outros softwares vo se atrofianco, Por inatvidade. O entsta se transforma num "homem unidimensional vista apurada para explorar sua caverna, denominada “rea de especializagio", mas cego em relagdo a tudo ‘0 que ndo seja aquilo previsto pelo jogo da ciéncia. Sua linguagem é extremamente eficaz para capturar objetos fiscosTotalmente incapaz de capturar relages afetivas. Se nido houvesse homens no mundo, se © mundo fosse Constituide apenas de objetos, entao a linguagem ca éncia seria completa, Acontece que as seres humanos ‘mam, riem, tém medo, esperancas, sentern a beleza, apaixonam-se por ideais. Meteoros S20 objetos fsicos. Podem ser dtos com a linguagem da céncia A ciéncia 0s estuda e examina a possbilidade de que, eventualmente, tm deles venha a coldir com a terra, Dizem inclusive, ‘que foi um evento assim que pés fim aos dinossaurs, ‘A paixtio dos homens pelos ideais no € um objeto. fisico, Nio pode ser dita com a inguagem ds ciéncia. sx96on6 019 * qued cones? No entanto ela é um ndo-cbjeto que tem poder para se apossar dos homens que, por causa dea, se tomam herdis ou vibes, fazer guerra e fazem paz, Mas urn Projeto de pesquisa sobre a pabdio dos homens pelas ideias nao & admissivel na linguagem da ciéncia. Nao seria aceito para ser publicado numa revista cientfica indexada internaciorsl, Nao é cientffica A ditnia & muito boa — dentro de seus precisos limites. Quando transfrrrada na Unica linguagem para se conhecer 0 mundo, entretanto, ela pode procuzir dog- miatismo, cegueira ¢, eventualmente, emburrecimento, Sofrendmetro ‘Métodos conlém sempre uma metafisica: inconscientemente eles revelam conclusdes que, freqiientemente, afirmam néo conhecer. Abert Camus SSE VOCE ESTA planejando fazer uma reforma em sua casa. aqui va meu conselo:marque horéio no “consul tério de arqutetura” do arquiteto argentino Rodolfo Livingston. Fiquei sabendo sobre ele num artigo "O homem, 2 casa ¢ a felidade", pubicado na revista ‘Mas da (an. 97), € um arqiteto fora do gabarito, e- peciaizou-se na reforma de pequenas resdéncias © se tutocefine como médico de cass rao para o nome de “consultério” que deu a seu escrito. ‘Onde 6 que suo cosa esté doendo2" Assim Rodolfo Livingston iniia suas “consuitas, porque as casas po- dem doer. podem fazer amor. So muito mais que estruturas de cimento, tiolos,portasejaneas, ormnam Um espago — e eiseespaco se constitu num prolongs: mento do corpo. € por is0 que elas “doer. Nao basta que a casa sea feta de forma perfeta, do ponto de ta técrico de engenharia todos paredes na vertical todos os cdlculos de vga corretos, casa que vai rar cento @ cnglenta anos. 0 fato & que hi casas que nos fazem sentir bem ousras que nos fazem sentir ma > qe 8 centico? & Faz tempo, vi umas fotos da casa da Xuxa. Fiquel hhorrorizado. Mais rica nfo poderia exist: Mais cheia de solidao no poderia exist: As casas asim, podem ser vistas por dois angulos diferentes: a casa em si mesma, objeto fico, ¢ a casa como espago que faz algo as passoas que moram nela. Acasa, em si mesma, objeto fsco, & entidade cientifica, Nas faculdades de engenharia se aprende a ciéncia de ‘construir casas, As paredes se erguem com fio de pru: imo. vigas so feta com cimento, ferro e matemstica As tintas se fazem com quimica. Os principios cientficos para a construgio das casas so universas Valem para todas as casas, de todos os tipos, em tadas as épacas, €em todos os lugares, Quem sabe a ciéncia da construcio de casas sabe construir qualquer casa, ‘A casa em relagao 3s pessoas que moran nela, 20 contro. € casa como objeto de prazer ou dor. Para isso no ha ciéncia.Nesse momento, estou ouvinda urn ccd de negra spintuols, que eu amo: "Sometimes | feel like a matherless child": por vezes eu me sinto como Uma crianga 67... Sinte vontade de chorar Esse cd foi produzido pela ciéncia. E com certeza ha mihares de ccs iguais a ele dando prazer a outras pessoas, A ciéncia realza eitos maravihasos! Mas & possivel que ‘© téenico que © procuaiu no goste de sprtuals — que Prefira rack Assim, a misica ea letra que me comovern o deka fio, talvezinitado. A técnica de fazer ees pode ser ‘ersinada de forma centfica. Mas 0” gosto'pela misica— note que"gsé plata da arora es (cream “quan” que no pode er epic Sts cone! So gota ple rien Mo pode secnarade de oe deta Se ueo cod ia netno prner dos rts eo dee set cn Cee dae: Fique uation ete ena sca ge 9 Cov sa Sa € uso ban! Ea ee pea corte so emu oto posse queen omesre go use ark ale pr cn HE cs heme enerinam qu pow mis sere orc ce er nos Eons as chess do ob tc de arene pov n exo sete Se esr num esata nao, © ale ena pain ates enc Hain 6 ar Un € nega. Tei enimero de ear sun eae ear cue no ar Halo eves ra cas pros em See gu pwa todos dopo apartaento pio 0) Gan de corto habtacon Pore a8 pesos so feces Noo pos ese emi Sgo que rerum wie sabe ern decoder te reshan pang abe. A harana no Bo ge so cosa tm ea entcarent Cada pest én Cada Cs porta, em de se" una Sos oon dew aren eta Ccpses qua moram en mare pote He Sh “ojewordo do esis" Man pes one potest eremplr or fe red St Mom sno daror loa be onmuounaes @ @ & B onescentiewr Rodolfo Livingston dé um pwxdio de oretha ns acu dades de arquiteturae urbanismo, ‘Os estudantes nunca vier ur cent e, depois de formades, alam uma lingua em que sé eles entendem. Elaboram projetes fincionais do perguntam para a pessoa, durante a ref, onde 0 casa di, Eu utizo un Soffenémetroe um feizémeto” rai enendendoo que & importante © 0 que nf & ora que meu clente se sita bem” E dlaro que ele esti fazendo una brincadera, Nio ha ‘aparelnos que possam medio sofimento e a flicidade Nao hi manera de fazer uma pesruisa objetiva, estas tica sobre 0 sofimento e a felidade. Porque “softrnento € felcidade nio slo objetos. Sofimento e feicidade sto qualidade de relages" Para saber sobre rele & preciso ‘onhecera ate de adivinhar, Essa arte & rigorosarente proibica aos centistas. Na verdade, eles ner saber do ‘que se trata. AS ciéncias fcas pesquisar objets. Co- rihecem objetos Tudo ignoram sobre qualidades, isto & ‘o sentimento de fliidade ou infelcidade que um objeto produznuma pessoa. ciéncia produzos conhecientos de quimica necessérios para afabricacdo de trtas de todas 25 cores Coisa muito boa, Quando compro ura lata de tinta, quero ter a certeza de que ea & da mesma cor da tnta que id comprei. A céncia garante isso Ea sabe receitas precsas para a reprockxao de objetos, Mas ela nada sabe sobre as reagGes de sofrimento ou felcidade que uma cor pode produzir. De que cor vou pintar & parede? Roxo? Preto! Rose? Anu? Amarelo? Abéboral ‘Quando essa pergunta € ‘eita, saimos do campo da ‘objetividade e entramos no campo da qualidade: © que 2 cor faz comigo, a relagio do objeto comigo. Um pescuisador enviou um projeto de pesquisa 8 FAPESP — Fundagio de Amparo a Pesquisa do Estado de Sto Paulo, Area médica. Propunha uma pesquist qual- tativa, Nao he interassavam dosagens hormonais,estru- ‘uras anatémicas,metistases cancerosas objetos que po- ‘dem ser conhecidos quantitativamente. Interessavern-he sentiments essas cosas” escorregadias que tém a ver com © saffimento ea felicidad dos homens, Recursos para sua pesquisa foram negades. No sei se 0 projeto fera bom ou rifo. © que me interessa séo as alegacdes do assessor Elas revelam muito. Transcrevo duas delas I, Pesquisas qualtativas so extremomente vulnercveis @ viés de todos 0s tipes, ifuttondo sobremaneina a confia- Dilla, vaidade, € reprodutbildade do estudo (que é 0 objewvo moior da inestigacio cientfce). 2. Esse trabolho dicmente seria aceto para publicacdo em uma revista centfieo internacional Penso que as recursos da FAPESP serarm mais adequedamente ulizados em pesquisas cujos resutados sejom confvels,vdlidos e reprodubives" ‘Acho que © assessor, quem quer que tenha sido, ndo marcaria hora no “consultéria” do Rodotfo Livingston, Ele preferiia uma casa construida em série em algun conjunto habitacional, Que pena que os cientistas proba a investigagio das coisas que trazem soffimento ou feliidace aos homers! cmunenps @ O prazer = Contra 0 positvismo que para perante c X 105 fatos e diz: “Ha apenas fotos” eu digo: “Ao contréria, fotos é 0 que ‘nd ha; hd apenas interpretacces” HA OS PIANOS. Hié a musica. Amibos so absoluta- mente reais Ambos so absolutamente diferentes. Os pianos moram no mundo das quantidades. Deles se diz: ‘Como so bem-feitos!"A mesica mara no mundo das qualidades. Dela se diz:"Como € bela! Dos pianos. os mais famosos slo os Steinway prefe- rides dos grandes planistas Sao eles que se encortram ros paleos dos grandes teatros do mundo, Pianos sio maquinas de grande preciso. Sua fabricacio exige uma Gna rigorosa Tudo tem de ser medio, pesado, testado, ‘As teclas devem ter o taranho exato, dever reagir cde maneira uniforme a pressdo dos dedos, devem ter reaglo instantinea. E hi de se considerar a afinagao, O pianista Benedetto Michelangela ao iniar um concerto ra cidade de Washington, parou imediatamente apos os primeras acordes seu auvido percebeu que a afinagio io estava certa. © concerto foi interrompido para que Um afinador desse as cordas a tensfo exata para producir (5 sons precisos, ® que cence? Oo Um dos objetivos da ciéncia exata de fabricagdo de plans & a produgio de pianos absolutamente iguais Se ‘do forem iguais, o pianista no conseguiré tocar num piano em que nunca tocou Digo que a fabricagdo de pianos € uma ciéncia por ‘que tudo, no pano,estésuimetido ao entério da medida tamanhos, pesos, tensbes. Mesmo as afinagSes, que normalmente raquerem ouvidos delicados e precisos, podem prescindir das awidos dos afinadores — 0 af rrador pode ser surdal — desde que haja um aparelho que meca o niimera de vibragBes das cordas. ‘Arealidade do piano se encontra em suas qualidade fsicas, que podem ser dtase descritas na precisa lingua gem cientifica dos numeros. E essa linguagem que toma possivel fazer pianos iguais uns aos outros. Na ciéncia, a possiblidade de repetin de fazer objetos Jguais uns aos outros, é um critério de verdade, Coisa de culindria se digo que uma receita de bolo é boa, todas as vezes que qualquer pessoa fizer a mesma receita, com os mesmos ingredientes, nas medidas ‘exatas, na mesma temperatura de forno, o resultado deverd ser igual. A exatidio dos nimeros torna 2 repelicdo possivel, Assim 6 a ciéncia, essa culinaria precisa € ul Tanto 05 pianos como os objetos da d@ncia sdo construidos com 0 auxlio de um método charmado quantitatig, isto 6, que se vale de riimeros. Na cincia e na construct de pianos, s6 € real o que pode ser medio. Pianos no sto fins em si mesmos. Pianos so metos. Existem para ser tocadas. A misica é Uio real quanto ‘5 pianos. Mas a reaidade da musica no & da mesma cordem que a realdace des pianos Essa é a razio por que 0 fabricantes de planos no se contentam em fabricar Pianos: eles v8o aos concertos ouvir a misica que os pianistas tocam. E certo que a misica tem uma realidade fica, em si mesma, independerte dos sentimentos de quem ouve.A misica existe mesmo se o cd esté sendo tocado numa sala vazia, ser ringuém que a ouca. Mas isso nfo € a realidade da misica A realidade da musica se encomira no prazer de quem a owe. O mesmo vale para a comica, As cozinheiras cozinhar para dar prazer ‘408 que comem. Os pintores pintam para dar prazer aos aque olham.Também os amantes bejam por cavsa do prazer: © desejo do prazer move 0 mundo. © prazer é uma experitncia quatava, No pode ser medida, Nao hi receitas para sua repetiglo. Cada vez 6 nica, irepetivel. Um pianista no interpreta a mesma ‘musica duas vezes de forma igual. 0 "Concerto talizno", de Bach, pe em order meu corpo e minha alma. Outra pessoa, a0 cwilo, vai dzer: "Que musica chatal” Desde cedo 0s fidsofos naturais (assim eram cha- ‘madios os cientistas no passado) perceberam a ciferenga centre a ordam das quantidades e a ordem das qualidades, Eas designaram com as expresses" qualidades primarias f “qualidades secundirias”. As qualidades primérias sic aquelas que pertencem ao objeto, independentemen- soto ® ew ayes certea? 8 te de nossos sentimentos; elas podem ser dias em linguagem materndtica, tormando possfeel a repetico. (Com elas se faz a circa As qualidades secuncésias aquelas que se referem as experiéacas subjetivas que ‘temas a0 “provat” o abjeto. O ffango ao mokho pardo ‘tem uma realidade fica. Mas 0 "gosto" s6 existe em rmina boca, em minha lingua e em minhas memérias de mineio, Outra pessoa, com boca e lingua anatémica € fisiologicamente idénticas as minhas, mas que nao particpe das mesmas memérias (uma pessoa de con: Viegbes relgiosas adventista, por exempl), sentird um “gosto” diferente do meu, possivelmente repulsive. A experitncia do gosto, da beleza, da estética pertence a0 mundo das realidades quantitativas. A linguagem matemitica da ciéncia nfo di conta dessa experiéncia. Nao € capaz de dizé-la.Fatam-ihe palaras. Faltarm-he sutilezas. Faltar-he, sobretudo,intersticios Mas como dizer a beleza de uma sonata? Lénin, ao falar do que semtia ao ouvir a sonata "Appassionata”, de Beethoven, usa palavras do vocabuldrio dos apaixonados Mas, 20 le-as, eu no fico sabendo como & a beleza da misic. ‘Que palvras ire usar para transmit ao leitor 0 gosto © 0 prazer do frango ao motho pardo? E,no entanto, essa coisa indizvel real, A exparién- a estética,ndo-centica, qualtatva, se apossa do corpo: ruflam os tarbores. Quco © "Danubio azul” e tenho vontade de dancar: Quso a "Serenata de Schubert" fe tenho vontade de chorar, Ougo a "Ave Mara” © 2 rac surge, espontinea, dentro de rim, Ouso 0 "Cha cde Lune’, de Debussy. fico tranqillo. Quo 0 estude op. 10 n, 12, de Chopin, chamado “revoluciondrio", € fico agitado. Nada disso € cientfico, quartitative. Mas € real ‘Move corpos. © que comave os homens ¢ 05 faz agi é sempre 0 qualtativo, Inclusive a céncia. Os Gentstas, a0 {fazer ciéncia, no sio rmovides por razées quantitztvas, entifcas, S30 movidos por curosidade, prazer inveja competicio, narisismo, ambigao profssonal, dinheiro, fama, autoritarismo. Havia, certa vez, uma terra distante onde pianos rmaravilhoses eram fabricados. Os fabricantes de piano, cewaidecidos por sua cgncia quantitativa precisa,comega- ‘ram a desprezar os pianistas, que tocavam movides por razBes qualitativas indaiveis, Concluiram que os pianistas, leram seres de segunda classe e terminaram por proibir aque eles tocassem.£ cunharam a frase clssica‘Fabricar pianos é preciso Tocar piano nifo € preciso. Isso nio € ficgio. E isso esti acontecendo nos rmeios cientficos brasleros. As pesquisas “qualtativas’ slo rejeitadas porque seus resultados so imorecisos nao-passiveis de ser repetidos, e essas pesquisas no So publicdveis em revistas internacionais. Todos os cientistas deve adorar diante do atar desse novo {dolo: as revistas internacionas indexadas.€ esse idclo que decide sobre o destino das pesquisas e dos pesqui- modo a 2 Qt sadores, Na comunidad cientiica, somente se permite 4 linguagem quanttativa. Tem havid casos de cursos de pés-graduaco serem desquaiicados pelo fato de suns pesquisas sere feitas no eampo do qualitative, (O cientfica & fabricar panos. © gostar de mesica nfo é centico © que levaa soles cientficas. De que maneira um piarista provaria sua competéncia com vistas a umn sy2u de doutor de mica! Respota fick dan un eon certo. A cnc contesta.A dncia ro sabe o que & tum concerta Se o panista quser ter o grau de doutor le terd de estrever uma tese ra qual a “qualidade” que ele sabe produzir € transformada num saber quanttae “iv duvidoso Guimaries Ros profetizou que os homens haveriam de fcarloucos em decorrénca da légica.E isso jf exté acontecendo em nossa instituicBes de pesquisa"Viarn ‘0s pianos! Mas 0s concertos esto probides! Bibliografia ‘ALVES-MAZZOTTI A. |. & GEWANDSNAJDER. FO ‘método nas cidncias natura e socio pesquisa quant tata © qualtaia, So Paulo, Pioneira, 1998. BECKER, H. 5. Métados de pesquisa em citncis sociais 4, ec, Sto Paulo, Hucitec, 1959. 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