Vous êtes sur la page 1sur 15
INTRODUGAO maquinarios diferentes, objetificagao e aceleragao Ioor José pe RENé Macao Pensar a diferenca é uma tarefa &rdua, ¢ o principal obstaculo é uma tendéncia quase imperiosa de usar conceitos e esquemas mentais que, ao definir a diferenca, tendem a congelé-la e transformé-la imediatamente numa coisa, num objeto. Essa introdugéo é uma tentativa de elucidar um processo de reflexéo sobre a diferenga que tenta fugir & forca centripeta da objetificacao. Temos conseguido timidamente, com muito esforgo, escapar temporariamente dessa tendéncia, mas 0 desafio é sem- pre a longo prazo. Veremos que a possibilidade de fugir a essa forca de coisificacéo é sempre temporaria. Para dar conta dessa reflexio, comeco por uma explicacao de uma perspectiva sobre a diferenca que guiou as pesquisas que eu e meu grupo de pesquisa desenvolvemos e depois tento indicar como essa perspectiva foi temporariamente estabilizada em um. novo maquindrio! conceitual. Na parte seguinte, relacionatei esse maquindrio As nossas perspectivas sobre parentesco e movimento, relacionando-as de forma a elucidar, como num subtexto, 0 processo de produgéo dos trabalhos que apresentamos neste livro. Pensando a diferenca A diferenga nao é algo em si, é uma palavra que indica, aponta, referencia uma multidao de fluxos, processos, ages, pensamentos, ¢ mais muitas coisas. A 1 entretanto, faz parte do nosso préprio maquinario conceitual para pensar os conceit. ‘Maquindrio” entra aqui como uma metifora para pensar os conceitos € nio como um conceito. Como uma metifora, 10 Deslocamentos e parentesco diferenga é uma multidéo: uma multidao que o pensamento social tem tentado sistematicamente domar com uma série de ferramentas, maquinarios conceituais de contenc4o dessa multitude impressionante. Podemos elencar muitos conceitos. Para ficar na histéria recente da antropo- logia, podemos destacar uma trfade: cultura, etnicidade e identidade? De formas diferentes, com preocupagées distintas, esses conceitos tentam sistematicamente descrever algo daquilo que chamamos de “diferengas”. E cada maquinario concei- tual desses é em si um universo inesgotavel: hé tantas apreensées do que é cultura como ha antropdlogos que se utilizam desse conceito. Cada antropélogo tem seu proprio conceito de cultura. E 0 mesmo poderiamos dizer da etnicidade ¢ da iden- tidade (e de ontologia).> Como conceitos, eles movimentam maquinérios (ideias, metéforas, relacées, contextos) que pretendem explicitar diferencas. Representam formas localizadas no tempo e espago para pensar a diferenga: eles préprios nao sao a diferenga. Um dos efeitos da objetificagéo compulséria € confundir 0 conceito e seu maquindrio com os fluxos intangiveis que pretende descrever: cultura deixa de ser um conceito para ser uma coisa. Deixa de ser uma forma de pensar a diferenga para ser a prépria di- ferenga. Nao quero aqui falar do uso mundano dos conceitos quando eles saem das portas da academia (a cultura com aspas de Manuela Carneiro da Cunha‘): de como as pessoas apreendem nossos conceitos como coisa. Nao é que as pessoas no mundo se apropriam de nossos conceitos ¢ os objetificam: é antes que nossos conceitos s6 sao apropriados pelas pessoas quando ja objetificados. Quando os conceitos séo consumidos pela vida publica ja 0 so na sua forma objetificada. Poderiamos aqui fazer uma pequena arqueologia do conceito de cultura demonstrar como ele préprio se transformou de um conceito totalizante, total- mente afinado com as fronteiras estatais do século XIX, com Tylor,° por exemplo, para um conceito muito dindmico e “fluxionado”, com Sahlins,° no final do sécu- lo XX. E 0s conceitos objetificados endurecem sua capacidade de descrigio: quan- do se pensava cultura ¢ aculturagio de imigrantes no EUA na primeira metade do século XX, imaginava-se que a realidade corresponderia ao objeto-conceito. Ou seja, os imigrantes se aculturariam e voltariam a restabelecer a ordem cultural sem continuar a gerar a disruptiva diferenca que costumavam produzir.” 2 Poderiamos acrescentar a “ontoloy farce da erate una térade, mas ni pretend avangar por esa senda, ainda muta recente para cair na chave de anfise que apresentamos a seguir 3. Para uma diseussio sobre cultura, entre indimeros textos, podenionsesiaent 0 trabalho de Kuper (2002) pare ain vevaho contemporinea, Para uma discussdo sobre etnleidade 0 lvto de Swell Henan @ Puuigiia (1998), Sole hlentidaae, ver Nw baker e Cooper (2000), Hast nko apis reterdve inset WH et Hoagie dent wale on 4 Cunha (2000), 5 Tylor (171), en) 7h seulenyan, wer ene tv, Lom (A An (A Introdugao Ora, a realidade € renitente ¢ insiste em negar os planos dos intelectuais. Aqueles imigrantes insistiam em se manter diferentes, A saida foi pensar um novo maquinério para dar conta daquela diferenca que nao deveria mais estar ali, mas in- tia em continuar: temos aqui as origens da etnicidade,® uma outra forma de pensar a diferenca que nao pressupunha os sentidos de aculturagao e adaptacéo que o velho conceito de cultura pressupunha. A etnicidade permitia ao analista ver a diferenca gue se mantinha diferente dentro dos estados-nacao, apesar da vontade imperiosa destes em suprimi-la. Assim, vemos que etnicidade era uma ideia para pensar algo que escapava ao conceito de cultura. Intimeros estudos sobre a diferenca dentro dos estados-nago passaram a ser feitos entdo por essa nova perspectiva? Ela acomodava a diferenca dentro de um novo espectro de diferengas, sem ameacar as concepgoes cotalizantes do Estado: as miltiplas diferencas conviviam c se mantinham diferentes Por um jogo constante de estabelecimento de fronteiras entre os grupos. Vejam, temos aqui uma nova forma de pensar a diferenga, mas que continua dependente da nocao de fronteira e limite'®: agora, as diferencas nao devem coincidir mais com as nagGes (nao se pressupde a aculturagao), mas devem coincidir com os li- mites entre os grupos “diferentes” que vivem no seio de um Estado. Esse conceito logo ganhou grande amplitude e foi usado e reutilizado em qualquer contexto em que as diferengas internas coexistiam. Para pensarmos no Brasil, 0 conceito veio direto para ser instrumento de reflexao sobre a relago entre as sociedades indigenas ¢ as frentes de expansao do estado brasileiro. Os trabalhos de Roberto Cardoso de Oliveira" se utilizaram desse maquindrio para pensar a relagéo do indio com o Estado brasileiro. O mecanismo usado pelo maquindrio da etnicidade é 0 da escala. Uma nova ideia que foi trazida ao artefato teérico para pensar a diferenca: temos escalas distin- ras de producao da diferenga, tanto no Estado como dentro do Estado. As diferen- sas convivem e essa convivéncia replica a imaginacdo da relacéo entre os Estados: fronteiras sto construidas ¢ precisam ser mantidas. Por outro lado, os contetidos culturais que davam azo a ideia de cultura passam a ser menos importantes, jd que 0 contetido cultural pode correr livremente entre os grupos, independentemente das fronteiras. Associado ao conceito de etnicidade veio junto um conjunto de ideias liberais, focadas na apreensao da acao racional, agora aplicado aos grupos como um codo: cada grupo age como um individuo buscando maximizar seus objetivo. Nesse contexto, manter a diferenga ¢, portanto, as fronteiras é uma vantagem estratégica, Mas como todo conceito sobre a diferenca tende a fazer, logo o mecanismo para pensar sobre os processos se tornou ele mesmo um sindnimo de diferenca: etni- cidade virou uma coisa, uma roupa que as pessoas vestem pata um evento especifico. Ver Glazer e Moynihan (1963). 2 Veravariedade de casos analisados em Glazer et al. (1975), por exemplo. Como no caso elissco de Barth (1998). Oliveira (1962, 1967), entre outros. dt 2) Deslocamentos e parentesoo Hoje as pessoas “tém” determinadas etnicidades, e os antropélogos tentam apenas descrever essas etnicidades. Quando um antropélogo descreve uma etnicidade, cla jé virou uma coisa: nao é mais uma ferramenta para descrever um monte de processos confusos (e assim dar alguma ordem ao pensamento), é agora parte da “tealidade”, E, na verdade, a “realidade” a ser descrita. O mesmo se pode dizer de quem descreve uma cultura: 0 conceito passou de maquindtio intelectual a objeto no mundo “real”, O mais impressionance da objetificagao é que ela trabalha contra a diferenca, Quando se analisa, por exemplo, um conjunto de etnografias que se utiliza dos maquinarios da etnicidade, versando sobre imigrantes no Brasil, vemos que todas as popullagdes descritas se parecem incrivelmente. Todas constroem a diferenca da mesma forma (constituindo fronteiras contrastivas), todas se utilizam de conted- dos culturais para marcar diferencas (certos rituais, determinadas comidas) e todas tendem a ter problemas com a sociedade nacional e seu desejo equalizador. Como © mecanismo que as faz diferentes agora uma coisa, todas posstiem nelas mesmas esse mecanismo, o que as deixa muito semelhantes. Nao que nao haja diferencas, mas € que curiosamente interessa aos pesquisadores descrever nas coisas 0 meca- nismo do conceito que antes néo era uma coisa. Agora que foi objetificado, deve aparecer sub-repticiamente em toda descricao. O resultado & que tanto faz se a descricéo ¢ sobre um grupo de descendentes de japoneses ou de italianos: toda descrigéo ¢ igual. Os sujeitos s4o muito pareci- dos ¢ nao vemos no que japoneses sao, afinal, diferentes dos italianos, Acontece que 0 conceito feito para pensar mais claramente sobre a diferenca, ao virar coisa, transformou-se num empecilho para pensé-la. A objetificaséo (quando congelada) equaliza a diferenca e torna a forca centripeta rumo 2 semelhanca inevitével. Mas nao devemos objetificar a propria ideia de objetificacéo, Em qualquer explicitasao da diferenca ¢ preciso alguma objetificagdo, pois descrevemos com ma- quindtios que usam ideias, relagées, contextos que sdo em alguma medida obje- tificados. A questo que queremos destacar é quando a objetificacso impée uma dificuldade & explicitacao da diferenca: nesses casos, € preciso acelerar todo o ma- duinario de pensamento para fazer reaparecer a diferenca até que esse novo movi- mento tenda novamente ao congelamento e perca a capacidade analitica que nos interessava a principio. Uma das consequéncias da objetificagéo é que se torna claro para alguns que 9s processos que 0 conceito objetificado/congelado tentava descrever agora preci- sam de novos conceitos (ou de uma reinvengao geral dos velhos conceitos). Assim, podemos pensar na grande onda da identidade, iniciada nos finais do século XX. Ao olhar para a diferenca latente e insistentemente produzida pelas pessoas em contex- tos urbanos, ¢ a0 perceber que rotulé-las como “émnicas” nao ajudava a entendé-las, foi preciso colocar os conceitos em movimento ¢ getar novas ideias para dat conta desses processos de diferenca, Introdugao_ les Néo pensemos que um maquinério, entretanto, tenha superado 0 outn continuram a conviver em sucessivas reencarnagoes. Ao mesmo tempo em que a et- sicidade passou a set uma ferramenta importante para pensar a diferenga, também cultura passou por reformulacées que a tornavam tio titil avs novos usos quanto 2 ecnicidade. Os maquindrios si0 modernizados constantemente no modo de produ- 39-90, 1962. _ Problemas ¢ hipéteses relativos & fricgao interécnica: sugest6es para uma meto- Sologia. América Indigena, v. 28, n. 2, 1967. ess, E. S. Questies sobre a indtstria da emigragéo: conex6es Portugal! Governador Valada- ses. Sao Carlos, 2006. (relatério de IC/CNPq). | Casamento e familia em contexto migratbrio. Séo Carlos, 2007. (relatério de IC/ CNP). Runsina, F, Seay & cool: 0 exbtico domesticado ¢ a homossexualidade nipodescendente. Dissertacdo de Mestrado. Programa de Pés-Graduagao em Antropologia Social, Universi- dade Federal de Sao Carlos, Sao Carlos, 2010. Sasuins, M, Cultura e razdo prdtica. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. . What kinship is— and is not. Chicago: University of Chicago Press, 2013. Sant, D. L. Acculturation: conceptual background and core components. In: Sam; D. Ls Benn J. W. The Cambridge handbook of acculturation psychology. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 11-26. Scunenper, D. American kinship: a cultural account. Nova Jérsei: Prentice-Hall, 1968. Senna, FG. O findmeno da emignasdo em Governador Valadares: aspectos da satide das mulheres-esposas vitimas da emigragao. 2009. (relatério de IC/CNPq). Staseuint, F Parentesco, totemismo e sistemas de classificagio no contexto migratério de Go- vernador Valadares. 2008. (relatorio de IC/CNPg). | Totem e casa em Governador Valadares. 2009. (telatério de IC/Favesr). SrRATHERN, M. O efeito emnogrdfico. Sao Paulo: Cosac Naify, 2014, Stree Fenars, J.j Pourtenar, 2 Torias da etnicidade. Traducio de Elcio Fernandes. Sao Paulo: Editora Ungsp, 1998. Tion, E. B. Primitive culture: tesearches into the development of mythology, philosophy, religion, art, and custom. Londres: Murray, 1871. 23,

Vous aimerez peut-être aussi