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i Catan 86 septate tet Apresentacao CConstrutda sob o signo do novo, a obra de Michel Foucault subverteu,transformou, modificou nossa relagao com o saber a verdade. A relacao da filsofia com a raza0 nao é mais a mesma depois da Historia da lowcura. Nem podemos pensar ‘da mesma forma o estatuto da punicao em nossas sociedades, Antervencao tedrico-ativa de Miche! Foucault introduziu tam- >bém uma mudanca nas Felagoes de poder e saber da cultura contemporanea, a partir de sua matriz ocdental na medicina, ‘na psiqutatria, os sistemas penais ena sexualidade. Fode-se dizer que ela colabora para efetuar uma mudanca de episte ‘me, para além do que alguns chamam de pos-estruturalismo ‘ou pos-modernismo, ‘Acdicao francesa dos Dito ¢escritos em 1994 pelas Raigoes Gallimard desempenha um papel fundamental na difusdo de ‘uma boa parte da obra do filosofo cujo acesso ao publica era di- ficil, ou em muitos casos impossive Alem de suas grandes ‘obras, como As palavras e as coisas, Historia da loucura, Ve ‘ar e pani Onascimento da clinica. Raymond Roussel Hist a da sexualidade. Foucault multiplicou seus escrites © a ‘acto dos seus ditos, na Europa, nas Américas, na Asia e no Norte da Africa. Suas intervengoes foram das retagbes da luca ne da sociedade.feitas no.Japao, a reportagens sobre a revol (ho islamica em Teera, e debates no Brasil sobre a penalidade ea politica. Este trabalho foi em parte realizado atraves de um frande namero de textos, incervencoes, conferencias,introdu (0¢s. prefacios ¢ artigos publicados numa vasta gama de pat ses que vai do Brasil aos Estados Unidos, a Tunisia, a Ital aap Japao. As Eaighes Gallimard recolheram esses textos uma primeira edicao em quatro volumes, com exceeao dos livros. A estes sequlu-se uma outra edicao em dois volumes, que con- serva a totalidade dos textos da primeira. A edicao francesa pretendet a exaustividade, organizancloatotalidadle dos textos publicados quando Michel Foucault vivia, embora seja prov XII see Foocalt- Dae Hsertoe Sobre a edicao brasileira A.cdicdo brasileira é bem mais ampla do que @ americana, publieada em tres volumes, e tambem do que a taliana. Sua ‘lagramacao segue praticamente o modelo frances. A tnica tferenca signifieativa ¢ que na edicdo francesa a cada ano labre-se uma pagina eos textos entram em sequencia numera ‘da (sem abrir pagina). Na edicao brasileira, todos 0s textos fabrem pagina ¢ 9 ano se repete. Abaixo do titulo ha uma ind teagan de sua natureza: artigo, apresentacao, precio, conte rencia, entrevista, discussio, intervencao, resumo de curso [Essa indicagao, organizada pelos editores, fo! mantida na ed ‘cao brasileira, assim como a referencia bibliogrtfiea de cada Texto, que figura sob seu titulo, "A edicao francesa possui tm duplo sistema de notas: as rnotas nuimeradas foram redigidas pelo autor, e aquelas com “Asterisco foram feitas pelos editores franceses. Na edicao bra- Sileira, ha também dois sistemas, com a diferenca de que as rola numeradas compreendem tanto as originals de Michel Foucault quanto as dos editores franceses. Para diferencia Jas, as notas do autor possuem um (N.A.) antes de iniiar-se 0 texto, Por sua vez, as notas com asteriseo, na edicgao brasil ta, se referem aquelas feitas pelo tradutor ou pelo revisor téc ‘nico, e vém com um (N-T) ot um (N-R.) antes de inieiar-se o texto. Esta ediedo permite 0 acesso um conjunto de textos antes, inacessiveis, fundamentals para pensar questOes crucials da ‘cultura contemporanea,¢, ao mesmo tempo, medir a extensio co aleance de um trabalho, de um work tn progress dos mais {importantes da historia do pensamento em todas as suas di- rmensdes, eicas, estticas,Iterarias, pliicas, historias ef losofeas. Manel Barros da Motta, Sumario 1978 ~ 4 Evolugao da Nocao de “Individuo Perigoso” na, PPiquiatria Legal do Século XIX 1978 Sextsatidade e Politiea, 1978 ~ A Filosofia Analitica da Politica 1978 ~ Sexualidade Poder 1979 - Inui Revoltar-se?, 1980 0 Verdadeira Sexo 1981 ~ Sexualidade e Solidao, 1982-0 Combate da Castidade 1982 ~ 0 Triunfo Social do Prazer Sexual: uma Conversacao com Michel Foucault 1989 Um Sistema Finito Diante de un ‘Questionamento Infinto 1985— A Kserita de St 1983 - Sonhar com Seus Prazeres. Sobre a “Onlrocritica” de Artemidoro 1983-0 Uso dos Prazeres e as Téenteas de St 1984 ~ Politica e Etica: uma Entrevista 1984 ~ Polemica, Politica e Problemattzacoes 1984 Foucault 1984 — 0 Cuidado com a Verdade 1984 0 Retomo da Moral 1984 ~ A Btica do Cuidado de Si como Pra da Liberdade 1984 ~ Uma Estetica da Existencia 1988 - Verdade, Poder © 4 Mesmo 1988 ~ A Tecnologia Politica os Indvidios Indice de Obras Indice Onomastico ‘Ongantzagao da Obra Dilos ¢ Escritos 26 a 7 104 ne 126 144 163 192 218 225, 294 240 252 264 288 294 301 319 320 323 1978 A Evolucao da Nocao de “Individuo Perigoso” na Psiquiatria Legal do Século XIX nt he concep of the angers individ I 19” entry lel psc: Uy-TAetlurao da nego de nein penguin ose 1X0). dural flay al payer. vot 1978 ps 18 ‘Comune a i de Trans “Lw and Payee”, Clarke Ite ‘i Pajeity, 24-20 de ou de 1977 Inetaret relatando algumas frases que foram trocadas recentemente no tribunal do fart de Paris, Julgava-se um hhomem, acusado de cinco esiupros ¢ de seis tentativas de cestupro, distribuidas entre fevereiro e junto de 1975. Oréu se ‘mantinha praticamente mudo. O presidente Ihe pergunta: “Voce tentou refletir sobre o seu ease?” silencio. “Por que. a0s 22 anos, desencadearam-se em voce essas violéncias? E preciso que voct faca um esforgo de anise. Apenas voce tem a chave de si mesmo. Explique-me.” silencio. “Por que voce recomegou?™ silencio ‘Um jurado toma entao a palavra e exclama “Mas afin efenda-sel” [Nada hi de excepetonal em tal diilogo, ou melhor, nesse ‘mondlogo inguisitivo, Poderiamos ouvi-lo seguramente em ‘muitos tribunals e em varios paises. Porém, se tomamos um certo distanctamento, ele s6 pode suscitar o espanto do histo ‘lador, pots temos aqul um aparelho judictario destinado aes tabelecerfatos delituosos, a determinar seu autor e a punir cesses atos, infiginde ao autor as penas previstas pela ll, Ora, 2 ene Foust Dose Hacrtos ‘temos aqui fatos estabeleedos, um individuo que os reconhe- fe € que, portanto, aceita a pena que the sera infligida. Tudo pparecia ir da melhor manera no melhor dos mundos judi ‘larios. Os legsladores, os redatores do Cédigo do final do sé ceulo XVIII ¢ inicio do XIX nao poderiam imaginar situacao ‘mais eristalina. Eno entanto, a maquina tende a travar. a5 engrenagens emperram. Por qué? Porque o réu se cala. Ele st- Jencia a respeito de qué? Dos fatos? Das circunstancias? Da ‘maneira pela qual eles se desenrolaram? Sobre aquilo que, rnaquele momento, teria podido provocd-los? De forma ales ‘ma, O eu se furta ante umna questao essencal para o trbunal dehoje, mas que teria soado de maneira bem estranha ha 150 ‘anos: “Quem € voce?” Eo dalogo que eu citava ha pouco prova claramente que, a essa questao, nao basta que o réu responda: “Pols bem, sou © autor dos erimes. Isso ¢ tudo. Julguem-me, Ja que voces de- vem fazé-o, e me condenem, se quiserem.” Pede-se a ele bem ‘mais: am do reconhecimento, € preciso uma confisao, um ‘exame de consciéncia, uma explieacdo de si, um esclareci- ‘mento daquilo que se € A maquina penal nao pode mais funcionar apenas com uma le, uma tnfragao e um autor res- ponsavel pelos fatos. Ela necessita de outra coisa, de um ma- terial suplementar; os juizes e os jurados, assim como 0s advogados e 0 Ministério Publico so podem realmente desem= penhar seus papéis se um outro tipo de discurso les €forne: ido: aquele que o acusado sustenta sobre si mesmo, ot aquele que ele permite, por suas confissoes, lembraneas onfdencias ete.. que se Sustente a seu respeito. E se esse discurso vem a falar, o presidente se obstina,o jr se irita: pressiona-se, inita-se ore ~ ele nao joga o jogo. le se asse- ‘melha 20s condenados que € preciso levar & guilhotina ou a cadeiraelerica porque eles tremem de med, F preciso, eertac ‘mente, que andem um pouco com suas proprias pernas se {uiserem verdadeiramente ser executadas: ¢ preciso que eles {alem um pouco de st mesmos se quiserem ser julgados. aquilo que mostra claramente que esse elemento & in ‘ispensavel A cena Judiciaria, que nao ¢ possivel julgar. con- ddenar, sem que ele tenha sido fornecido de uma manelra ou de outra, € esse argumento empregado recentemente por um 1978 A Broce da Noto detain Pengo. 3 «sdvogado frances em um caso de rapto e assassinato de uma criana, Por uma série de razoes, esse caso teve grande re Percussao, nao somente pela gravidade dos fatos, mas por ‘que se Jogava nesse proceso a manutengao ou 0 abandon «da pena de morte. Pleiteando mais contra a pena de morte do que pelo reu, o advogado argumentou que se conhecta pouca coisa a respeito dele, e que o que ele era quase nao havia {ransparecido nos interrogatérios ou nos exames psquiat cos, fez esta reflex espantosa (eu cto de oo apo mativo): *Pode-se condenar a morte alguem que nao se rato: rte alguém que na ‘A intervencao da psiquiatria no ambito penal ocorrew no {nico do séeulo XIX, a propdsito de uma série de casos que tt ‘sham aproximadamente a mesma forma e se desenrolaram entre 1800 © 1835, aso relatado por Metzger: um velho militar que vive retina: do se apega ao fitho de sua locadara. Certo dia, sem nenhum ‘motivo, sem que nenhtuma patxao, como a edlera. oorgutho, « vinganca,estivesse em jogo”, ele se atira sobre a crianca, ain sindo-a, sem mata-ta, com dots golpes de marteo, Caso de Sélestat na Alsicia, durante o faverno multo rgo- roso de 1617. no qual a miséria ronda, uma camponesa se aproveita da auséncia de seu marido que hava saido para tra bahar © mata sua filhinha, cortathe'a perna e a cozinha na sopa? Em Paris, em 1825, uma eriada, Henriette Corner, proce: "rt vizinha de seus patroes e Ihe pede insistentemente para ue ela the confie sua filha durante algum tempo. A vizinha hesita, mas consente; mais tarde, quando ela vern buscar a Ltt do caso Pte Hey sds pet Se Rae vr 205, da edict francesa desta obra a = Ca ta rineramente pl De. Recents, "Ee ‘fas extraordinaire Sune favs er Seasoned Keapedar rt X81 cme por hare ae elas tins serpents ees sions mete Pate aon le Cpe torte 4 Mee Foucault - Dose Hsctos ‘rianca, Henrlette Cormier acabara de maté-la cortando-Ihe a cabeca, que jogou pela janela." Em Viena, Catherine Ziegler mata seu filo bastard. No| ‘uibunal, expla que uma forca irresistvel a impel a isso. Considerada louea, € absolvda e libertada da prisio. Mas ela ddeclara que seria melhor manté-la ali, pots recomerara. Dez ‘meses depots engravida, etambem mata a criana: no proces- 50, declara que apenas havia fleado gravida para matar seu fi Iho, & condenada a morte ¢ executada. "Na Escécta, um tal John Howison entra em uma casa onde ‘mata uma velha que nao conhiecia, eval embora sem nada rou bare sem se esconder, Preso, nega o crime. apesar de todas as cevdencias; porém a defesa argumenta que se trata de um cr the de umn Jouco, a que € um erime sem interesse. Howison & ‘executador relrospectivamente, considera-se como um sinal suplementar de loucura ofato de ele ter dito, nessa ocastzo, a ‘um funcionario presente, que tinha vontade de mato. "Na Nova Inglaterra Abraham Prescott mata, em campo aber- to, sua mae adotiva, com quem sempre mantivera boas elactes, ‘Volta para casa ese poe a chorar dante do pal adotv: este oin- ‘terroga e Prescot confessa sem difculdade seu crime. A seguir, ‘explca que havia sido tomado por uma sabita dor de dente © ‘que nao se lembrava de mais nada. Oinquértoestabelecerd que tle ja haviaatacado seus pais adotivos durante a noite, mas isso foi atrbuido a uma crise de sonambulismo. Prescot € conden do a morte, porém o jirtrecomenda a0 mesmo tempo uma co ‘mulagao da pena. Apesar disso, ele € executad SB 4 denovembro de 1825, Henne Comir crt cabea de Fant Be ton-de 19 meas que esiva sb ous guards Ape ra peta istrac thu por Adela, Eaqurol ¢ Level, seus avogados sletaram tm {avec medic leg & Chis Mare Mare (C), Consutaton meictgale [ou Heart Comer acuste hort cori wlotatromcnt et ae pri= reat 1628) rtm tn Dee op ett pe 71-130 CE- en ‘Serge 6), Discussion men agate ual ovanaton mentale, sie detexanen du procs cnet dente Comer ot eps aes rots tans eects cee aia a 8 alu cormne mayen de forse Pars, Mgneret 1825, pe. 71-130 1078 A Bolus da Nope de“ Pergo". 5 ‘Sto a esses casos € a outros do mesmo tipo que se referer insistentemente os psiquiatras da epoca: Metager, Hoffbauer, "Esquirol Georget, William Ellis e Andrew Combe. Por que, em todo o universo de crimes cometidos, foram es- tes que pareceram importantes. por que eles foram o que esta ‘va em Jogo nas discussoes entre medlicos ejuristas? 1) Inicialmente, preciso observar que eles apresentam ua ‘quadro muito diferente do que havia constituldo, ate entao, a junsprudencia da loucura criminal. Esquematicamente, ate 0 final do seculo XVII, 0 diteito penal apenas colocava a ques- {Go da loucura nos easos em que o Codigo Civil e 0 diretto candnico também a colocavam. Ou seja, quando ela se apre- sentava na forma de deméncia ede debilidade mental, ot 0 «forma do furor. Nos dois casos, quer se tratasse de um esta do definitive ou de um surto passageiro, a loucura se manifes- {ava por sinais numerosos e muito faclmente reconheiveis (a ponto de se discutir se havia verdadetramente necessidade de ‘um meédico para confirma-la). Ora, o importante @ que o de- senvolvimento da psiquiatria criminal nao se realizat através ‘do aperfelgoamento do problema tradicional da louctra (por ‘exemplo, diseutindo sobre sua evolucao progressiva, seu ea riter geral ou parcial, sua relacao com a8 incapacidades ina tas dos individuos) ou analisando mais pormenorizadamente 4 sintomatologia do furor (suas interrupeoes, recidvas, inter: valos).Tados esses problemas, com as discussoes que prosse- {guiram durante anos, foram substtuides pelo novo problema “eter UD), Corchtch maticrsche Beobachungen. Konesbere ‘ante. 1778-170. 2 vl, Hota (.C), Unesictangen der ae Kren Vol Esuiel UE. D). Des main mais consis so es apps Insel Meiriqu et mec al are, Dalee, 1898, 2 vol. George), {amen des prot crn des rans Lager: Feldmann eco Jeon heme t Papas, sul de quolques contra maies gales srl ‘rte morale, Pars, Migieret. 1825. Hels QW. C-A eatse onthe nate, Simpons, causes ene reatmontof aan wih proc abservaton on ‘nate ast, Londres, Hakawert, 1898 (rade Talénten mente eta nate, des causes, des ayrtinoe od ratement de afte, aT ‘Accharmaul, com nolas de Esurl, Pars, J. Rowe, 1840) Conte (A ‘serstins on mental Dorangement, Edman, J. Ante, 1831 6 Mechel Foucault ¢ actos dos erimes que nao sto precedidos, acompanhados ou segul fos de nenhum dos sintomas tradicionais, econhecidos, Visi vyeis da loucura, Bm cada caso, acentua-se 0 fato de que nada hhavia previamente, nenhuma perturbacao anterior do pensa- ‘mento ou da conduta, nenhum deli; tampouce havia aga ‘cao ou desordem como no furor: e de que o crime havia ‘Surgido dentro do que se poderia chamar de grau zer0 da lou- 2) 0 segundo trago comum ¢ muito evidente para que se in- sista nele mais demoradamente. Nao se trata de delitos leves, ‘mas de crimes graves: quase todos assassinatos, as vezes ‘Acompanhados de estranhas crueldades (0 cantbalismo da ‘mulher de Sélestat) £ importante notar que essa psiquiatriza (20 da delinquencia se fez, de qualquer forma, “pelo alto". Ela Se realizou tambem em ruptura coma tendéencia fundamental da jurisprudéncia precedente. Quanto mais grave fosse 0 ct ‘me, menos convinha colocar a questao da loucura (durante ‘muito tempo recusou-se a lela em consideracao quando se tratava de um crime de sacrilégio ou de lesa-majestade). ‘Admitia-se de bom grado que existia toda uma area comum loucura e a slegalidade para os delitos mais leves ~ pequenas violencias, vagabundagem ~e se reagia a ela, pelo menos em ‘ertos paises como a Franga, pela medida ambigua da inter- ‘pagao, Ora, nao fol absolutamente através dessa zona conf ‘sada desordem cotidiana que a psiquiatria pode penetrar & orca na justica penal, mas sim eriticando o grande aconteci- mento eriminal, extremamente vilento e raro '3) Bsses grandes assassinatos tém ainda em comum o fato ‘dese desenrolarem no cenario domstco, Sao erimes na fami- lia, em easa, ou ainda na redondeza. Pals que matam sua pro le, filhos que matam seus pais ou protetores, empregados que ‘mata ofilho do patrae ot! do vizinho ete. Como vemos, Sao, frimes que colocam frente a frente parceiros de diferentes ge~ raghes, O par erfanca-adullo om adolescente-adulto quase ‘Sempre esta presente. Isso porque as relagoes de idade, de Iu far, de parenteseo valem, na época, como as relacdes 20 mes- ‘mo tempo mais eagradas e mais naturals, também como as ‘mais inocentes, aquelas que, de todas, devem ser as menos investidas de interesse e de paixao. Menos do que crimes ‘contra a sociedade e suas regras, esses sao crimes contra a ‘atureza, contra essas les que acreditamos imediatamente 1078 A Brocka da ogo de “vido Reigns. 7 Inscritas no coracao humano e que igam as familias ¢as ger: ‘es. A forma de erimes que, no inico do séeuilo XIX. parece pertinente para que se coloque a seu respelto a questao da Joucura é, portanto, 0 crime contra a natureza. O individ, ‘no qual loucura ecriminalidade se associam e colocam o pro- bema de suas relagdes, no ¢ o homem da pequena desordem, cotidiana, a palida silhueta que se mave nos canfins da lel eda ‘norma, mas sim o grande monstzo. No século XIX. a psquia {Wia docrime se inauigurou por uma patologla do monstruoso. 4) Por fim, todos esses crimes tem em comum terem sido cometidos “sem razao", Isto €, sera interesse, ern patsao, sem ‘motivo, embora baseados em uma llusao delirante, Em todos 0s casos que cite, os psiquiatras insislem, para justiflear sua Intervencao, no fato de que nao havia entre os parceiros do ‘drama nenfiuma relagao que permitisse tornar ocrime intelt- tive No caso de Henriette Corner, que decapitara a filhinha de seus vizinhos, houve o cuidado de estabelecer que ela nto havia sido amante do pal da menina, e que nao tinha agido por vinganea. No caso da mulher de Sélestat que havia cazinhado ‘acoxa de sua filha, um elemento importante da discuss fo hnavia ou nao miséria na epoca? A aeusada era pobre ou no, estava faminta ou nao? O procuradr dissera: se ela fosse rica seria possivel considera-la louea, mas sendo miseravel, ela e=- {ava com fome; cozinhar a perna com eotve era uma conduta ‘com interesse: portanto, ela nao era louea, ‘No momento em que se funda a nova psiqulatria © em que se aplicam, em quase toda parte na Europa e na América, 0S prineipios da reforma penal, o grande assassinato monstruo- 50, sem motivo nem antecedente. a irrupeao sabia da contra. nnatureza na natureza ¢ entao a forma singular e paradoxal sob a qual se apresenta a loucura eriminal ou 0 erime patol- ‘co, Digo paradoxal ja que o que se tenta apreender € um tipo de loucura que apenas se manifestaria no momento e nas formas do crime, uma loueura que so teria por sintoma o pro- pro crime, e que poderia desaparecer uma vez que este fosse ‘cometido. &, inversamente, trata-se de situar erimes que tem ‘por motivo, para o autor, para o “responsavel juridico™ aquilo que, de qualquer forma, no sujeito, esta fora de sta responsa- Dilidade; ou sefa, a loucura que nele se esconde e que ele no pode dominar, pols muito frequientemente nao tem conselén- a dela, O que a psiquiatria do eéeulo XIX inventot foi esta mice! Foucaut- ion © Esentoe centidade absolutamente Reticia de um crime Toueo, um erime ‘que seria inteiramente louco, uma loucura que nada mais € do ‘que crime. Aquila que, por mais de meio seculo, fo chamado ‘de monomanta homicida, Nao se trata de retracar aqui os lantecedentes teoricos dessa nocio, nem de acompanhar 0s Inuimeros debates que ela propiciou entre homens de lee mé- ficas, advogados ¢ juzes. Gostaria apenas de enfatizar este {ato estranho: os palqulatras buscaram, com muita obstina ‘co, tomar parte dos mecanismos penais, relvindicaram seu Sire de intervencao nao indo buscar, em torno dos crimes ‘mais cotidianos, os mill pequenos sinais visiveis de loucura {que podem acompanta-los, mas sim pretendendo ~o que era ‘exorbitante ~ que havia loucuras que apenas se manifestavam, ‘nos erimes exorbitantes, e em nenhum outro lugar. Gostaria ‘desublinhar este outtofato: apesar de todas as retiencias em Aaceltar a nogao de monomania. os magistrados da ¢poca aca ‘baram accltanda a analise psiquiatrica dos erimes a partir desea nocao tao estranha e para cles tao inaceitavel Por que essa grande Necao da monomania homicida foi a nnogao-chave na proto-historia da psiquiatria criminal? "A primeira serie de questoes a propor ¢ sem davida a se- uinte: no inelo do seo XIX, quando a tarefa da psiquiatria fra definir sua especificidade no dominio da medicina e fazer reconhecer sa eienifieidade entre as outras praticas médica ‘esse momenta entao em que a pskquatria se intial como es ‘pecalidace médica (até entao ela era mais um aspecto do que tim eampo da medicina), por que ela quis se intrometer em ‘uma area na qual, aléentao, ela havia intervindo com muita “diserigao? Por que 08 médicos se obstinaram tanto em relvindl- far como loucos sueitos que tinham sido ate entao considers fos, sem nenhiam problema. simples criminosos? Por que os ‘vemos, em tantos paises, protestar contra jgnorancia médica 10s juizes ejurados, solictar o perdao ou a comutacao da pena de certos condenados, reclamar o direito de serem ouvidos ‘como peritos pelos tibunais, publicar centenas de pareceres © festudos para mostrar que este ou aquele criminoso era loco? Por que essa cruzada em prol da patologizacao do crime. ¢ isto ‘sob a bandeira desea nogio de monomania homicida? O fato € ‘ainda mas paradoxal porque, bem pouco tempo atra, no fal ‘do seculo XVI todos os primeiros alienistas (Pine. sobretuclo) pFotestam contra a eonfusto, praticada em muitos locas dein 1878~A Bolugo da Noga de “awit Pegs. 9 temagao, entre delingdentes e doentes. Por que volar a atar ‘im parenteseo que fora to ail desatar? Nao basta invocar nao se qual imperialism dos psiqia- tras buscando anexar um nove camp), ou mesmo wm dina Inismo interno do saber medica (uscando racionaliza © Campo confso em que se mesclama lueura ¢o ere Seo rime se tornow uma apost importante para os psautaras porque se tratava mero dean campo a congulstar do que {ima modalidade de poder a garantie a justiea. Se 9p qulatia se tornou tao tmporiante no século XVI nao fat Simplesmente porque ela apicava uma nova racioalidade medica as desordens da mente ou da conduta, fol também Porque ela funconava como uma forma de higlene pales OG aesenvolvimento, no steulo XVII, da demogafa, das 0 traturas urbanas, do problema da’ mao-de-obra tndusttal hhavia eto aparecera questo bolgicae médica das popu ‘oes humanas, com sas condigoes de vida, de moradl, de ‘Simentagao, com sua nataidace e mortalidade, com seus fendmenos patolgics (epidemias, endemias, mortalidade fant O“earpo” social dbta de ser simples metaora Juri co-politca (como a que encontramos no Levit?) pare Surg como uma realidadebiolgica eum campo de ntervencao me fica, O medica deve ser entao o tecnico do corpo socal, © @ meticina, una higene publica, A psiutata, na vrada entre Os scculos XVII eXIX, consegui sua sutonovnla ese revesti Geant pent prio fo de er pod be nserver to Sumbito de uma medicinaconcebida como reagao aos pergps inerentes a0 corpo social. Osalenstas da epoca puderam ds cut interminavelmente sobre a origem organica ou pstqulea das doencas mentas, propor terapeutiensfsteas on peicologe fas: aravés dens divergenciaa, todos ees tnham conse ‘ia de tatar um "perigo" socal, sa porque a loucura Ines areca igada a condigoesinsalubres de vida (eperpopia {o, promiscnidade, vida urbana, alcooiomo, Hoertnager). Sef nds porgue ea era perbida como fone de porgos Stes I), Lathan, oF Te mater, frm and pxser fa commonueath ‘esata ene Londres, Ane Croke, 1681 estate, Tat dea ‘nate deta orate pour de arp scéstnoc rt eteau, Par, Sey 1971 10 steht Foueault- Dios Bsertos {para si mesmo, para os outros, para o melo ¢ também para a ideseendencia, através da hereditariedade). A psiquiatria do ‘século XIX, pelo menos tanto quanto uma medieina da alma ‘ndividival, [ot uma medicina do corpo coletvo. ‘Compreende-se a importancia que podia ter para essa pst ‘quiatria demonstrar a existencia de alguma coisa to fantast- fea como monomania homicida. Compreende-se porque, Gurante meto século, se tentou incessantemente aplicar essa hoc, apesar de su pequena justificativa clentifica. De fato, ‘8 monomania homicida, Se existe, mostra que: 1) em algumas de sas formas puras, extremas, loucura ¢ intelramente erime, e nada mais do que crime; por tanto, pelo menos nos limites ultimos da loucura, ha o crime; ‘2} a loucura é eapaz de acarretar nao simplesmente desor- ‘dens da conduta, mas o erime absoluto, aquele que ultrapas- $a todas as leis da natureza e da sociedade; Byessa loucura, que pode ser de uma intensidade extraor- inaria, pode permanecer invisivel até o momento em que fecloder portanto, ninguem pode prevévla, exceto aquele que tem umn olhar adestrado, uma longa experiencia, um saber ‘bem armado. Em suma, apenas um medico especialista pode [perceber a monomania (eis por que. de uma maneira que $0 € Contraditéria aparentemente, 08 allenistas definiram a mono- ‘mania como uma doenga que apenas se manifesta no crime, reservando-se, no entanto, o poder de determinar seus sinals| ‘remonitorios, suas condicdes predisponentes) E preciso, porém, colocar uma outra questao, situando-se dessa vez do lado dos magistrados e do apareiho judiciaro Por que eles aceitaram, senao a nocao de mononiania, pelo menos os problemas a ela relacionados? Poderiamos dizer que Seguramente a grande maioria dos magistrados recusou reco hnhecer essa nogao, que permitia fazer de um criminoso um Touco que apenas tinfia por doenga cometer crimes. Com mul ta obstinacto e~ podemos dizer ~ com um certo bom senso, les fizeram de tudo para afastar essa noeao que 0s médicos thes propunham e da qual os advogados se serviam esponta- neamente para defender seus clientes. E, no entanto, através fesse debate sobre os crimes monstruos0s, sobre os crimes, sem motivo" idea de um parentesco sempre possivel entre Joucuira e deingdencia pouco a pouco foi aclimatada ao pro- prio exterior da instituleao judictaria. Por que, em suuma, essa 10784 rolugo da Nog de nde Perigo. LT aclimatacao se deu tao facilmente? Ou, em outras palavras, por que a instituicao penal que tinha podide durante tantos séculos prescindir da intervencao medica, que tina podida Julgar e eondenar sem que jamais o problema da Toucra ti wesse sido posto, exceto em alguns casos evidentes, por que cla recorreu ao saber médico a partir da década de 18207 Pois nao devemos nos enganar: juizes ingeses, alemaes,italianos, franceses, da epoca, muito frequentemente se recusaram seguir as conclusdes dos médicos,rejeltaram multas nocdes ‘que estes Ihes propunham. No entanto, eles nao foram violen- lados pelos médicos. Eles proprios solicitaram ~ de acorda ‘com as eis, as regras, as jurisprudencias que variam de pals para pais ~o parecer devidamente formulado dos psiquiatras, {eles o solicitaram sobretudo a proposito desses famosos cr. mes sem motivo. Por que? porque 0s novos Cédigos redigidos e postos em pritica lum poueo por todo canto, nesse iniclo do seculo XIX. davam ugar ao perito psiquiatrico, ou davam ma nova important ‘4 problema da irresponsabilidade patologica? De forma alg ‘ma E mesmo surpreendente constatar que essas novas legs. lagdes quase 40 modificaram o estado de coisas precedente: ‘4 maioria dos Cédigos do tipo napolednico retomava 9 velho principio de que o estado de loucura ¢ incompativel com a res Ponsabilidade, e que ele exclu suas consequencias: do mes- mo modo, a maior parte retomava as nogoes tradicionais de ‘demencia & de furor que tinham sido wblizadas noe antigos sistemas de direito, Nem os grandes teoricos, como Becearia € Bentham, nem os que de fato redigiram as novas leis penais ‘buscaram elaborar essas nocoes tradicionats, nem ongantear novas relagdes entre puniao e medicina do crime ~ a nao ser para aftrmar, de modo mutto geral, que a justica penal deve ‘carar esta doenca das sociedades que ¢ 0 rime. Nao fo "por ima” ~ por intermédio dos Codigns ou dos principlos tebricos = que a medicina mental penetrou na penalidade, Fol antes ‘por baixo"~do lado dos meeanismos da punieao e do sentido ue Ihes fol atribuido. Punir tornou-se, dentre todas as nova {conicas de controle e de transformacao dos indiiduos, um conjunto de procedimentos orquestrados para modifcar 0S Infratores: o exemplo aterrorizante dos suplicios ou a excl so pelo banimento nao podiam mais bastar em uma socieda- dena qual o exereicw do poder implicava uma tecnologia 14 Meet Foon - Dios Bsertos Donsivel aparecert como pune. & a justiga entao actara [eesincaimbir dele por ser lose, conando-o & pristo pst- ‘waren possi! tra disso varias conctustes: 1) Aintervencao da medicina mental na Instcuedo penal. a partir do século XIX nao € a conseqiencia ou 0 simples de SGivelvimento da teora tradicional da responsabilidad dos ements e dos furosos. GI Ela ¢ conseenels do ajustamento de das necessida- deg que deen, duncan damediona cane Inge pabica,eoutra, do funcionamento da purigao tormo téenfea de transformacto indidual 3) Essay duns novas exigentan se gam ambas a ransfr- smagao do mecantsino de poder atraves do qual, desde 0 seculo Kl ontase controlar corpo social nas sociedad de tipo Industral: Porem apesar dessa origer comm, os motvas da {nerveneao da mediina no ambit erminal eos motvos da Jstiga penal de recorer&paiquatia sto essencalment dt ferenten {0 crime monstruoso,simultaneamente contra a nature zae sem motivo, € forma sob a qual acabemn coneldindo & Gansta de aoe no ie, sempre ea mpotencia judiariaem determinar a paricao de in orn seer detrminado seus motivo. A biara sino. ‘matologla da monomania homicida ft esbogada no ponto de “Convengncia desses dots meeanismos. 3) Fncontra-se assim inseritotant na insted psu trca como na judciara, o ema o omem pergoso. Cada vez tnais« pratic,edepeia teria penal tender no sceulo DK ints lane no 26a fazer do indo perigoso o principal Stvo da inervencio punfiva. Cada vez mats, por et lado. a Delgado seule XIX tender procrar oo esa pa Tatgicos que podem marearosindvdvospeigososfouctra ral acre nina degenerate in dh pergoso dara origen, por wm lado, &antropaoga de ho thent ertmnoso coma escola alana , por outro, a teria da Gea soci! representada inilalmente pela escola bela. 1) Porem ~ outa consegoéncla importante ~ veremos Se transforma consideravement antiga nocao de respensabi- Iidade penal esta, pelo menos em certosfugares ainda esta Nprivima do directo chil por exemple asnecessidade. para 8 10978 A volute da Need de "nddon Parga”. 15 Imputabitidade de uma infragao, de que seu autor fosse livre, Cconsciente, nao atingido pela foucura, sem nenhuma crise dé furor. Atualmente, a responsabilidade nao esta mais Hada ‘apenas a essa forma da conseiéncia, mas sim a inteligibalida {de do ato referida a conduta, ao carater, aos antecedentes do {ndividuo, 0 individuo aparecera tanto mals responsavel por seu ato quanto mais ester ligado a este por uma determina, ‘cao psleologiea. Quanto mais um ato for psicologicamente ‘determinado, mais seu autor podera ser considerado penal: mente responsavel por ele. Quanto mais wm ato for de alguma forma gratuito ¢ indeterminado, mais exstia a tendencia a ‘desculpé-lo. Paradoxo, portanto: a Uberdade Juridica de wm ‘sujeito € demonstrada pelo carater determinado de seu ato: ‘sua imesponsabilidade é provada pelo carater aparentemente znao necessario de seu gesto. Com esse paradoxo tnsustenta- vyelda monomania edo ato monstruoso, a peiguiatria ea jastl- ‘ca penal entraram em uma fase de incerteza, da qual ainda estamos longe de sai: os jogos da responsabilidade penal e da {determinacae psicologica se tornaram a cruz do pensamento Juridieo ¢ medieo, Gostaria de me situar agora em um outro momento part ccularmente fecundo para as relagdes entre a palquiatria ead ‘eto penal: 08 ttimos anos do século XIX ¢ os primeiros do XX, entre 01 Congresso de Antropologla Criminal (1885) ¢ a publieagao por Prins da Défense sociale (1910) (© que se passou entre 0 periodo que ex evocava anterior~ ‘mente e este do qual gostaria de falar agora? Infelalmente, na ordem da psiquiatria propriamente dita, ‘nocd de monomania fol abandonada, nao sem hesttacao ere {orno, pouco antes de 1870. Abandanada por duas razoes, Em primeiro lugar porque aidela. em suma hegatia, de uma Joucura parcial, agindo apenas em sim ponto.e se desercade- ando somente em certos momentos, oi substituida pela idea 6. Congress auton de Antropelogla Cena (Ra, neo de 1855, Actes du onges Tum, 1886. rns (un dfense soa es ‘ransomatons di dro pal Brsselag. Misch ¢Taen 1910, 16. Michel Fovesuit- Dios Exrtos de uma doenca mental que nao era necessariamente um dano ‘do pensamento ou da conseiencia, mas que pode prejudicar a afetividade, 08 instintos. 0s comportamentos automaticas, ‘deixando quase intactas as formas do pensamento (0 que fot ‘chamado de loucura moral, loueura instintiva, aberracio dos Instintos e,finalmente, perversdo corresponde a essa clabora- ‘elo que, desde a década de 1840 aproximadamente, escolheu ‘como exemplo privilegiado os desvios da condita sexual). Mas ‘2 monomania fot tambem abandonada por outro motivor a lidéia de doencas mentais com evolucao complexa e polimorfa que podem apresentar esse ou aquele sintoma particular em {lou tal estagio de seu desenvolvimento, efsio nao apenas na, escala de um individuo, mas tambem na escala das geragoes — fo sea, a ideia de degenerag Pelofato de se poder definir essa grande ramifcacao evolt va, ja nao era mals preciso opor 0s grandes crimes monstruo 508 € misterosos, que remeteriam a violencia incompreensivel daloucura eae pequeno deta, muo feqiientee familar para ‘gue se tenha necessidade de recorrer ao patologica. Desde en- ‘G0, quer se (ratasse de incompreensiveis massacres ou de pe- aquenos delitos (relatives a propriedade ou a sexualidade), de {Qualquer modo. ¢ possivel supor uma perturbagao mais ou me ‘hos grave dos instintos ou dos estagjos de um desenvolvimento Interrompido (assim, vernos surgir no campo da psiquiatria legal as novas categorias da necroflia, por volta de 1840, da leptomania, em torno de 1860, do exbicionismo, em 1876; 04 ainda a consideracao, por essa psiquiatria, de comportamentos tals como a pederastia ou 0 sadismo) H, portanto, pelo menos {em principio, um continuum psiquiatrico e eriminologico, que permite intereogne em termos meslicas qualquer grau da escala penal. A questao psigulatrica nao é mals situada em alguns [andes crimes; mesmo que se deva dara ela uma resposta ne jgatva, eonvem situa-ladentre todo um dominio das ntracbes. (ra, isso tem consequéncias importantes para a tcoria Ju- ridica da responsabilidade, Na coneepeao da monomania, a Inpacese patologiea se formava all onde, justamente, nao hi ‘ia motivo para um ato; loucura cra a causa daquilo que nao linha sentido, e a irresponsabilidade se estabelecia nessa de- fasagem, Porém, com essa nova analise do instinto e da afet- ‘idade, havera a possibilidade de uma anise causal de todas ‘8 condulas, delingaentes ou nao, qualquer que seja o grat 1078 -ABrolucto da Noto etna Feigono™ 17 de sua criminalidade. Dato labirintoinfinito em que se vi en: volvido o problema juridico psiquitrico do crime: se um ato € determinado por tum nexus causal, € possivel considers-lo livre: le implicaria a responsabilidade? Para que se poss condenar alguém, & necessario que seja impossivel recons- ‘rutra inteligihilidade causal de seu ato? ra, no pano de fundo dessa nova maneira de colocar 0 problema, ¢ preciso mencionar as inimeras (ransformagoes {que foram, pelo menos em parte, sua condicao de possibiida- de. Inicialmente, um desenvolvimento intenso do esquadri- ‘nhamento policial na maior parte dos paises da Buropa, 0 que Acarretou, em particular, um remanejamento e a institutcto dda vigiineia urbana. oque também redundow na perseguicao ‘muito mais sistematica e eficaz da pequena delingueneia. preciso acrescentar que 0s conflitos soviais, a lutas de clas- ‘e5, 0s confrontos politicos, as revoltas armadas ~ desde os Xestruidores de maquinas do inicio do século aoe anarquistas os tltimos anos, passando pelas greves volentas, as revolt 0es de 1848 ea Gomuna de 1870-incitaram os poderes a as similar, para desacredita-los, os delitos politicos ao erime de ‘ireto com, EE preciso acrescentara iso um onto elemento: o fracasso renovado e constantemente apontado do aparetho penitencia- +9. 0 sonho dos reformadores do século XVI ¢ dos flantro- pos da epoca seguinte era o de que a prisio, desde que ela fosse racionalmente dirgida. tvesse o papel de uma verdad Tecuperagao dos condenados deveria, logo se percebeu que a prsao levava a lum resultado exatamente oposto, que ela era antes escola de elingdencia, e que os mals refinados metodos do aparelho policial judictario,longe de garantirem uma melhor protecao Contra o crime, evavam, pelo eontratio, por intermédio da pr sao, a um reforgo do meio eriminoso. Hava, assim, por toda uma série de motivos, uma situacao tal em que existia uma fortigsima demanda social e politica de reacao ao crime e de repressao, e na qual essa demanda tn- ‘luia uma orignalidade pelo fato de que ela devia ser pensada fem termos juridicos e medicos: no entanto, a pega central da ‘nstituicao penal, desde a dade Média ~ou Seja, a responsabi lidade - parecia totalmente inadequada para pensar esse do ‘minio tio amplo e complexo da criminalidade médico-lega. 18 Mohel Foucault - Dios eEartos Essa inadequacio apareceu, tanto no nivel das concepgdes ‘come no das Institulgdes, no confito que opds, por volta da écada de 1890, a dita escola de “antropologia criminal” & ‘Associagao Internacional de Direito Penal. Isso porque, éiante {dos principios tradicionais da legislacao eriminal, a escola italiana ou os antropélogos da eriminalidade exigam nada menos do que um abandono do direito ~ uma verdadeira “despenalizacao™ do crime pela instiutcao de um aparelho ue fosse diferente do previsto pelos Codigos. Esquematizan= do bastante, tratava-se, para a antropologia eriminal, de: 1) Abandonar completamente 2 nocao juridica de responsabili= ade e colocar come questio fundamental nao absolutamente fo grat de lberdade do individuo, mas o grau de periculosida- fe que ele constitu para a sociedad: 2) enfatizar, além disso, ‘que os réus que o direito reconhece como Irresponsvels por- ‘que doentes, 1oueos, anormals, vitmas de impulsos iresist vels, s20 realmente 0s mals perigosos: 3) demonstrar que laquilo que chamamos de “pena” nao deve ser uma punicao, mas im mecanismo de defesa da sociedade: marcar, portant, que 2 diferenca nao esta entre responsdvels a condenar € trresponsavels a sollar, mas sim entre sieltos absoluta edeft- hitivamente perigosos e aquecles que, por meto de certos tata rmentos. devxam de sé-o: 4) conclulr que devem existirtrés frances tipos de reagoes socials ao crime, ou melhor. 20 pert- fo que 0 eriminoso constitu: a eliminacao definitiva (pela ‘morte ou pelo encarceramento em) uma instituicao),a elimina {20 provisoria (com tratamento), a eliminagao de qualquer ‘modo relativae parcial esterlizacao, castracao), Vemos clara ‘mente a série de deslocamentos exigdos pela escola antropo- Togtea: do crime ao eriminoso, do ato efetivamente cometido 20 [perigovirtualmente implicit no individuo, da punicao modu- fada do reu a protecao absoluta dos outros. E possivel dizer que se chegava alia um ponto de ruptura: a criminalidade, desenvolvia a partir da antiga monomania, em ‘uma proximidade freqdentemente tempestuosa com 0 direto penal, corra risco de se dele excluida, por excesso de radica lismo, Enos encontrariamos em uma situacao semelhante & do pponto de partida: tum saber tentco incompativel com o dieit, ‘Sando-o desde 0 exterior © apenas podendo se fazer ouvir a partir dele. E um pouco como a nocio de monomanta podia ‘Servir para recobrir de loueura un erime cujos motives nao se 1078 A vega da Noga “navn Pers. 19 via, a nocao de degeneragao permaitialigar 0 menor dos erimi- ‘nosos a todo um perigo patologico para a sociedade, e final ‘mente para toda a especie humana. Todo o campo das infracoes podia se sustentar em termos de perigo,e, portant de prote ‘Gao a garantr.O direito nada nha matsa fazer senao calar-se ‘1 tapar o8 ouvidos e se recusar a escutar DDizem de modo bastante habitual que as proposigoes fun amentais da antropologia criminal foram muito rapidamente ‘desqualificadas por inuimeras razOes: sua ligacao com um ci tentifcismo, com uma certa ingenuldade positivista da qual 0 proprio desenvolvimento das ciencias se encarregou, no Sec lo XX, de nos curar: seu parentesco com um evohicionismo |istoricoe socal, que tambem fol rapidamente desacreditado 6 fundamento que elas encontravam em uma teorla neurops! ‘quiatrica da degeneracao, que a neurologla, por um lado, a pslcanalise, por outro, rapidamente desmantelaram: sua in- apacidade de se tomnar operatéria na forma de legislacto pe- nnal e na pratica fudiciaria. A era da antropologia criminal, ‘com suas ingenuidades radicais, parece ter desapareeido com ‘© séeulo XIX, e uma psicossociologia da delingateneta, musto ‘mais sutile bem mais aceitavel pelo direito penal, parece ter tomade a dianteira. ‘Ora, erelo que, de fato, a antropologia criminal, pelo menos ‘em stias formas gerais, no desaparecey tao completamente ‘com se pretende afirmar: e que algumas de suas teses mais fundamentals, e tambem as mais exorbitantes em relagao 0 direito tradietonal, foram se enraizando no pensamento © na pratica penal. Porém, Isso nao teria podido ocorrer unicamen- te pelo valor de verdade ou, pelo menos. unicamente pela orga de persuasto dessa teoria psiqulatrica do crime. sso porque se produzit de fato (oda uma mutacie do lado do Feito, Quando digo “do lado do direto", Isso talvez se, sem Guivida, dizer demats: pois as legslacoes penais ~ com algu- ‘mas excecoes (como o Codigo noruegues, mas aise tratavaafl- rnal de um novo Estado) e com a ressalva de alguns projetos ‘ue. alés, permaneceram no limbo (como o projeto de Cdigo Penal suigo) ~ permaneceram pouco a pouco parecidas con: ‘igo mesmas: as lels sobre o sursis, areincidencia ou 0 exo foram as principals modificacoes realizadas, nao sem hest tacses, na legislacdo francesa, Mas nao € deste lado que ‘examinarel as mutagoes, mas sim do lado de uma peca, simul- 20 mice! Foucault Dios ¢ Eats taneamente tedrica ¢ essencial: a nocao de responsabilidad. E se ela pode ser modificada nao fot tanto por causa de algum abalo de pressao interna, mas sobretudo porque, na mesma {poca. se produziu no dominio do direito civil uma evolucao ‘consideravel, Minha hipotese seria: foto direto civil, e nao a ‘eriminologia, que permitix que o pensamento penal se modi tasse em dois ou trés pontos capitals: ft ele que possiblitou 0 fenxerto no dieito criminal daguilo que havia de essencial nas {eses da criminologia da época. E bem possivel que, nessa ree laboracao realizada primeiramente no direito civil 0 juristas Livessem permaneeido surdos as proposicoes fundamentals 4a antropologia criminal, ou pelo menos jamais teriam Udo 0 Instrumento capaz de fazé-las passar para o sistema do dirt {o. De uma maneira que pode parecer estranha & primeira vista, flo direito cil que possibilitou, no direito penal, a arti- ‘culacdo entre o Codigo ea ciencia Essa transformagio no direito cil gira em torno da nocto de acidente, de risco e de responsabilidade. De modo muito feral, 6 preciso enfatizar a importaneia assuimida pelo proble- ‘ma do acidente, sobretudo na segundo metade do século XIX, tendo apenas para o direito, mas tambem para a economia © politica. Vao me responder que, desde o século XVI. o sistema fe seguridades havia mostrado a importancia que je atri- Dbuia as eventwalidades. Porem essas seguridades se referiam. apenas a riscos de qualquer forma individuals e, por outro lado, excluiam inteiramente a responsabilidade do tnteressa- do. Ora, no século XIX, com o desenvolvimento do assalaria- ‘mento, das téenicas industrais, da mecanizagao, dos meios de transporte, das estruturas urbanas, surgiram duas coisas Importantes: primetramente, os riscos que se faziam correr terceiros (o empregador expondo seus empregados a aciden: tes de trabalho, os transportadores expondo a acidentes nao apenas os passageiros, mas também pessoas que por acaso festivessem ali a seguir, ofato de que os acidentes podiam ser Treqientemente corretacionados a usm tipo de falta ~ porem ‘uma falta minima (desatene20, desculdo, negligéncia) e ainda ‘mais cometida por alguém que nao podia arear com a sua res- Ponsabilidade evil e com o pagamento dos danos a ela relacio rados, ‘0 problema era fundamentar juridicamente uma respon ssabilidade sem culpa, Este foi 0 esforgo dos eivilistas oct 19784 rol da Noga de“ Pegs”. 21 dentais e, sobretudo, dos juristas alemaes, impelidos pelas fexgnctas da sociedade bismarckiana - sociedade nao apenas de diseiplina, mas também de seguranca. Nessa pesquisa de ‘uma responsabilidade sem culpa, os ciilistas defendiam um certo numero de principios importantes: 1) Bssa responsabilidade deve ser estabelecida de acordo nto ‘com a série de erros cometidos, mas com 0 encadeamento das ‘causas € dos efeitos. A responsabilidad esta mats do lado da ‘causa do que do erro: €a Causalhaftung dos juristasalemaes. 2) Essas causas sao de duas ordens, nao excludentes entre st: encadeamento de fatos precisos ¢ individuals que foram Induaidos uns a partir dos outros: ea eriagao deriscosineren- tes a um tipo de acao, de equipamento, de empreendimento. '3) Bsses risoos devem ser por certo diminuidos da maneira ‘mais sistematicae rigorosa possivel. Porém é verdade que eles rndo poderao ser eliminados, e que nenhum dos empreendi ‘menos da sociedade moderna detxara de ter isco, Como dizia Saleiles, “uma relacao de causalidade que se relaciona a um ‘ato puramente materal, que em st mesmo se apresenta como tum fato arriscado, nao irregular em si mesmo, nao contrario| aos usos da vida moderna, mas que desdenha da extrema prudéncia que paralisa a cao, em harmonia com a auvidade fque se impbe hoje e conseqtentemente desaftando as aver- Sbes ¢aceltando os riscos, ¢a lel da vida de hoje, ¢ a regra co- ‘mum, eo diteito ¢ feito para refletir essa concepeao atual do spirit, de acordo com sua evohgao sucessiva’.” 4) Quanto a essa responsabilidade sem culpa, ligada a um, risco que jamais poder desaparecer completamente, a inde hizagao nao é felta para sanciond-la como uma quase-pu- higio, mas para reparar seus efeitos, por um lado, e para tender, por outro, de uma maneira assintotica, a diminuir ‘seus ristos no futuro, ‘Ao eliminar o elemento da culpa no sistema da responsabi lidade. os ciiistas introduziram no direito a nocao de proba: Dilidade causal ede rseo, e fizeram aparecer a ideia de uma 7S (R), Les aces de wal et a esponsaba cine Been une (hoor ojecte deta response dtu Pari A. RUSE IB. p38. 22. mie! Foucault Dios «Easton ‘sancito que teria a fungao de defender, de proteger, de fazer pressao sobre inevtivels riscos. Ora, de maneira bastante estranha, ¢ essa deseriminala ‘cao da responsabilidade civil que vai constituir um modelo para o direito penal. & 1ss0 a partir das proposicoes funda. Imentais formuladas pela antropologla criminal. No funda, 0 ‘que ¢ um eriminoso nato ow um degenerado, ou uma perso- falidade criminosa senao alguem que, conforme um enca. @eamento causal difell de reconstitwir, porta um indice particularmente elevado de probabilidade eriminal, sendo em Simesmo um risco de erime? Pots bem, tal como ¢ posse! de- {erminar uma responsabilidade civil sem estabeleter a culpa, ‘mas unicamente pela avaliacao do riseo criado contra o qual é preciso se defender sem que seja possvel anl-to, da mesma forma se pode tornar um individuo penalmente responsavel sem ter que determinar se ele era livre e se havia culpa, mas ‘orrelacionando oto cometido ao risco de eximinalidade que constitut sua propria personalidade. Ele € responsavel, ja que pena por sia existencia ele € eriador de riseo, mesmo que ‘no seja eulpado ja que nao preferiu, com toda liberdade, 0 ‘mal ao bem, A punicio no ters ent por finalldade punir um sujelto de direito que tera voluntariamente infringdo a le: ela tera o papel de disninutr, na medida do possivel ~- sefa pela el ‘minacho, pela exelusio, por restricbes diversas, ou ainda por ‘medidas terapéuticas ~ 0 risco de criminalidade representado pelo individuo em questao, ‘Aideia geral da Defense sociale, tal como exposta por Prins no inicio do século XX, formou-se pela transposieao para a Justa criminal das elaboracoes proprias ao novo direito ci A historia dos eongressos de antropologia criminal e dos con sressos de direto penal. na virada entre os dois séculos, a feronica dos confltos entre clentistas positivistas e juristas ls, ea brusea parada produzida na epoca de Liszt 's, de Prins. o rapido desaparecimento da escola it” liana a partir desse momento, mas tambem a diminuicao da resistencia dos Juristas a psicologla do eriminaso, a constitu ‘ea0 de um relativo consenso em torno de uma eriminologla ‘que seria acessivel ao direita e de uma penalidade que daria ‘conta do saber eriminologico, tudo isso parece indiear clara- mente que se hava encontrad neste momento 0 comitador de que Se necessitava. Esse comutador @ a nogae capital de 19754 Beluga Nog de "nao Perens. 29 ‘isco, que direito nstituiu com a idéta de uma responsabil: dade sem culpa, e que a antropologia, ou a psicologia, ou a ‘psiguiatria puideram instituir com a idéla de uma imputabill- ‘dade sem iberdade. O termo ~ allas, central ~ "ser perigoso” ‘ou “periculosidade” teria sido introduzido por Prins, na sess ‘desetembrode 1905 da Uniao Internacional de Direito Penal.” Nao fret aqul uma relagao das intimeras legislagoes,regu- lamentos, circulares que, em todas as instituigoes penais do ‘mundo inteiro, se utiizaram, de um modo ou de outro, dessa nhocto de estado perigoso. Gostaria apenas de enfatar dvas fu tres coisas. [A primeira € que, a partir dos grandes crimes sem moto {do info do século XIX, nao ¢ tanto em torno da liberdade que 'e desenrolou de fato 0 debate. embora essa questao sempre cestivesse presente. © verdadeiro problema, aquele que fo fefetivamente elaborado, foo do individuo perigoso. Ha indivi- ‘duos intrinseeamente perigosos? Como ¢ possivelreconhece- las e como podemos reagir 4 sua presenca? O direito penal, a0 longo do século pasado, nao evolulu de uma moral da ler dade a uma eiéneia do determinismo psiquico; ele antes com- preendeu, organizou, codificou a suspelta e a identificacao {dos individues perigosos, da figura rara e monstruosa do mo: hhomaniaco aquela, feqiente, cotidiana, do degenerado, do perverso, do desequilibrado nato, do imaturo etc E preciso enfatizar também que essa transformacio nao se realizou somente da medicina para o direito, como pela pres ‘a0,de um saber racional sobre antigos sistemas prescritivos ‘mas ela se operou por um continuo mecanismo de apelacao & de interagao entre 9 saber medico ou psicologico e a institut ‘co judiciaria. Nao fot esta que a cedeu. Ela se constitu {6.4 Unio itemaclonl de Die Fel fs em 1869 plo bel Pens ‘ slemta von List pel laces Van Hal, prmoves more ‘essa chiielopen ons, ate guerm de 1914, mterom con {ress M. Four veferenc neoduco dana de “end per [5° por Mbp Pins em au eamunseasto no X Congres Internacional Dirt Penal Blabugo, 12 de sete de 1905" aeultes actueles 4 pete repress Actes dX" Congres Buln de Union erat ra de do penal vo Bern. J. utter 1900p. 962 2A mene! Fouclt- ios Barton ‘como tum dominio de objeto eum conjunto de conceitas que se originaram nas suas fronteras, a partir de suas trocas. rae € sobre este ponto que gostaria de me deter ~. me parece que a maioria dessas nogoes que se formaram dessa ‘maneira sio operat6rias para a medicina legal ou para os peti- ‘os psiquiétricos em matéria criminal Porém, sera que nao fol introduzido no direlto algo mais do ‘que as incertezas de um saber problematico, ou seja, 08 rudl- mentos de um outro direito? Pois a penalidade moderna ~ € {sto da manera mais retumbante desde Beccaria ~ apenas da a Sociedade direito sobre o8 individuos através daguilo que fees fazem: somente usm ato, definido como infraca pela le, pple oeasionar uma punieao, sem duvida modificavel de acor ‘do com as circunstancias ou as intencoes. Entretanto, a0 co Jocar cada vez mais no primeiro plano nao apenas o eriminoso como sujlto do ato, mas também o individu perigoso como virtualidade de aos, sera que nao se dao & sociedade direitos sobre o individuo a partir do que ele €? Nao mais, ¢ claro, a partir do que ele ¢ par status (como era o caso nas sociedades 40 Antigo Regime), mas do que ele € por natureza. segundo a ‘sua constituleao, seus tracos de carater ou suas variaveis pa- tologicas. Uma fastiga que tende a se exercer sobre aquilo que ‘se € agul esto que ¢ exorbitante em relagao a este direto pe- ‘nal qi os reformadores do século XVIII haviam imaginado, ¢ {que deveria punir, de manetra absolutamente igualitara, as Infracoes explicita e previamente defnidas pela lel, Certamente vao me responder que, apesar desse principio eral, o direito de punir, mesmo no século XIX, fot modulado ‘nao somente partir do que os homens fazer, mas a partie do ‘que eles sao ou daquilo que se supoe que eles sefam. Ta0 logo ‘08 grandes Codigos modernos foram instituldos, procurou-se Aexibiliza-los por legsiagoes, tals como aquela sobre as cir ‘cunstancias atenuantes, a eineidéncia ou Hberdade condi ‘clonal; tratava-se enti de levar em conta, por tris dos alos, laquele que 0s havia cometido. E certamente 0 estudo mi ‘ucioso e comparado das decisées de justica mostraria faci mente que, no cenario penal, os infratores estavam pelo ‘menos Lao presentes quanto suas infracbes, Uma justica que apenas se exerceria sobre o que se faz nao passa sem duvida de uma utopia, e nao € necessariamente desefével. Porem, 1078 A Bvolgto da Porto deta Pena. 25 pelo menos desde 0 século XVII, ea constituiy © principio Forteador. 0 principio juridico-moral que rege a penalidade ‘moderna. Ble nao era entao questionado, ¢ ainda nao se pode coloeé-lo, de tim golpe, entre parenteses. Fol insidiosamente, Tentamente e como por baixo ¢ por fragmentos que se organ ‘zou uma penalidade sobre o que se €: foram necessarios quase 100 anos para que essa nocao de “individuo perigoso". que es- tava virtualmente presente na monomania dos primeiros alie~ nistas, fosse aceita no pensamento juridico e, ao cabo de 100 ‘anos, se ela se tornou um tema central nas pericias psiquiatri- fas (na Franga, € muito mals da periculosidade de um in ‘dvd do que de sua responsabilidade de que falam os ‘psiqulatras nomeados como peritos), 0 direito eos Cadigos pa- tecem hesitar em dar-Ihe espago: a reforma do Codigo Penal latualmente em preparo na Franca foi a solucio encontrada para justamente substituir a antiga nogao de "deméncia", que fornava iresponsavel o autor de um ato, por nogbes de discer~ nlmentoe de controle, que sio, no undo, apenas a sua versio ‘modernizada. Talvez se entreveja o que haverta de terivel em. “utorizaro drelto a intervir sobre os individuos em funcao do ‘ue eles sao: uma sociedade assustadora poderia advir dai. "Nao resta duvida de que, cada vez mais, no nivel do funcio- ‘namento, os jizes necessitam acreditar que eles Julgam um hhomem tal como ele ¢¢ segundo aquilo que ele é. A.cena que ‘evoquet ao iniciar demonstra Isso: quando um homem chega Giante de seus juzes somente com seus crimes. quando ele hada mais tem a dizer, quando ele nao faz 0 favor ao tribunal {de entregar-Ihe algo como o segredo de si mesmo, entao. 1978 Sexualidade e Politica “Seto st wo Katara” Sexual eps entretsta con C. Nemo € DM Watarmbecm 27 ce a de 1078, ho oma Asa, Asa Jaana, 20) fo," To, 12 de mato de 1078 ps 15-20 M, Watanabe: Sr. Foucault, hoje, 27 de abril o senhor dew ‘uma conferénela muito interessante sobre "O fildsofo 0 po- dder no mundo ocidental” na sala de conferéncias do Asal Nos préximos niimeros desta revista iremos publicar um re- ‘sumo de sua anilise a respelto do papel desempenhado na Europa pela técnica do poder da lgreja Catoica. 0 que 0 se- ‘hor chama de “poder morfologico do padre’, ao long da for- ‘magao do individuo ¢ na fungao do poder. éujo objeto era 0 Individuo. Ja que o senhor parte amanha para Paris, esta sera ‘lima entrevista de sua estada noJapao, egostaria que dis Cutissemos aqui sobre sexualidade e politica Ora, seria possivel dizer que a sexualidade e a politica, ou ‘meltior, a sexialidade eo poder sao 0 prineipal ema, o moto {nilal da Historia da sexualidade que o senhor esta escreven- do. O primeiro volume, A vontade de saber, fot publicado no fano passado. Tvadust parte dele para inseri-la em Umi de ‘Chao Karon, ea traducao da totalidade est em andamento. GGostaria de ihe fazer algumas perguntas sobre certas propos- tas e hipoteses que o senhior apresentou ‘Um tema como a sexualidade e o poder evoca de imediato ‘0s problemas da censuia e,a seguir, aqueles sobre a uberdade sexual, estreitamente relacionados entre ‘Uma das propostas mais importantes em A vontade de sa ber€ que, aa falarmos desta manelra sobre a iberacao sexual fea injustiga da censura, nos escapa o essencial dos fendome- nos atuais que envolvem a sexualidade. Ou seja. que a hipote- ‘se repressiva oculla 0 fenomeno da proliferaea0 anormal dos 1978 Semuadadee Pte 27 discursos a respetta do sexo, De fato, este fendmeno & essen- ‘lal para anallsar as relagbes entre a sexualidade eo poder. Isso nao significa que se subestime a injustica da censura. ‘mas que seria precio situa como uma pega de um aparelho de poder mais importante. ‘Apesar da suspensao das interdigds relatvas a pornogr- ‘na polo governo do presidente Giscard dEstang. supoaho ‘que também haja na Franca censuras diversas e sistemas de ‘xcluado nease campo. No Japao, a censura functona de uma maneiranitidamente mais absurda, embora sea natural que 4 perspectiva da iberaca sexual sea um objedvo para aque Tes que se opoem ao poder ‘Arnorma da censura € totalmente arbitrila, € nos parece evidente que se trata de uma estratésia do poder. Talvero se- ‘hor tenha ouvio falar, por exemplo, que a censura em rela ‘edoas imagens ¢excessiva se comparada aquela referente 20s “iscursos: quanto as imagens. a censura alua somente nos pos publanose nos sexos em relagao as discursos. os tex. {os exbicionistas destinados as revistas semanas st tlera- dos, enquanto as obras litera sao censuradas. Como em seus outros livros, A vontade de saber esclareceu coisas que Justamente nao examinaros, ov melhor, que nao soubemos Situar em seus devios hugares, bora pensemos nelas¢ as pereebamos na vida do dia-a-dia. Por outro lado, o senior re- loco esses coisas em seu sistema. No Japao ha, por um Indo, a censura burra, queimpede até meso a importagao de reviatas de moda se no forem eliminados os pelos publanos ©. por outro, somo inundads de dacursos sobre sexo. os- taria de velar afeso mais adiante. C. Nemoto: Para comecar. vamos fala de O tnpéro dos sen- ‘ido. fle de Nagjoa Oshima, que tev sucesso a Panga € ganhou uma reputagao gracas& censura no Japao-O senor ‘ia eave fine? 'M. Foucault: Claro que sim: ex 0 vi das ves. C. Nemoto: O senor sabe o que ocoreu no Japao quando esse fle ft smportado? 28 mice Foucault Ditoe © Bseros W, Watanabe: Via-se a imagem separada em dias no meio da tela, pots as partes profbidas Unham sido cortadas, -M. Foucault: Nao sou muito bom em anatomla e no const 0 imaginar claramente o que poderia resullar disso, mas de ‘qualquer forma isso ¢ um escandalo, -M. Watanabe: Qual fo a sua impressao sobre o filme? IM, Foucault: Pessoalmente. nada posso dizer sobre o pro- blema das imagens proibidas- das toleradas no Japao,etarn- ‘bém sobre o fato de que aquilo que fot mostrado nesse filme {enha sido considerado, no Japao, particularmente escanda- oso, pois, na Franca, ha um sistema de censura completa ‘mente diferente. De qualquer forma, 0 sistema de censuira ceiste... Porém nao ereio que as imagens mostradas ness fl- ‘me nunca tenham sido mostradas anterlormente, Isso 1140 significa de forma alguma que seja um filme anddino. Quando falo de “imagens que nunca foram visas” nao se trata neces sariamente de imagens sexuals, de imagens de sexos. Em fil mes recentes, pode-se ver 0 corpo humano em geval, seja a cabeca, obrago, pele, mostrada sob um angulo ineiramente novo; trata-se, portanto, de novos pontos de vista. Nesse filme no vemos imagens que jamais foram mostradas. Em troca, fquet bastante impactado pela forma das rela- ‘es entre o homem ea mulher, mais preeisamente pelas rela ‘oes desses dois personagens com 6 sexo da homem: esse ‘objeto € a ligacdo entre os dois, tanto para o homem como ppara a mulher, eele parece pertencer as dots de manelra die rente. Essa amputagao que se produ no final do filme ¢abs0- Jutamente logica,e€ uma coisa que jamais ocorrera em filmes franceses ou na cultura francesa, Para os franceses,o sexo do homem ¢ iteralmente atrba- todo homem: os homens se identifica com seu sexo, e man tém relagoes absolutamente privilegiadas com ele, Bste € umn fato incontestavel. Assim, as mulheres se beneficiam do sexo ‘masculino unicamente no caso em que esse diretoThes ¢ con ‘cedido pelos homens, seja porque eles o emprestam ou porque ‘oimpoem a elas: da a dela de que o gozo masculino esta em primero plano e de que ele ¢ essenctal [Nesse flme, pelo contrario, 0 sexo masculine é um objeto {que existe entre os dols personagens, eeada tm possti ao set ‘modo um direito a esse objeto. £ um instrumento de prazer para os dois e, ja que eles obtem prazer dele, cada um a0 set) 1970 Senuaade «Poe 29 ‘modo, aquele que obtém mais prazer acaba tendo mais diretto {cle E precisamente por isso que. no final do filme. a mulher possul exclusivamente esse sexo ele pertence somente a ela, ¢ ‘© homem permite ser privado dele. Nao se trata da castragio no sentido corriqueiro, pols o homem nao estava & altura dos pprazeres que seu sexo dava a mulher. Crefo que ¢ preferive di zer que ee fl destacado de seu sexo, que seu sexo fot separa: do dele, W. Watanabe: Sua interpretaco ¢ muito interessante. Se fesse acontecimento ultrapassava amplamente 0 quadro dos Tatos diversos e provocava a sensagao, se ele incitava a imag ‘nagio des japoneses da época como também dos de hoje, tal ‘vez seja porque existe uma flusao mitica e coletiva que 0s jJaponeses conservam sobre o sexo masculino desde a epoca ‘antiga, De qualquer forma, ereio que € diferente da simples ccastracao, ‘Sobre a hipotese repressiva ea multiplcagto des discursos| sobre sexo, como 0 senor explicou em seu seminario sobre “0 sexo €0 poder” na Universidade de Toquio, 0 ponto de par lida da Historia da semuadade era uma comparacio entre 0 ‘aumento do ntimero de histerieas no fim do seculo XVII eno ‘século XIXe as abordagens medicas da sexualidade desenvol- vidas no século XIX. Ou seja, por um lado, desenvolve-se a histeria, que € um esquecimento do sexo. e, por outro, intens! feam:se 08 esforgos para inclutr todas as manifestagoes do sexo em tm discurso da sexualidade. ( senor vu nisso a aitude caracteristica do mundo oct- dental a respeito do sexo, desde a Idade Média, e que o apre ‘ende como saber, chamado pelo senhor de sctentia semualls Em eontrapartida, o senor faz a hipatese de que na Grecia antiga. no lmperio Romano e na Asia, 0 sexo, sob um outro ponto de vista, era praticado como ars erotica, unicamente para intensiicar e aumentar os prazeres dos atos sexu ‘O senhor mesmo aflrma que essa divisto nao passa de wm ponto de referencia, Desde a era Me}, oasceticismo conficto hista e um certo asceticismo protestante produziram tabus que eram anteriormente desconhecidos pelos japoneses. Nao ‘vemos abolutamente de acordo com o principio das grav ras pornografeas, e ha coisas julgadas perversas em-nossa Sociedade, sem que haja interdicao religiosa ou legal ~ por exemplo,« homossexualidade, Em uma soctedade desse tipo,

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