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DE GARRETT A ECA: Razdes da Historia CARLOS REIS (Univ. de Coimbra) 1. O trajecto sugerido pelo titulo desta intervencio — de Garrett a Fa de Que 16s; © depois: tazaes da Historia — raz consigo dois protagonistas declarados e uma terceira personagem ainda ndo designada. O trajecto que assim se anuncia decorte, além disso, num cenirio historco dominado por um outro grande protagonist, este {de dimensio colectiva e algo difusa: chama-se romantismo, esse fundamental protagonista, © tajecto a que aqui me reco ¢ entdo, pelo menos duplamente, um movi- Tento: 0 do proprio romantismo, que uma antiga e i cxstalzada metifora encara como devir de um tempo cultural ¢ lteririo marcadamente dindmico: romantismos, no plural, e no romantismo, como bem se sabe. Ao mesmo tempo, penso no movimento de uma deriva, que & a das correlagdes possiveis com um outro movimento, fisado, de forma expedita mas aqui conveniente, nuim concelto de indole histrica, poltica € {deologica: © liberalismo, entendido também como mouve Inerieio, em articulagao directa com o romantismo em que ele se projecta e que mais de um titulo o transcend fe até determina, Um liberalismo que abunda em figuras & em eventos histéricos, como {que & espera de uma representacio lterria que nele apreenda personagens ¢ intrigas ssusceptiveis de refiguracio Ficcional. Passam por essa representacio lterria as razdes de uma Historia que, no tempo a que me reporto, correu de feicio # em velocidad: ajustada a modelizagées narravas, daquelas que bem consentem que se diga © que As vezes afirmam os narradores dos relatos twepidantes: as coisas aconteceram mais depressa do que o tempo que levamos a conti-las. Falo aqui nas razdes da Hist6ra, fixando-me em duas acepeBes que neste ccontexto predominam: razio como fundamentaclo explicativa dos fenémenos; subsi- dliariamente, raza0 como formulacio discursiva desse processo explicaivo, fogos que requer um “relato verdadeito e analitico", no sentido platonico que o distinguia do mythos (Peters: 1967, p. 136). Ao mesmo tempo, esta segunda acepsa0 € indissociével aquela outra razio (ou racionalidade), que € a que cultivamos, quando pensamos ue alguma coisa (a Histéri, por exemplo) deve fazer sentido: penso aqui em sentido ‘como sendo a identidade e textura semantica de alguma coisa; mas penso em sentido ‘numa acepgae que éjé espacalizada, acepcao a que nos referimos quando postulamos 1 direcco que se toma num certo trajecto a percorter. Perguntamos entlo: em que sentido (ou em que rumo) se orienta a Historia Em qualquer dos cases, quande as aades da Historia sto lidas na literanua, isso significa que estamos a colocas-nos nao apenas no nosso lugar de leitores distanciados- distanciados do tempo do romantismo do liberalismo, no caso que aqui trago -, mas que estamos também a beneficiar do relativo (e mais reduzido) distanciamento que a literatura oitocentisa cultvou, 30 tematizar factos e figuras historicas, Justamente: Juliin Marfas fala da necessidade esse distanciamento quando alude a uma outa razio, que € a da filosofia: «A ra230 io € ‘instantinea', declara Maras, -ndo consste na simples inteleccio de algo que esti presente, equer a descoberta de modos de conexdo e fiondamentagao- (Matias: 1998, p. 152), 2. bem conhecida e diversificada uma representagio romantica (# até post-0- ‘méatica) da Historia, em contexto de aniculagio ideol6gico-cultural do pensamento politico liberal com a cultura do romantismo. Relaciona-se directamente com essa ar culagio, como subgénero de abundante culo = circulagio entre és, 0 romance his {6rio, designadamente aquele que cultivou temas, figuras e cenarios medievais (ch. Marinho: 1999, passino. As cumplicidades entre romantismo ¢ lberalismo sto conhecidas, mas conver srecondivlas. Essas cumplicidades passam, evidentemente, pelo plano axiol6gico (que Go da afirmacao de valores esiruturantes comuns:lberdade, energia individual, rebel, fraternidade, etc.) desenvolvem-se no plano das concretizagoes histrico-sociol6gicas a vivencia do exilio, com tudo 0 que implicou de violencia psicol6gica e social, foi também, ironicamente, um pretexto para tentar compensar, pela via dos contactos cculturais que o expatriamento permit, 0 atrso e a marginalidade de que softia 0 ppequeno, fechado © periférico mundo cultuall portugués; e foi no quadro desse ‘expatriamento que alguns das nossos liberais puderam conhecer as novidades de umn romantismo jf adulto na Europa transpirenaics. Nao espanta, por isso, que ainda em 1834 Alexandre Herculano, um dos nossos mais famosos exilados, se refica_nest tetmos a0 Camdes(de 1825) e A Dona Branca de 1826) de Garret: Nao € para este lugar 0 exame dos méritos e desméritos destes dois poemas; mas 0 que devemos lembrar @ que eles s30 para nds os primeios @ até agora os tinicos monumentos de ‘uma poesia mais liberal do que a de nossos maiores-Capud Reise Pires: 1999, p. 28). Repare-se ¢ confirme-se: a par da nocio difuse de que a Historia Ce mesmo a hist6ria literisia) est em movimento, estas palavras insistem, logo entlo, no veio de expresso liberal que era possivel surpreender naquelas que normalmente consideramos serem as nossas primeiras obras romnticas, Vale a pena tentar compaginar rapidamente 0 que fica dito com orientagdes fun ddamentais de uma flosofia da Historia de raiz aegeliana, que nao poucos intelectuais roménticos acolheram. A noclo de espirito de povo pode igualmente ser entendida ‘como elemento relevante neste contexto, e com ela designamos ui -espitita historico, objectivamente individualizados Hartmann: 1983, p. 637) e se a relacionamos com luma concepgio teleologica da Historia: ela ¢, desse ponto de vista, sum processo cevolutivo ditigido para um fim, ¢ nele todo © acontecer esti dirigido abjectivamente para wm fim Glkimo do mundo’ (Hartman: 1983, p. 634). Encontramos aqui o rasto visivel de dois principios estabelecidos na intredugao a Filosofia da Hisnia de Hegel aquele que afirma que as mudangas historicas traduzem um avango no sentido da melhoria das sociedades & aquele que defendea capacidade de auto-sealizagao do ser 3. Aguilo a que aqui chamo as razées da Historia no pensamento estético de Garrett ¢, em particular, nas Viagens na Minba Terra tem que ver com aquelafilosofia, da Historia € com a necessidade de se encontrar um fundamento ¢ um Supome expC GaMnet Base de Me tivo para os Fenémenos histricos. A busca e formulagao do processo explicaivo aqui pressuposto passa pela enunciago do relato que analitcamente aspira a conhecer uma verdade. ‘Que Garrett foi sensivel a problematica da Historia eda historiidade em contexto Iterisio (com a especificidade ontol6gica e funcional que Ihe & inerente) € 0 que evi- ddenciam varios estemunhos da vasa reflexdo doutrindria garretiana, Limito-me aqui 1 evorar dois, bem conhecides, de resto: a -Meméria a0 Conservatorio Reak, particu larmente naquele passo em que o autor afirma a prevaléncia das razdes estéticas sobre os ditames da tlistria (@ 0 famoso -Eu sacrifico 3s musas de Homer, nao as de Herédoto: « quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo de melhor ver- dadel); 0 prélogo ao romance 0 Arco de Santana (-Ao Leitor Benévoto.), em que se faza apologia do romance historico como discurso que aponta também para a contem- poraneidade, assim se concretizando uma espécie de actualizacio da Histéria por incerposta fegao. © enqtiadiamento narrative das Viagens ¢ 0 contrato comunicativo que 0 seu. texto propoe parecem atenuar a preocupacio com a Histéria. Com efeito, a viagem 2 Santarém, que tem lugar em Julho de 1843, simula ser, por aquilo que no inicio da nnarracao se diz, um testemunho imediatista,resolvido no regtsto singelo da er6nica ‘protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se ha-de fazer erénica- (Garret: 1983, p. 84), diz o narrador quase a abrir, para mais dinigindo-se lexpressamente a destinatirios ~ 0 leitor e a leitora coevos ~ que obedecem também Aaquela logica do imediato.E contudo, rpidamente se percebe nas Viagens um propésito de aprofundamento histérico, muito para além da (fas) opeio cronistica: esse apro- fundamento acontece desde que se integra no relato da viagem um relato segundo, desvanecido naquele por reducto de alvel narrativo! « situado dez anos antes dele Para além disso, a palavra testemunhal de quem comeca 2 contar (no capitulo X) uma historia que hi-de ser a da menina dos rouxinéis, gera um evidente efeito de dlistanciamento, Mas é pelo facto de essa historia se articular estreitamente com factos (histéricas) dos anos 1832 a 1834 ~ incidentes das lutas liberais, incuindo extlios e guerra civil que as Vlagens, sem serem obviamente um romance histrico, recuperam, ‘a instincta da Historia e os problemas que ela permite equacionar, em clave ideologica Curiosamente, essa problematizacio torna-se tanto mais necessiria quanto € certo que. certos eventos do passado remetem, com as figuras que os viveram, para o presente dda viagem e da sua narragto: a carta de Carlos a Joaninha, datada de Maio de 1834, ceserita em Evora-Monte lida pelo narrador-viajante que confess ter sido companheiro do seu autor, reduz-a distincia historia e ideolégica antes instaurada, também por ser ‘essa carta facultada 8 leitura por um Frei Dinis que aparece (cap. XLII) no presente ‘da viagem, como se fizesse parte (e em cesta medida faz mesmo) desse presente, Percebe-se, por fim, que certas reflexdes de incidéncia meta-historica formuladas ainda no inicio da nazrativa assumem agora um sentido mais nitido e actuante, por fssim dizer conclusivo avant ia ere e esbocando uma flosofia da Histbria de fliag30 hhegeliana: remete para o pensamento do -profundo e cavo Mlésofo de além-Reno» (Garret: 1985, p. 90), de quem se fala logo no cap. Il, a alusdo A-marcha da civilizaco, daintelecto~ o que diramos, para nos entenderem todos melhor, o Progress (Garret 1983, pp. 90-91) Sintomaticamente, a diléctica espirtualismo-mateialismo que sustenta dita marcha cvillzacional ¢ o inerente decurso da Hist6ri, lustr-se com as figuras fe com a narrativa que, em muitos aspectos, sio referencia matricial de todo o relato ‘que resulta de uma viagem: 0 Dom Quixore de Cervantes. Diz 0 narrador: Tree dquo «que em natologia se chama nie pecud-diegticn. 0 miradr“spropria se" de tum celao cm rap pode, enoncado por uma peonagen-aradoe oj pala @ anced (GE tein open 202. pp. 259 300. v9 1@0 -Mas como na historia do malicioso Cervantes, estes dois principios tio avessos, 20 desencontrados, andam contudo juntos sempre; ora um mais tris, fora outro mais adiante, empecendo-se muitas vezes, coadjuvando-se poucas, ‘mas progredindla sempre. E aqui estd 0 que & possivel 20 progresso humano, E eis aqui a cronica do passado, a histéria do presente, 0 programa do futuro.» Garret, 1983: 91) A mengio & histéria (duas mengbes, de facto), nos termos e no contesto em ‘que ocorre, parece calculadamente ambigia ou marcada por uma certa duplicidade seméntia ela & uma historia ficcional (a das aventuras e desventuras de D. Quixote fe Sancho Panga, ilustando a tal dialéctca) que remete para uma outra Historia (a “histria do presente"), cuja raz20 dialéctica se nfo percebe a revelia da primeira, sua parabola iluste e concretizada em figuras de dimensao simbéics ( dliscurso ideologico das Viagens na Minba Terra Centendido aqui em termos obrigatoriamente muito genéricos) confirma esta inevitivel conjugagao de um relato ‘com propésito aparentemente lidico (a novela da Menina dos Rouxin6is) com a reflexio, exactamente de ordem ideolégica, sobre a “historia do presente". A dialecca frade-bardo explanada no capitulo XI projesta-se na novela, se bem que nao em termos lineares, quando nos apercebemos da confiualidade que atravessa a relaglo de Frei Dinis com Carlos, que vem a ser baraa jd depois do desenlace da historia, E do é linear essa projecgao porque, de facto, Frei Dinis no cortesponde 20 estere6tipo dos fades que o liberalismo quis neutralizar: dele dz-se que detestava -0 despotismo .) como nenlhuin iberal €capaz de 0 aborrecer, isto acrescentando-se logo depois: “Mas as teorias filosoficas dos liberais, escarnecia-as como absurdas, rejeitava-as como perversoras de toda a idea Si, de todo o sentimento justo, de toda a bondade praticivel (Garrett: 1983, p. 162). ‘© narrador idedlogo nao é capaz, neste ano de 1843 em que de certa forma ‘evoca a historia recente do liberalism, de refutar o anti-constitucionalismo de Frei Dinis Gagora, do frade € que me eu queria rt.. mas nao sei como; Garrett: 1983, p. 164), Em vez disso, acompanha, como ouvinte de um selato e como leitor de wma carta autobiogrifica, 0 rajecto pessoal de uma figura, Carlos, que em si mesmo envolve ‘destino histérico do liberalism, no tempo que vai de Maio de 1834 (data da cara & do fim da guerra civil) a 1843, ano da viagem edo relato-balango do Portugal contem- pporineo. E assim, a derrota moral do liberal, enunciada num passo conhecido do final dda carts! nf s6 corrobora a tese jt formulada, no tal capitulo XII, como permite que fo natrador da viagem e certamente também o préprio Garret atinjam uma espécie de sintese critica viabilizada pela andlise da oposicao frade-bario (ou Antigo Regime-libe- ralismo): Os tempos sio outros hoje, diz o narrador, os lberas j conhecem que ‘devem ser tolerantes, e que precisam de ser reigiosos- (Garrett: 1983, p. 299). A razio Sltima da Histéria, al como neste ponto quase final da viagem se acha esbocada, atinge-se, entdo, a parr da fundamentago explicaiva que o discorso (dla viagem, do Seu relato e da ideologia) concretizou; s6 assim a narrativa faz sentido e, com ela, @ Historia também, apontando para um fim de equilibrada superacio dos opostos. Se 0 que veio depois - depois do liberalismo, depois das Viggens e depois de Garrett ~ 0 Cconfirmou ou nao & 0 que ji veremos, 7 Palas de Cros ae termina a cara 3 Joainhs Ceo que me vou fazer homem poli, far kona pts com que me no importa, ala des misu0s que ao sel quem si, plat dos igs ‘Que munca fe poe vontade:e quem se. les d& por fim em spit, que a ac vida de emocdes fra quem so pose ter outs (Gare 18S, 5385, canner te 4,0 que acaba de ser dito estinula o alargamento da distancia entre o tempo histérico em equacio (que continua a ser 0 do liberalismo) o discurso que o analisa. No caso que agora brevemente nos ocupari, esse discurso & o de um historiader, Oliveira Martins, em varios aspectos mal amado pela historiografiae no 6 por ela. 0 texto em que ele historiou (relatou, melhor dizendo) as aventuras e desventuras do liberalismo € @ Portugal Contempordnee, os termos em que o fez explicam, em boa parte, arazao de ser das reticencias que aquela obra nlo raro enfrenta, Cotocado, do Ponto de vista tecnico, enunciativo e estlstico, num lugar oscilante entre o campo da historiografia e 0 campo da fleg2o narrativa, © Portugal Contemporiineo pode bem, dessa sua posicio como que vacilant, usta a conhecida tese que postula e defende ‘a condigio eminentemente retérica do discurso historiogrifico entenclido como arcefacto (White: 1978, p. 81 85). Para além disso, iisporta lembrar que o Portugal Contempordneo, publicado «em 1881, dista 47 anos da Convengio de Evora-Monte (e também, evidentemente, da Carta de Carlos Joaninha) e 38 anos da viagem a Santarém que deu origem a0 retato {arretiano ea sua Gio incipiente como perspicaz reflexao historica; olhando noutro sentido, agora prospectivamente, notar-se-i que aquela obra de Oliveira Martins ante cede em sete anos a publicagao (que tem lugar em 1888) d’Os Matas, romance jem inicio de escrita naquele ano de 1881. O que significa que 0 Portugal Contempordneo pode ser considerado, para os efeitos que aqui interessam, uma instancia de passagem fnire as Viagenise Os Maias e dando, a sua maneira, um testemunho singular acerca do destino do liberalismo, das suas cumplicidades Com o romantismo e das razdes historias que determinaram o principio de uma crise nacional atrastada até a0 final do século, essa mesma que Garrett adivinhou e que Eca e a Geragao de 70 testemu= rnharam de perto, jf ento sob o signo de uma dramatic sindrome da decadencia colectiva. Em termos gerais, 0 Portugal Contempordneo elabora 0 processo ertico do consttucionalisma monérquico, sistema politico inspirado num lieralismo individualista {que era, para Oliveira Martins, verdadeiramente uma ideologia importada, Uma parte Significativa das razoes da Historia ~ como quem diz: dos motivos de uma faléncia politica ~ acha-se no capitulo V do livro terceiro (Critica do iberalismo,) € no livre ‘quarto (\tulo sintomstico: -A anarquia liberal), designadamente nos capitulos .O reg Dofe- ¢ «0 romantisme-. Para além daquilo que consabidamente informa o texto © 0 pensamento martiniano em conereto, no que toca A ruinosa (para o Estado) venda {dos bens nacionais e & formagio da phutocracia que haveria de desmentiro idedrio liberal -, Oliveira Martins trata de estabelecer um nexo muito forte entre o liberalismo ‘©0 romantismo, como se as ra25es (ou algumas delas) do lracasso daquele fossem exp ‘caveis pelo segundo, O -priteito romantisme, diz Martins, foi -cat6lico, radicionalsa, monirquico, aistoctatico, medievista, de Chateaubriand e dos alemaes+ (Martins: 1977, p. 101); dele derivou uma poesia das ruinas ¢ uma literatura seduzida pelo imagindsio a Idade Média, este timo claramente provindo da recepeio portuguesa de Walter Scotte dos efeitos psico-culturais que essa recepcio susctou (cf. Pies: 1979 e Melao: 2001). Daqui transia-se sem esforgo para uma contradic2o resultante de uma das Faventuras singulares’ do nosso romantisio: a criagio de «uma tradigao nacional portuguesa, contra os elementos de uma Hist6ria de cinco séculos, quando a duraga0o Total da nossa Histria no excedia sete, Mas esses dois primeiros afiguravanse os pros: sendo o resto erros, desvies da genuina tradicao. De tal modo se obedecia & ‘enuina tradigo que lavrava nas tradigoes germanicas (Martins: 1977, p. 111) ‘A-conivéncia entre liberalismo e romantismo no € aqui invocada de Forma ino~ cente, © que comn ela se pretende & no apenas confirmar aquilo que no inicio se disse, mas também notar 2 sobrevivencia do segundo em deirimento do primeiru, 181 1 como se ele foste, mesmo no diseurso de um putative historiador, uma razdo para a Historia @ que ¢ preciso dar atencao especial: a relagio de Eca com Oliveira Martins e do Portugal Contempordneo com Os Maiasmestra que o ficcionista aceta essa linha de prevaléncia do romantismo como rxzdo da Historia, dos seus Factose das suas igu- ras, enquanto entidades inseridas na fegio. O que, para ser devidamente aceite desde if, carece de tés pistas de reflexio adicionais, aqui brevemente mencionadas porque | desenvolvidas algures: primeira, o facto de em Ea nio se ter cancelado nunca o fascinio pela Historia, fascinio que se ia aprofundando no tempo da composig2o d'Os ‘Matias (cf. Reis: 1999, p. 108 ss); segunda pista,a que reconhece no Portugal Contem- ordneo, do ponto de vista da substincia histérica oitocentsta, a fonte dominante {'Os Matas (cf. Rosa: 1964, p. 345 5s; tereeira a que aponta para a preferéncia que Ea di a Oliveira Martins, na problematizagao surda do romantismo, do iberalismo e das razdes que os moviam, em detrimento de Garrett, que consttui mais um dos episodios do insidioso silenciamento a que o grande romancista sujeitou © autor das Viagens (cl. Reis: 2002). 5. Como & bem sabido, 0 subsitulo d'Os Maias, Bpisédias da Vida Romantica, ‘constitui uma proposta de leitura que nao poile ser ignorada: de acordo com essa proposta de leltura, o romantsmo vem a ser, 20 mesmo tempo, tema e motive Falral ‘de uma vasta accio narrativa que inclai uma anpla créniea de costumes € 0s compor- lamentos e destinos individuais das figuras centnis do romance. Mais: mesmo algumas personagens de relevo menos (Tomés de Alencar, por exemplo) consttuem manites- tagoes evidentes da preméncia do romantismo 20 cendrio d’Os Matas, ao ponto de se poder dizer, como aqui importa notar, que o Hberaismo vem 2 ser subsumido pela cosmovisio’ romantica e pelo etbos que ela implica. Por outro lado, 0s “epis6dios da ‘vida romntica” remetem, de forma muitas veves expressa, para 0 devie da Histéria enquanto contexto de enquadramento da fiegio e mesmo sua razio explicativa. E assim, sea fegdo d’Os Matas pode ser lida sob osigno de uma determinagao romantic, 2 Historia que no romance esté representada cruza-se igualmente com essa deter 1nacio, sendo romance o lugar simbélico em que se busca o sentido que ea deve ter 'Nao & por acaso que assim acontece. A construcao da grande acco d'Os Maras (quer dizer: desde muito antes e até depois da chamadia jtriga do incesto) & balizada por tempos histéricos bem identificadas. abre-se no romance umm arco cronolégico que, mesmo com algumas elipses importantes, se alarga por cerca de setenta anos, ou seja, desde antes de 1820, até 19875. Recordemos: a historia d'Os Maias comesa com a juventude de Afonso da Maia, em data imprecisa, mas certamentesituada nos prim6r- dios da implantagao do liberalismo, ou sej, nas vésperas da revolugao de 1820. Esse primeito momento histrico incu o tempo do esto, vivendo Afonso (al como Garret) dois exilios, O segundo exilio do av6 de Carlos prolonga-se mesmo para alem da par- ‘ida da expedicio que, saindo de Inglaterra e passando pelos Acores,viria desembarcar ‘no Mindelo, em 1832. (© segundo tempo histérico Os Matas reporta-se aos anos de 1850 e seguintes, {tempo que em rigor comeca um pouco antes, com uma referéncia que corresponde a ‘uma data que pode ser apurada: a seguir ao breve epis6dio em que se consuma a fup> ‘ura entre pai e filo, por causa do casamento.com a Monforte, Vilaa assiste 40 p= ‘mero almoco de Afonso da Maia, na casa de Benfica ea seguir 8 partda de Pedro; logo depois, tntando desanuviar a pesada atmesfera que essa patida suscitara, Afonso ‘coment3: Entio, Vlaca, 0 Saldanha li foi demiido do Paco’ (Queitbs:s/d, p. 32) =o De camera BOS kasi dH {que permite apurar © ano de 1849, data em que 0 marechal Saldanha foi afastado da essfera do poder, na sequéncia do regresso de Costa Cabral, que, ais, apoiar. Sinto ‘maticamente, € neste episédio e quando termina o almoco, que Afonso toma o brago {do procurador, apoiando-se nele como se Ihe tivesse chegado -a primeira remura da velhice: (Queités s/d, p. 3D. Parece claro: este &, simbélica e realmente, 0 principio ‘da decadéncia da familia, porque Afonso (que andaria por pouco mais de cinquenta ‘anos) fica evidentemente fragilizado com a decisto do filho, que hi-de conduzira un Suictdio obviamente romintico.E esse principio de decadéncia ndo pode dissociar-se do tempo historico que se vive, nas primicias da regeneracao em que decorrers a vida ‘mundana e social de Pedro e Masia, at@ fuga desta com 0 romanesco Tancredo. Tuco jsto em sintonia com a atmosfera politco-culural que ento se vive, em que pontifica © ainda jovem, mas jf inremediavelmente romsintico, Alencar e que € atravessada, ‘como no romance se diz, pelo sop10 romantico da regeneracio- (Queit6s: 5, p. 36) © terceito tempo historico d'Os Maias comesa praticamente no Qutono de 18754, quando avé e neto vem viver para o Ramalhete, depois da viagem de Carlos pela Europa e logo que esta terminada a sua formacio em medicina. Historicamente festamos no tempo das sequelas da Regeneragao propriamente dita (1851-1868), no mesmo ano em que é fundado 0 Pande Socialista Portugues (sob 0 impulso de José Fontana ¢ Antero de Quental) e quando comeca a manifestarse 0 intetesse por Afica te pela causa colonial portuguesa, como € atestado pela fundacio da Sociedade de Geografia, ambém em 1875 num outro plano, vive-se em Portugal a emergéncia do realismo-naturalismo, em paste decomendo das Confeténcias do Casino (87D) « coneretizada na publicagio da primeira da segunda versbes dO Crime do Paiire “Amaro (1875 ¢ 1876). A familia Maia ~ reduzida a0 avé ea neo (netos, quando se dt 6 reconhecimento de Maria Eduarda) — entra em colapso irceversivel, com a revelaio do ineesto, a morte de Afonso ea partida de Carlos. 0 titimo tempo histérico d Os Maas fests, de nove, elaramente datado, de 1857, quando Carlos regressa a Lisboa e nela ve ‘coisas velhas (© Chiado ¢ o Ramalhete) ¢ coisas novas (os Restauradores e a Avenida). 6. neste contexto de frequentes referénctas histricas referencias que sio obvia ‘mente ponderadas e quase sempre motivadas pelo devir da acgio diegétiea, que n'Os ‘Maias se procede a uma reflexio, pelo viés da fiero, acerea do liberalismo, do romantismo e das razbes da Historia que, em func20 daqueles, & possivel indagar Volto a Afonso da Maia e a0 tempo que lhe & proprio ~ 0 da genese, instauracio © tse do liberalismo — para mostrar como e quando comeca um processo de divergencia ‘que duas geragdes mais tarde (ou seja no tempo de Carlos) culmina em abandono & decadéncia, Para o jovem Afonso da Maia, 2 chegada do iberalismo fora inequivocamente 0 dvento de uma nova era, com todos os seus entuslasmos e com todos 0s seus excessos. [A recepeio da idedtio liberal li esta, no primeiro capitulo do romance, trazendo jf Cconsigo uma espécie de insito estigma que aponta pant o fracasso que hide vit: 0 TEetvamenteieevane deste pont de vis (mis no de otto evidentement) 0 cpio cm que tons vst de Vlg # Sant Ova, onde esate veto de Creda em eontronto Sono ce Buetininh, Passese ene episodio cenameate poo depots Je 186, pos-0 Vag ier. fo comb te so Corepado: (Que 14, p60), 0 ue €apresenado como inovcao eceme “Run epsoaioJOs Mets eneonta-e ua elerénce 1 Soca de Geogralarelrtnisenolia ro sarc de Joo da Egs. quando Sousa Neo Ihe ergs se perience Soredade Proctor dos nim, fa responds: "A Sociedade rotcors dos Anumai2 No, selor petengo a ou, 3 de Ghograta Sou dos proeidos,// & baronens tere una dae nine alegre nas. #0 conde fase ‘Seremamene se: penetsa | Sociedade de Geogeia,conséerat.a um par do Esto, sredsaea mi Son ss cedars, deters aquele meverencmss Couewos Sp. 93) 185, 134 liberalsmo ¢ uma importagao esteangeira designadamente francesa) ea sua iastauracio ‘exige uma confliwalidade que, de um ponto de vista garretiano (e hegeliana), agora apenas implicito, decorre da famosa dialéctica da Historia, com os enfrentamentos que ela implica. E assim, para Caetano da Maia o jovem Afonso, liberal e magénico, "um Marat” e a célera que isso desencadeia -ulmina numa apéstrofe significaiva -Que aquele pedieiro-ivre no podia ser do seu sanguel (cf. Queit6s: 8/4, pp. 13-14) © primeiroe ainds matizado exilio inglés de Afonso representa jum afastamento fisico da cena da Hist6ria (la Historia portuguesa, entenda-se), o que, talvez incons- cientemente ainds, parece constituir um acto de distanciamento ideol6gico © mesmo de alheamento’, com dristicas consequencias futuras. J 0 segundo exiio (esse sit, entendido como tal, na plena aceprio do terms) consuma ndo apenas a reeicao do Portugal obsoleto e intolerante do Antigo Regime, mas também a ruptura com a causa liberal, em inicio de crise de valores. Vive-se entio o final da década de 20 e 0 prin pio dos anos 30, em plena emigragao liberal na Inglaterra, na sequéncia da Belfastada (182); « € nesse Cendrio de tensbes e convulsbes politicas desencontradas que Afonso dda Maia se acha definitivamente isolado: -Ao principio os emigrados liberais, Falmela e a gente do Belfast, ainda o vieram desassossegar e consumir A sua aima recta ndo tardou a protestar vendo a separagao de castas, de jerarquias, mantidas ali na terra estranha entte os vencidos da mesma ideta ~ 0s fidalgos e os desembargadores vivendo no luxo de Londres & fora, ¢ plebe, o exército, depois dos padecimentos da Galiza, sucumbindo agora’ fome, a vérmina, i febre nos barracdes de Plymouth, “Teve logo conflitos com os chefes liberais fol acusado de vintista e demagogo;, descreu. por fim do liberalismo. Isolou-se entio ~ sem fechar todavia 2 sua bolsa, donde salam as cinquenta, as cem moedas... Mas quando a. primeira expedicio pani, « pouco a pouco se foram vazando os depésitos de emigrados, respirou enfim ~ ¢, como ele disse, pela primeira vez Ihe soube bem ar de Inglaterra (Queirés: S/d, pp. 16-17) ‘Afonso da Maia, em suma, no acompania os liberais na expedicao que hide desembarcar no Mindelo, em Julho de 1832. Rompendo com 0 liberalismo convulsio: ‘nado e de cera forma “recusando” umn liberalismo portugués, ele segue um trajecto que é distinto do de Carlos, nas Viagens, ajzcto que, neste caso como se viu,

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